de 31 de Dezembro
1. O Decreto-Lei 422/76, de 29 de Maio, reformulou e condensou num único diploma, entre outras, as normas legais reguladoras da intervenção do Estado nas empresas privadas cujo funcionamento afectasse o normal desenvolvimento económico do País, tendo sido sua preocupação dominante eliminar as práticas casuísticas, limitadas à cobertura de factos consumados, e, consequentemente, adequar o papel do Estado às realidades económicas e aos superiores interesses da colectividade.2. É nesta perspectiva que o citado diploma, a par de outras medidas disciplinadoras e clarificadoras da actuação estatal, fixa prazos para a duração da respectiva intervenção, tendo feito aplicar os mesmos às intervenções anteriormente operadas.
Por outro lado, embora o aludido Decreto-Lei 422/76 não preveja no seu articulado um conjunto de regras reguladoras do processo conducente à concretização prática da cessação da intervenção estatal, não pode deixar de se reconhecer que no seu contexto insere determinados princípios básicos que terão de ser tidos em conta neste domínio.
Assim, em primeiro lugar, as intervenções do Estado assumem, segundo aquele diploma, carácter meramente transitório, não devendo, pois, transformar-se em processos indirectos de nacionalização. Por outro lado, da globalidade do articulado do referido diploma resulta ainda que a primeira responsabilidade pela feitura dos estudos e recolha dos demais elementos indispensáveis às decisões do Conselho de Ministros - bem como à sua prévia preparação - no tocante à cessação da intervenção e à promoção do saneamento económico e financeiro das empresas deve ser imputada aos respectivos gestores ou comissões administrativas nomeados pelo Governo.
3. Foi sentindo a ausência do conjunto de normas atrás mencionado que o Conselho de Ministros, através da resolução publicada no Diário da República, 1.ª série, de 14 de Outubro de 1976, procurou, para além de determinar que a cessação das intervenções fosse promovida até 28 de Fevereiro de 1977, fixar um primeiro grupo de regras disciplinadoras do processo de cessação daquelas intervenções.
A sua insuficiência e a experiência entretanto colhida impõem, no entanto, que, por um lado, se desenvolvam as normas básicas inseridas naquela resolução e, por outro, se fixe, sem perder de vista os aspectos específicos e conjunturais, todo um conjunto de regras gerais referentes quer ao estabelecimento das diversas etapas do processo de cessação de intervenção e seu desenvolvimento, quer à correcta avaliação dos direitos e obrigações dos detentores do capital privado.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º O processo de cessação das intervenções do Estado nas empresas privadas, para execução do disposto no Decreto-Lei 422/76, de 29 de Maio, compreende as seguintes fases, nos termos adiante definidos pelo presente diploma:
a) Elaboração do relatório do período de intervenção;
b) Apreciação do relatório mencionado na alínea anterior;
c) Proposta das medidas adequadas à cessação da intervenção, acompanhadas, quando necessário, das medidas de saneamento económico e financeiro;
d) Decisão do Governo, nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei 422/76.
Art. 2.º - 1. A elaboração do relatório mencionado na alínea a) do artigo anterior compete às comissões administrativas ou gestores nomeados pelo Governo, e presentemente em exercício de funções nas empresas sob intervenção do Estado, devendo obedecer às regras fixadas nos artigos 5.º e seguintes.
2. O aludido relatório será remetido pelas comissões administrativas ou gestores, impreterivelmente até 15 de Janeiro de 1977, aos Ministérios do Plano e Coordenação Económica, das Finanças e da Tutela.
Art. 3.º - 1. A apreciação do relatório mencionado no artigo anterior ficará a cargo de comissões interministeriais nomeadas para o efeito, as quais deverão tomar em conta os objectivos fixados pelo artigo 9.º 2. As comissões interministeriais serão nomeadas por despacho conjunto dos Ministros do Plano e Coordenação Económica, das Finanças e da Tutela, delas fazendo parte um representante de cada um daqueles Ministérios.
3. Sempre que a celeridade dos processos o imponha, poderão ser constituídas comissões interministeriais especializadas por sectores de actividade económica ou segundo critérios de natureza prática, sendo a sua composição e nomeação feitas em conformidade com o disposto no número anterior.
4. As comissões interministeriais poderão fazer-se assistir pelos peritos que considerarem necessários, competindo ao Ministério da Tutela promover as diligências indispensáveis para o efeito.
5. Quando nenhum dos membros da comissão seja jurista, esta deve fazer-se assistir por um licenciado em Direito, de preferência com experiência de consulta purídica a empresas.
6. As apreciações a cargo das comissões interministeriais devem incluir conclusões e recomendações técnicas relativas à escolha das medidas de cessação da intervenção, bem como, quando for caso disso, às de saneamento económico e financeiro das empresas.
7. Os relatórios das comissões interministeriais serão entregues até 15 de Fevereiro de 1977:
a) Ao Ministro da Tutela, quando não contenham propostas de medidas de saneamento económico e financeiro;
b) Aos Ministros da Tutela e das Finanças, quando contenham medidas dessa natureza;
c) Aos Ministros da Tutela, das Finanças e do Plano e Coordenação Económica, quando qualquer dos dois primeiros dê instruções nesse sentido.
Art. 4.º - 1. As propostas de medidas constantes do Decreto-Lei 422/76 serão apresentadas ao Conselho de Ministros, consoante os casos, pelos Ministros referidos nas alíneas do n.º 7 do artigo anterior.
2. As propostas referidas no número anterior tomarão em consideração as recomendações técnicas das comissões interministeriais a que alude o n.º 6 do artigo 3.º Art. 5.º - 1. O relatório do período de intervenção, mencionado na alínea a) do artigo 1.º, contará obrigatoriamente, além dos demais elementos necessários ao cabal diagnóstico da situação e evolução da empresa, os seguintes dados:
a) Ficha informativa da empresa, contendo, no mínimo, os elementos discriminados no anexo I ao presente diploma;
b) Balanço corrigido, obtido extracontabilisticamente e reportado à data do início da intervenção do Estado;
c) Balanço previsional corrigido, referido a 31 de Dezembro de 1976;
d) Análise da gestão, a partir da intervenção estatal;
e) Plano de viabilização económica e financeira da empresa a médio prazo ou demonstração da sua inviabilidade;
f) Propostas referentes ao saneamento económico e financeiro da empresa, contendo alternativas devidamente justificadas e avaliadas, bem como sugestões, também alternativas, sobre as medidas a adoptar no acto da cessação da intervenção, de acordo com o Decreto-Lei 422/76, de 29 de Maio.
2. Os elementos financeiros e contabilísticos a incluir no mencionado relatório devem, na medida do possível, conformar-se com os conceitos e modelos constantes do «sistema básico de informação de gestão», publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 152, de 1 de Julho de 1976.
Art. 6.º - 1. Os balanços referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 5.º serão obtidos a partir de balanços normais de gestão, balancetes mensais e demais elementos contabilísticos, embora reportados às datas naquelas alíneas mencionadas, corrigidos em conformidade com as regras estabelecidas no anexo II ao presente diploma.
2. Em casos devidamente justificados, e sempre que a data da intervenção se não afaste significativamente da data de elaboração do balanço normal de gestão, poderá este último ser utilizado para os efeitos do número anterior.
3. As correcções a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 5.º serão registadas na escrita da empresa, mediante despacho dos Ministérios das Finanças e da Tutela, sobre parecer favorável das comissões interministeriais referidas no artigo 3.º Art. 7.º - 1. O plano de viabilização económica e financeira a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º reportar-se-á, no mínimo, a um período de cinco anos (1977-1981), devendo cobrir, no entanto, período mais dilatado, sempre que isso se torne indispensável para que todos os efeitos esperados das acções de saneamento em que aquele plano se fundamente se reflictam plenamente na exploração da empresa.
2. O plano referido no número anterior deverá conter a avaliação das medidas de carácter económico preconizadas, tais como e conforme os casos, fusão, cisão ou associação, investimentos de expansão, de melhoria de produtividade e de eficiência, diversificação ou especialização de actividade, extinção ou reconversão de secções inviáveis, e demonstrar, de forma inequívoca, a possibilidade de a empresa ou empresas resultantes da cessação de intervenção rentabilizarem, no futuro, a respectiva exploração, remunerando adequadamente os factores produtivos que vierem a utilizar.
3. O plano a que se reporta o presente artigo deverá ser obrigatoriamente acompanhado, para além de outros dados indispensáveis à sua apreciação, dos seguintes elementos, reportados ao período da sua duração total:
a) Contas anuais de resultados previsionais;
b) Mapas previsionais de fluxos financeiros (cash-flow);
c) Balanços previsionais;
d) Mapas previsionais de origem e aplicação de fundos;
e) Havendo investimentos propostos, determinação da taxa interna de rentabilidade e período de recuperação dos capitais a investir.
4. Os elementos previsionais discriminados no número anterior devem ser apresentados, na medida do possível, em conformidade com os conceitos e modelos constantes do «sistema básico de informação de gestão», publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 152, de 1 de Julho de 1976, e deverão ter em conta a dimensão da empresa e o grau de risco implícito no seu futuro funcionamento.
Art. 8.º - 1. Com vista à elaboração das propostas de saneamento financeiro a que faz referência a alínea f) do n.º 1 do artigo 5.º serão, prévia e extracontabilisticamente, eliminados os prejuízos eventualmente existentes em contrapartida das rubricas seguintes e pela ordem indicada: reserva de reavaliação, reservas gerais ou não específicas, reservas específicas não afectas a investimento ou a fins sociais, reservas afectas a investimento ou a fins sociais, reserva legal e capital social.
2. Em situações que permaneçam especialmente graves após a concretização das operações referidas no número anterior, a despeito da demonstrada viabilidade económica da totalidade ou parte da empresa sob intervenção, a proposta de saneamento financeiro poderá conter alternativa baseada na prévia aplicação do Decreto-Lei 4/76, de 6 de Janeiro, definindo simultaneamente os bens a adquirir pelo Estado, conforme estipulado no artigo 5.º daquele diploma, com vista à constituição da nova ou novas empresas.
3. Na escolha das medidas de saneamento financeiro mais adequadas serão consideradas, designadamente, as seguintes:
a) Redução, reestruturação ou consolidação de créditos, nomeadamente através de acordo de credores;
b) Moratórias bancárias;
c) Emissão de obrigações;
d) Assumpção pelo Estado ou por instituição do sector público designada para o efeito, de dívidas da empresa perante o sistema bancário em contrapartida de direitos creditícios sobre a empresa, de juro e reembolso definidos em razão e em função dos resultados futuros;
e) Conversão de dívidas em capital;
f) Aumentos de capital em numerário.
4. A aplicação das medidas mencionadas no número anterior ou de outras para o efeito adequadas terá por objectivo proporcionar à empresa ou empresas resultantes da cessação da intervenção estrutura financeira equilibrada e tomará em conta as potencialidades de libertação de meios evidenciadas pelos mapas de fluxos financeiros (cash-flow) referidos na alínea b) do n.º 3 do artigo 7.º 5. Sempre, porém, que o Estado venha a participar no capital da empresa deverá fazê-lo, na medida do possível, em contrapartida do reembolso de créditos anteriores a que tenha concedido o aval e, quando assuma dívidas nos termos da alínea d) do n.º 3 deste artigo, deverá, igualmente na medida do possível, assumir de preferência as já avalizadas.
Art. 9.º - 1. A apreciação do relatório do período de intervenção, a efectuar pelas comissões interministeriais a que se refere o artigo 3.º, visará os seguintes objectivos fundamentais:
a) Avaliação dos direitos patrimoniais dos detentores do capital privado à data do início da intervenção, podendo, designadamente, ter em consideração, quando circunstâncias excepcionais o justifiquem, a reavaliação do imobilizado corpóreo da empresa, reportada a essa data;
b) Análise dos resultados da gestão da empresa durante o período da intervenção;
c) Apreciação do plano de viabilização económica da empresa a médio prazo, sendo tomadas em conta as conclusões a que sobre o mesmo tenham chegado entidades eventualmente solicitadas a proceder à sua análise crítica, designadamente as instituições de crédito financiadoras da empresa;
d) Apreciação das propostas alternativas sobre o saneamento financeiro da empresa e sobre estrutura de capitais prevista para o início da sua nova fase.
2. Para os efeitos da alínea a) do número anterior poderão ser excepcionalmente considerados factos ocorridos anteriormente à intervenção do Estado que hajam impedido o normal e efectivo exercício da gestão pelos órgãos estatutários ou legalmente competentes para o efeito, desde que tais factos tenham comprovadamente originado alterações patrimoniais sensíveis.
3. Independentemente da opção que vier a ser tomada quanto ao futuro da empresa intervencionada, nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei 422/76, de 29 de Maio, poderá o Estado, ao avaliar os direitos patrimoniais dos detentores do capital social com vista à fixação da sua participação no capital da empresa ou de nova ou novas que venham a criar-se e à extensão de esquemas de assumpção de dívida pelo Estado, tomar em consideração o que se estabelece na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2.
4. As comissões interministeriais, no exercício das suas funções, poderão determinar a realização de auditorias, análises, peritagens ou exames à totalidade ou parte da escrita da empresa, bem como à respectiva gestão ou organização, com o fim de obterem cabal esclarecimento sobre a sua real situação económica e financeira, bem como sobre a forma como a sua gestão foi conduzida.
5. Para os efeitos do número anterior, poderão as comissões interministeriais incumbir entidades independentes, de reconhecido mérito e idoneidade, de praticar os actos nele mencionados, sendo os respectivos encargos suportados pelas empresas intervencionadas.
6. Competirá também às comissões interministeriais, sempre que o considerem necessário e conveniente, convocar os detentores de pelo menos a maioria do capital privado, ou seus representantes, a fim de esclarecerem aspectos relacionados, nomeadamente com o passado da empresa, o valor real do seu património, a viabilidade do plano a médio prazo e ainda as alternativas de saneamento financeiro e a nova estrutura de capitais.
7. O Conselho de Ministros poderá em casos justificados determinar a prorrogação dos prazos previstos num máximo de 60 dias.
8. A inobservância injustificada dos prazos de remessa dos relatórios pelos gestores das empresas sob intervenção constituirá estes em responsabilidade disciplinar, a apreciar nos termos do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei 831/76, de 25 de Novembro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares - Henrique Medina Carreira.
Promulgado em 28 de Dezembro de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.