de 23 de Setembro
No uso da faculdade conferida pela Lei 24/82, de 23 de Agosto, o Governo decreta, nos termos do n.º 2 do artigo 168.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:Artigo 1.º É aprovado o Código Penal, que faz parte do presente decreto-lei.
Art. 2.º O Código Penal e os artigos 3.º e seguintes do presente decreto-lei entram em vigor em 1 de Janeiro de 1983.
Art.º 3.º - 1 - Ficam alterados para os limites mínimo e máximo fixados no artigo 40.º, n.º 1.º, do Código Penal todas as penas de prisão que tenham duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos.
2 - Ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 46.º do Código Penal todas as penas de multa cominadas em leis penais, de duração ou quantitativo inferiores ousuperiores aos limites aí fixados.
Art. 4.º - 1 - Consideram-se feitas para as correspondentes disposições do Código Penal todas as remissões para normas do Código anterior contidas em leis penais avulsas.
2 - Nomeadamente, consideram-se feitas:
a) Para o artigo 236.º, a remissão do artigo 63.º do Decreto-Lei 48912, de 18 de Março de 1969;
b) Para os artigos 236.º e 244.º, a remissão do artigo 19.º do Decreto-Lei 43977, de 3 de Julho de 1961; e para os artigos 228.º, 313.º e 314.º, a do artigo 20.º do mesmo diploma.
Art. 5.º O corpo do artigo 24.º do Decreto 13004, de 12 de Janeiro de 1927, passa a ter a seguinte redacção:
1 - O sacador do cheque cujo não pagamento por falta de provisão tiver sido verificado nos termos e prazo prescritos nos artigos 28.º e 29.º da Lei Uniforme relativa ao cheque, a pedido do respectivo portador, será punido com prisão até 3 anos.
2 - A pena será de 1 a 10 anos se:
a) O agente se entregar habitualmente à emissão de cheques sem provisão;
b) A pessoa directamente prejudicada ficar em difícil situação económica;
c) O quantitativo sacado for consideravelmente elevado.
Art. 6.º - 1 - Com excepção das normas relativas a contravenções, são revogados o Código Penal aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 e todas as disposições legais que prevêem e punem factos incriminados pelo novo Código Penal.
2 - Nomeadamente, são revogadas as seguintes disposições:
Artigos 178.º a 195.º do Regulamento Geral de Saúde Pecuária, de 7 de Fevereiro de 1889;
Artigo 95.º da Lei de 21 de Maio de 1886;
Artigo 15.º do Decreto de 15 de Abril de 1911;
Artigos 11.º, 12.º e 13.º do Decreto de 20 de Abril de 1911;
Artigos 260.º e 261.º do Decreto 5786, de 10 de Maio de 1919;
Decreto 10290, de 12 de Novembro de 1924;
Artigo 5.º do Decreto 10357, de 12 de Fevereiro de 1925;
Artigo 10.º do Decreto 15090, de 20 de Fevereiro de 1928;
Artigos 24.º e 25.º do Decreto 20431, de 24 de Outubro de 1931;
Artigo 6.º do Decreto 21740, de 14 de Outubro de 1932;
Artigo 9.º do Decreto-Lei 24902, de 10 de Janeiro de 1935;
Artigo 4.º do Decreto-Lei 29480, de 10 de Março de 1939;
Artigo 2.º do Decreto-Lei 31174, de 14 de Março de 1941;
Artigos 7.º, 9.º, 10.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º do Decreto-Lei 32171, de 29 de Julho de 1942;
Artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 32832, de 7 de Junho de 1944;
Artigo 156.º da Lei 2037, de 16 de Agosto de 1949;
Lei 2053, de 22 de Março de 1952;
Artigos 16.º a 19.º do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957;
Artigo 37.º do Decreto-Lei 42417, de 27 de Julho de 1959;
Artigos 9.º a 12.º do Decreto-Lei 42979, de 16 de Maio de 1960;
Artigos 1275.º a 1278.º e 1324.º do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961;
Artigos 549.º e 700.º do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei 44278, de 14 de Abril de 1962;
Artigo 1.º do Decreto-Lei 44579, de 19 de Setembro de 1962;
Decreto-Lei 44939, de 27 de Março de 1963;
Decreto-Lei 44940, de 28 de Março de 1963;
Artigos 19.º e 20.º do Decreto-Lei 45683, de 25 de Abril de 1964;
Artigos 56.º e 64.º da Lei 2135, de 17 de Julho de 1968;
Artigos 116.º, 121.º e 122.º do Decreto-Lei 48547, de 27 de Agosto de 1968;
Artigos 15.º a 22.º do Decreto-Lei 582/70, de 24 de Novembro;
Base XX, da Lei 4/71, de 21 Agosto;
Artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei 207-A/75, de 17 de Abril;
Decreto-Lei 274/75, de 4 de Junho;
Decreto-Lei 290/76, de 23 de Abril;
Artigo 3.º do Decreto-Lei 2/78, de 9 de Janeiro;
Artigos 53.º, 55.º, 57.º, 58.º, 61.º e 62.º da Lei 69/78, de 3 de Novembro;
Decreto-Lei 28/79, de 22 de Fevereiro;
Artigos 162.º e 165.º da Lei 14/79, de 16 de Maio;
Artigos 3.º a 6.º da Lei 24/81, de 20 de Agosto.
Art. 7.º Mantêm-se em vigor as normas de direito substantivo e processual relativos a contravenções. Aos limites da multa e à prisão em sua alternativa aplicam-se, porém, as disposições do novo Código Penal.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 19 de Agosto de 1982. - Diogo Pinto de Freitas do Amaral - José Manuel Meneses Sampaio Pimentel.
Promulgado em 10 de Setembro de 1982.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
CÓDIGO PENAL
I
Introdução
1 - O presente Código Penal baseia-se fundamentalmente nos projectos elaborados em 1963 («Parte geral») e em 1966 («Parte especial»), da autoria de Eduardo Correia.Aquele texto («Parte geral»), correspondendo a uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista e em muitos aspectos profundamente inovadora, foi saudado pelos mais proeminentes cultores da ciência do direito penal nacional e estrangeira. Destes salientem-se, a título exemplificativo, os nomes de Hans-Heinrich Jescheck, presidente da Associação Internacional de Defesa Internacional de Direito Penal, Marc Ancel, presidente da Sociedade Internacional de Defesa Social, e Pierre Canat.
Pena foi que não tivesse sido mais rápida a aprovação desse projecto, pois muitas das suas disposições teriam um carácter altamente precursor - relativamente ao direito alemão e a outros projectos estrangeiros -, colocando-nos assim, como escrevia Canat, «a la pointe même du progrès».
Cumpre desde já dizer que, contrariamente àquilo que poderá parecer, mercê de análise menos reflectida, o diploma, quer na forma, quer no conteúdo das suas prescrições, não se afasta do que verdadeiramente de vivo há na tradição jurídico-penal portuguesa, antes justamente o consagra. E isso mesmo parece ter sido compreendido e aceite pelas várias comissões de revisão que sobre o projecto tiveram oportunidade de se pronunciar, em vários tempos e em diferentes enquadramentos políticos, mas sempre compostas por homens - do mais variado cariz político e profissional - que se preocuparam e se preocupam com as coisas do direito penal.
No entanto, e não obstante todo o esforço desenvolvido, o projecto inicial passou por várias vicissitudes, nunca tendo encontrado o espaço político necessário à sua consagração legal. A este facto não será estranho o fim e textura do próprio sistema punitivo do Código, que assenta, adianta-se, em coordenadas que mal caberiam nos quadros de uma compreensão marcadamente repressiva.
A necessidade de fazer uma adequação da legislação ordinária ao novo espírito legislativo resultante do 25 de Abril fez com que o último Governo provisório fomentasse a ideia de tomar o projecto em viva realidade normativa de que o País tanto carecia. Tal impulso não esmoreceu, bem ao contrário, na vivência do I Governo Constitucional. Neste espírito, foi constituída uma comissão revisora, cujo trabalho serviu de base à proposta de lei 117/I (Diário da Assembleia da República, suplemento ao n.º 136, de 28 de Julho de 1977). Contudo, por razões da nossa história presente, bem conhecidas de todos, a Assembleia da República não apreciou a mencionada proposta de lei.
Na vigência do IV Governo Constitucional tentou-se decididamente realizar todo o plano arquitectural do ordenamento penal português. Novamente foi apresentada uma proposta de lei (relativa à «Parte geral») à Assembleia da República, absolutamente coincidente com a enviada pelo I Governo Constitucional. No que toca à «Parte especial», foi esta também revista no Ministério da Justiça, resultando do seu trabalho um articulado que igualmente se enviou à Assembleia da República, sob a conveniente forma de proposta de lei.
Todavia, aquele não foi o momento propício da cena política portuguesa para se encontrar o mínimo de consenso sempre necessário às grandes empresas legislativas. Porém, exprima-se lateralmente, muitas das traves mestras de um movimento legislativo mais vasto foram então lançadas. Nesta esteira, publicaram-se 2 diplomas legislativos de forte incidência prática e dogmática na estrutura global do sistema penal português: o da reforma da organização prisional (Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto) e o direito de mera ordenação social (Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho). Integrando aquele movimento, apresentou-se ainda uma proposta de lei concernente à «legislação especial aplicável a jovens delinquentes dos 16 aos 21 anos».
Mas, se muito já foi feito, é indiscutível que falta consagrar o essencial, isto é, o Código Penal - parte geral e especial. Nisto se empenhou profundamente o actual governo, que, depois de ter nomeado nova comissão de revisão, apresenta agora um diploma que, sem se afastar dos parâmetros dos projectos anteriores, sofre algumas importantes modificações que o tempo, a reflexão e as novas orientações doutrinais exigiam. Preparado está também o diploma sobre a recuperação social, condição essencial da realização da filosofia do Código Penal.
Não deixará de se recordar, por fim, que o Código, cuja vigência agora cessa, constituiu também, no seu tempo, um significativo avanço em relação à ciência criminal da época, o que terá contribuído para que ele conservasse, fundamentalmente, a sua estrutura inicial, a despeito das sucessivas alterações impostas por uma realidade criminológica em constante mutação.
II
Parte geral
2 - Um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. O princípio nulla poena sine culpa, combatido ultimamente em certos quadrantes do pensamento jurídico-penal, embora mais, ou quase exclusivamente, contra a vertente que considera a culpa como fundamento da pena, ganhou o voto unânime de todas as forças políticas representadas no parlamento alemão, quando se procedeu à apreciação dos grandes princípios orientadores da reforma daquele sistema penal. Acrescente-se que mesmo os autores que dão uma maior tónica à prevenção geral aceitam inequivocamente a culpa como limite de pena. E mais.Podemos dizer, sem querer entrar em pormenores, que ele corresponde, independentemente da perspectiva em que se coloque o investigador, a uma larga e profunda tradição cultural portuguesa e europeia.
No entanto, o atribuir-se à pena um conteúdo de reprovação ética não significa que se abandonem as finalidades da prevenção geral e especial nem, muito menos, que se sugira o alheamento da recuperação do delinquente. Quanto à prevenção geral, sabemos que não há verdadeira antinomia entre esta finalidade e a culpa, já que, através da mediação axiológica que o direito penal exige a todos os membros da comunidade jurídica, se ergue, deste modo, a barreira inibidora da pena. Contudo, a sua força dissuasora não nasce tanto da sua realidade heterónoma, mas antes da própria autonomia do agente, que sabe ser a definição daquela pena fruto da participação, num determinado momento histórico, de toda a comunidade, ainda que filtrada pelos órgãos constitucionalmente competentes.
A esta luz, não será, pois, difícil de ver que também a tónica da prevenção especial só pode ganhar sentido e eficácia se houver uma participação real, dialogante e efectiva do delinquente. E esta só se consegue fazendo apelo à sua total autonomia, liberdade e responsabilidade.
É, na verdade, da conjugação do papel interveniente das instâncias auxiliares da execução das penas privativas de liberdade e do responsável e autónomo empenhamento do delinquente que se poderão encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidência.
Não se abandona o delinquente à pura expiação em situação de isolamento - cujos efeitos negativos estão cabalmente demonstrados - nem se permite que a administração penitenciária caia em estéreis omissões e empregue pedagogias por cujos os valores o delinquente, muitas as vezes, não se sente motivado nem, o que é mais grave, reconhece neles qualquer forma de comparticipação. Sabe-se que, na essência, o equilíbrio entre estes dois vectores nem sempre é fácil de alcançar, a que se junta a rigidez das penas institucionais. No sentido de superar esta visão tradicional, o presente diploma consagra, articulada e coerentemente, um conjunto de medidas não institucionais que facilita e potencia, sobremaneira, aquele desejado encontro de vontades. Verifica-se a assunção conscienciosa daquilo a que a nova sociologia do comportamento designa por desdramatização do ritual e obrigam-se as instâncias de execução da pena privativa de liberdade a serem co-responsáveis no êxito ou fracasso reeducativo e ressocializador. Pensa-se ser esta uma das formas que mais eficazmente pode levar à reintegração do delinquente na sociedade. Acrescenta-se que toda a nova compreensão de encarar a panóplia punitiva já está noutros países fortemente implantada com resultados satisfatórios.
Pelo menos num determinado estádio de desenvolvimento das estruturas económicas, ou, por outras palavras, tais medidas mostram-se altamente operatórias num tipo de sociedade cujo denominador comum se assemelha ao padrão do nosso viver quotidiano.
3 - Por outro lado, sabe-se que o princípio da culpa, tal como está pressuposto no diploma, implica que medidas de segurança privativas da liberdade só existirão para os inimputáveis. A solução do problema dos chamados «imputáveis perigosos» é fundadamente conseguida pela introdução da pena relativamente indeterminada.
Deste jeito, satisfaz-se a unidade compreensiva do diploma e dá-se resposta aos anseios legítimos - tanto mais legítimos quando se vive num Estado democrático - da comunidade jurídica, de ver protegido o valor da segurança, que, como facilmente também se depreenderá, só deverá ser honrado nos casos especialmente consagrados na lei. E não pode deixar de ser assim porque os homens a que este diploma se dirige são compreendidos como estruturas «abertas» e dialogantes capazes de assumirem a sua própria liberdade. Por outras palavras, eles serão sempre um prius, nunca um posterius.
4 - Característico de toda a filosofia deste diploma é o modo como se consagra a problemática do erro. Na verdade, este ponto pode perspectivar-se como charneira de toda a problemática da culpa, já que é nele - quer se considere o erro sobre as circunstâncias do facto (artigo 16.º) quer o erro sobre a ilicitude (artigo 17.º) - que o direito penal encontra o verdadeiro sentido para ser considerado como direito penal da culpa. Torna-se assim evidente, à luz deste diploma, que o agente só pode merecer um juízo de censura ética se tiver actuado com consciência da ilicitude do facto. Porém, se tiver agido sem consciência da ilicitude e se o erro lhe for censurável, o agente «será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada» (artigo 17.º, n.º 2). Ficam, deste modo, protegidos não só determinados fins da prevenção, como também o valor que todo o direito prossegue: a ideia de justiça.
5 - Não se desconhece que, amiúde, a fronteira entre o imputável e o inimputável é extremamente difícil de traçar.
Daí a urgência da adopção de um critério que rigorosamente seriasse as várias hipóteses pela aferição das quais o agente da infracção pudesse ser considerado imputável ou inimputável. Neste horizonte, o diploma faz apelo a um critério bio-psicológico integrado por componentes de nítido matiz axiológico, é dizer, «a comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas» (artigo 20.º). É, pois, necessário, para o agente ser considerado imputável, que consiga determinar-se pelas penas. Facto demonstrativo não só da criteriosa integração do elemento de valoração ética, mas também de carregado afloramento da tradição correccionalista portuguesa, manifestando-se assim, neste ponto, como noutros, a inconsequência daqueles que julgam que o Código se não funda em raízes culturais portuguesas. Para além disso, ao admitir-se um vasto domínio para a inimputabilidade, devido à definição de critérios que se afastam do mais rígido pensamento da culpa, permitir-se-á aos mais reticentes na aceitação deste princípio a construção de um modelo baseado numa ideia que desliza para a responsabilidade social mitigada.
6 - Outra questão particularmente importante neste domínio é a aceitação de que os imputáveis maiores de 16 anos e menores de 21 anos são merecedores de legislação especial, a que atrás se fez referência. Esta ideia corresponde, por um lado, à consciencialização do que há de arbitrário - mas não intrinsecamente injusto - na determinação de certa idade como limite formal para distinguir o imputável do inimputável. É justamente para atenuar os efeitos deste corte dogmático e praticamente imprescindível que se vê com bons olhos um direito de jovens imputáveis que vise paredes meias, nos princípios e nas medidas protectivas e reeducadoras, os fins do direito de menores. Mas, se esta seria, já por si, uma razão que levaria ao acatamento legislativo daquele direito para jovens imputáveis, outras motivações e razões mais arreigam a nossa convicção. Salientem-se não só as que decorrem dos efeitos menos estigmatizantes que este direito acarreta, como mantém - em conexão com aquelas sequelas e no seio deste ramo de direito - a maior capacidade de ressocialização do jovem que se abre ainda para zonas não traumatizadas, como tal perfeitamente lúcido e compreensivo às solicitações justas e adequadas da ordem jurídica.
7 - O Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Simplesmente, a concretização daquele objectivo parece comprometida pela existência da própria prisão. Daí todo o conjunto de medidas não institucionais que já foram mencionadas noutro contexto.
Medidas que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes.
Por outro lado, não obstante essas reacções penais não detentivas funcionarem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, mas como autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos de certas zonas da delinquência.
Todavia, é evidente que o combate às penas institucionais correria o risco de insucesso se o Código se limitasse a enunciar as medidas substitutivas, sem fornecer, simultaneamente, o critério geral orientador da escolha das penas. A isso visa o artigo 71.º: impondo ao tribunal que dê preferência fundamentada à pena não privativa de liberdade «sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime». Isto é, aceita-se a existência da pena de prisão como pena principal para os casos mais graves, mas o diploma afirma claramente que o recurso às penas privativas de liberdade só será legítimo quando, face às circunstâncias do caso, se não mostrarem adequadas as reacções penais não detentivas.
8 - Não se esgotam, porém, no conteúdo do artigo 71.º, os poderes concedidos ao juiz para, através da escolha e graduação da pena, alcançar a justa punição do agente e a realização do objectivo geral da prevenção do crime pelo tratamento do condenado.
Deste modo, prevê-se uma atenuação especial da pena nos casos em que circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente (artigo 73.º) ou quando ela conduzir à substituição da prisão por «prisão por dias livres» ou pela pena de multa (artigo 74.º).
Mas o Código consagra duas importantes inovações nesta matéria. Na verdade, «pode o tribunal não aplicar qualquer pena se a culpa do agente for diminuta, o dano tiver sido reparado e a tal se não opuserem as exigências da recuperação do delinquente e da prevenção geral» (artigo 75.º, n.º 1). Além disso, permite-se que, nos casos em que não estejam ainda cabalmente realizados aqueles pressupostos, o juiz possa não proferir a sentença, adiando-a para um momento posterior, na esperança de que o comportamento do delinquente, a reparação próxima do dano ou a confirmação da falta de especiais exigências de prevenção venham a justificar a dispensa da pena (artigo 75.º, n.º 2).
Com tais medidas - que o Comité de Ministros do Conselho da Europa recomenda em resolução de Março de 1976 e que se encontram já consagradas, por exemplo, na Inglaterra, França (por recente lei de 11 de Julho de 1975) e também na Áustria (Código Penal, § 42.º) - espera o Código dotar a administração da justiça penal de um meio idóneo de substituição de curtas penas de prisão ou mesmo da pronúncia de outras penas que nem a protecção da sociedade nem a recuperação do delinquente parecem seriamente exigir.
9 - Já atrás se referiam as razões por que, no momento actual, não pode o Código deixar de utilizar a prisão. Mas fá-lo com a clara consciência de que ela é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a quem venha ser aplicada.
No que toca às medidas institucionais, aboliu-se a diferenciação da prisão em várias espécies (como entre nós ainda acontece com a prisão maior e a prisão correccional). O sentido da existência de diferentes espécies de prisão é, tradicionalmente, o de traduzir uma diferenciação de formas de retribuição, correspondentes à diversidade da natureza e gravidade dos factos que a originam.
Daí que às espécies mais graves devessem corresponder certos feitos próprios (como, por exemplo, a demissão de lugares públicos ou a incapacidade de exercer certas funções).
A solução perfilhada neste domínio pelo Código parte, desde logo, da ideia - em que os mais representativos cultores da ciência penitenciária vêm desde à tempos insistindo - de que a execução das penas privativas de liberdade tão-só pode diferenciar-se em função da sua maior ou menor duração.
Mas também não lhe é estranho outro pensamento fundamental: o de retirar à pena de prisão todo o carácter infamante, em consonância, de resto, com o disposto no artigo 65.º - outra novidade do Código relativamente ao nosso direito actual -, onde se proclama que «nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos». De acordo com estas ideias, há que alterar-se a legislação sobre o registo criminal, encontrando-se o respectivo projecto já elaborado.
Outro aspecto a ter em conta numa leitura correcta do diploma é o que diz respeito às medidas consagradas com o objectivo de limitar o mais possível os efeitos criminógenos da prisão.
Para além de um regime muito aberto de substituição da prisão por multa (artigo 43.º), há que referir que a prisão não superior a 3 meses poderá ser cumprida por dias livres (fins de semana e dias feriados, para evitar, ou pelo menos atenuar, os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado (artigo 44.º).
O mesmo propósito de, por um lado, furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e, por outro lado, impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais e profissionais justifica ainda a possibilidade, prevista no artigo 45.º, de um regime de semidetenção.
Considerada originalmente como um simples período de transição entre a prisão e a liberdade, a semidetenção (ou semiliberdade, como por vezes é também designada) foi de início utilizada no domínio da execução das longas penas de prisão, constituindo uma última fase da pena que permitia ao recluso uma readaptação progressiva à vida normal. Os resultados positivos desta experiência levaram, modernamente, o legislador a tentar um emprego diferente da medida. Assim aconteceu, por exemplo, em França, onde a lei de 11 de Julho de 1970 (que modificou o artigo 723.º do Código de Processo Penal) autorizou o tribunal a decidir desde logo a sujeição do réu ao regime de semiliberdade nos casos de infracção punível com curtas penas de prisão.
E idêntico caminho segue o Código ao estabelecer um regime de semidetenção que permita ao delinquente prosseguir a sua formação ou actividade profissional normal ou os seus estudos.
É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61.º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
Com tal medida - que pode ser normalmente decretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.º, n.º 1) - espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixação de mínimos de duração para o período da liberdade condicional (artigo 61.º, n.º 3) e, por outro, a obrigatoriedade da pronúncia dela, decorridos que sejam cinco sextos da pena, nos casos de prisão superior a 6 anos (artigo 61.º, n.º 2). Por outro lado, a imposição de certas obrigações na concessão da liberdade (artigo 62.º, com referência aos n.os 2 e 3 do artigo 54.º) e a possibilidade do apoio de assistentes sociais (artigo 62.º, com referência ao artigo 55.º) atenuarão, certamente, a influência de várias «componentes exteriores da perigosidade», com o que melhor se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva.
10 - É, contudo, nas medidas não detentivas que se depositam as melhores esperanças.
Assim, e desde logo, na multa, que, ao lado da prisão, o Código consagra como outra das penas principais. Medida substitutiva por excelência da prisão, a sua importância só poderá ser inteiramente avaliada em face do que dispõe a «Parte especial» do Código, onde se faz dela um largo uso, com o que, aliás, se dá cumprimento às mais insistentes recomendações da ciência penal e da penologia modernas.
O Código utilizou o sistema dos «dias de multa», o que permite adaptá-la melhor tanto à culpa como às condições económicas do agente, e, como já atrás houve ocasião de referir, estabeleceu ainda o princípio da conversão em multa da pena de prisão inferior a 6 meses, salvo se o cumprimento da prisão se entender necessário para prevenção de futuras infracções (artigo 43.º, n.º 1).
Referência especial merece o regime proposto para o caso de não pagamento da multa. Face à proibição da sua conversão em prisão (que é o sistema tradicional, praticado ainda na generalidade dos países), houve que definir um regime variado que, embora se propusesse tornar realmente efectiva a condenação, não deixasse de tomar em conta uma vasta gama de hipóteses (desde a simples recusa, sem motivo sério, de pagar até aos casos em que a razão do não cumprimento não é imputável ao agente) que podem levar ao não pagamento da multa.
Daí a regulamentação extensa dos artigos 46.º e 47.º que prevê o pagamento diferido ou em prestações, o recurso à execução dos bens do condenado, a substituição, total ou parcial, da multa por prestação de trabalho em obras e oficinas do Estado ou de outras pessoas de direito público e, finalmente - mas só se nenhuma dessas outras modalidades de cumprimento puder ser utilizada -, a aplicação da prisão pronunciada em alternativa na sentença, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, podendo embora a prisão ser atenuada ou decretar-se mesmo a isenção da pena sempre que o agente prove que lhe não pode ser imputada a razão do não pagamento. Por outro lado, optou-se pela punição autónoma do agente que se tenha intencionalmente colocado em condições de não poder pagar a multa ou de não poder ser ela substituída pela prestação de trabalho (artigo 47.º, n.º 5).
11 - Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão de delinquente ao regime de prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos.
É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova. Se se é tentado, muitas vezes, a confundi-los, é bom sublinhar que se trata de dois institutos distintos, com características e regimes próprios.
Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime (artigo 48.º, n.º 2). A possibilidade de imposição de certas obrigações ao réu (artigo 49.º), destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social, reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código (v.g., em matéria de pressupostos).
Diferentemente, o regime de prova - a probation de inspiração inglesa e norte-americana - é uma das grandes novidades do Código. O sistema proposto, e que corresponde à sua forma mais pura, consiste na suspensão da própria pronúncia da pena, ficando o agente submetido a um período de «prova» em meio livre (que pode durar de 1 a 3 anos, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação), que servirá para avaliar até que ponto é o delinquente idóneo a uma reinserção completa na vida social. O tribunal poderá impor ainda ao delinquente certas obrigações ou deveres destinados a assegurar a sua readaptação (artigo 54.º, n.os 2 e 3).
Mas o que verdadeiramente caracteriza esta medida - e lhe confere aquele sentido marcadamente educativo e correctivo que sempre a distinguiu da simples suspensão da pena - é, por um lado, a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do delinquente à especial vigilância e controle da assistência social especializada.
Daí que, como forma de tratamento essencialmente individual, haja que pôr o maior cuidado na selecção dos delinquentes, devendo criteriosamente indagar-se das condições pessoais de cada um. E isto porque, repete-se, com a utilização desta medida não se espera só o mero efeito útil de substituir a prisão, uma vez que se acredita no seu alto valor ressocializador, comprovado por uma larga experiência, francamente positiva, em vários países, como, por exemplo, a Inglaterra, a Suécia ou os Estados Unidos da América.
Para aqui deixar registadas as notas mais salientes do regime deste instituto, importa lembrar ainda que a lei procurará, como já atrás se disse, fazer mergulhar esta medida não institucional nas próprias estruturas de controle social não formal, chamando a sociedade a colaborar na compreensão do fenómeno do crime e na recuperação dos delinquentes. E muito sinceramente se espera que uma tal experiência sirva também para uma melhor informação do público em geral sobre as vantagens que apresentam as medidas substitutivas da prisão, no sentido que uma cada vez mais ampla e clara aceitação das formas de tratamento penal dos delinquentes, sem privação da sua liberdade.
12 - Para encerrar este capítulo das modalidades de reacção penal importa dizer alguma coisa sobre duas medidas que são também novidade no nosso direito e que igualmente se integram no quadro de combate às penas detentivas. Referimo-nos à admoestação (artigo 59.º) e à prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 60.º).
Quanto à primeira - de que a legislação estrangeira nos oferece, entre outros, o exemplo da Jugoslávia, onde esta medida é conhecida desde 1959 -, trata-se de uma censura solene, feita em audiência pelo tribunal, aplicável a indivíduos culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende (ou por serem delinquentes primários ou por neles ser mais vivo um sentimento da própria dignidade, por exemplo) não haver, de um ponto de vista preventivo, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais que importem a imposição de uma sanção substancial.
Quanto à segunda, trata-se igualmente de uma medida aplicável ao agente considerado culpado pela prática de crime a que corresponda pena de prisão, com ou sem multa, não superior a 3 meses e consiste na prestação de serviços gratuitos, durante os períodos não compreendidos nas horas normais de trabalho, ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou mesmo a entidades privadas que o tribunal considere de interesse para a comunidade.
As experiências de outros países apontam-lhe seguras vantagens. Assim, para além de representar uma possibilidade eficaz de substituição da prisão, a prestação de trabalho a favor da comunidade parece ter encontrado mesmo (cite-se, por exemplo, o caso da Inglaterra, onde a medida também é experimentada desde 1972) reacções favoráveis por parte do próprio público em geral.
O facto de, nesta modalidade de execução penal, o trabalho do delinquente ser directamente introduzido no circuito de produção de bens ou serviços de interesse comunitário, ao lado da actividade normal dos cidadãos livres, deve ter certamente contribuído para a boa aceitação desta medida, que o Código prevê seja controlada por órgãos de serviço social (artigo 60.º, n.º 5).
13 - Quando, todavia, pelas razões atrás invocadas, não seja possível empregar toda a gama de medidas não institucionais e se tenha de cominar uma pena de prisão, torna-se claro que se devem fazer todos os esforços para combater o efeito desmoralizante que se lhe aponta. É aqui que se abre o vasto campo da execução das penas de prisão.
O domínio da execução sempre mereceu, entre nós, a mais viva atenção, não só de práticos como de teóricos. Inscrevendo-se no amplo movimento de reforma feito sentir em diversos países, foi já elaborada a reforma sobre a execução de medidas privativas de liberdade, em vigor desde 1 de Janeiro de 1980.
Pretendeu-se trilhar um caminho que progressivamente trouxesse a execução para o domínio do jurídico, ultrapassada a fase em que fora deixada ao arbítrio de uma administração toda poderosa, ressalvando a posição jurídica do recluso.
A realização dos ideais de humanidade, bem como de reinserção social assinalados, passam hoje, indiscutivelmente, pela assunção do recluso como sujeito de direitos ou sujeito da execução, que o princípio do respeito pela sua dignidade humana aponta de forma imediata.
A própria ideia de reeducação não se compadece com a existência de duros e degradantes regimes prisionais ou aplicação de castigos corporais, pressupondo antes a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, enquanto por esse modo se fomenta o sentido de responsabilidade do recluso, base imprescindível de um pensamento ressocializador.
Assinala-se, portanto, um decisivo movimento de respeito pela pessoa do recluso que, reconhecendo a sua autonomia e dimensão como ser humano, assaca à sua participação na execução um relevantíssimo papel na obra de reinserção social, em que não só a sociedade como também o recluso são os primeiros interessados.
Um último aspecto que é importante salientar diz ainda respeito às dificuldades que origina a falta de estruturas para conduzir a bom termo um tratamento minimamente eficaz. A sua realização requer, desde logo, meios e pessoal competente e adequados.
A problemática relacionada com o pessoal encarregado da execução coloca-se cada vez com mais acuidade e revela-se, não só pela atenção que lhe é dedicada no referido diploma legislativo, bem como pela preocupação de dotar com formação adequada o pessoal encarregado da assistência social. A esta ordem de preocupações corresponde, de resto, a elaboração de um projecto de diploma que cria os serviços de auxílio à reinserção social dos delinquentes.
14 - A dimensão dogmática da ilicitude, segundo alguns autores, só ganha verdadeira ressonância e acuidade na parte especial dos códigos penais, pois é aí que ela se confronta com as reais tensões jurídicas impostas pela natureza do bem jurídico-penal que se quer proteger. Mas não só nesse aspecto. Com efeito, é na rigorosa definição dos elementos do tipo que em verdadeiro rigor se concretiza o princípio da tipicidade. É este trabalho, tantas vezes árduo e difícil, o melhor garante da liberdade dos cidadãos, que não pode deixar de ser apoiado, como o faz o diploma, de forma clara e inequívoca, pelo princípio da legalidade - extensivo às próprias medidas de segurança. Por isso, a ilicitude, de uma certa visão das coisas, tem de estar enformada pela determinação típica e evitar a utilização de cláusulas gerais e tipos abertos. Em devido tempo ver-se-á que assim acontece na «Parte especial».
Mas o lugar privilegiado e clássico da ilicitude é a parte geral dos códigos. Neste sentido, o Código consagra a ilicitude como elemento essencial da acção típica, jungindo àquela as causas que a excluem. Neste particular, há que realçar a abertura do sistema na medida em que não enuncia de forma taxativa as diferentes causas de exclusão de ilicitude, antes faz uma enunciação indicadora. Mais uma vez se verifica, e nunca será de mais lembrá-lo, um espaço nocional que apela à verdadeira e criativa actividade do juiz. O julgador não tem, pois, de ater-se unicamente às prescrições legais; ele pode procurar, através da melhor hermenêutica, a mais justa solução para o caso concreto.
15 - No sentido de um maior alargamento da responsabilidade penal admite-se a punibilidade pela actuação em nome de outrem quando o agente actuou «voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, sociedades ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exija» (artigo 12.º, n.º 1) certos elementos que a lei seguidamente descreve. Em termos de política criminal consegue-se, assim, uma infiltração consequente do direito penal em áreas extremamente sensíveis e cuja criminalidade cai normalmente na zona das «cifras negras». É claro que esta actuação não basta. Tem de ser acompanhada do conveniente incremento e aplicação do direito das contra-ordenações. De qualquer maneira, já grande parte da criminalidade - talvez a qualitativamente mais perigosa -, que se alberga e se serve das pessoas colectivas, fica sob a alçada do direito penal. Saliente-se, neste contexto, a regra da responsabilidade criminal das pessoas singulares (artigo 11.º) - corolário da concepção do princípio da culpa enunciado - e a possibilidade de a lei abrir excepções, em casos justificados, no tocante à responsabilidade criminal das pessoas colectivas.
16 - Ligada a uma ideia pedagógica, norteada pelo fermento da participação de todos os cidadãos na vida comum, consagra-se, em termos limitados, a equiparação da omissão à acção. Desta forma, «a comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente obrigue a evitar esse resultado» (artigo 10.º, n.º 2).
Fácil é de ver que a consagração ilimitada daquela equiparação levaria a terríveis injustiças, e o preceito que nasce carregado de uma intencionalidade de justiça transformar-se-ia, perigosamente, no seu contrário. A existência do dever jurídico, criado para impedir o resultado, é, hoje, o ponto mais extremo que legalmente se pode conceber no sentido de alargar a equiparação da omissão à acção no domínio do direito penal. De qualquer forma, a solução adiantada corresponde aos ensinamentos da doutrina e do direito comparado e fundamenta-se na ideia mais vasta e profunda da solidariedade social, a que o próprio Código Civil de Seabra não era estranho.
17 - Um outro ponto extremamente importante é o que se prende com a problemática da vítima. Esta, fundamentalmente depois da 2.ª Guerra Mundial, começou a ser objecto de estudos de raiz criminológica que chamaram a atenção para a maneira, às vezes pouco cuidada, como era encarada, não só pela opinião pública, mas também pela doutrina do direito penal. A vítima passa a ser um elemento, com igual dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima.
Correspondendo a este movimento doutrinal, o diploma admite - para lá, independentemente da responsabilidade civil emergente do crime (artigo 128.º) - a indemnização dos lesados (artigo 129.º). Por outro lado, sabe-se que mesmo em países de economias indiscutivelmente mais fortes do que a nossa ainda se não consagrou plenamente a criação de um seguro social que indemnize o lesado, quando o delinquente o não possa fazer. Num enquadramento de austeridade financeira remete-se para a legislação especial a criação daquele seguro. No entanto, para que a real indemnização da vítima possa ter algum cunho da praticabilidade, concede-se a faculdade de o tribunal atribuir ao lesado, a seu requerimento, os objectos apreendidos ou o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 107.º a 110.º, e as importâncias das multas que o agente haja pago (artigo 129.º, n.º 3). Vai-se, por consequência, ao ponto de afectar as próprias multas à satisfação do direito do lesado de ver cumprido o pagamento da indemnização. Julgamos que ficam, deste jeito, acautelados os reais interesses dos lesados, mormente daqueles que foram vítimas da chamada criminalidade violenta.
De resto, não é só na «Parte geral» que o Código se revela particularmente atento aos valores e interesses que relevam da posição da vítima. Há toda a necessidade de evitar que o sistema penal, por exclusivamente orientado para as exigências da luta contra o crime, acabe por se converter, para certas vítimas, numa repetição e potenciação das agressões e traumas resultantes do próprio crime. Tal perigo assume, como é sabido, particular acuidade no domínio dos crimes sexuais, em que o processo penal pode, afinal, funcionar mais contra a vítima do que contra o próprio delinquente. Daí que, embora aderindo decididamente ao movimento de discriminalização, o Código não tenha descurado a ponderada consideração dos interesses da vítima. Como é ainda em nome dos mesmos interesses que o Código multiplica o número de crimes cujo procedimento depende de queixa do ofendido e que oportunamente serão referidos.
III
Parte especial
18 - Poderá dizer-se, sem risco de erro, que a «Parte especial» é a que maior impacte tem na opinião pública. É através dela que a comunidade politicamente organizada eleva determinados valores à categoria de bens jurídico-penais. Nem todos os interesses colectivos são penalmente tutelados, nem todas as condutas socialmente danosas são criminalmente sancionadas. É por isso que fundadamente se fala do carácter necessariamente fragmentário do direito penal.Os juízos sobre a dignidade punitiva e a necessidade de punição de determinada acção ou omissão estão longe de ser neutros de um ponto de vista ético-político.
Não sem fundamento reconhece-se que no discurso do poder punitivo fazem crise todos os grandes problemas de legitimação do próprio poder. É, sobretudo, na «Parte especial» que, de forma mais impressiva, se espalham as linhas de força das concepções político-ideológicas historicamente triunfantes. Daí que a «Parte especial» do Código Penal de uma sociedade plural, aberta e democrática, divirja sensivelmente da «Parte especial» do Código Penal de uma sociedade fechada sob o peso de dogmatismos morais e monolitismos culturais e políticos. É o que a experiência histórica e a lição do direito comparado demonstra com particular evidência.
Tanto pela sistematização seguida como pelo conteúdo da ilicitude concretamente tipicizada, o Código assume-se deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado. Optou conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que, relevando de particulares mundividências morais e culturais, não põem directamente em causa os bens jurídico-penais nem desencadeiam intoleráveis danos sociais. Noutros termos, o Código circunscreve o âmbito do criminalmente punido a um mínimo tendencialmente coincidente com o espaço de consenso ínsito em toda a sociedade democrática.
19 - A sistematização oitocentista e tradicional arrancava da ideia da primazia do Estado. Neste sentido, a generalidade das codificações começava por definir os crimes contra o Estado. Mas é evidente que a própria sistemática não pode ser vista como axiologicamente neutra; ela é reveladora, entre outras coisas, do lugar que se concede ao homem no mundo normativo, princípio que obteve clara consagração constitucional.
Pelo pouco que já se disse, mas pelo muito que ficou implícito no que concerne ao carácter axiologicamente prioritário do homem, não se deve estranhar que a «Parte especial» abra justamente pelos «Crimes contra a pessoa» (título I). Estabelece-se, deste modo, um corte radical - altamente salutar - com o sistema tradicional que só vem dignificar a cultura e a doutrina portuguesas. Mas esta compreensão, no desenvolvimento do seu fio lógico, leva a remeter os «Crimes contra o Estado» (título V) para lugar derradeiro. Facilmente se apreenderá que esta sistematização tem de ser olhada pelo seu lado positivo. Quer dizer, ela representa a afirmação da dignidade da pessoa, mas não significa o menoscabo dos interesses e valores que o Estado assume e sintetiza em determinado momento histórico.
20 - Os «Crimes contra a paz e a humanidade» (título II) são uma inovação no nosso ordenamento jurídico de enorme ressonância doutrinal e que assume uma qualificação de ponta na necessidade de se tipificar determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais ao seu desenvolvimento.
21 - O título III, «Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade», é um dos mais extensos do presente diploma. Contudo, todos os seus tipos legais de crime são susceptíveis de serem integrados no mesmo denominador comum, embora não deixem de apresentar autonomia dogmática, pelo menos no que toca ao bem jurídico que visam proteger. Assim, estão neste título envolvidos, entre outros, os «Crimes contra a família», «Crimes sexuais», «Crimes contra os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos». Todavia, um dos pontos mais salientes deste título consiste na consagração dos chamados «crimes de perigo comum» a que mais à frente teremos oportunidade de nos referir. Segue-se a este capítulo o dos «Crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas», que fecha, também significativamente, este capítulo.
22 - Na ordenação valorativa que norteia a estrutura sistemática da «Parte especial», o título IV trata dos «Crimes contra o património». Propugna-se também aqui uma ordem que contraria a visão saída do liberalismo radical. A esta contrapõe-se, hoje, uma concepção que, com uma ou outra variação, arranca de formas de propriedade que se não confinam à mais estreita compreensão do ius utendi et abutendi. Além disso, adiante-se, o título encima a expressão «contra o património» e não «contra a propriedade», o que é já de si revelador da mutação - inquestionavelmente virada para um maior alargamento - que se operou na tónica deste campo tão sensível da vida jurídica.
23 - Numa outra perspectiva podemos dizer que o Código, nesta «Parte especial», não deixa igualmente de acompanhar as mais modernas tendências do pensamento penal. Mas só as seguiu depois de madura e ponderada reflexão e ainda quando nelas viu correspondência com os valores que o direito penal não pode deixar de defender.
De qualquer modo, podem-se surpreender duas grandes tendências neste domínio.
Por um lado, um forte sentido de descriminalização, e, por outro lado, uma vocação para a chamada neo-criminalização, sendo esta quase exclusivamente restrita aos crimes de perigo comum. É que numa sociedade cada vez mais técnica e sofisticada nos instrumentos materiais, com os seus consequentes perigos e riscos, a pessoa e a própria comunidade são frequentemente agredidos. Facto a que o legislador penal não podia ficar indiferente, como se pode constatar pelas lições do próprio direito comparado.
24 - Deve, por outro lado, afirmar-se que não se incluíram no Código os delitos antieconómicos, de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial seguindo aliás, a tradição jurídica portuguesa e a ideia de que o direito penal tem uma natureza pragmática. Na mesma linha se devem colocar os delitos contra o ambiente. Por idênticas razões não se incluíram as infracções previstas no Código da Estrada, cuja especificidade reclama tratamento próprio. É claro que o combate a estes tipos de ilícito pode ser levado a cabo não só pelo direito penal secundário mas também pelo direito da mera ordenação social. Somos outra vez confrontados a ter de entender que o combate à criminalidade é matéria de estrutura englobante, que não pode prescindir de outros ramos de direito sancionatório.
25 - Paralelamente àquela característica não deve esquecer-se - e foi isso o que o Código teve presente - que o direito penal deve sempre actuar como ultima ratio. E quando, nos casos evidentemente menos graves, as partes em conflito se compõem, é natural e saudável não dever o direito penal intervir. A concretização desta ideia atingiu-se através da necessidade, nos casos especificados na lei, de o procedimento criminal depender de queixa. Isto é, sempre que uma sã política criminal o aconselhava (para salvaguarda de outros bens de natureza institucional, v.g. a família) retirou-se a certas infracções a qualificação de crimes públicos. O que, sem ser a mesma coisa, pode compreender-se como parte de um movimento de descriminalização que já foi aflorado.
26 - De notar, como particularmente saliente na «Parte especial», é também o abaixamento generalizado da moldura penal. E isso só não acontece nos tipos que visam combater a chamada criminalidade violenta. Compreende-se que delinquentes sofram uma reprovação mais intensa, quando se sabe que a definição da conduta incriminador e da respectiva injunção penal resulta de órgãos democráticos de um Estado constitucionalmente organizado em moldes pluralistas.
27 - Outro ponto que importa sobressair - já dele se falou - é o do rigor com que cada tipo legal de crime foi definido. Para cada uma das prescrições incriminadoras houve o meticuloso cuidado de sempre se traçarem os elementos do tipo da forma mais clara e imediatamente compreensível, porque só assim, repete-se e nunca será demais dizê-lo, se honra em toda a linha o princípio da tipicidade, um dos baluartes das garantias constitucionais do cidadão.
28 - Nos «Crimes contra as pessoas» importa destacar, como inovação legislativa, a participação em rixa (artigo 151.º). Tipo legal de grande importância prática que vem solucionar, através da sua autónoma configuração, graves problemas que se levantam na problemática da comparticipação, sendo, para além disso, um elemento fortemente dissuasor da prática, quantas vezes leviana e irreflectida, de disputas e de esforços que nascem pequenos, mas cujos efeitos podem ser altamente danosos.
29 - Outra questão que suscitou particular interesse foi a da protecção da vida privada (capítulo VI). É de todos sabido que a massificação no acesso a meios e instrumentos electrónicos veio a favorecer a intromissão alheia e ilegítima na esfera da vida privada das pessoas. A isto há que atalhar, para protecção dos últimos redutos da privacidade a que todos têm direito, pela definição de específicos tipos legais de crime que protejam aquele bem jurídico. Mas se estas razões não bastassem, a lei fundamental seria também apoio indiscutível ao prescrever no n.º 1 do seu artigo 33.º: «A todos é reconhecido o direito [...] à reserva da intimidade da vida privada e familiar.» A que se junta, no n.º 2, o conteúdo da seguinte norma programática: «A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.» 30 - A violação do dever de solidariedade social (omissão de auxílio - artigo 219.º) afigura-se como outra questão, agora do título «Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade», onde facilmente se detecta o cunho de equilibrada dosimetria do que deve ser, pelo menos para o direito penal, a solidariedade social. De outra banda, como já tinha ficado sugerido quando falámos da omissão, aquele preceito contemplará os casos ou as situações em que a inexistência do dever jurídico conduziria a aberrantes e injustas absolvições.
31 - Tal como já dissemos, os crimes de perigo comum (título III, capítulo III) constituem a consagração de uma linha de pensamento da política criminal que acha necessária a intromissão do direito penal para salvaguardar certos bens jurídicos que a nossa sociedade tecnológica põe em perigo. Desde a clássica figura do incêndio e perigo de incêndio (artigos 253.º e 254.º), passado pela explosão (artigo 255.º), libertação de gases tóxicos (artigo 258.º), inundação e avalancha (artigo 263.º) e difusão de epizootias (artigo 271.º), culminando nos crimes que prevêem a violação das regras de segurança das comunicações, somos surpreendidos por tipos legais que indiscutivelmente se ligam a condutas que violam determinadas regras exigidas pelos serviços, bens e instrumentos que a civilização material proporciona.
O ponto crucial destes crimes - não falando, obviamente, dos problemas dogmáticos que levantam - reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. Clarifique-se que o que neste capítulo está primacialmente em causa não é o dano, mas sim o perigo. A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido.
O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato.
Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. Adiante-se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta.
32 - Ainda no seio deste título (III) urge considerar a problemática das «organizações terroristas» e da criminalidade que lhe vai conexa. Houve - se cotejarmos o articulado actual com o imediatamente anterior - uma mudança de colocação sistemática.
Retiram-se estes crimes do título V «Dos crimes contra o Estado» e integram-se no título III, unicamente por se julgar que tais actividades não ofendem, pelo menos directamente, os valores do Estado. É indiscutível que este tipo de criminalidade tem de ser combatido pela lei penal de forma severa, mas para lá da adopção de todas as garantias - como as consagradas no diploma - há que ter consciência que este é um dos casos particulares em que a lei penal só por si tem pouquíssimo efeito preventivo. A seu lado tem de existir uma consciencialização da comunidade no sentido de ser ela, em primeira instância, o crivo inibidor daquela criminalidade.
33 - Nos crimes contra o património, nomeadamente furto e roubo, abandonou-se por incorrecta, ineficaz e susceptível de provocar injustiças relativas, a técnica de a moldura penal variar conforme o montante do valor real do objecto da acção. Na linha, ainda aqui, da descriminalização, rectius da despenalização, tipificou-se o furto formigueiro, figura que contempla uma zona da pequena criminalidade de grande incidência prática nos tempos modernos.
34 - Definiu-se a infidelidade (artigo 319.º) - novo tipo legal de crime contra o património -, cujo recorte, grosso modo, visa as situações em que não existe a intenção de apropriação material, mas tão-só a intenção de provocar um grave prejuízo patrimonial. Além disso, ensina a criminologia e a política criminal que estes comportamentos não são tão raros como à primeira vista se julga. De mais a mais, no mundo do tráfico jurídico, a regra de ouro é a confiança e a sua violação pode, em casos bem determinados na lei, necessitar da força interventora do direito penal, que apesar de tudo, tem de ser entendida, torna-se a dizer como, ultima ratio.
35 - Ainda no domínio deste título sublinhe-se a consagração de um capítulo especial relativo aos chamados «crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente». Visa-se, assim, proteger penalmente um vasto sector da economia nacional mas não tolher os movimentos dos responsáveis que os representam. Sabe-se que a vida económica se baseia, muitas vezes, em decisões rápidas que envolvem riscos, mas que têm de ser tomadas sob pena de a omissão ser mais prejudicial que o eventual insucesso da decisão anteriormente assumida. Daí que não seja punível o acto decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias, provoca prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de resultados desastrosos. Conceber de modo diferente seria nefasto - as experiências estão feitas - e obstaria a que essas pessoas de melhores e reconhecidos méritos receassem assumir lugares de chefia naqueles sectores da vida económica nacional.
36 - Para finalizar diga-se que nos crimes contra o Estado o ponto saliente reside na mais correcta e cuidada definição objectiva e subjectiva dos elementos que constituem cada um dos diferentes tipos legais de crime que este título encerra. Por outro lado, fundamentalmente, no que se refere aos crimes contra a segurança interna do Estado, o bem jurídico que se protege é o da ordem democrática constitucional. Desta forma, o bem jurídico não se dilui na própria noção de Estado, antes se concretiza no valor que este, para sua prossecução, visa salvaguardar.
LIVRO I
Parte geral
TÍTULO I
Da lei criminal
CAPÍTULO ÚNICO
Princípios gerais
ARTIGO 1.º
(Princípio da legalidade)
1 - Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.2 - A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade desde que os respectivos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3 - Não é permitida a analogia para qualificar o facto como crime, definir um estado de perigosidade, ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.
ARTIGO 2.º
(Aplicação no tempo)
1 - As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.2 - O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número de infracções; neste caso e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a respectiva execução e os seus efeitos penais.
3 - Quando a lei vale para um determinado período de tempo, continua a ser punido o facto criminoso praticado durante esse período.
4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado.
ARTIGO 3.º
(Momento da prática do facto)
O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.
ARTIGO 4.º
(Aplicação no espaço: princípio geral)
Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável:
a) A factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente;
b) A factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portugueses.
ARTIGO 5.º
(Factos praticados fora do território português)
1 - A lei penal portuguesa é ainda aplicável, salvo tratado ou convenção em contrário:
a) A factos praticados fora do território nacional quando constituam os crimes previstos nos artigos 236.º a 250.º, 288.º, 289.º, 334.º a 350.º, 352.º, 356.º a 369.º e 381.º;
b) A factos praticados fora do território nacional, desde que o agente seja encontrado dentro de Portugal e não possa ser extraditado, quando constituam os crimes previstos nos artigos 161.º a 163.º, 186.º a 188.º, n.º 1, 192.º e 217.º;
c) A factos praticados fora do território nacional por portugueses ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:
I) Os agentes sejam encontrados em Portugal;
II) Sejam também puníveis pela legislação do lugar em que foram praticados, salvo quando nesse lugar não se exerça poder punitivo;
III) Constituam crime que admite extradição e esta não possa ser concedida;
d) A factos cometidos fora do território nacional contra portugueses, por portugueses que vivam habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e nele sejam encontrados.
2 - A lei penal portuguesa é ainda aplicável a quaisquer factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português assim se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
ARTIGO 6.º
(Restrições à aplicação da lei portuguesa)
1 - A aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tenha sido julgado no país da prática do facto ou se haja subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.
2 - Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto será julgado segundo a lei do país em que foi praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável será convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa prevê para o facto.
3 - O regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º 4 - Quando o agente tiver sido julgado em país estrangeiro e voltar a sê-lo em Portugal pelo mesmo facto, levar-se-á sempre em conta, na pena que lhe for aplicada, aquela que já tiver cumprido no estrangeiro.
ARTIGO 7.º
(Lugar da prática do facto)
O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico se tenha produzido.
ARTIGO 8.º
(Aplicação subsidiária do Código Penal)
As disposições deste diploma são aplicáveis aos factos puníveis pelo direito penal militar e da marinha mercante e pela restante legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário.
ARTIGO 9.º
(Disposições especiais para jovens)
Aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial.
TÍTULO II
Do facto
CAPÍTULO I
Pressupostos da punição
ARTIGO 10.º
(Comissão por acção e por omissão)
1 - Quando um tipo legal de crime compreenda um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
3 - No caso do número anterior a pena poderá ser especialmente atenuada.
ARTIGO 11.º
(Carácter pessoal da responsabilidade)
Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
ARTIGO 12.º
(Actuação em nome de outrem)
1 - É punível quem age voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exija:a) Determinados elementos pessoais e estes só se se verifiquem na pessoa do representado;
b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.
2 - A ineficácia do acto que serve de fundamento à representação não impede a aplicação do disposto no número anterior.
ARTIGO 13.º
(Dolo e negligência)
Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
ARTIGO 14.º
(Dolo)
1 - Age com dolo quem, representando-se um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar.2 - Age ainda com dolo quem se representa a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto for representada como uma consequência possível da conduta, haverá dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.
ARTIGO 15.º
(Negligência)
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização;
b) Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto.
ARTIGO 16.º
(Erro sobre as circunstâncias do facto)
1 - O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.
2 - O preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.
ARTIGO 17.º
(Erro sobre a ilicitude)
1 - Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.2 - Se o erro lhe for censurável, o agente será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada.
ARTIGO 18.º
(Agravação da pena pelo resultado)
Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
ARTIGO 19.º
(Inimputabilidade em razão da idade)
Os menores de 16 anos são penalmente inimputáveis.
ARTIGO 20.º
(Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica)
1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, é incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
2 - Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tem, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída.
3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas poderá constituir índice da situação prevista no número anterior.
4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo próprio agente com a intenção de cometer o facto.
CAPÍTULO II
Formas do crime
ARTIGO 21.º
(Actos preparatórios)
Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário.
ARTIGO 22.º
(Tentativa)
1 - Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.2 - São actos de execução:
a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico;
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer a esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
ARTIGO 23.º
(Punibilidade da tentativa)
1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 2 anos de prisão.2 - A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.
3 - A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.
ARTIGO 24.º
(Desistência)
1 - A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado são impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.
ARTIGO 25.º
(Desistência em caso de comparticipação)
Se vários agentes comparticipam no facto, não é punível a tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, nem a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros comparticipantes prossigam na execução do crime ou o consumem.
ARTIGO 26.º
(Autoria)
É punível como autor quem executa o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determina outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
ARTIGO 27.º
1 - É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.2 - É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.
ARTIGO 28.º
(Ilicitude na comparticipação)
1 - Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora.2 - Sempre que, por efeito da regra do número anterior, resulte para algum dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse.
ARTIGO 29.º
(Culpa na comparticipação)
Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
ARTIGO 30.º
(Concurso de crimes e crime continuado)
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
CAPÍTULO III
Causas que excluem a ilicitude e a culpa
ARTIGO 31.º
(Exclusão da ilicitude)
1 - O facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade;
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
ARTIGO 32.º
(Legítima defesa)
Constitui legítima defesa o facto praticado, como meio necessário, para repelir a agressão actual e ilícita de quaisquer interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
ARTIGO 33.º
(Excesso de legítima defesa)
1 - Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito, mas a pena pode ser especialmente atenuada.2 - Se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis, o agente não será punido.
ARTIGO 34.º
(Direito de necessidade)
Não é lícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameaça interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verifiquem os seguintes requisitos:a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado;
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.
ARTIGO 35.º
(Estado de necessidade desculpante)
1 - Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado ou afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não seja razoável exigir dele, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.2 - Se o perigo ameaçar interesses jurídicos diferentes dos referidos no número anterior e se verificarem os restantes pressupostos ali mencionados, pode a pena ser especialmente atenuada ou, excepcionalmente, o agente ser dela isento.
ARTIGO 36.º
(Conflito de deveres)
1 - Não é ilícito o facto de quem, no caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfaz o dever ou a ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrifica.2 - O dever de obediência hierárquica cessa quando conduz à prática de um crime.
ARTIGO 37.º
(Obediência indevida desculpante)
Age sem culpa o funcionário que cumpre uma ordem sem conhecer que ela conduz à prática de um crime, não sendo isso evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas.
ARTIGO 38.º
(Consentimento)
1 - Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a ilicitude do facto quando se refira a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofenda os bons costumes.2 - O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida no titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado.
TÍTULO III
Das penas
CAPÍTULO I
Penas principais
SECÇÃO I
Penas de prisão e de multa
ARTIGO 40.º
(Duração da pena de prisão)
1 - A pena de prisão tem a duração mínima de 1 mês e a duração máxima de 20 anos.2 - Exceptuam-se os casos de prisão por dias livres, de pena relativamente indeterminada e os dos artigos 189.º, n.º 1, 190.º, n.º 2, e 289.º 3 - Em caso algum, porém, o limite máximo da prisão poderá exceder 25 anos.
ARTIGO 41.º
(Contagem dos prazos das penas de prisão)
A contagem dos prazos das penas de prisão é feita segundo os critérios estabelecidos na lei processual penal e, na sua falta, pelos da lei civil.
ARTIGO 42.º
(Execução das penas de prisão)
A execução das penas de prisão é regulada em legislação especial, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos.
ARTIGO 43.º
(Substituição da prisão por multa)
1 - A pena de prisão não superior a 6 meses será substituída pelo número de dias de multa correspondente, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.2 - Se o crime for punido com pena de prisão não superior a 6 meses e multa, será aplicada uma só multa, equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.
3 - É aplicável à multa que substituir a prisão o regime dos artigos 46.º e 47.º
ARTIGO 44.º
(Prisão por dias livres)
1 - A pena de prisão não superior a 3 meses que não deva ser substituída por multa pode ser substituída por uma pena de prisão por dias livres sempre que, consideradas a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste, seja de concluir que a prisão por dias livres é adequada a reprová-lo e a afastá-lo da criminalidade.2 - A pena de prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 15 períodos.
Cada período tem a duração mínima de 36 horas e máxima de 48, equivalendo a 4 dias de prisão contínua.
3 - Os dias feriados que antecedem ou se sigam imediatamente a um fim-de-semana poderão ser utilizados para execução desta pena, sem prejuízo da duração máxima estabelecida para cada período.
ARTIGO 45.º
(Regime de semidetenção)
1 - A pena de prisão não superior a 3 meses que não deva ser substituída por multa nem cumprida por dias livres pode ser executada em regime de semidetenção, se o condenado der o seu consentimento.2 - O regime de semidetenção consiste numa privação de liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações.
ARTIGO 46.º
(Pena de multa)
1 - A pena de multa é fixada em dias, no mínimo de 10 e no máximo de 300.2 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 200$00 e 10000$00 que o tribunal fixará em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
3 - Quando o tribunal aplicar a pena de multa será sempre fixada na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4 - O regime previsto no número anterior é aplicado aos casos em que tiver havido condenação em prisão e multa.
5 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justifique, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data da condenação. Dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justifiquem, os prazos e os planos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
6 - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
ARTIGO 47.º
(Não pagamento de multa)
1 - Se a multa não for paga, terá lugar a execução dos bens do condenado.2 - Se, porém, a multa não for paga voluntária ou coercivamente, mas o condenado estiver em condições de trabalhar, será total ou parcialmente substituída pelo número correspondente de dias de trabalho em obras ou oficinas do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público.
3 - Quando a multa não for paga ou substituída por dias de trabalho, nos termos dos números anteriores, será cumprida a pena de prisão aplicada em alternativa na sentença.
4 - Se, todavia, o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a prisão fixada em alternativa ser reduzida até 6 dias ou decretar-se a isenção da pena.
5 - Caso o agente se tenha colocado intencionalmente em condições de não pagar, total ou parcialmente, a multa, ou de não poder ser ela substituída por dias de trabalho, será punido com a pena prevista no n.º 3 do artigo 388.º
SECÇÃO II
Suspensão da execução da pena
ARTIGO 48.º
(Pressupostos e duração)
1 - O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, bem como a da pena de multa imposta a condenado que não tenha possibilidade de a pagar.2 - A suspensão será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
3 - A decisão condenatória especificará sempre os fundamentos da sua suspensão.
4 - O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado.
ARTIGO 49.º
(Deveres que a podem condicionar)
1 - A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de certos deveres impostos ao réu destinados a reparar o mal do crime ou a facilitar a sua readaptação social, nomeadamente a obrigação de:a) Pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado uma satisfação moral adequada;
c) Entregar ao Estado certa quantia sem atingir o limite máximo estabelecido para o quantitativo da pena de multa.
2 - O tribunal não pode exigir do condenado nenhuma acção vexatória, nem impor-lhe qualquer dever contrário aos bons costumes ou susceptível de ofender a sua dignidade pessoal.
3 - Os deveres impostos podem ser modificados até aos termos do período de detenção, sempre que ocorram circunstâncias relevantes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento.
ARTIGO 50.º
(Falta de cumprimento dos deveres)
Se durante o período da suspensão o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença, ou for punido por outro crime, pode o tribunal, conforme os casos:
a) Fazer-lhe uma solene advertência;
b) Exigir-lhe garantias do cumprimento dos deveres impostos;
c) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano;
d) Revogar a suspensão da pena.
ARTIGO 51.º
(Revogação)
1 - A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão.2 - A revogação determina o cumprimento da pena cuja execução estava suspensa, sem que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja efectuado nos termos do n.º 1 do artigo 49.º
ARTIGO 52.º
(Extinção da pena)
Se a suspensão não for revogada, a pena considerar-se-á extinta.
SECÇÃO III
Regime de prova
ARTIGO 53.º
(Pressupostos e duração)
1 - Se o réu for considerado culpado pela prática de crime punível com pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, e a suspensão da execução da pena não se mostrar adequada para a sua recuperação social, pode ser sujeito ao regime de prova desde que, consideradas as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 48.º, seja de concluir que por este meio pode ser afastado da criminalidade e as necessidades de reprovação e de prevenção de crime a isso se não oponham.2 - O regime de prova pode durar de 1 a 3 anos contados desde o dia em que a sentença transitar em julgado, sem prejuízo da possibilidade da sua prorrogação.
ARTIGO 54.º (Elementos)
1 - O regime de prova assenta num plano individual de readaptação social do delinquente, executado com a colaboração de um trabalhador social, do qual deve ser dado conhecimento ao delinquente, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo.2 - Além dos deveres referidos no n.º 1 do artigo 49.º, o tribunal pode impor ao condenado outros, destinados a assegurar a sua readaptação, e, especialmente, prescrever:
a) Que não exerça determinadas profissões;
b) Que não frequente certos meios ou lugares;
c) Que não resida em certos lugares ou regiões;
d) Que não acompanhe, aloje ou receba pessoas suspeitas ou de má conduta;
e) Que não frequente certas associações ou não participe em determinadas reuniões;
f) Que não tenha em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de outro crime;
g) Qualquer outro comportamento que interesse ao plano de reabilitação social do delinquente ou ao aperfeiçoamento do seu sentimento de responsabilidade.
3 - O tribunal pode ainda determinar o internamento até 2 meses em instituições adequadas e impor ao condenado o dever de prestar caução de boa conduta ou de se apresentar periodicamente perante o tribunal ou outras entidades não policiais.
ARTIGO 55.º
(Execução do regime de prova)
A execução do regime de prova será regulada em legislação especial que fixará os direitos e os deveres dos trabalhadores sociais e dos delinquentes.
ARTIGO 56.º
(Falta de cumprimento dos deveres)
Se o delinquente sujeito ao regime de prova deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação social previsto, pode o tribunal:a) Fazer-lhe uma solene advertência;
b) Prorrogar o período do regime até 5 anos;
c) Revogar o regime de prova.
ARTIGO 57.º
(Revogação)
1 - O regime de prova será revogado sempre que, no decurso dele, o agente pratique um crime doloso por que venha a ser punido em pena de prisão.2 - A revogação determina a fixação da pena que ao crime caberia se não tivesse tido lugar o regime de prova, não podendo o agente exigir a restituição de prestações que haja efectuado.
ARTIGO 58.º
(Extinção da pena)
Se o regime de prova não for revogado, considerar-se-á extinto.
SECÇÃO IV
Admoestação e prestação de trabalho
ARTIGO 59.º
(Admoestação)
1 - Se o agente for considerado culpado pela prática de crime a que, concretamente, corresponde a pena de prisão, com ou sem multa, não superior a 3 meses, ou só pena de multa até ao mesmo limite, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.2 - A admoestação só terá lugar quando facilite a recuperação do delinquente, o dano tenha sido reparado e não haja necessidade de utilizar outras medidas penais previstas na lei.
3 - A admoestação consiste numa solene e adequada censura oral feita em audiência pelo tribunal ao réu considerado culpado.
ARTIGO 60.º
(Prestação de trabalho a favor da comunidade)
1 - Se o agente for considerado culpado pela prática de crime a que, concretamente, corresponda a pena de prisão com ou sem multa, não superior a 3 meses, ou só pena de multa até ao mesmo limite, pode o tribunal condená-lo à prestação de trabalho a favor da comunidade.
2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos, durante períodos não compreendidos nas horas normais de trabalho, ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou entidades privadas que o tribunal considere de interesse para a comunidade.
3 - A prestação do trabalho pode ter a duração de 9 a 180 horas, que não podem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.
4 - Esta sanção deve ser aplicada com a aceitação do réu considerado culpado.
5 - A prestação de trabalho a favor da comunidade é controlada por órgãos de serviço social.
6 - Caso o agente, após a condenação, se coloque intencionalmente em condições de não poder trabalhar ou se recuse, sem justa causa, a prestar o trabalho, será punido com a pena prevista no n.º 3 do artigo 388.º 7 - Se o agente não puder prestar o trabalho por causa superveniente que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme os casos, poderá aplicar-lhe uma pena de multa, ou mesmo isentá-lo da pena.
SECÇÃO V
Liberdade condicional
ARTIGO 61.º
(Pressupostos e duração)
1 - Os condenados a pena de prisão de duração superior a 6 meses podem ser postos em liberdade condicional quando tiverem cumprido metade da pena, se tiverem bom comportamento prisional e mostrarem capacidade de se readaptarem à vida social e vontade séria de o fazerem.2 - Os condenados a pena de prisão superior a 6 anos não serão postos em liberdade definitiva sem passarem previamente pelo regime de liberdade condicional;
e serão sujeitos a este regime logo que hajam cumprido cinco sextos da pena, se antes não tiverem aproveitado do disposto no número anterior.
3 - A duração da liberdade condicional não será inferior a 3 meses nem superior a 5 anos; o limite mínimo será, no entanto, elevado para o tempo de prisão que ao libertado falte cumprir, sempre que este tempo não exceda 5 anos.
ARTIGO 62.º
(Regime)
É aplicável à liberdade condicional o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 54.º e no artigo 56.º, com as seguintes modificações:a) O período da prorrogação não pode exceder metade da duração inicialmente fixada para a liberdade condicional;
b) A assistência pós-prisional pode ser dispensada.
ARTIGO 63.º
(Revogação)
1 - A revogação da liberdade condicional é obrigatória quando o delinquente seja punido por crime doloso em pena de prisão superior a 1 ano.2 - A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional.
ARTIGO 64.º
(Extinção da pena)
A pena considera-se inteiramente cumprida e extinta, se a liberdade condicional não for revogada, logo que expire o período da duração desta.
CAPÍTULO II
Penas acessórias
ARTIGO 65.º
(Princípio geral)
Nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
ARTIGO 66.º
(Pena de demissão)
1 - Pode ser demitido da função pública na sentença condenatória o funcionário que tiver praticado o crime com flagrante e grave abuso da função que exerce ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes.2 - O funcionário público pode ainda ser demitido quando o crime, embora praticado fora do exercício da função pública, revele que o agente é incapaz ou indigno de exercer o cargo ou implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
3 - O disposto nos números anteriores só pode ter lugar relativamente a crimes punidos com pena de prisão superior a 2 anos.
4 - Quando não for decretada a demissão, deve o tribunal comunicar a condenação à autoridade de que o funcionário depende.
ARTIGO 67.º
(Suspensão temporária da função)
O réu definitivamente condenado a pena de prisão, que não for demitido, incorre na suspensão do cargo enquanto durar o cumprimento da pena.
ARTIGO 68.º
(Efeitos da demissão e da suspensão)
1 - Salvo disposição em contrário, a pena de demissão determina a perda de todos os direitos e regalias atribuídos aos funcionários públicos e igual efeito produz a suspensão relativamente ao período da sua duração.2 - A pena de demissão não envolve a perda do direito à aposentação ou à reforma, nem impossibilita o funcionário de ser nomeado para cargos políticos ou lugares diferentes ou que podem ser exercidos sem que o seu titular reúna as particulares condições de dignidade e de confiança que o cargo de que foi demitido exige.
ARTIGO 69.º
(Interdição do exercício de outras profissões ou direitos)
1 - O disposto no artigo 66.º, n.os 1 e 2, no artigo 67.º e no artigo 68.º é aplicável à interdição de profissões ou actividades cujo exercício depende de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública; nestes casos o tribunal pode determinar, em vez da demissão, a proibição do exercício da profissão ou actividade.
2 - À prática de certos crimes pode ainda corresponder, por força da lei, a incapacidade para eleger o Presidente da República, os membros de assembleias legislativas ou de autarquias locais, para ser eleito como tal, para ser jurado, ou ainda para exercer o poder paternal, a tutela, a curatela ou a administração de bens.
ARTIGO 70.º
(Reabilitação)
Quem for condenado em demissão ou na interdição do exercício de certa profissão ou de quaisquer direitos poderá ser reabilitado judicialmente se, pelo menos por um período de 2 anos depois de cumprir a pena principal, se tiver comportado por forma que torne razoável supor haver-se tornado capaz, digno e merecedor da confiança que o cargo de que foi demitido exige ou de exercer a profissão ou os direitos de que foi privado.
TÍTULO IV
Da escolha e da medida da pena
CAPÍTULO I
Regras gerais
ARTIGO 71.º
(Critério para escolha da pena)
Se ao crime forem aplicáveis pena privativa ou pena não privativa da liberdade, deve o tribunal dar preferência fundamentada à segunda sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.
ARTIGO 72.º
(Determinação da medida da pena)
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.2 - Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
ARTIGO 73.º
(Atenuação especial da pena)
1 - O tribunal pode atenuar especialmente a pena para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.2 - Serão consideradas para este efeito, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob a influência de ameaça grave ou sob o ascendente da pessoa de quem depende ou a quem deve obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
ARTIGO 74.º
(Termos de atenuação especial)
1 - Havendo lugar à atenuação especial da pena, o limite máximo é reduzido de um terço, observando-se, quanto ao limite mínimo, o seguinte:a) Se o limite mínimo da pena de prisão prevista para o crime for de 8 anos ou mais, a pena aplicada não pode ser inferior a 2 anos;
b) Se o limite mínimo da pena de prisão para o crime for superior a 2 e inferior a 8 anos, a pena aplicada não pode ser inferior a 1 ano;
c) Se o limite mínimo da pena de prisão prevista para o crime for o mínimo legal, pode a pena aplicada ser a de prisão por dias livres;
d) Se a pena prevista para o crime for a de prisão até 2 anos, pode esta pena ser reduzida ao mínimo legal ou substituída por multa, dentro dos limites legais desta; e pode ser aplicada apenas a multa prescrita na lei se esta previr a aplicação cumulativa dela com pena de prisão;
e) A pena de multa será reduzida na medida que for razoável.
2 - A atenuação especial da pena não exclui a aplicação do regime de prova ou dos princípios que regulam a pena de multa, nem a possibilidade de suspensão da execução da pena.
(Dispensa de pena)
1 - Quando o facto constituir crime punível com pena de prisão não superior a 6 meses, com ou sem multa até ao mesmo limite, pode o tribunal não aplicar qualquer pena, se a culpa do agente for diminuta, o dano tiver sido reparado e a tal se não opuserem as exigências da recuperação do delinquente e da prevenção geral.2 - Se o juiz tiver razões para crer que os pressupostos indicados na última parte do número anterior estão em vias de se verificarem, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro do prazo máximo de 1 ano, em dia que logo marcará.
CAPÍTULO II
Reincidência
ARTIGO 76.º
(Pressupostos)
1 - Será punido como reincidente aquele que, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso a que corresponda pena de prisão, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão total ou parcialmente cumprida, por outro crime doloso, se as circunstâncias do caso mostrarem que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime.2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não conta para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é, porém, contado o tempo durante o qual o agente cumpriu pena de prisão ou medida de segurança privativa de liberdade.
3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros só contam para efeitos da reincidência quando o facto constituir também crime doloso segundo o direito português.
4 - A prescrição, a amnistia e o indulto da pena equiparam-se, para efeito deste artigo, ao seu cumprimento.
ARTIGO 77.º
(Efeitos)
1 - Em caso de reincidência é elevado de um terço o limite mínimo da pena aplicável ao crime. A agravação, porém, não excederá a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores e a pena aplicável não pode ir além do máximo previsto no tipo legal do crime.2 - As disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras próprias da punição da reincidência.
CAPÍTULO III
Punição do concurso de crimes e do crime continuado
ARTIGO 78.º
(Regras da punição)
1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, será condenado numa única pena. Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.2 - A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas completamente aplicadas aos vários crimes, sem que possa ultrapassar os limites previstos nos artigos 40.º e 46.º 3 - A pena de multa e a prisão por condenação em alternativa, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 46.º, são sempre cumuladas entre si e com a pena de prisão.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança podem ser sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas para um só dos crimes praticados por uma só das leis aplicáveis.
5 - O crime continuado é punível com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.
ARTIGO 79.º
(Conhecimento superveniente do concurso)
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente tinha praticado, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, será proferida uma nova sentença em que serão aplicáveis as regras do artigo anterior.
2 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas pela sentença anterior manter-se-ão, salvo quando se mostrem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só serão decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
CAPÍTULO IV
Desconto da prisão e da multa anteriores à condenação
ARTIGO 80.º
(Prisão preventiva)
1 - A prisão preventiva sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado é descontada no cumprimento da pena que lhe for aplicada.2 - Se for aplicada pena de multa, a prisão preventiva será descontada à razão de 1 dia de multa por 1 dia de prisão, salvo se a multa for de quantia determinada, caso em que se fará o desconto que parecer equitativo.
ARTIGO 81.º
(Pena anterior)
1 - Quando a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, será descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.2 - Se, porém, for de multa a pena anterior e de prisão a posterior, ou inversamente, far-se-á na nova pena o desconto que parecer equitativo.
ARTIGO 82.º
(Pena sofrida em país estrangeiro)
É descontada, nos termos dos artigos anteriores, a prisão ou multa que o arguido já tenha sofrido em país estrangeiro.
TÍTULO V
Da pena relativamente indeterminada
CAPÍTULO I
Delinquentes por tendência
ARTIGO 83.º
(Pressupostos e efeitos)
1 - Se alguém praticar um crime doloso a que devesse aplicar-se, concretamente, prisão por mais de 2 anos, e tiver cometido anteriormente 2 ou mais crimes dolosos a cada um dos quais tenha sido aplicada prisão, também por mais de 2 anos, será punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.2 - A pena relativamente determinada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos.
3 - Qualquer crime anterior deixa de ser tomado em conta, para o efeito do disposto no n.º 1, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tenham decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o período durante o qual o delinquente cumpriu qualquer pena de prisão ou qualquer medida de segurança privativa da liberdade.
4 - São tomados em conta os actos julgados em país estrangeiro, desde que constituam crimes a que devesse concretamente aplicar-se prisão por mais de 2 anos segundo o direito português.
ARTIGO 84.º
(Outros casos de aplicação da pena)
1 - Se alguém praticar um crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão e tiver cometido anteriormente 4 crimes dolosos a cada um dos quais tenha sido também aplicada pena de prisão, será punido com uma pena relativamente indeterminada sempre que se verifiquem os restantes pressupostos fixados no artigo anterior.2 - A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena, acrescida de 4 anos.
ARTIGO 85.º
(Restrições)
1 - Se os crimes forem praticados antes de o delinquente ter completado os 25 anos de idade, o disposto no artigo anterior só será aplicado se aquele tiver já sido anteriormente condenado por 2 ou mais crimes e houver cumprido prisão num mínimo de 6 meses.2 - O limite máximo da pena relativamente indeterminada resultará de um acréscimo de 2 anos à prisão que concretamente caberia ao crime cometido.
3 - O prazo referido no n.º 3 do artigo 83.º será, para os efeitos deste artigo, de 3 anos.
CAPÍTULO II
Alcoólicos e equiparados
ARTIGO 86.º
(Pressupostos e efeitos)
1 - Se um alcoólico habitual ou com tendência para abusar de bebidas alcoólicas praticar um crime a que devesse aplicar-se concretamente prisão, será punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que o crime tenha sido praticado em estado de embriaguez ou esteja relacionado com o alcoolismo ou a tendência do agente.2 - O disposto no número anterior não é aplicável quando o delinquente seja condenado em pena suspensa ou sujeito ao regime de prova.
3 - A pena relativamente indeterminada tem o mínimo correspondente a metade da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena, acrescida de 2 anos na primeira condenação e de 4 anos nas restantes.
ARTIGO 87.º
(Regras da execução da pena)
A execução da pena prevista no artigo anterior deverá ser orientada no sentido de eliminar o alcoolismo do agente ou combater a sua tendência para abusar de bebidas alcoólicas.
ARTIGO 88.º
(Abuso de estupefacientes)
O que fica disposto para os alcoólicos é aplicável, com as devidas adaptações, aos delinquentes que abusem de estupefacientes.
CAPÍTULO III
Disposições comuns
ARTIGO 89.º
(Liberdade condicional)
1 - É aplicável ao delinquente condenado a pena relativamente indeterminada o disposto nos artigos 61.º a 64.º, com as modificações constantes dos números seguintes.2 - A libertação do delinquente é sempre condicional, podendo a respectiva sentença estabelecer como condição o ingresso do libertado num lar ou casa de transição, ou impor qualquer outra medida que facilite a sua readaptação social, nomeadamente a abstenção de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes.
3 - A duração da liberdade condicional é de 1 a 2 anos, prorrogável até 5.
4 - Até 2 meses antes de se completar o tempo mínimo da pena, deve a administração prisional enviar ao tribunal competente parecer fundamentado sobre a concessão da liberdade condicional; se esta não for concedida, novo parecer será remetido decorrido 1 ano, e, assim sucessivamente, até se atingir o máximo da pena.
5 - A revogação da liberdade condicional determina a continuação do cumprimento da pena relativamente indeterminada, não podendo ser proposta nova liberdade condicional antes de decorridos 2 anos, sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior.
ARTIGO 90.º
(Plano de readaptação)
1 - No caso de aplicação de uma pena relativamente indeterminada, a administração prisional elaborará com a maior brevidade possível um plano individual da readaptação do delinquente com base nos conhecimentos que sobre ele tenha e, sempre que possível, com a sua concordância.2 - No decurso do cumprimento da pena deverão ser feitas as modificações no plano de readaptação exigidas pelo progresso do delinquente e outras circunstâncias relevantes.
3 - O plano de readaptação e as suas modificações serão sempre comunicadas ao delinquente.
TÍTULO VI
Das medidas de segurança
CAPÍTULO I
Internamento de inimputáveis
ARTIGO 91.º
(Pressupostos e limites)
1 - Quando um facto descrito num tipo legal de crime for praticado por indivíduo inimputável nos termos do artigo 20.º, será este mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da natureza e gravidade do facto praticado, houver fundado receio que venha a cometer outros factos típicos graves.2 - Quando o facto praticado pelo inimputável consista em homicídio ou ofensas corporais graves, ou em outros actos de violência puníveis com pena superior a 3 anos, e existam razões para recear a prática de outros factos da mesma natureza e gravidade, o internamento terá a duração mínima de 3 anos.
ARTIGO 92.º
(Cessação do internamento)
1 - O internamento findará quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.2 - O primeiro internamento de um inimputável não pode, porém exceder em mais de 4 anos o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime praticado pelo inimputável, excepto se o perigo de novos crimes contra pessoas for de tal modo grave que desaconselhe o risco da sua libertação.
ARTIGO 93.º
(Revisão da situação do internado)
1 - Se for invocada a existência de causa justificada da cessação do internamento, o tribunal pode a todo o tempo apreciar a questão.
2 - A apreciação é obrigatória, independentemente de alegação, decorridos 3 anos sobre o início do internamento e 2 sobre a decisão que o tenha mantido.
3 - Fica ressalvado, em qualquer caso, o prazo mínimo de internamento fixado no n.º 2 do artigo 91.º
ARTIGO 94.º
(Libertação a título de ensaio)
1 - Decorridos os prazos mínimos de internamento, pode o delinquente inimputável ser libertado a título de ensaio, por um período mínimo de 2 anos, desde que haja sérias razões para presumir que o internado já não oferece o perigo da prática de novos factos ilícitos.2 - A decisão que conceda a libertação imporá ao libertado os deveres considerados necessários à prevenção da sua perigosidade e, em especial, o de se submeter a tratamentos e regimes de cura apropriados e se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados.
3 - Os internados postos em liberdade a título de ensaio serão colocados sob a vigilância tutelar de trabalhadores sociais especializados.
4 - Se o ensaio confirmar a cessação da perigosidade criminal, o tribunal converterá em definitiva a libertação do internado; de contrário, será ordenado o seu internamento ou aplicada a medida que, nos termos da lei e em face da conduta ou da personalidade do agente, se mostre mais adequada.
5 - Se durante o período de ensaio, e em face da conduta do libertado, se verificar que não é adequado o regime de liberdade, deverá o tribunal ordenar o internamento do delinquente ou aplicar outra medida, nos termos da última parte do número anterior.
ARTIGO 95.º
(Liberdade experimental)
1 - A liberdade definitiva de um internado nos estabelecimentos destinados a inimputáveis, quando não tenha tido lugar a libertação a título de ensaio, será sempre precedida de um período de liberdade experimental não inferior a 2 anos nem superior a 5.2 - É aplicável à liberdade experimental prevista no número anterior o disposto nos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo anterior.
ARTIGO 96.º
(Expulsão de estrangeiros)
Em relação a estrangeiros, o internamento de inimputáveis pode ser substituído pela expulsão do território nacional.
CAPÍTULO II
Interdição de profissões
ARTIGO 97.º
(Pressupostos e períodos de interdição)
1 - Aquele que for condenado por crime cometido com grave violação dos deveres inerentes à profissão, comércio ou indústria que exerce, ou dele for absolvido só por falta de imputabilidade, pode ser interdito ao exercício da respectiva actividade por período de 1 a 5 anos quando, em face do acto praticado e da personalidade do agente, haja fundado receio de este vir a praticar outros crimes que ponham em perigo, directa ou indirectamente, certas pessoas ou a colectividade.
2 - O período da interdição conta-se a partir do trânsito em julgado da respectiva decisão, mas suspende-se durante o cumprimento, pelo agente, de qualquer sanção criminal privativa de liberdade.
(Efeitos)
1 - Durante o período de interdição, o delinquente não pode exercer a profissão, comércio ou indústria, nem directamente, nem por interposta pessoa.2 - A violação da proibição contida no número anterior será punível nos termos do artigo 393.º
CAPÍTULO III
Suspensão e reexame das medidas de segurança
ARTIGO 99.º
(Suspensão do internamento)
1 - O internamento de inimputáveis perigosos pode ser suspenso condicionalmente por um período de 2 a 5 anos, desde que o tribunal conclua que à suspensão se não opõe a necessidade de prevenção da perigosidade.2 - É aplicável a este caso o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 94.º
ARTIGO 100.º
(Suspensão da interdição da profissão)
1 - Se não tiver havido condenação por falta de imputabilidade, o delinquente tiver sido sujeito a regime de prova ou a execução da pena tiver sido suspensa, a interdição de profissão pode também ser suspensa por um período de 2 a 5 anos, mas nunca inferior ao período de regime de prova ou de suspensão da execução da pena.
2 - A suspensão da interdição pode ser acompanhada da imposição dos deveres que o tribunal julgue necessários.
3 - Se a suspensão da execução da pena ou o regime de prova forem revogados, caducará a suspensão da interdição.
ARTIGO 101.º
(Reexame das medidas de segurança)
1 - Não pode iniciar-se a execução de uma medida de segurança, decorridos 3 anos sobre a decisão que a decretou, sem que seja novamente apreciada pelo tribunal a situação que lhe deu causa, salvo se o delinquente esteve sujeito durante esse tempo a outra medida privativa de liberdade.2 - O tribunal pode confirmar, suspender condicionalmente, converter ou revogar a medida de segurança.
CAPÍTULO IV
Do internamento de imputáveis portadores de anomalia psíquica
ARTIGO 103.º
(Internamento de imputáveis em estabelecimento destinados a inimputáveis)
1 - Quando o delinquente não for declarado inimputável, mas se mostrar que, por virtude da anomalia psíquica de que sofre, o regime dos estabelecimentos comuns lhe é prejudicial, ou que ele perturba seriamente esse regime, pode o tribunal ordenar o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis, por tempo correspondente à duração da pena.
2 - O internamento previsto no número anterior não prejudica a possibilidade de liberdade condicional, nem impede o reinternamento do delinquente em estabelecimentos comuns pelo tempo de privação de liberdade que lhe falte cumprir, logo que cesse a causa determinante do internamento em estabelecimento especial.
ARTIGO 104.º
(Anomalia psíquica posterior à prática do crime)
1 - Se a anomalia psíquica, com efeitos previstos nos artigos 91.º ou 103.º, sobrevier ao agente depois da prática do crime, o tribunal ordenará o seu internamento nos estabelecimentos destinados a inimputáveis.
2 - Findo o internamento, será levado em conta na duração da pena o tempo que ele tiver durado, mas, independentemente da duração do internamento, o tribunal pode conceder logo a liberdade condicional ao delinquente.
ARTIGO 105.º
(Anomalia psíquica posterior sem perigosidade)
1 - Se a anomalia psíquica sobrevinda ao agente depois da prática do crime o não tornar criminalmente perigoso, nos termos do artigo 91.º, suspender-se-á a execução da pena até que cesse o estado de anomalia psíquica que deu causa à suspensão.
2 - A decisão que ordenar a suspensão pode sujeitar o delinquente ao cumprimento dos deveres e à vigilância previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 94.º 3 - Cessando a causa da suspensão, pode o tribunal, em vez de ordenar a execução da pena que esteja por cumprir, conceder logo a liberdade condicional ou decretar a suspensão da execução da pena.
ARTIGO 106.º
(Simulação da anomalia psíquica)
As alterações ao regime normal da execução da pena, fundadas no que dispõem os artigos 103.º e 104.º, caducam logo que se mostre que a anomalia psíquica do agente foi simulada.
TÍTULO VII
Da perda de coisas ou direitos relacionados com o crime
ARTIGO 107.º
(Perda)
1 - Serão declarados perdidos a favor do Estado os objectos que sirvam ou estavam destinados a servir para a prática de um crime, ou que por este foram produzidos, quando pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou ofereçam sérios riscos de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.2 - A perda dos objectos tem lugar, ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser criminalmente perseguida ou condenada.
3 - Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.
ARTIGO 108.º
(Objectos de terceiro)
1 - Se os objectos a que se refere o artigo anterior não pertencerem, na data do crime, a nenhum dos agentes do facto criminoso ou seus beneficiários ou já não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada, será atribuída ao respectivo titular uma indemnização igual ao valor dos objectos perdidos, por cujo pagamento os agentes do crime respondem solidariamente. No caso de insolvabilidade destes, será devolvida ao Estado a responsabilidade pela indemnização.2 - Não há lugar à indemnização quando os titulares dos objectos tenham concorrido censuravelmente para a sua utilização ou produção, ou quando de modo igualmente reprovável os tenham adquirido, ou do crime hajam tirado vantagens.
ARTIGO 109.º
(Perda de coisas ou direitos relacionados com o crime)
1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes do crime é perdida a favor do Estado. Tratando-se de qualquer vantagem insusceptível de transferência directa, ficará o Estado com o direito de exigir de quem a recebeu ou se obrigou a pagá-la o valor correspondente.
2 - São ainda perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiros, os instrumentos, objectos ou produtos do crime não abrangidos pelo disposto no artigo 107.º, e os objectos, direitos ou vantagens que, através do crime, hajam sido directamente adquiridos pelos seus agentes.
3 - Se os instrumentos ou objectos não estiverem em poder dos agentes, devem estes pagar ao Estado o valor correspondente sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiros.
4 - No caso de alguém responder criminalmente por actuação em nome de outrem nos termos do artigo 12.º e a recompensa do crime e as vantagens dele provenientes aproveitarem à pessoa em nome de quem o facto foi praticado, aplicar-se-á a esta o disposto nos números anteriores para os agentes do crime.
ARTIGO 110.º
(Pagamento diferido ou em prestações)
É extensivo às obrigações patrimoniais referidas nos artigos anteriores o regime previsto para a pena de multa nos n.os 5 e 6 do artigo 46.º
TÍTULO VIII
Da queixa e da acusação particular
ARTIGO 111.º
(Titulares do direito de queixa)
1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, a pessoa ofendida, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.2 - Se o ofendido morrer sem ter apresentado queixa nem ter renunciado a ela, o direito de queixa pertence ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, e aos descendentes e, na falta deles, aos ascendentes, irmãos e seus descendentes, salvo se algumas destas pessoas houver comparticipado no crime.
3 - Quando o ofendido for incapaz, o direito de queixa pertence ao seu representante legal, ao cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes, e, na falta deles, aos ascendentes, irmãos e seus descendentes. Se, porém, tiver mais de 16 anos o ofendido tem também legitimidade para deduzir a queixa.
4 - Qualquer das pessoas referidas nos n.os 2 e 3 deste artigo pode apresentar queixa independentemente do acordo das restantes.
ARTIGO 112.º
(Extinção do direito de queixa)
1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses, a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tornou incapaz.2 - Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se autonomamente para cada um deles.
ARTIGO 113.º
(Extensão dos efeitos da queixa)
A apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes.
ARTIGO 114.º
(Renúncia e desistência da queixa)
1 - O direito de queixa não pode ser exercido se o titular expressamente a ele tiver renunciado ou tiver praticado factos donde a renúncia necessariamente se deduza.2 - O queixoso pode desistir da queixa desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1.ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada.
3 - A desistência da queixa e o seu não exercício tempestivo relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveitam aos restantes, nos casos em que também estes não possam ser perseguidos sem queixa.
4 - Quando o direito de queixa tiver sido exercido por várias pessoas, tanto a renúncia como a desistência exigem o acordo de todas elas.
ARTIGO 115.º
(Participação da autoridade pública)
Salvo disposição da lei em contrário, se o procedimento criminal depender de participação de autoridade pública, a participação por ela apresentada não pode ser objecto de renúncia nem retirada.
ARTIGO 116.º
(Acusação particular)
O disposto nos artigos anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que o procedimento criminal dependa de acusação particular.
TÍTULO IX
De extinção da responsabilidade criminal
CAPÍTULO I
Prescrição do procedimento criminal
ARTIGO 117.º
(Prazos de prescrição)
1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime sejam decorridos os seguintes prazos:a) 15 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão com um limite máximo superior a 10 anos;
b) 10 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão comum um limite máximo igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos;
c) 5 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão com um limite máximo igual ou superior a 1 ano, mas que não exceda 5 anos;
d) 2 anos, nos casos restantes.
2 - Para determinação no máximo da pena aplicável a cada crime a que se refere o número anterior, não contam as agravantes ou atenuantes que, dentro do mesmo tipo de crime, modifiquem os limites da pena.
3 - Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa ou conjuntamente, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeitos deste artigo.
ARTIGO 118.º
(Início do prazo)
1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou.2 - Porém, o prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessa a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto criminoso;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
3 - No caso de cumplicidade atender-se-á sempre, para os efeitos deste artigo, ao facto do autor.
4 - Quando a produção de certo resultado não faz parte do tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que o resultado se verifique.
ARTIGO 119.º
(Suspensão da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal;
b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;
c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 2 anos, quando não haja lugar a recurso, ou 3 anos, havendo-o.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessa a causa da suspensão.
ARTIGO 120.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:a) Com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória;
b) Com a prisão;
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente;
d) Com a marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo prescricional.
3 - A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponderá ao dobro desse prazo.
CAPÍTULO II
Prescrição das penas
ARTIGO 121.º
(Prazos de prescrição)
1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:a) 20 anos, se forem superiores a 10 anos de prisão;
b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
c) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
d) 4 anos, nos casos restantes.
2 - Quando ao crime forem aplicadas penas de várias espécies, a prescrição de qualquer delas não se completa sem que as restantes hajam prescrito também.
3 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que aplicou a pena.
ARTIGO 122.º
(Efeitos da prescrição da pena principal)
A prescrição da pena principal envolve a prescrição da pena acessória que ainda não tiver sido executada, bem como dos efeitos da pena que ainda se não tenham verificado.
ARTIGO 123.º
(Suspensão da rescrição)
1 - A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;
b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena;
c) Perdure a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessa a causa da suspensão.
ARTIGO 124.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição da pena interrompe-se:a) Com a sua execução;
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena terá sempre lugar quando, desde o início daquela e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
CAPÍTULO III
Outras causas de extinção
ARTIGO 125.º
(Morte do agente)
A morte do agente extingue tanto o procedimento criminal como a pena ou medida de segurança.
ARTIGO 126.º
(Amnistia)
1 - A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de já ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena principal como das penas acessórias.2 - No caso de concurso de crimes, a amnistia é aplicável a cada um dos crimes a que foi concedida.
3 - A amnistia pode ser subordinada ao cumprimento de certos deveres e não prejudica a indemnização de perdas e danos que for devida.
4 - Salvo disposição em contrário, a amnistia não aproveita aos reincidentes nem aos condenados em pena indeterminada.
ARTIGO 127.º
(Indulto)
1 - O indulto extingue a pena, no todo ou em parte, ou substitui-a por outra prevista na lei.2 - No caso de concurso de crimes, em que se tenha procedido ao cúmulo das penas, o indulto incide sobre a pena única.
3 - É aplicável ao indulto o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo anterior.
TÍTULO X
Da indemnização de perdas e danos por crime
CAPÍTULO ÚNICO
ARTIGO 128.º
(Responsabilidade civil emergente de crime)
A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
ARTIGO 129.º
(Indemnização dos lesados)
1 - Legislação especial assegurará, através da criação de um seguro social, a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente.2 - Enquanto não tiver aplicação efectiva a legislação referida no número anterior, o tribunal poderá atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondente a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 107.º a 110.º 3 - Se o dano provocado pelo crime for de tal modo que o lesado fique privado de meios de subsistência e se for de prever que o delinquente o não reparará, poderá ainda o tribunal atribuir ao mesmo lesado, no todo ou em parte e até ao limite do dano, o montante da multa.
4 - O Estado ficará sub-rogado no direito do lesado à indemnização até ao montante que tiver satisfeito.
TÍTULO XI
Disposições suplementares
CAPÍTULO ÚNICO
ARTIGO 130.º
(Inscrição no regime criminal)
A inscrição no registo criminal das penas e medidas de segurança, bem como a reabilitação, para além do disposto no artigo 70.º, serão reguladas por legislação especial.
LIVRO II
Parte especial
TÍTULO I
Dos crimes contra as pessoas
CAPÍTULO I
Dos crimes contra a vida
ARTIGO 131.º
(Homicídio)
Quem matar outrem será punido com prisão de 8 a 16 anos.
ARTIGO 132.º
(Homicídio qualificado)
1 - Se a morte for causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente a pena será a de prisão de 12 a 20 anos.2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
a) Ser descendente ou ascendente, natural ou adoptivo, da vítima;
b) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
c) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
d) Ser determinado por ódio racial ou religioso;
e) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime;
f) Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou quando o meio empregado se traduzir na prática de um crime de perigo comum;
g) Agir com premeditação, entendendo-se por esta a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados ou o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas.
ARTIGO 133.º
(Homicídio privilegiado)
Será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos quem for levado a matar outrem dominado por compreensível emoção violenta ou por compaixão, desespero ou outro motivo, de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa.
ARTIGO 134.º
(Homicídio a pedido da vítima)
Quem matar outra pessoa imputável e maior determinado pelo pedido instante, consciente, livre e expresso que ela lhe fez será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 135.º
(Incitamento ou ajuda ao suicídio)
1 - Quem incitar outrem a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos, se o suicídio efectivamente se tiver consumado ou tentado.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos, inimputável, ou tiver sensivelmente diminuída, por qualquer motivo, a resistência moral, a pena será a de prisão de 2 a 8 anos, podendo, no entanto, ser especialmente atenuada.
ARTIGO 136.º
(Homicídio por negligência)
1 - Quem, por negligência, causar a morte de outrem será punido com prisão até 2 anos.2 - Quando se tratar de negligência grosseira poderá a pena elevar-se até 3 anos de prisão.
ARTIGO 137.º
(Infanticídio privilegiado)
A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto, estando ainda sob a sua influência perturbadora ou para ocultar a desonra será punida com prisão de 1 a 5 anos.
ARTIGO 138.º
(Exposição ou abandono)
1 - Será punido com prisão de 6 meses a 5 anos quem:a) Expuser outra pessoa em lugar que a sujeite a uma situação de perigo para a vida, de que ela, só por si, não possa defender-se;
b) Abandonar outra pessoa, confiada à sua guarda ou que tem o dever de educar, vigiar ou assistir, ou que por ele foi intencionalmente incapacitada, e que se encontra em situação de perigo para a vida, contra o qual se não pode defender, não lhe prestando os socorros que poderiam remover ou diminuir esse perigo ou assistência devida.
2 - Se do crime resultar a morte, que poderia ser prevista pelo agente como consequência necessária da conduta, a prisão será de 2 a 8 anos.
3 - Se o perigo para a vida a que se refere o n.º 1 estiver ligado à idade, doença ou fragilidade da vítima, a pena será de 1 a 5 anos.
4 - Se, no caso dos números anteriores, a exposição ou abandono for levado a cabo pela mãe para ocultar a sua desonra e não tiver ocorrido a morte, a pena não poderá exceder 2 anos; se, porém, resultar a morte, que poderia ser prevista como consequência necessária da conduta, a pena será a de prisão até 4 anos.
CAPÍTULO II
Dos crimes contra a vida intra-uterina
ARTIGO 139.º
(Aborto)
Quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar será punido com prisão de 2 a 8 anos.
ARTIGO 140.º
(Aborto consentido)
1 - Quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar será punido com prisão até 3 anos.2 - Na mesma pena incorre a mulher grávida que der consentimento ao aborto causado por terceiro ou que, por facto próprio ou de outrem, se fizer abortar.
3 - Se o aborto previsto nos números anteriores tiver o objectivo de ocultar a desonra da mulher, será punido com prisão até 2 anos.
ARTIGO 141.º
1 - Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma grave lesão para o corpo ou para a saúde da mulher grávida, o máximo da pena aplicável será aumentada de um terço.2 - A mesma pena será aplicada ao agente que se dedicar habitualmente à prática do aborto ou o realizar com intenção lucrativa.
3 - A agravação prevista neste artigo não será aplicável à própria mulher grávida.
CAPÍTULO III
Dos crimes contra a integridade física
ARTIGO 142.º
(Ofensas corporais simples)
1 - Quem causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem será punido com prisão até 2 anos ou com multa até 180 dias.2 - O procedimento criminal só terá lugar mediante queixa.
ARTIGO 143.º
(Ofensas corporais graves)
Quem ofender o corpo ou a saúde de outrem, de forma a:a) Mutilá-lo gravemente, privando-o de um importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;
b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a sua capacidade de trabalho, as suas capacidades intelectuais, a sua capacidade de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar-lhe doença que ponha em perigo a vida, doença particularmente dolorosa ou permanente, outra enfermidade ou anomalia psíquica grave e incurável ou aborto;
será punido com prisão de 1 a 5 anos.
ARTIGO 144.º
(Ofensas corporais com dolo de perigo)
1 - Quem, através de uma ofensa para o corpo ou para a saúde de outrem, criar para o ofendido um perigo para a vida ou o perigo de verificação dos efeitos previstos no artigo anterior será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.2 - A mesma pena será aplicável a quem cometa uma ofensa contra o corpo ou contra a saúde de outrem, utilizando meios particularmente perigosos ou insidiosos, juntamente com três ou mais pessoas, ou quando o meio empregado se traduzir na prática de um crime de perigo comum.
ARTIGO 145.º
(Agravação pelo resultado)
1 - Quem, em virtude de ofensa corporal ou à saúde de outrem causar a morte do ofendido será punido com prisão de 6 meses a 3 anos, no caso do artigo 142.º, e com prisão de 2 a 8 anos, no caso dos artigos 143.º e 144.º 2 - Se o agente, querendo tão-só produzir as ofensas previstas no artigo 142.º ou criar a situação prevista no artigo 144.º, vier a causar as ofensas prevista no artigo 143.º, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos ou de 1 a 4 anos, consoante se verifique o caso do artigo 142.º ou do artigo 144.ºARTIGO 146.º
(Envenenamento)
1 - Quem ministrar substâncias venenosas ou outras de natureza análoga com intenção de prejudicar a saúde física ou psíquica do ofendido será punido com prisão de 2 a 6 anos.2 - Se o agente, querendo apenas criar a situação prevista no n.º 1, vier a causar as ofensas previstas no artigo 143.º, será punido com prisão de 3 a 9 anos.
3 - Se o agente, querendo apenas criar a situação prevista no n.º 1, vier a causar a morte do ofendido, será punido com prisão de 6 a 12 anos.
ARTIGO 147.º
(Ofensas corporais privilegiadas)
1 - Quem causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem será punido, quando se verifiquem as circunstâncias previstas no artigo 133.º:a) Com prisão até 6 meses ou multa até 50 dias, ou mesmo isento da pena, no caso do artigo 142.º;
b) Com prisão até 1 ano, nos casos dos artigos 143.º, 144.º e 145.º, n.º 2;
c) Com prisão até 2 anos, no caso do artigo 145.º, n.º 1.
2 - A pena de prisão pode também ser reduzida até 6 meses e multa até 50 dias ou o agente ser mesmo isento da pena quando, no caso do artigo 142.º, houver lesões recíprocas, não se provando qual dos contendores agrediu primeiro.
ARTIGO 148.º
(Ofensas corporais por negligência)
1 - Quem causar, por negligência, ofensas no corpo ou na saúde de outrem será punido com prisão até 6 meses ou multa até 50 dias.2 - O juiz pode isentar de pena o agente quando a culpa deste se revelar sensivelmente diminuída e:
a) O agressor for médico e, no exercício da sua função, provocar ofensas no corpo ou na saúde que não causem doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 8 dias;
b) Da agressão não resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais 3 dias.
3 - Se do facto resultar uma ofensa corporal grave, nos termos do artigo 143.º, ou a criação de um perigo para a vida, nos termos do artigo 144.º, a pena será a de prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
4 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 149.º
(Consentimento)
1 - Os bens jurídicos violados por ofensa no corpo ou na saúde consideram-se livremente disponíveis pelo seu titular quando o facto não ofenda os bons costumes.2 - Para decidir sobre se a ofensa no corpo ou na saúde contraria os bons costumes tomar-se-ão em conta, nomeadamente, os motivos e os fins do agente ou do ofendido, bem como os meios empregados e a amplitude previsível da ofensa.
ARTIGO 150.º
(Intervenções e tratamento médico-cirúrgicos)
1 - As intervenções e outros tratamentos que, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrem indicados e forem levados a cabo, de acordo com as leges artis, por um médico ou outra pessoa legalmente autorizada a empreendê-los com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar uma doença, um sofrimento, uma lesão ou fadiga corporal ou uma perturbação mental não se consideram ofensas corporais.
2 - Se da violação das leges artis resultar um perigo para o corpo, a saúde ou a vida do paciente, o agente será punido com prisão até 2 anos.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 151.º
(Participação em rixa)
1 - Quem intervir ou tomar parte em rixa de 2 ou mais pessoas, donde resulte a morte ou uma ofensa corporal grave, será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.2 - O disposto neste artigo não é aplicável quando a participação em rixa se limitou a reagir contra um ataque, a defender outrem, a separar os contendores ou foi determinada por qualquer outro motivo não censurável.
ARTIGO 152.º
(Tiro de arma de fogo, uso de arma de arremesso e ameaças)
1 - O tiro de arma de fogo, o emprego de arma de arremesso contra alguma pessoa, posto que qualquer destes factos não seja classificado como tentativa de homicídio, nem dele resulte ferimento ou contusão, e bem assim a ameaça, com qualquer das ditas armas, em disposição de ofender, ou feita por uma reunião de 3 ou mais indivíduos, em disposição de causar mal imediato, consideram-se ofensa corporal e são punidos:
a) O tiro de arma de fogo ou o emprego de qualquer arma de arremesso, com prisão até 6 meses;
b) A ameaça com arma de fogo ou qualquer arma de arremesso, em disposição de ofender, com prisão até 3 meses;
e) A ameaça feita por 3 ou mais indivíduos em disposição de causar mal imediato, com prisão até 2 anos.
2 - Dependerá de queixa do ofendido o procedimento criminal por simples ameaça com qualquer arma ou meio de agressão que não seja arma de fogo, arma proibida ou outro meio gravemente perigoso. Se a ameaça for de uma ofensa corporal cujo procedimento criminal dependa de queixa do ofendido, o procedimento judicial por aquela ameaça dependerá igualmente desta queixa.
ARTIGO 153.º
(Maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre
cônjuges)
1 - O pai, mãe ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu cuidado ou à sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direcção ou educação será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa até 100 dias quando, devido a malvadez ou egoísmo:a) Lhe infligir maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres decorrentes das suas funções lhe impõem;
ou b) O empregar em actividades perigosas, proibidas ou desumanas, ou sobrecarregar, física ou intelectualmente, com trabalhos excessivos ou inadequados de forma a ofender a sua saúde, ou o seu desenvolvimento intelectual, ou a expô-lo a grave perigo.
2 - Da mesma forma será punido quem tiver como seu subordinado, por relação de trabalho, mulher grávida, pessoa fraca de saúde ou menor, se se verificarem os restantes pressupostos do n.º 1.
3 - Da mesma forma será ainda punido quem infligir ao seu cônjuge o tratamento descrito na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
ARTIGO 154.º
(Agravação pelo resultado)
Se, no caso do artigo anterior, do facto resultar uma ofensa corporal grave ou a morte, a pena aplicável será, respectivamente, a de prisão de 6 meses a 4 anos e multa até 120 dias e a de prisão de 3 a 9 anos e multa até 250 dias.
CAPÍTULO IV
Dos crimes contra a liberdade das pessoas
ARTIGO 155.º
(Ameaças)
1 - Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.2 - No caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos, poderá a prisão elevar-se até 2 anos e a multa até 180 dias.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 156.º
(Coacção)
1 - Quem, por meio da violência, ameaça de violência, ameaça de queixa criminal ou de revelação de um facto atentatório da honra e da consideração, ou ameaça com a prática de um crime, constranger outrem a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade será punido com prisão até 2 anos ou multa até 180 dias, ou com uma e outra pena, cumulativamente.2 - A tentativa é punível.
3 - A coacção só será punível quando for censurável a utilização do meio para atingir o fim visado.
4 - A punição por este crime não consome aquela que couber aos meios empregados para o executar.
ARTIGO 157.º
(Coacção grave)
1 - Quando a coacção for feita:a) Através da ameaça de crime a que corresponda pena superior a 3 anos de prisão;
b) Por funcionário, com grave abuso da sua autoridade;
c) Através de ameaça da qual resulte, como consequência adequada, suicídio ou tentativa de suicídio da pessoa ameaçada ou daquela sobre a qual o mal deve recair;
a pena será a de prisão de 6 meses a 3 anos.
2 - No caso da alínea b) do número anterior, se a coacção visar obter dinheiro, serviços ou qualquer outra coisa que não seja devida, a prisão poderá elevar-se a 5 anos.
ARTIGO 158.º
(Intervenção e tratamento médico-cirúrgicos arbitrários)
1 - As pessoas indicadas no artigo 150.º que, em vista dos fins também nele apontados, fizerem intervenções ou tratamentos sem consentimento do paciente serão puníveis com prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
2 - O agente não será punível quando o consentimento:
a) Só puder ser obtido com o adiamento que implique um perigo para a vida ou um grave perigo para o corpo ou para a saúde;
b) Foi dado para uma intervenção ou tratamento diferente, mas o que foi realizado é imposto pelo estado dos conhecimentos ou experiência da medicina, como meio para evitar um perigo para o corpo ou para a saúde;
e não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado.
3 - O agente não será igualmente punível quando a intervenção ou o tratamento forem impostos pelo cumprimento de uma obrigação legal.
4 - Se, por negligência, se representarem falsamente os pressupostos do consentimento, o agente será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 159.º
(Requisitos do consentimento)
Para efeitos do artigo anterior, o consentimento só será eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar o esclarecimento de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, seriam susceptíveis de lhe provocar perturbações comprometedoras da finalidade visada.
ARTIGO 160.º
(Sequestro)
1 - Quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa, ou de qualquer forma a privar da sua liberdade, será punido com prisão até 2 anos.2 - A prisão será, porém, de 2 a 10 anos se a privação da liberdade:
a) Durar por mais de 2 dias;
b) For precedida ou acompanhada de agressão à integridade física, tortura, tratamento cruel e desumano ou com emprego de outros meios violentos;
c) For praticado com o falso pretexto de que a vítima sofria de anomalia psíquica;
d) For praticado simulando o agente, de qualquer modo, autoridade pública, ou com grave abuso dos poderes inerentes às suas funções públicas;
e) Tiver como resultado o suicídio, privação da razão ou impossibilidade permanente para o trabalho da vítima;
f) Ocorrer depois de o ofendido ter sido fraudulentamente atraído a um local em termos de não poder socorrer-se da autoridade pública ou de terceiros para se livrar da detenção;
g) For praticada por 2 ou mais pessoas.
3 - Para o efeito da alínea b) do número anterior, considera-se privação da liberdade com emprego de outros meios violentos aquela que é precedida ou acompanhada de ameaças com arma, da utilização de narcóticos ou outras substâncias susceptíveis de anularem ou diminuírem a resistência da vítima ou ainda da ameaça de infligir um mal que constitua crime relativamente à vítima ou a pessoa de sua família.
4 - A prisão poderá, porém, elevar-se a 15 anos quando da privação da liberdade resultar a morte da vítima.
ARTIGO 161.º
(Escravidão)
1 - Quem reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo será punido com prisão de 8 a 15 anos.2 - Na mesma pena incorre quem alienar, ceder ou adquirir pessoa humana ou dela se apossar com intenção de a manter na situação prevista no número anterior.
ARTIGO 162.º
(Rapto)
1 - Quem raptar ou privar da liberdade outrem, sem o seu consentimento ou com consentimento obtido através de ameaça ou astúcia, para obter um resgate ou para forçar a autoridade pública ou um terceiro a praticar um facto, a abster-se de o praticar ou tolerar que se pratique, será punido com prisão de 4 a 8 anos.2 - Se o rapto for acompanhado de alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 160.º, a pena será a de prisão de 4 a 10 anos.
3 - A pena será agravada até ao máximo de 15 anos de prisão se das circunstâncias previstas no número anterior resultar a morte da vítima.
ARTIGO 163.º
(Rapto de menor)
1 - Quem raptar ou privar de liberdade menor de 16 anos com a intenção de o explorar ou obter recompensa pela sua entrega ou com intenções libidinosas ou de utilização na prostituição será punido com prisão de 6 a 10 anos.2 - Se o crime for acompanhado de alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 160.º, a pena será a de prisão de 8 a 15 anos.
3 - Se dos maus tratos referidos no número anterior resultar a morte, a pena será a de prisão de 10 a 20 anos.
CAPÍTULO V
Dos crimes contra a honra
ARTIGO 164.º
(Difamação)
1 - Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias.2 - O agente não será punido:
a) Quando a imputação for feita para realizar o interesse público legítimo ou por qualquer outra justa causa; e b) Prove a verdade da mesma imputação ou tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira.
3 - A boa fé exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever da informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
4 - Quando a imputação for de facto que constitua crime, será também admissível a prova, mas limitada à resultante de condenação por sentença transitada em julgado.
ARTIGO 165.º
(injúrias)
1 - Quem injuriar outrem imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, será punido com prisão até 3 meses e multa até 30 dias.2 - Tratando-se de imputação de factos, serão aplicáveis à injúria as regras dos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.
ARTIGO 166.º
(Equiparação à difamação ou injúria)
À difamação ou injúria verbais serão equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
ARTIGO 167.º
(Publicidade e calúnia)
1 - As penas da difamação ou injúrias serão elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo:a) Se tais crimes forem praticados por meios que facilitem a divulgação da ofensa;
b) Se, quando for admissível a prova dos factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação.
2 - Se o crime for cometido através dos meios de comunicação social, a prisão poderá elevar-se a 2 anos e a multa até 240 dias.
ARTIGO 168.º
(Agravação)
1 - As penas previstas nos artigos anteriores serão elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo, sendo a vítima membro de órgão de soberania, magistrado, comandante da força pública, professor ou examinador públicos, no exercício das suas funções ou por causa delas.2 - As mesmas penas serão elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, sendo a vítima funcionário, membro das forças armadas ou das forças militarizadas, e verificando-se as circunstâncias referidas no número anterior.
ARTIGO 169.º
(Ofensa à memória de pessoa falecida)
1 - Quem ofender a memória de pessoa falecida, difamando-a, será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias.
2 - Nenhuma pena, porém, será imposta se decorrerem mais de 50 anos depois da morte da pessoa difamada.
3 - Têm legitimidade para exercer o direito de queixa por este crime os ascendentes, descendentes e o cônjuge não separado judicialmente.
ARTIGO 170.º
(Equivocidade das imputações)
Quando a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, a que se referem os artigos anteriores, for feita de forma imprecisa ou equívoca, poderá, quem se julgue por eles ofendido ou quem o represente na titularidade do direito de queixa, pedir ao seu autor esclarecimentos em juízo. Se o interpelado se recusar a dá-los ou, segundo o critério do juiz não os der satisfatoriamente, responderá pela injúria ou difamação, conforme os casos.
ARTIGO 171.º
(Explicações)
Será isento de pena quem, antes da sentença, der em juízo explicações satisfatórias da difamação ou injúria de que for acusado, se o ofendido, quem o represente ou integre a sua vontade como titular do direito de queixa, as aceitar como suficientes.
ARTIGO 172.º
(Retorsão)
1 - Quando a difamação ou injúria for provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, pode o seu agente ser isento de pena.2 - Se o ofendido ripostar imediatamente com uma injúria ou difamação a outra injúria ou difamação simples, o juiz poderá isentar de pena ambos os delinquentes ou um só deles, conforme as circunstâncias.
ARTIGO 173.º
(Injúrias através de ofensas corporais)
Quem cometer contra outrem uma ofensa corporal que, pela sua natureza, meio empregado ou outras circunstâncias, revela intenção de injuriar, será punido com a pena de injúria, salvo se à ofensa corporal corresponder concretamente pena mais grave, que, neste caso, se acumulará com aquela.
ARTIGO 174.º
(Queixa e acusação)
O procedimento criminal pelos crimes previstos neste capítulo depende de acusação, salvo os casos do artigo 168.º, em que é suficiente a queixa.
ARTIGO 175.º
(Publicação da sentença)
1 - Quando a difamação ou injúria tiver sido cometida publicamente, em assembleia, reunião ou em qualquer meio que facilite a sua divulgação, a sentença condenatória deverá ordenar o conhecimento público da condenação.2 - O conhecimento público referido no número anterior depende de requerimento do ofendido ou de quem o represente ou integre a sua vontade no exercício do direito de queixa, devendo a sentença determinar a forma e o prazo do seu cumprimento.
3 - Se a ofensa tiver sido feita em publicação periódica, o conhecimento público da condenação deve ser dado através de inserção da sentença, sem quaisquer comentário, no lugar correspondente da mesma publicação e em caracteres iguais àqueles em que a ofensa foi publicada. Se a ofensa tiver sido feita pela radiodifusão ou pela televisão, deverá o tribunal fixar os termos do conhecimento público da sentença, sem quaisquer comentários, por forma a que este se aproxime, tanto quanto possível, das condições em que aquela ofensa foi divulgada.
4 - O conhecimento público será feito, sempre que possível, à custa do delinquente.
5 - Incorre na pena prevista no n.º 3 do artigo 388.º quem desobedecer à ordem do tribunal destinada, nos termos dos n.os 2 e 3 do presente artigo, a dar conhecimento público da condenação.
CAPÍTULO VI
Dos crimes contra a reserva da vida privada
ARTIGO 176.º
(Introdução em casa alheia)
1 - Quem se introduzir na habitação de outra pessoa, contra vontade expressa ou presumida de quem de direito, ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 120 dias.2 - Se o crime for cometido de noite ou em lugar ermo, ou com emprego de violências, com uso de armas ou mediante arrombamento, escalamento, chaves falsas ou por 2 ou mais pessoas, ou simulando autoridade pública, a pena será a de prisão de 1 a 4 anos, salvo se ao meio empregado corresponder pena mais grave, que será, então, aplicada cumulativamente com a dos n.os 1 ou 2, conforme o caso.
ARTIGO 177.º
(Introdução em lugar vedado ao público)
1 - Quem, contra vontade expressa ou presumida de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos à habitação, barcos ou outros meios de transporte, lugar vedado e destinado a um serviço ou empresa públicos, a um serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar reservado ou não livremente acessível ao público, será punido com prisão até 3 meses.
2 - O procedimento criminal depende de queixa, salvo nos casos em que se verifiquem as circunstâncias do n.º 2 do artigo anterior e sempre que os bens atingidos pertençam a um serviço ou empresa públicos.
ARTIGO 178.º
(Divulgação de factos referentes à intimidade da vida privada)
1 - Quem, por qualquer meio e com a intenção de devassar, divulgar factos ou circunstâncias pertinentes à vida privada das pessoas, designadamente relativos à intimidade da vida familiar ou sexual ou a doenças graves, será punido com prisão até 1 ano.
2 - O agente não será punido quando a divulgação for feita como meio adequado para realizar um interesse público legítimo ou tenha qualquer outra causa justa.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 179.º
(Gravações e fotografias ilícitas)
1 - Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito:a) Gravar palavras proferidas por outrem e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas;
b) Utilizar ou deixar utilizar por outrem as gravações a que se refere a alínea anterior;
c) Fotografar, filmar ou registar aspectos da vida particular de outrem, mesmo que neles tenha legitimamente participado;
d) Utilizar ou permitir que se utilizem as fotografias, os filmes, ou os registos indevidamente obtidos, a que se refere a alínea anterior;
será punido com prisão até 1 ano e multa até 60 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 180.º
(Intromissão na vida privada)
1 - Quem, com o propósito de devassar a intimidade da vida privada de outrem:a) Interceptar, escutar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar, sem consentimento de quem nela participe, qualquer conversa ou comunicação particular;
b) Captar, registar ou divulgar a imagem de pessoas sem consentimento delas;
c) Observar às ocultas as pessoas que se encontrem em lugar privado;
será punido com prisão até 1 ano e multa até 60 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 181.º
(Devassa por meio de informática)
1 - Será punido com prisão até 1 ano e multa até 60 dias quem:a) Criar ou mantiver um ficheiro automatizado de dados de carácter pessoal, em infracção à lei;
b) Fornecer falsas informações no pedido de autorização de constituição ou manutenção de um ficheiro automatizado de dados de carácter pessoal ou proceder a alterações não consentidas pelo instrumento de criação;
c) Modificar, suprimir ou acrescentar de forma indevida informações pessoais a um ficheiro automatizado de dados de carácter pessoal;
d) Desviar da finalidade legalmente consentida informações de carácter pessoal não públicas.
2 - É punido com prisão até 2 anos quem processar ou mandar processar dados de carácter pessoal referentes a convicções políticas, religiosas, filosóficas, bem como outras atinentes à privacidade, em infracção à lei.
ARTIGO 182.º
(Violação do segredo de correspondência e telecomunicação)
1 - Quem, sem consentimento de quem de direito, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e que lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos do seu conteúdo, será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem autorização de quem de direito, se intrometer ou tomar conhecimento do conteúdo de comunicação telefónica ou telegráfica.
3 - A pena será agravada no caso de divulgação a terceiros do conteúdo das cartas, telefonemas ou telegramas ilicitamente obtido.
4 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 183.º
(Agravação)
As penas serão elevadas ao dobro nos seus limites mínimo e máximo quando qualquer dos crimes previsto nos artigos 178.º a 182.º for praticado para obter uma recompensa ou um enriquecimento para si ou para terceiro, ou para causar um prejuízo a outrem.
ARTIGO 184.º
(Violação do segredo profissional)
Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito, revelar ou se aproveitar de um segredo de que tenha conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, se essa revelação ou aproveitamente puder causar prejuízo ao Estado ou a terceiros, será punido com prisão até 1 ano e multa até 120 dias.
ARTIGO 185.º
(Exclusão de ilicitude)
O facto previsto no artigo anterior não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim.
TÍTULO II
Dos crimes contra a paz e a humanidade
CAPÍTULO I
Dos crimes contra a paz
ARTIGO 186.º
(Incitamento à guerra)
Quem, pública e repetidamente, incitar ao ódio contra um povo, com a intenção de desencadear uma guerra, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 187.º
(Aliciamento de forças armadas)
Quem intentar o recrutamento de elementos das forças armadas portuguesas para uma guerra contra o Estado ou território estrangeiro, pondo desse modo em perigo a convivência pacífica entre os povos, será punido com prisão de 2 a 6 anos.
ARTIGO 188.º
(Recrutamento de mercenários)
Quem recrutar ou intentar recrutar mercenários:a) Para o serviço militar de um Estado estrangeiro;
b) Para qualquer organização armada nacional ou estrangeira que se proponha, através de meios violentos, derrubar o governo legítimo de outro Estado ou atentar contra a independência, a integridade territorial ou o funcionamento normal das instituições do mesmo Estado;
será punido com prisão de 2 a 6 anos.
CAPÍTULO II
Dos crimes contra a humanidade
ARTIGO 189.º
(Genocídio e discriminação racial)
1 - Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, uma comunidade ou um grupo nacional, étnico, racial, religioso ou social, praticar alguns dos actos seguintes:a) Homicídio de membros da comunidade ou do grupo;
b) Ofensa grave à integridade física ou psíquica de membros da comunidade ou do grupo;
c) Sujeição da comunidade ou do grupo a condições da existência ou a tratamentos desumanos, susceptíveis de virem a provocar a destruição da comunidade ou do grupo;
d) Transferência violenta de crianças para outra comunidade ou outro grupo;
será punido com prisão de 10 a 25 anos.
2 - Será punido com prisão de 1 a 5 anos quem, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social:
a) Difamar ou injuriar uma pessoa ou um grupo de pessoas ou expuser as mesmas a desprezo público por causa da sua raça, da sua cor ou da sua origem étnica;
b) Provocar actos de violência contra pessoa ou grupos de pessoas de outra raça, de outra cor ou de outra origem étnica.
3 - Será punido com prisão de 2 a 8 anos quem:
a) Fundar ou constituir organizações ou desenvolver actividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência raciais ou que os encoragem;
b) Participe nas organizações ou nas actividades referidas na alínea anterior ou preste assistência a quaisquer actividades racistas, incluindo o seu financiamento.
ARTIGO 190.º
(Crimes de guerra contra civis, feridos, doentes e prisioneiros de guerra)
1 - Quem, violando as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum, em tempo de guerra, de conflito armado ou durante a ocupação, praticar sobre a população civil, sobre os feridos, sobre os doentes ou sobre os prisioneiros de guerra alguns dos seguintes actos:
a) Homicídio;
b) Torturas;
c) Tratamentos desumanos, incluindo a sujeição a experiências médicas ou científicas;
d) Ofensas graves à integridade física ou psíquica;
e) Deportação;
f) Constrangimento a servir nas forças armadas inimigas;
g) Restrições graves injustificadas e prolongadas da liberdade;
h) Subtracção ou destruição injustificada de bens patrimoniais de grande valor;
será punido com prisão de 10 a 20 anos.
2 - A pena será agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo quando os actos referidos no número anterior forem praticados sobre membros da Cruz Vermelha ou de outras instituições humanitárias.
ARTIGO 191.º
(Subtracção às garantias do Estado de direito português)
1 - Quem, agindo com violência, ameaças ou quaisquer meios ardilosos, fizer que outrem saia para fora do âmbito de protecção da lei penal portuguesa e se exponha a ser perseguido por razões políticas com risco para a vida, liberdade ou integridade pessoal, através de violência ou medidas contrárias aos princípios fundamentais do Estado de direito português, será punido com prisão de 3 a 10 anos.
2 - Na mesma pena incorre quem, pelos mesmos meios, impedir outrem de abandonar aquela situação de perigo ou o forçar a permanecer nela.
ARTIGO 192.º
(Destruição de monumentos culturais e históricos)
Quem, violando as normas de princípios de direito internacional geral ou comum, em tempo de guerra, de conflito armado, ou durante a ocupação, sem necessidade militar, destruir ou danificar monumentos culturais e históricos ou estabelecimentos afectos à ciência, às artes, à cultura, à religião ou a fins humanitários, será punido com prisão de 3 a 10 anos.
TÍTULO III
Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade
CAPÍTULO I
Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social
SECÇÃO I
Dos crimes contra a família
ARTIGO 193.º
(Bigamia)
1 - Quem, estando ligado por casamento com valor ou eficácia civil, contrair outro casamento será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.2 - Quem contrair casamento com pessoa ligada a outrem, por casamento com valor ou eficácia civil, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
ARTIGO 194.º
(Simulação de competência para celebrar o casamento)
Quem, atribuindo-se falsamente competência para tal, permitir que peranta si se celebre casamento será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 195.º
(Falsificação ou supressão de estado civil)
Quem fizer figurar no registo civil um nascimento inexistente ou quem, de maneira a pôr em perigo a verificação oficial do verdadeiro estado civil ou a posição jurídica familiar, usurpar, alterar, supuser ou encobrir o seu estado civil ou a posição jurídica familiar de outra pessoa, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
ARTIGO 196.º
(Subtracção de menores)
1 - Quem subtrair um menor ou, por fraude, violência ou ameaça de grave mal, o determinar a fugir a quem tem o exercício do poder paternal, ou da tutela ou se recusar a entregá-lo a quem legitimamente o reclame, será punido com prisão até 3 anos e multa até 100 dias.2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 197.º
(Omissão de assistência material à família)
1 - Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir essa obrigação de maneira a independentemente de auxílio de terceiros, pôr em perigo a satisfação das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 180 dias.
2 - No caso de alimentos a filho menor ou à mulher que se encontre grávida, sendo a gravidez conhecida do marido, a pena será de prisão até 3 anos ou multa até 200 dias.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 198.º
(Omissão de assistência material fora do casamento)
1 - Quem deixar de prestar a mulher por ele engravidada, fora do casamento, o auxílio que, segundo as circunstâncias, lhe pode ser exigido e ela precisa, por virtude da gravidez ou do parto, expondo-a, ou ao filho, a uma situação de necessidade, será punido com prisão até 3 anos ou multa até 300 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem deixar de prestar os alimentos a que voluntariamente se obrigou, relativamente a seu filho menor ou a mulher por si engravidada.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 199.º
(Abandono de cônjuge ou de filhos em perigo moral)
1 - Quem infringir grosseiramente dever de socorrer ou ajudar o outro cônjuge ou os deveres inerentes ao poder paternal que lhe cumpram por força da lei ou decisão judicial, relativamente a menor, quando daí resultar perigo de que caia em situação de abandono físico, intelectual ou moral, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 180 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa quando o ofendido for o cônjuge.
ARTIGO 200.º
(Não execução da pena)
A pena aplicada nos casos dos artigos 197.º a 199.º deixará de executar-se se as obrigações a que se referem aqueles artigos vierem, entretanto, a ser cumpridas.
SECÇÃO II
Dos crimes sexuais
ARTIGO 201.º
(Violação)
1 - Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos.2 - Na mesma pena incorre quem, independentemente dos meios empregados, tiver cópula ou acto análogo com menor de 12 anos ou favorecer estes actos com terceiro.
3 - No caso do n.º 1 deste artigo, se a vítima, através do seu comportamento ou da sua especial ligação com o agente, tiver contribuído de forma sensível para o facto, será a pena especialmente atenuada.
ARTIGO 202.º
(Violação de mulher inconsciente)
1 - Quem tiver cópula com mulher inconsciente, incapaz de resistir fisicamente ou portadora de anomalia psíquica que lhe tire a capacidade para avaliar o sentido moral da cópula ou se determinar de harmonia com essa avaliação, ou com mulher menor de 14 anos, será punido com prisão de 2 a 5 anos.2 - Na mesma pena incorre quem, nas circunstâncias descritas no número anterior, constranger a mulher à cópula ou favorecer esta com terceiro.
ARTIGO 203.º
(Cópula mediante fraude)
Quem tiver cópula com mulher, fazendo-lhe supor a existência de casamento, ou provocando ou aproveitando um erro de forma que a vítima considere a cópula conjugal, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 204.º
(Estupro)
Quem tiver cópula com maior de 14 anos e menor de 16 anos, abusando da sua inexperiência ou mediante promessa séria de casamento, será punido com prisão até 2 anos.
ARTIGO 205.º
(Atentado ao pudor com violência)
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a tornar inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir, praticar contra outra pessoa atentado ao pudor, será punido com prisão até 3 anos.2 - Na mesma pena incorre quem, independentemente dos meios empregados, praticar atentado ao pudor contra menor de 14 anos.
3 - Entende-se por atentado ao pudor o comportamento pelo qual outrem é levado a sofrer, presenciar ou praticar um acto que viola, em grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual.
ARTIGO 206.º
(Atentado ao pudor com pessoa inconsciente)
1 - Quem praticar atentado ao pudor relativamente a pessoa inconsciente, incapaz de resistir fisicamente ou portadora de anomalia psíquica, que lhe tire a capacidade para avaliar o sentido moral do atentado ao pudor ou se determinar de harmonia com essa avaliação, será punido com prisão até 3 anos.
2 - Quem, independentemente das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 205.º e no número anterior, praticar atentado ao pudor contra menor de 16 anos será punido com prisão até 1 ano.
ARTIGO 207.º
(Homossexualidade com menores)
Quem, sendo maior, desencaminhar menor de 16 anos do mesmo sexo para a prática de acto contrário ao pudor, consigo ou com outrem do mesmo sexo, será punido com prisão até 3 anos.
ARTIGO 208.º
(Agravação)
1 - As penas previstas nos artigos 201.º a 207.º serão aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o ofendido:a) For ascendente ou descendente, filho ou neto do outro cônjuge, parente em segundo grau, filho adoptivo, pupilo ou estiver sob tutela ou curatela, custódia ou autoridade do agente;
b) For aluno, aprendiz, confiado aos cuidados, assistência ou, em vista da sua educação ou correcção, à guarda do agente ou for fiel de qualquer culto de que este seja ministro ou eclesiástico;
c) Estiver numa relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente, ou, sendo este funcionário público, dele depender a satisfação de qualquer seu negócio ou pretensão, e o crime for praticado com grave ofensa dessas funções ou relações.
2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso de o agente ser portador de doença venérea ou sifilítica e disso tiver conhecimento.
3 - As penas previstas nos artigos 201.º, 202.º, 205.º e 206.º serão agravadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se dos actos aí descritos resultar gravidez, ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima.
ARTIGO 209.º
(Cópula ou atentado ao pudor relativamente a pessoas detidas ou
equiparadas)
Quem, exercendo funções ou trabalhando, a qualquer título que seja, em prisão ou em outro estabelecimento onde se executem reacções criminais, hospitais, hospícios, asilos, clínicas de convalescença ou de saúde, ou outros estabelecimentos destinados a pessoas carecidas de assistência ou tratamento, escolas, colégios ou casas de educação ou correcção e aproveitando-se da sua situação, realizar cópula ou atentado ao pudor contra quem aí se encontra internado, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos, se por força de outros preceitos lhe não couber pena mais grave.
ARTIGO 210.º
(Erro sobre idade)
Quando o tipo legal de crime supuser uma certa idade da vítima e o agente, censuravelmente, a ignorar, a pena respectiva reduzir-se-á de metade no seu limite máximo.
ARTIGO 211.º
(Necessidade de queixa)
1 - Nos crimes previstos nos artigos antecedentes, o procedimento criminal depende de queixa do ofendido, do cônjuge ou de quem sobre a vítima exerce poder paternal, tutela ou curatela.2 - O disposto no número anterior não se aplica quando a vítima for menor de 12 anos, o facto for cometido por meio de outro crime que não dependa de acusação ou queixa, quando o agente seja qualquer das pessoas que nos termos do mesmo número anterior tenha legitimidade para requerer procedimento criminal ou ainda quando do crime resulte ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima.
ARTIGO 212.º
(Exibicionismo e ultraje público ao pudor)
Quem, publicamente e em circunstâncias de provocar escândalo, praticar acto que ofenda gravemente o sentimento geral de pudor ou de moralidade sexual, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
ARTIGO 213.º
(Ultraje ao pudor de outrem)
1 - Quem ofender outra pessoa, praticando com ela, ou diante dela, acto atentatório ao seu pudor, será punido com prisão até 6 meses e multa até 60 dias.2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 214.º
(Inseminação artificial)
1 - Quem praticar inseminação artificial em mulher, sem o seu consentimento, será punido com prisão de 1 a 5 anos.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 215.º
(Lenocínio)
1 - Quem fomentar, favorecer ou facilitar a prática de actos contrários ao pudor ou à moralidade sexual, ou de prostituição relativamente:a) A pessoa menor ou portadora de anomalia psíquica;
b) A qualquer pessoa, explorando situação de abandono ou de extrema necessidade económica;
será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem explorar o ganho imoral de prostituta, vivendo, total ou parcialmente, a expensas suas.
ARTIGO 216.º
(Lenocínio agravado)
Relativamente aos comportamentos descritos no artigo anterior, a pena será:a) A de prisão de 2 a 4 anos e multa até 150 dias se o agente os realizar com intenção lucrativa;
b) A de prisão de 2 a 6 anos e multa até 180 dias se os realizar profissionalmente;
c) A de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias se usar fraude, violência ou ameaça grave;
d) A de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias se a vítima for cônjuge, ascendente, descendente, filho adoptivo, enteado ou tutelado do agente, ou lhe foi entregue em vista da sua educação, direcção, assistência, guarda ou cuidado.
ARTIGO 217.º
(Tráfico de pessoas)
1 - Quem realizar tráfico de pessoas, aliciando, seduzindo ou desviando alguma, mesmo com o seu consentimento, para a prática, em outro país, da prostituição ou de actos contrários ao pudor ou à moralidade sexual, será punido com prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias.2 - Se o agente praticar as condutas referidas no número anterior com intenção lucrativa, profissionalmente ou utilizar violência ou ameaça grave, será a pena agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - Se a vítima for cônjuge, ascendente, descendente, filho adoptivo, enteado ou tutelado do agente, ou lhe foi entregue em vista da sua educação, direcção, assistência, guarda ou cuidado, será a pena agravada de metade, nos seus limites mínimo e máximo.
ARTIGO 218.º
(Suspensão do poder paternal)
Quem for condenado pelos crimes previstos nos artigos 215.º a 217.º poderá ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela, da curatela ou da administração de bens pelo tempo de 2 a 5 anos.
SECÇÃO III
Da violação do dever de solidariedade social
ARTIGO 219.º
(Omissão de auxílio)
1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, saúde, integridade física ou liberdade de outrem, deixar de lhe prestar o auxílio que se revele necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o seu socorro, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.2 - Se a situação referida no número anterior foi criada por aquele que omitiu o socorro ou o auxílio devidos, a pena pode elevar-se a 2 anos de prisão e a multa até 200 dias.
3 - A omissão de auxílio não será punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do próprio ou quando por outro motivo relevante o auxílio lhe não for exigível.
SECÇÃO IV
Dos crimes contra os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos
ARTIGO 220.º
(Ultraje por motivo de crença ou função religiosa)
1 - Quem publicamente escarnecer ou ofender outrem de maneira baixa, vil ou grosseira, por motivo das suas crenças ou funções religiosas, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem publicamente profanar lugar ou objecto de culto ou veneração religiosa.
3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 221.º
(Coacção religiosa)
1 - Quem, com violência ou ameaça de grave mal, determinar outrem a participar ou a não participar em culto religioso, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 50 dias.2 - Se a vítima for cônjuge, parente, afim ou educanda do agente, o procedimento criminal depende de queixa.
3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 222.º
(Impedimento ou perturbação de culto)
1 - Quem, com violência ou ameaça de grave mal, impedir ou perturbar o exercício legítimo do culto de qualquer religião será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 223.º
(Ultraje a culto religioso)
1 - Quem publicamente escarnecer ou vilipendiar acto de culto religioso será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 224.º
(Injúria ou ofensa contra ministro de qualquer religião)
1 - A injúria ou ofensa contra ministro de qualquer religião no exercício ou por ocasião de exercício legítimo do seu ministério será punida com pena prevista para a injúria ou ofensa, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 225.º
(Impedimento ou perturbação de cerimónia fúnebre)
1 - Quem, com violência ou ameaça de grave mal, impedir ou perturbar, directa ou indirectamente, a realização de cortejo ou cerimónia fúnebre será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 226.º
(Destruição, subtracção, ocultação ou profanação de cadáver)
1 - Quem, contra ou sem a vontade de quem de direito e fora dos casos em que a lei o permite, subtrair, destruir ou ocultar cadáveres ou parte deles, ou cinzas de pessoa falecida, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem profanar cadáveres, parte de cadáveres ou cinzas de pessoas falecidas, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos.
3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 227.º
(Profanação de lugares fúnebres)
1 - Quem profanar o lugar onde repousam pessoas falecidas, ou monumento aí erigido à sua memória, destruindo-o, danificando-o, violando-o ou praticando qualquer acto que gravemente ofenda o respeito que lhes é devido, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.2 - A tentativa é punível.
CAPÍTULO II
Da falsificação de documentos, moeda, pesos e medidas
ARTIGO 228.º
(Falsificação de documentos)
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo:a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outrem para elaborar um documento falso;
b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante;
c) Usar um documento a que se referem as alíneas anteriores, falsificado ou fabricado por terceiros;
d) Intercalar documento em protocolo, registo ou livro oficial sem cumprir as formalidades legais;
será punido com prisão até 2 anos e multa até 60 dias.
2 - Se os factos referidos nas alíneas a) a c) do número anterior disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a letra de câmbio, a documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro tipo de crédito não compreendido no artigo 244.º, a pena será de prisão de 1 a 4 anos e multa até 90 dias.
3 - Se os factos referidos nos números anteriores forem cometidos por funcionário, no exercício abusivo das suas funçõs, a pena será de 1 a 6 anos e multa até 120 dias.
4 - Nos casos de pequena gravidade, o tribunal poderá aplicar tão-só a multa até 60 dias na hipótese do n.º 1, até 90 dias na hipótese do n.º 2 e até ao seu máximo legal na hipótese do n.º 3 deste artigo.
5 - A tentativa é punível.
ARTIGO 229.º
(Conceito de documentos)
1 - Entende-se por documento a declaração compreendida num escrito, inteligível para a generalidade ou um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o seu emitente, é idónea a provar um facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente.2 - A declaração corporizada no escrito é equiparada e registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico.
3 - A documento é igualmente equiparável o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar um facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.
ARTIGO 230.º
(Fabrico ou falsificação de notação técnica)
1 - Quem, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo:
a) Fabricar notação técnica falsa;
b) Falsificar ou alterar notação técnica;
c) Fizer constar falsamente de notação técnica um facto juridicamente relevante;
d) Fizer uso das notações a que se referem as alíneas anteriores, falsificadas por terceiros;
será punido com prisão até 2 anos e multa até 90 dias.
2 - É equiparável à falsificação de notações técnicas a acção perturbadora sobre aparelhos técnicos ou automáticos através da qual se influenciam os resultados da notação.
3 - A tentativa é punível.
4 - Entende-se por notação técnica a notação de um valor, de um peso ou medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento feito através de aparelho técnico que actua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os seus resultados e que se destina à prova de um facto juridicamente relevante e isto quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização, quer posteriormente.
ARTIGO 231.º
(Destruição, danificação ou subtracção de documentos e notações técnicas)
1 - Quem, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento, objecto equiparável ou notação técnica de que não pode, ou não pode exclusivamente, dispor ou de que um terceiro, por força de certas disposições legais, pode exigir a entrega ou a apresentação será punido com prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
2 - Quando sejam particulares os ofendidos, o procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 232.º
(Agravação pela qualidade de funcionário ou agente)
Se o crime previsto no artigo anterior for cometido por funcionário a quem os objectos nele referidos foram confiados ou são acessíveis em razão das suas funções, a pena será a de prisão de 6 meses a 4 anos.
ARTIGO 233.º
(Falsificação praticada por funcionário)
1 - O funcionário que, no exercício da sua competência, fizer constar do documento ou objecto equiparável, a que a lei atribui fé pública, algum facto que não é verdadeiro ou omitiu facto que esse documento ou objecto se destina a certificar ou autenticar, ou intercalar documentos em protocolo, registo ou livro oficial sem cumprir as formalidades legais será punido com prisão de 1 a 4 anos.
2 - Quem, induzindo em erro um funcionário, o levar a fazer constar de documento ou objecto equiparável, a que a lei atribui fé pública, algum facto que não é verdadeiro ou a omitir facto juridicamente relevante, será punido com prisão até 3 anos.
3 - Na pena de prisão até 3 anos incorre quem fizer uso de documento ou objecto equiparável, referido nos números anteriores, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado.
ARTIGO 234.º
(Atestados falsos)
1 - O médico, dentista, enfermeiro, parteira, dirigente ou empregado de laboratório ou de instituição de investigação que sirva fins médicos, ou pessoa encarregada de fazer autópsias, que passar atestado ou certificado que sabe não corresponder à verdade, sobre o estado do corpo ou da saúde física ou mental, o nascimento ou a morte de uma pessoa, destinado a fazer fé perante autoridade pública ou a prejudicar interesses de outrem, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 90 dias.2 - O veterinário que passar atestados nos termos e com os fins descritos no número anterior relativamente a animais será punido com as mesmas penas.
3 - Na mesma pena incorre quem passar atestado ou certificado referido nos números anteriores, arrogando-se falsamente as qualidades ou funções nele referidas.
4 - Quem fizer uso dos referidos certificados ou atestados falsos, com o fim de enganar uma autoridade pública ou causar prejuízo a interesses de terceiro, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 30 dias.
ARTIGO 235.º
(Uso de documento de identificação alheio)
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, utilizar documento de identificação emitido a favor de outra pessoa será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, com intenção de tornar possível o facto descrito no número anterior, entregar documento de identificação a pessoa a favor de quem ele não foi emitido.
3 - Integram o conceito de documento de identificação o bilhete de identidade, passaporte, cédula ou outros certificados ou atestados a que a lei atribuiu igual força de identificação das pessoas, ou do seu estado ou situação profissional, donde possam resultar quaisquer direitos ou vantagens, designadamente no que toca a subsistência, aboletamento, deslocação ou meios de ganhar a vida ou de melhorar o seu nível.
ARTIGO 236.º
(Contrafacção de moeda)
Quem praticar contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima, será punido com prisão de 2 a 15 anos.
ARTIGO 237.º
(Falsificação ou alteração do valor facial da moeda legítima)
Quem, com intenção de a pôr em circulação, falsificar ou alterar o valor facial de moeda legítima para valor superior ao que tem será punido com prisão de 1 a 8 anos.
ARTIGO 238.º
(Depreciação de valor de moeda legítima)
1 - Quem, com intenção de a pôr em circulação como íntegra, depreciar moeda metálica legítima, cerceando-a, limando-a, submetendo-a a processos químicos, ou diminuindo, por qualquer outro modo, o seu valor, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 90 dias.
2 - Com a pena do número anterior será também punido quem, sem autorização legal e com a intenção de a pôr em circulação, fabricar moeda metálica com o mesmo ou maior valor que a legítima.
3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 239.º
(Conceito de moeda)
Entende-se por moeda o papel-moeda, compreendendo as notas de banco e a moeda metálica que tenham curso legal em Portugal ou em qualquer país estrangeiro.
ARTIGO 240.º
(Passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador)
1 - Nas penas indicadas nos artigos anteriores incorre quem, concertando-se com o agente dos factos neles descritos, realizar a intenção por ele visada, passando ou pondo em circulação por qualquer modo, incluindo a exposição à venda, as ditas moedas.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 241.º
(Passagem de moeda falsa)
Quem, por qualquer modo, incluindo a exposição à venda, puser em circulação:a) Como legítima ou intacta, moeda falsa ou falsificada;
b) Moeda metálica depreciada, pelo seu pleno valor, ou moeda com o mesmo ou maior valor que o da legítima, mas fabricada sem autorização legal;
será punido, no caso da alínea a), com prisão de 1 até 5 anos e, no caso da alínea b), com prisão até 3 anos e multa até 90 dias.
ARTIGO 242.º
(Atenuação)
Se, no caso do artigo anterior, o agente só teve conhecimento de que a moeda é falsa ou falsificada, está depreciada ou foi fabricada sem autorização legal, depois de a ter recebido, a pena será a de multa de 15 a 60 dias, mas nunca inferior ao dobro do valor representado pela moeda que passou ou pôs em circulação.
ARTIGO 243.º
(Aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação)
1 - Quem adquirir, receber em depósito, importar ou por outro modo introduzir em território português, para si ou para terceiro, com a intenção de, por qualquer meio, incluindo a exposição à venda, a passar ou pôr em circulação:
a) Como legítima ou intacta, moeda falsa ou falsificada;
b) Moeda metálica depreciada pelo seu pleno valor, ou moeda com o mesmo ou maior valor que o da legítima, mas fabricada sem autorização legal;
será punido, no caso da alínea a), com prisão até 3 anos e, no caso da alínea b), com prisão até 2 anos e multa até 90 dias.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 244.º
(Títulos de crédito)
1 - Para efeitos dos artigos 236.º a 243.º, são equiparáveis a moeda os títulos de créditos nacionais e estrangeiros constantes, por força da lei, de um tipo de papel e de impressão especialmente destinados a garanti-los contra o perigo de imitações e que, pela sua natureza e finalidade, não possam, só por si, deixar de incorporar um valor patrimonial.2 - São igualmente equiparáveis a moeda os bilhetes ou fracções da lotaria nacional.
3 - O disposto no n.º 1 não abrange a falsificação de títulos relativamente a elementos a cuja garantia e identificação especialmente se não destina o uso do papel ou impressão.
ARTIGO 245.º
(Falsificação de valores selados)
1 - Quem, com intenção de os empregar ou os pôr em circulação, por qualquer forma, incluindo a exposição à venda como legítimos ou intactos, praticar contrafacção, ou falsificação de valores selados ou timbrados, cujo fornecimento seja exclusivo do Estado Português, nomeadamente papel selado, papel selado de letra, selos fiscais ou postais, será punido com prisão de 1 a 5 anos.2 - Na pena de prisão até 3 anos incorre quem:
a) Empregar como legítimos ou intactos os referidos valores selados ou timbrados, quando falsos ou falsificados;
b) Com aquela intenção importar, adquirir, receber em depósito, para si ou para terceiros, os referidos valores selados ou timbrados, quando falsos ou falsificados.
3 - Se a falsificação consistir tão-somente em fazer desaparecer dos referidos valores selados ou timbrados o sinal de já haverem servido, a pena será a de prisão até 3 meses ou multa até 30 dias.
ARTIGO 246.º
(Atenuação)
Se, no caso do n.º 2 do artigo anterior, o agente só teve conhecimento de que os valores selados ou timbrados são falsos ou falsificados depois de os ter recebido, a pena será a de multa de 15 a 60 dias, mas nunca inferior ao dobro do valor representado pelos valores selados ou timbrados que passou ou pôs em circulação.
ARTIGO 247.º
(Contrafacção ou falsificação de selos, cunhos, marcas ou chancelas)
1 - Quem, com intenção de os empregar como autênticos ou intactos, contrafizer ou falsificar selos, cunhos, marcas ou chancelas, de qualquer autoridade ou repartição pública, será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa até 150 dias.
2 - Quem, com a referida intenção, importar, transferir, receber, detiver ou adquirir, para si ou para outrem, os aludidos selos, cunhos, marcas ou chancelas falsos ou falsificados será punido com prisão até 3 anos e multa até 100 dias.
3 - Quem, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, utilizar, sem autorização de quem de direito, selos, cunhos, marcas ou chancelas de qualquer autoridade ou repartição pública, será punido com prisão até 2 anos e multa até 50 dias.
ARTIGO 248.º
(Dos pesos e medidas falsos)
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado:a) Apuser sobre pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida uma punção falsa ou tiver falsificado a existente;
b) Tiver alterado pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida, qualquer que seja a sua natureza, que estejam sujeitos, legalmente, à existência de uma punção;
c) Tiver utilizado pesos, medidas, balanças ou outros instrumentos de medida falsos ou falsificados;
será punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 120 dias.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 249.º
(Atenuação)
Se, no caso do artigo anterior, o agente tiver causado tão-só um insignificante prejuízo e tiver utilizado uma falsificação grosseira, manifestamente apreensível como tal, será punido com pena de prisão até 6 meses ou multa até 60 dias.
ARTIGO 250.º
(Actos preparatórios)
Quem, com intenção de preparar a execução dos actos referidos nos artigos 236.º, 237.º, 238.º, 244.º, 245.º, 247.º e 248.º, fabricar, importar, adquirir, para si ou para outrem, fornecer, expuser à venda ou retiver:a) Formas, cunhos, clichés, prensas de cunhar ou punções, negativos, fotografias ou outros instrumentos que, pela sua natureza, são utilizáveis para realizar crimes;
b) Papel que é igual ou susceptível de se confundir com aquele tipo que é particularmente fabricado para evitar imitações ou utilizado no fabrico de moeda, título de crédito ou valores selados;
será punido com prisão até 3 anos.
ARTIGO 251.º (Desistência)
Não será punível quem, nos casos dos artigos anteriores, voluntariamente:a) Abandonar a preparação dos crimes neles referidos, afastar o perigo, por eles causado, de que outrem continua a praticar os actos preparatórios, ou impedir a consumação do crime. Se, neste último caso, a não consumação do crime, ou o afastamento do perigo de que outros continuem a sua preparação, tiver lugar independentemente da acção do desistente, basta, para a sua não punição, o esforço sério do agente nesse sentido;
b) Destruir ou inutilizar os meios ou objectos referidos no artigo anterior, ou der à autoridade pública conhecimento deles ou a ela os entregar.
ARTIGO 252.º
(Apreensão e perda)
Serão apreendidas e postas fora do uso ou destruídas as moedas contrafeitas, falsificadas ou depreciadas, e objectos equiparados, assim como os pesos, medidas ou todo e qualquer instrumento destinado à prática dos crimes previstos neste capítulo.
CAPÍTULO III
Dos crimes de perigo comum
SECÇÃO I
Dos incêndios, explosões, radiações e outros crimes de perigo comum
ARTIGO 253.º
(Incêndio)
1 - Quem provocar o incêndio, criando um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.2 - Se o perigo referido no número anterior for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se o incêndio for causado por negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa até 120 dias.
ARTIGO 254.º
(Perigo de incêndio)
1 - Quem, por dolo ou grave negligência, criar perigo de incêndio em instalações ou estabelecimentos facilmente inflamáveis, florestas, matas ou arvoredos, searas ou campos onde se encontrem depositados ou semeados cereais, palha, feno ou outros produtos agrícolas facilmente inflamáveis, não os vigiando ou lançando objectos a arder, ainda que sem chama viva, será punido com prisão até 2 anos e com multa até 30 dias.2 - Se as coisas referidas no número anterior forem propriedade do agente, este só será punido se, a um tempo, a vida ou a integridade física, ou bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, forem por dolo ou grave negligência postos em perigo.
ARTIGO 255.º
(Explosão)
1 - Quem provocar explosão, criando um perigo para a vida ou integridade física ou bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.2 - Se a explosão for provocada pela libertação de energia nuclear, a pena será a de prisão de 2 a 8 anos e multa de 100 a 200 dias.
3 - Se o perigo referido nos números anteriores for imputável a título de negligência, a pena será, no caso do n.º 1, a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias e, no do n.º 2, a de prisão até 5 anos e multa até 150 dias.
4 - Se a explosão for provocada por negligência, a pena será, no caso do n.º 1, a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias e, no do n.º 2, a de prisão até 4 anos e multa até 120 dias.
5 - A mera libertação de energia nuclear, criando as situações de perigo previstas nos números anteriores, será punível nos termos do n.º 2.
ARTIGO 256.º
(Exposição de pessoas e substâncias radioactivas)
1 - Quem, com a intenção de prejudicar a saúde de outra pessoa, a expuser a radiações, consistentes nos efeitos de substâncias radioactivas para tal idóneas, será punido com prisão até 4 anos e multa até 100 dias.
2 - Se a acção referida no número anterior se dirigir contra pessoas indeterminadas, a pena não será inferior a 2 anos e a multa poderá elevar-se até 150 dias.
ARTIGO 257.º
(Exposição de coisa alheia a substâncias radioactivas)
Quem, com intenção de prejudicar a possibilidade de utilização de coisa alheia de importante valor, a expuser a radiações, consistentes nos efeitos de substâncias radioactivas para tal idóneas, será punido com prisão até 2 anos e multa até 50 dias.
ARTIGO 258.º
(Libertação de gases tóxicos ou asfixiantes)
1 - Quem, pela libertação de gases tóxicos ou asfixiantes, expuser outrem a um perigo para a sua vida ou de grave lesão da sua integridade física ou da saúde será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 259.º
(Actos preparatórios)
Quem, para preparar a execução de um dos crimes previstos no n.º 2 do artigo 255.º e nos artigos 256.º e 258.º, fabricar, dissimular, adquirir para si ou para outrem, entregar, detiver ou importar substância explosiva ou capaz de produzir explosões nucleares, radioactivas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, bem como a aparelhagem necessária para a execução de tais crimes, será punido com prisão de 6 meses a 3 ano e multa até 100 dias.
ARTIGO 260.º
(Armas, engenhos, matérias explosivas e análogas)
A importação, fabrico, guarda, compra, venda ou cedência por qualquer título, bem como o transporte, detenção, uso e porte de armas proibidas, engenhos ou materiais explosivos ou capazes de produzir explosões nucleares, radioactivos ou próprios para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições das autoridades competentes, serão punidos com prisão até 3 anos ou multa de 100 a 200 dias.
ARTIGO 261.º
(Inundação e avalancha)
1 - Quem provocar inundação, desprendimento de avalanchas, de massa de terra ou de pedras, criando um perigo para a vida ou a integridade física de outrem, ou de bens patrimoniais alheios de grande valor, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.2 - Se o perigo a que se refere o número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 262.º
(Desmoronamento de construção)
1 - Quem provocar o desmoronamento ou o desabamento de construção, criando um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.2 - Se o perigo a que se refere o número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 263.º
(Violação das regras de construção)
1 - Quem, no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição, instalação técnica em construção, ou sua modificação, infringir as disposições legais ou regulamentares, ou ainda as regras técnicas que no caso, segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas, devem ser observadas, criando desse modo um perigo para a vida, integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outrem, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 120 dias.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 264.º
(Danos em aparelhagem destinada a prevenir acidentes)
1 - Quem, total ou parcialmente, danificar, destruir, tirar, impossibilitar o uso ou, através de meios técnicos, tornar não utilizável instalação ou aparelhagem que, em lugar de trabalho, se destina a prevenir acidentes pessoais, características ou particulares desse tipo de trabalho, criando desse modo um perigo para a vida ou integridade física de outrem, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 265.º
(Perturbação do funcionamento dos serviços públicos)
1 - Quem impedir ou perturbar a exploração ou funcionamento de serviços públicos de comunicações, tais como correios, telégrafo, telefones, televisão, ou de serviço de fornecimento ao público de água, luz, energia ou calor, destruindo, danificando, tornando não utilizáveis, modificando, subtraindo ou desviando coisa ou energia que serve tais serviços, de modo a criar um perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo a que se refere o número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 266.º
(Dano ou destruição de instalações de interesse público)
1 - Quem, total ou parcialmente, destruir, danificar ou tornar não utilizáveis:
a) Grandes instalações para aproveitamento, produção, armazenamento, condução ou distribuição de água, óleo, gasolina, gás, calor, electricidade ou energia nuclear;
b) Instalações para protecção contra forças da natureza;
criando um perigo para a vida ou de grave lesão da integridade física de outrem ou para importantes bens patrimoniais alheios, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção referida no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 267.º
(Agravação)
Quem, através dos crimes descritos nos artigos anteriores, causar, com negligência, a morte ou lesão corporal grave de outrem será punido na moldura penal que ao caso caberia, agravada de metade.
ARTIGO 268.º (Desistência)
Quem, antes de os crimes referidos nos artigos anteriores terem provocado dano considerável, remover voluntariamente o perigo por ele criado poderá ser isento de pena e, em todo o caso, a pena que lhe caberá será livremente atenuada.
SECÇÃO II
Dos crimes contra a saúde
ARTIGO 269.º
(Contaminação e envenenamento de água)
1 - Quem corromper, contaminar ou poluir, por meio de veneno ou outras substâncias prejudiciais à saúde, água que possa ser utilizada para consumo humano, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física de outrem, será punido com prisão de 2 a 8 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo criado pelas actividades descritas no número anterior para a saúde ou integridade física de outrem for de pequena gravidade, ou se limitar a ameaçar número considerável de animais domésticos ou úteis ao homem, a pena será a de prisão de 6 meses a 2 anos ou multa até 120 dias.
3 - Se o perigo for criado por negligência, a pena será, no caso do n.º 1, a de 1 a 3 anos e multa até 100 dias e, no caso do n.º 2, a de 6 meses a 1 ano ou multa até 60 dias.
4 - Se a acção descrita nos n.os 1 e 2 for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
5 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 270.º
(Propagação de doença contagiosa)
1 - Quem propagar doença contagiosa, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física de um número indeterminado de pessoas, será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 100 a 150 dias.2 - É aplicável ao crime previsto no número anterior o que fica disposto no artigo 267.º A mesma agravação terá lugar quando o agente actuou por baixeza de carácter ou quando causou a epidemia por meio da difusão de gérmens bacteriológicos ou vírus.
3 - Se a conduta descrita no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa até 60 dias. Tratando-se, todavia, da infracção, por médico, da obrigação de participar doença contagiosa, a pena será a de prisão de 6 meses a 2 anos.
ARTIGO 271.º
(Difusão de epizootias)
1 - Quem difundir doença, praga, planta ou animal nocivo de natureza a causar dano a número considerável de animais domésticos, ou a quaisquer outros animais úteis ao homem, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos ou multa até 100 dias.2 - A mesma pena será aplicável a quem praticar a conduta referida no número anterior, quando de natureza a causar dano em grandes culturas, plantações ou florestas que lhe não pertençam.
3 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto no artigo 267.º
ARTIGO 272.º
(Deterioração de alimentos destinados a animais)
1 - Quem manipular, fabricar ou produzir, importar, armazenar, puser à venda ou em circulação alimentos ou forragens destinados a animais domésticos alheios, deforma a criar perigo para a vida ou de grave lesão para a saúde ou integridade física dos referidos animais, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
2 - Se o facto descrito no número anterior for imputável por negligência, a pena será a de multa até 50 dias.
ARTIGO 273.º
(Corrupção de substâncias alimentares ou para fins medicinais)
1 - Quem, no aproveitamento, produção, confecção, fabrico, serviço, embalagem, transporte, tratamento ou outra qualquer actividade que sobre elas incida, de substâncias destinadas a consumo alheio, para serem comidas, mastigadas, bebidas, para fins medicinais ou cirúrgicos, as corromper, falsificar, alterar, reduzir o seu valor nutritivo ou terapêutico, ou lhes juntar ingredientes, de forma a cirar perigo para a vida ou de grave lesão para a saúde e integridade física alheias, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem importar, dissimular, vender, expuser à venda, tiver em depósito para venda ou, de qualquer forma, entregar ao consumo alheio:
a) As substâncias que forem objecto de qualquer das actividades referidas no número anterior;
b) As substâncias com o destino e comportando o perigo referido no número anterior, na medida em que forem utilizadas depois do prazo da sua validade ou estiverem avariadas, corruptas ou alteradas pela mera acção do tempo ou dos agentes a cuja acção estão expostas.
3 - Se o perigo para a saúde ou integridade física a que se referem os números anteriores for de pequena gravidade, a pena será a de 6 meses a 2 anos ou multa até 100 dias.
4 - Se tal perigo for criado por negligência, a pena será, nos casos dos n.os 1 e 2 deste artigo, a de prisão de 3 meses a 2 anos e multa até 100 dias e, no caso do n.º 3, a de prisão até 1 ano ou multa até 50 dias.
5 - Se a conduta descrita nos números anteriores for levada a cabo por negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa até 50 dias, nos casos dos n.os 1 e 2, e a de prisão até 6 meses ou multa até 20 dias, no caso do n.º 3 deste artigo.
6 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 274.º
(Alteração de análises)
1 - O médico analista ou seu empregado, enfermeiro ou empregado de laboratório que fornecer dados ou resultados inexactos na elaboração de análise clínica, radiografia, electrocardiograma, encefalograma ou de qualquer outro exame ou registo auxiliar de um diagnóstico ou tratamento médico ou cirúrgico, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física de outrem, será punido com prisão de 6 meses a 2 anos ou com multa de 100 a 150 dias.2 - Se o perigo criado para a saúde ou integridade física de outrem for de pequena gravidade, a pena será a de prisão até 6 meses ou multa de 50 a 100 dias.
3 - Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, a pena será a de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
4 - Se a conduta descrita no n.º 1 for levada a cabo por negligência, a pena será a de prisão até 6 meses ou multa até 50 dias.
ARTIGO 275.º
(Alteração de receituário)
1 - O farmacêutico ou seu empregado que fornecer substâncias medicinais em desacordo com o que estava prescrito na receita médica, criando um perigo para a vida ou de grave lesão para a saúde ou integridade física de outrem, será punido com prisão de 6 meses a 2 anos ou com multa de 100 a 150 dias.2 - Se o perigo criado para a saúde ou integridade física de outrem for de pequena gravidade, a pena será a de prisão até 6 meses ou multa de 50 a 100 dias.
3 - Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, a pena será a de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
4 - Se a conduta descrita no n.º 1 for levada a cabo por negligência, a pena será a de prisão até 6 meses ou multa até 50 dias.
5 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 276.º
(Recusa de facultativo)
1 - O médico que recusar o auxílio da sua profissão, em caso de perigo para a vida ou de grave lesão para a saúde ou integridade física de outrem, que de outra maneira não pode ser removido, será punido com prisão de 6 meses a 4 anos e multa até 150 dias.2 - Se o perigo para a saúde de outrem for de pequena gravidade, a pena será a de 2 meses a 1 ano e multa até 50 dias.
3 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
CAPÍTULO IV
Dos crimes contra a segurança das comunicações
ARTIGO 277.º
(Perturbação dos serviços de transporte por ar, água e caminho de ferro)
1 - Quem dificultar ou impedir os serviços do transporte por ar, água ou caminho de ferro:
a) Destruindo, danificando ou suprimindo as suas instalações ou material;
b) Colocando obstáculos ao seu funcionamento;
c) Dando falso aviso ou sinal;
d) Praticando quaisquer actos de que possa resultar desastre e criando, dessa forma, um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa;
será punido com pena de prisão de 4 a 10 anos e multa até 250 dias.
2 - Se o perigo for causado por negligência a pena será de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção descrita no n.º 1 for imputável por negligência a pena será de prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
4 - Quem, usando de violência ou astúcia, atentando contra a livre decisão do seu comandante ou da sua equipagem ou usurpando o respectivo comando:
a) Se apossar de uma embarcação ou de uma aeronave em voo;
b) Desviar uma embarcação ou uma aeronave em voo da sua rota normal, será punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos e multa até 250 dias.
5 - É considerada aeronave em voo aquela em que, terminado o embarque, tenham sido fechadas as portas exteriores até ao momento em que uma dessas portas seja aberta para o desembarque.
6 - Quem, através dos comportamentos descritos no n.º 4 deste artigo, se apossar de comboio em circulação ou o desviar do seu percurso normal, será punido com a pena de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias.
7 - Quem, para preparar as infracções previstas neste artigo, fabricar, adquirir, detiver ou ceder a outrem arma de fogo, substâncias explosivas ou quaisquer outra substância, dispositivo ou engenho destinados a provocar explosão ou incêndio, será punido com a pena de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias.
8 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 278.º
(Condução perigosa de meio de transporte)
1 - Quem conduzir aeronave, barco, comboio ou outro veículo destinado aos serviços de transporte por via aérea, água ou terra, não estando em condições de o fazer com segurança, criando dessa forma um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 100 a 150 dias.
2 - Se o perigo a que refere o número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
3 - Se a acção descrita no n.º 1 deste artigo for imputável a título de negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
4 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 279.º
(Perturbação de transportes rodoviários)
1 - Quem dificultar ou impedir a segurança rodoviária, destruindo, danificando ou suprimindo as suas vias de comunicação ou material circulante, obras de arte ou instalações, colocando obstáculos ou praticando actos idóneos a causar desastre e criando, dessa forma, um perigo para a vida, saúde ou integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de grande valor, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa de 50 a 100 dias.
2 - Se o perigo for criado por negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
3 - Se a conduta for imputável por negligência, a pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
4 - Quem, por meios violentos ou por astúcia, ou usurpando a legítima condução, se apossar de viatura de transporte ao serviço de passageiros ou a desviar do seu percurso normal, será punido com prisão de 2 a 6 anos e multa até 200 dias.
5 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto nos artigos 267.º e 268.º
ARTIGO 280.º
(Lançamento de projéctil contra veículo)
1 - Quem arremessar qualquer projéctil contra veículo em movimento, de transporte por ar, água ou terra, será punido com prisão até 6 meses, salvo se ao facto corresponder, por outra disposição legal, pena mais grave.
2 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto no artigo 267.º
ARTIGO 281.º
(Crimes praticados contra condutor ou passageiros de veículo)
1 - Quem aproveitar as particulares circunstâncias de transporte por água, ar ou terra para praticar roubo, extorção violenta ou ataque à vida, integridade física ou liberdade dos condutores ou dos passageiros que nele viajam será punido com prisão de 2 a 8 anos, se outra pena mais grave não for aplicável.
2 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto no artigo 267.º
CAPÍTULO V
Dos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas
SECÇÃO I
Dos crimes de anti-socialidade e associalidade perigosa
ARTIGO 282.º
(Crime praticado em estado de embriaguez)
1 - Quem, pela ingestão, voluntária ou por negligência, de bebidas alcoólicas ou outras substâncias tóxicas, se colocar em estado de completa inimputabilidade e, nesse estado, praticar um acto criminalmente ilícito, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
2 - Se o agente contou ou podia contar que nesse estado cometeria factos criminalmente ilícitos, a pena será a de prisão de 1 a 3 anos e multa até 150 dias.
3 - A pena aplicada nunca pode, porém, ser superior à prevista para o facto que foi praticado pelo inimputável e o procedimento criminal depende de queixa se o procedimento pelo crime cometido também o exigir.
ARTIGO 283.º
(Fornecimento de bebidas alcoólicas a embriagado ou a ébrio habitual)
Quem fornecer bebidas alcoólicas a outrem que se encontre embriagado ou a um ébrio habitual, que, por via disso, se coloca em estado de completa inimputabilidade, vindo a realizar os pressupostos da punição referidos no artigo anterior, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 50 dias.
ARTIGO 284.º
(Utilização de menores na exploração da mendicidade)
Quem explorar menor de 16 anos, ou inimputável, utilizando-o para mendigar, será punido com prisão de 6 meses a 2 anos.
SECÇÃO II
Dos crimes contra a paz pública
ARTIGO 285.º
(Instigação pública a um crime)
1 - Quem, em reunião pública, através de meios de comunicação social ou por divulgação de escritos ou outros meios de reprodução técnica, provocar ou incitar a um crime determinado, sem que à provocação se siga o efeito criminoso, será punido com prisão de 3 meses a 3 anos, não podendo, porém, a punição exceder aquela que caberia ao crime provocado.2 - Se à provocação se seguir o efeito criminoso, será o provocador punido como autor do crime praticado.
ARTIGO 286.º
(Apologia pública de um crime)
Quem recompensar ou louvar outrem, em reunião pública, através de meios de comunicação social ou por divulgação de escritos ou outros meios de reprodução técnica, por ter praticado determinado facto criminoso, criando, dessa forma, o perigo de que um crime da mesma espécie seja de novo praticado, será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias, se ao facto não couber, por outra disposição legal, pena mais grave.
ARTIGO 287.º
(Associações criminosas)
1 - Quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade seja dirigida à prática de crimes será punido com prisão de 6 meses a 6 anos.2 - Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 - Na pena de prisão de 2 a 8 anos incorre quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores.
4 - As penas referidas podem será livremente atenuadas, ou deixar mesmo de ser aplicadas, se o agente impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações ou comunicar à autoridade a sua existência a tempo de esta poder evitar a prática de crimes.
ARTIGO 288.º
(Organizações terroristas)
1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista será punido com prisão de 5 a 15 anos.2 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de 2 ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais ou impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição ou forçar a autoridade pública à prática de um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique ou ainda a intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral mediante a prática de quaisquer crimes:
a) Contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Contra a segurança dos transportes e comunicações, incluindo as telegráficas, telefónicas, de radiodifusão ou de televisão;
c) De produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinados a consumo humano ou difusão de epizootias;
d) De sabotagem;
e) Que impliquem o emprego de bombas, granadas, armas de fogo, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas.
3 - Na pena do n.º 1 deste artigo incorre quem aderir aos grupos, organizações ou associações terroristas referidos no número anterior.
4 - Quando um grupo, organização ou associação ou as pessoas referidas nos n.os 1 e 3 possuam qualquer dos meios indicados na alínea e) do n.º 2 destinados à concretização dos seus propósitos criminosos a pena será agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
5 - Na pena de prisão de 10 a 15 anos incorre quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação terrorista.
6 - Os actos preparatórios da constituição de um grupo, organização ou associação terrorista serão punidos com prisão de 2 a 8 anos.
7 - É aplicável aos casos referidos neste artigo o disposto no n.º 4 do artigo 287.º
ARTIGO 289.º
(Terrorismo)
1 - Quem praticar qualquer dos crimes referidos nas alíneas a) a d) ou com o emprego de meios referidos na alínea e), todas do n.º 2 do artigo anterior, agindo com a intenção de prejudicar a integridade e a independência nacionais, ou destruir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição ou para forçar a autoridade pública à prática de um acto, a abster-se de o praticar, ou tolerar que se pratique ou para intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, será punido com a prisão de 2 a 10 anos ou na pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo se for igual ou superior.2 - A cumplicidade e a tentativa são, respectivamente, equiparadas à autoria e à consumação.
3 - Se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura dos outros responsáveis, poderá a pena ser livremente atenuada ou decretar-se mesmo a sua isenção.
ARTIGO 290.º
(Participação em motim)
1 - Quem tomar parte em motim público, durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra as pessoas ou propriedades, será punido com prisão até 1 ano e multa até 150 dias, se outra pena mais grave lhe não couber pela sua participação no crime cometido.2 - A pena será a de prisão de 3 meses a 3 anos, se o agente provocou ou dirigiu o motim.
3 - Se o agente se retirou do motim por ordem ou admoestação da autoridade sem cometer violências, nem as ter provocado, será isento de pena.
ARTIGO 291.º
(Participação em motim armado)
1 - Os limites mínimo e máximo da pena elevar-se-ão no caso do artigo anterior ao dobro se o motim for armado.2 - Considera-se armado o motim em que um dos intervenientes é portador de arma de fogo ostensiva ou em que vários dos participantes são portadores de armas de fogo, ostensivas ou ocultas, ou objectos, ostensivos ou ocultos, utilizados como armas ou trazidos para servir de armas.
3 - Para efeito do número anterior não se considera armado o motim:
a) Em que as armas são trazidas acidentalmente e sem intenção de as utilizar;
b) Quando os participantes que tragam armas imediatamente se retiram ou são expulsos.
4 - Quem trouxer arma sem conhecimento dos outros será punido como se efectivamente participasse em motim armado.
ARTIGO 292.º
(Desobediência à ordem de dispersão de reunião pública)
1 - Quem não obedecer à ordem legítima de se retirar de ajuntamento ou reunião pública, dada por autoridade competente, com a advertência de que a desobediência é criminosa, será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.
2 - Se os desobedientes forem os promotores de reunião ou ajuntamento, a pena será de prisão até 3 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 293.º
(Ameaça com prática de crime)
Quem, através da ameaça da prática de um crime, causar alarme ou inquietação entre a população será punido com prisão até 2 anos.
ARTIGO 294.º
(Abuso e simulação de sinais de perigo)
Quem utilizar abusivamente sinais ou chamadas de alarme ou de socorro ou simuladamente fizer crer que, por virtude de desastre, de perigo ou de situação de necessidade colectiva, é exigível o auxílio alheio, será punido com prisão até 1 ano e multa de 20 a 100 dias.
SECÇÃO III
Dos crimes contra sinais de identificação
ARTIGO 295.º
(Abuso de designações, sinais ou uniformes)
1 - Quem, ilegitimamente e com intenção de fazer crer que lhe pertencem, empregar ou usar designações, sinais, uniformes ou trajos próprios de função de serviço público, nacional ou estrangeiro, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 50 dias.
2 - A pena será de prisão até 1 ano ou multa até 100 dias se as designações, sinais ou uniformes ou trajos forem privativos de pessoas que exerçam autoridade pública.
TÍTULO IV
Dos crimes contra o património
CAPÍTULO I
Dos crimes contra a propriedade
ARTIGO 296.º
(Furto)
Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem subtrair coisa móvel alheia, será punido com prisão até 3 anos.
ARTIGO 297.º
(Furto qualificado)
1 - Será punível com prisão de 1 a 10 anos quem furtar coisa móvel:a) Com valor consideravelmente elevado;
b) Que tenha valor científico, artístico ou histórico e que se encontre em colecções públicas ou acessíveis ao público;
c) Que possua elevada significação no desenvolvimento tecnológico ou económico;
d) Que, pela sua natureza, seja substância altamente perigosa;
e) Fechada em gavetas, cofres ou outros receptáculos, equipados com fechaduras ou outros dispositivos especialmente destinados à sua segurança;
f) Particularmente acessível ao agente;
g) Transportada em qualquer veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de qualquer transporte colectivo, mesmo que a infracção tenha lugar na estação, gare ou cais respectivos.
2 - Na mesma pena incorre quem praticar o furto:
a) Em lugares destinados ao culto religioso, relativamente a objectos a ele afectos ou em cemitérios, relativamente a objectos religiosos ou destinados a venerar a memória dos mortos;
b) Aproveitando uma situação de abandono ou impossibilidade de autodefesa da vítima, de desastre ou uma oportunidade resultante de perigo comum;
c) De noite ou em lugar ermo;
d) Penetrando em edificação, habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outros espaços fechados, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, ou tendo-se aí introduzido furtivamente ou escondido com intenção de furtar;
e) Habitualmente ou fazendo da sua prática, total ou parcialmente, modo de vida;
f) Com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
g) Trazendo, no momento do crime, armas aparentes ou ocultas;
h) Com o concurso de 2 ou mais pessoas.
3 - Se a coisa for de insignificante valor, não haverá lugar à qualificação.
ARTIGO 298.º
(Arrombamento, escalamento e chaves falsas)
1 - É arrombamento o rompimento, fractura ou destruição no todo ou em parte, de qualquer construção, que servir a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos.
2 - É escalamento a introdução em casa ou lugar fechado, dela dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou por qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada à entrada.
3 - São consideradas chaves falsas:
a) As imitadas, contrafeitas ou alteradas;
b) As verdadeiras, quando, fortuita ou sub-repticiamente, estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar;
c) As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança.
ARTIGO 299.º
(Furto de coisa pertencente ao sector público ou cooperativo)
Se a coisa subtraída pertencer ao sector público ou cooperativo, os limites mínimo e máximo das penas previstas no artigo anterior serão agravadas até um terço.
ARTIGO 300.º
(Abuso de confiança)
1 - Quem, ilegitimamente, se apropriar de coisa móvel que lhe foi entregue por título não translativo de propriedade, será punido com prisão até 3 anos.2 - A prisão será de 1 a 8 anos:
a) Quando a restituição ou a reparação integral do prejuízo causado sem dano ilegítimo de terceiro, se não façam até ao momento de ser instaurado o procedimento criminal e o valor da coisa for consideravelmente elevado;
b) Quando o agente recebeu a coisa em depósito imposto pela lei em razão de ofício, emprego, profissão ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial.
3 - O disposto no artigo 299.º aplica-se ao abuso de confiança.
ARTIGO 301.º
(Restituição)
1 - Quando o objecto do furto ou da apropriação ilícita for restituído ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro pelo agente, antes de ser instaurado o procedimento criminal, os limites da pena serão reduzidos a metade.2 - Tratando-se de coisas de pequeno valor, a prisão não será superior a 6 meses, podendo mesmo o tribunal isentar o agente da pena.
3 - A restituição ou a reparação parcial tomar-se-ão em conta na respectiva proporção.
ARTIGO 302.º
(Furto por necessidade e formigueiro)
1 - Quem, por necessidade, quando se não verifiquem os pressupostos do artigo 35.º, subtrair coisa alheia de pequeno valor ou dela se apropriar ilegitimamente será punido com prisão até 45 dias ou multa até 20 dias, podendo ainda o agente ser isento de pena pelo tribunal.2 - O regime do número anterior aplicar-se-á tratando-se de objectos comestíveis, bebidas ou produtos agrícolas em pequena quantidade e de pequeno valor, para utilização imediata pelo agente, seu cônjuge, parentes ou afins até 3.º grau.
3 - Em todos os casos deste artigo, o procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 303.º
(Furto familiar)
1 - Os crimes de furto ou de abuso de confiança praticados por um cônjuge em prejuízo do outro não são puníveis, salvo se:a) Os cônjuges estiverem separados judicialmente de pessoas e bens ou separados de facto há mais de 2 anos;
b) Estiver pendente acção de declaração de nulidade ou de anulação do casamento, de separação de pessoas e bens ou de divórcio.
2 - Não são igualmente puníveis os crimes referidos no número anterior quando cometidos pelo ascendente em prejuízo do descendente ou quando cometidos por este em prejuízo do ascendente.
3 - Os crimes previstos nos n.os 1 e 2 deste artigo serão, todavia, puníveis quando o prejuízo causado for consideravelmente elevado, ficando, no entanto, o procedimento criminal dependente de queixa.
4 - Sendo o furto ou abuso de confiança praticados contra irmão, cunhado ou sogro, padrasto, madrasta, enteado, tutor ou mestre, o procedimento criminal depende de queixa.
5 - No caso do número anterior, quando o agente viva em comunhão de habitação com o ofendido e o prejuízo não seja, consideradas as circunstâncias do caso, particularmente importante, o tribunal poderá atenuar livremente a pena ou isentar o agente de punição.
6 - No caso de o ofendido ser menor, o direito de queixa pertencerá a quem legalmente o represente, salvo se este for o agente da infracção, caso em que tal direito caberá a qualquer familiar.
ARTIGO 304.º
(Furto de uso de veículo)
1 - Quem utilizar automóvel ou outro veículo motorizado, aeronave, barco ou bicicleta contra a vontade de quem de direito será punido com prisão até 2 anos ou multa até 50 dias, salvo se pena mais grave for cominada para o facto em outra disposição legal.2 - Se o facto descrito no n.º 1 for cometido mediante ameaça, constrangimento ou violência contra uma pessoa, a pena será agravada de metade nos seus limites mínimo e máximo.
3 - Quando o agente viva em comunhão de habitação com o ofendido, o facto referido no n.º 1 não será punível.
ARTIGO 305.º
(Apropriação ilícita em caso de acessão ou de coisa achada)
1 - Quem se apropriar ilegitimamente de coisa alheia que entrou na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 90 dias.
2 - A mesma pena será aplicada àquele que se apropriar ilegitimamente de objectos alheios que haja encontrado.
3 - É aplicável o regime do artigo 301.º, mas, tratando-se de coisa de pequeno valor, a pena não será superior a 3 meses.
4 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 306.º
(Roubo)
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem subtrair, ou constranger a que lhe entreguem, coisa móvel alheia, utilizando violência contra uma pessoa ou ameaçando-a com um perigo iminente para a integridade física ou para a vida, ou pondo-a, por qualquer maneira, na impossibilidade de resistir, será punido com prisão de 1 a 8 anos.2 - A prisão será a de 2 a 10 anos se:
a) Qualquer dos agentes utilizar arma ou se servir de veículo motorizado;
b) A apropriação tiver por objecto dinheiro confiado a pessoas profissionalmente encarregadas de o transportar, de o conservar ou de lhe dar certo destino.
3 - A prisão será, porém, de 3 a 12 anos se:
a) Qualquer dos agentes utilizar arma de fogo;
b) A pessoa sobre quem recair a ameaça ou a violência for posta em perigo de vida ou, com dolo ou grave negligência, forem causadas ofensas à sua integridade física ou à sua saúde.
4 - Se qualquer dos agentes causar a morte de outra pessoa com grave negligência, a mutilar ou lhe infringir qualquer crueldade, a pena será a de prisão de 5 a 15 anos.
5 - A pena elevar-se-á nos seus limites mínimo e máximo de metade, quando se verifiquem, singular ou cumulativamente, quaisquer das circunstâncias que qualifiquem o furto.
ARTIGO 307.º
(Violência depois de apropriação)
As penas previstas no artigo anterior serão, conforme os casos, aplicadas àqueles que utilizarem os meios previstos no mesmo artigo anterior para, quando encontrados em flagrante delito de furto, conservarem ou não restituírem as coisas subraídas ou para se eximirem, a si ou a algum dos seus comparticipantes, à acção da justiça.
ARTIGO 308.º
(Dano)
1 - Quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia será punido com prisão até 2 anos ou multa até 90 dias.2 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 309.º
(Agravação)
Se o dano for praticado:1) Com violência ou ameaça contra as pessoas ou por meio de substâncias inflamáveis ou explosivas;
2) Em monumento público;
3) Sobre coisas:
a) Naturais ou produzidas pelo homem, oficialmente arroladas ou postas sob a protecção oficial pela lei, por motivos científicos, artísticos, etnográficos ou históricos;
b) Destinadas à decoração ou ao uso ou utilidade públicos;
c) Significativas para a ciência, história, desenvolvimento técnico, quando em edifício público, colecção ou lugar acessível ao público;
d) Com particular importância para o desenvolvimento económico, quando funcionalmente inseridas nas unidades a que pertencem;
4) Revelando baixeza de carácter;
será punido com prisão de 2 a 6 anos ou multa até 200 dias.
ARTIGO 310.º
(Agravação e atenuação)
1 - A pena do artigo anterior é igualmente aplicável se o agente, tornando não utilizável coisa alheia ou subtraindo-a sem intenção de apropriação, quiser desse modo causar um prejuízo particularmente grave.2 - Se o prejuízo for de pequeno valor, a pena não excederá 6 meses de prisão ou 30 dias de multa, podendo também o agente será isento de pena.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 311.º
(Usurpação de coisa imóvel)
1 - Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo definitivo e executório, será punido com prisão até 2 anos e multa até 50 dias, se outra pena mais elevada lhe não couber em atenção ao meio utilizado.2 - Na mesma pena incorre quem, pelos meios indicados no número anterior, desviar ou represar águas, sem que a isso tenha direito, com a intenção de alcançar um benefício para si ou para terceiros.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
ARTIGO 312.º
(Alteração de marcos)
1 - Quem, com a intenção de se apropriar, total ou parcialmente, de coisa imóvel alheia, arrancar, suprimir ou alterar marco, será punido com prisão até 6 meses e multa até 25 dias.2 - Consideram-se marcos quaisquer construções, plantações, valados, tapumes ou outros sinais destinados a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, postos por decisão judicial ou com o acordo de quem está legitimamente autorizado para o dar.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É aplicável aos crimes previstos neste artigo e nos artigos 308.º a 311.º o disposto nos artigos 301.º e 303.º
CAPÍTULO II
Dos crimes contra o património em geral
ARTIGO 313.º
(Burla)
1 - Quem, com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem a prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais, será punido com prisão até 3 anos.2 - É aplicável a este crime o disposto nos artigos 301.º e 303.º
ARTIGO 314.º
(Burla agravada)
A prisão será de 1 a 10 anos se:a) O agente se entregar habitualmente à burla;
b) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica;
c) O valor do prejuízo for consideravelmente elevado e não for reparado pelo agente, sem dano ilegítimo de terceiro, até será instaurado o procedimento criminal.
ARTIGO 315.º
(Burla relativa a seguros)
1 - Quem receber ou fizer receber a terceiro valor total ou parcial de um seguro:a) Provocando um resultado ou agravando sensivelmente o resultado causado por acidente cujo risco estava coberto;
b) Causando a si próprio ou a terceiro lesão da saúde ou da integridade física ou agravando as consequências da lesão da saúde ou da integridade física provocada por acidente cujo risco esteja coberto;
será punido com prisão até 3 anos.
2 - Verificando-se a circunstância indicada na alínea c) do artigo anterior a prisão será de 1 a 10 anos.
3 - É aplicável a este crime o disposto no artigo 301.º
ARTIGO 316.º
(Burla para obtenção de bebidas, alimentos, alojamento ou acesso a recintos
e meios de transporte)
1 - Quem, com a intenção de não pagar:a) Se fizer servir de alimentos ou bebidas em estabelecimento que faz do seu fornecimento comércio ou indústria;
b) Utilizar quartos ou serviço de hotel, pousada, estalagem ou outro estabelecimento análogo;
c) Utilizar meios de transporte ou entrar em qualquer recinto público sabendo que tal supõe o pagamento de um preço;
e efectivamente se negar a solver a dívida contraída, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 15 dias.
2 - É aplicável o disposto no artigo 302.º
ARTIGO 317.º
(Extorsão)
1 - Quem, com a intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, com violências ou ameaças ou pondo-a na impossibilidade de resistir, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, um prejuízo, será punido com a pena de prisão:a) De 1 a 8 anos se forem utilizadas violências, a vítima for posta na impossibilidade de resistir ou a ameaça consistir num perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física;
b) De 6 meses a 4 anos se a ameaça consistir em revelar a outrem a intenção de publicar, denunciar ou revelar factos cuja divulgação pode lesar gravemente a sua reputação ou a de terceiros;
c) Até 3 anos nos restantes casos.
2 - No caso da alínea a) do número anterior, a pena elevar-se-á correspondentemente, verificando-se as circunstâncias dos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo 306.º até aos limites aí estabelecidos.
3 - Se a ameaça referida na alínea b) do número anterior for de divulgação através de meio de comunicação social, a moldura penal elevar-se-á de um terço.
4 - Se a vítima da extorsão ou a pessoa que haja de sofrer o mal ameaçado se suicidar ou tentar suicidar-se, sendo esta circunstância previsível pelo agente, a pena aplicável será a de prisão de 2 a 10 anos.
5 - Se os factos previstos no n.º 1 forem cometidos por 2 ou mais pessoas que actuem como grupo organizado, a moldura penal elevar-se-á de metade.
ARTIGO 318.º
(Extorsão de documento)
Quem obtiver, como garantia de dívida e abusando da situação de necessidade de outrem, documento que pode dar causa a procedimento criminal será punido com prisão até 2 anos e multa até 20 dias.
ARTIGO 319.º (Infidelidade)
1 - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, intencionalmente e com grave violação dos deveres que assumiu, causar a tais interesses um prejuízo patrimonial importante, será punido com prisão até 1 ano e multa até 60 dias, ou só com multa até 120 dias.2 - É aplicável o disposto nos artigos 301.º e 303.º 3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 320.º
(Usura)
1 - Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para outrem na concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito, explorar a situação de necessidade, anomalia mental, inépcia, ligeireza ou relação de dependência do devedor, fazendo que ele se obrigue ou prometa, sobre qualquer forma, a seu favor ou de terceiros, vantagem pecuniária, que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação, será punido com prisão até 2 anos e multa até 90 dias.2 - Quem, por força das circunstâncias indicadas no número anterior, para conceder ou outorgar, renovar, descontar ou prorrogar o prazo do pagamento de um crédito, fizer com que alguém, sob qualquer forma, se obrigue ou prometa pagar, a ele ou a terceiros, juro ou quaisquer outras vantagens superiores ao limite fixado na lei, será punido com prisão até 1 ano e multa até 45 dias.
3 - Na mesma pena incorre quem adquirir, a qualquer título, crédito da natureza indicada nos números anteriores, com a intenção de utilizar, a seu favor ou de terceiros, as referidas vantagens patrimoniais usurárias.
4 - A pena pode elevar-se até 3 anos de prisão e ao máximo de multa, quando o agente:
a) Se empregar habitualmente à usura;
b) Dissimular as ilegítimas vantagens patrimoniais exigindo letras ou simulando contratos;
c) Provocar, conscientemente, através da usura, a ruína patrimonial da vítima.
ARTIGO 321.º
(Usura relativa a menores e incapazes)
1 - Quem, com a intenção de alcançar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial, abusando da situação de necessidade, da dependência, inexperiência, fraqueza de carácter ou ligeireza, de menores, de pessoas incapazes ou portadoras de anomalia psíquica, susceptível de as fazer interditar, os induzir à prática de um acto jurídico que lhes acarrete, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, será punido com prisão até 2 anos e multa até 45 dias.2 - É aplicável a este artigo o disposto no n.º 4 do artigo anterior.
ARTIGO 322.º
(Usura habitual)
Quem, fora dos casos indicados nos artigos 320.º e 321.º, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial, aproveitar a situação de dependência, inexperiência, estado mental, fraqueza de carácter ou ligeira de outrem, para obter a promessa ou concessão, para si ou para terceiro, de uma prestação em manifesta desproporção, no tempo do negócio, com a respectiva contraprestação, será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias, se o agente fizer modo de vida de tais actividades ou se entregar habitualmente a elas.
ARTIGO 323.º
(Isenção de pena)
As condutas previstas nos artigos 320.º a 322.º não são puníveis se o agente, antes de contra ele ser instaurado procedimento criminal:a) Renunciar à entrega da vantagem ou benefício patrimonial pretendidos;
b) Renunciar ou entregar o que recebeu a mais do que, sem o excesso usurário, devia ter recebido, acrescido da taxa legal desde o dia em que recebeu as vantagens patrimoniais usurárias;
c) Modificar o negócio, de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras de boa fé.
CAPÍTULO III
Dos crimes contra direitos patrimoniais
ARTIGO 324.º
(Frustração de créditos)
1 - O devedor sujeito a uma execução já instaurada que destruir, danificar ou fizer desaparecer parte do seu património, para dessa forma intencionalmente frustrar, total ou parcialmente, a satisfação de um crédito de outrem, será punido, se a sua insolvência vier a ser declarada, com prisão até 1 ano.2 - O terceiro que praticar o facto com o conhecimento ou a favor do devedor, se este vier a ser declarado insolvente, será punido com prisão até 6 meses e multa até 90 dias.
ARTIGO 325.º
(Falência dolosa)
1 - O devedor comerciante que com a intenção de prejudicar os seus credores:a) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;
b) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando objectos, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, particularmente por meio de contabilidade inexacta ou de falso balanço;
c) Para retardar a falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente;
será punido, se vier a ser declarado em estado de falência, com prisão até 5 anos.
2 - A mesma pena será aplicada ao concordado que não justificar a regular aplicação dada aos valores do activo existentes à data da concordata.
3 - Qualquer terceiro que, com conhecimento do devedor ou em seu benefício, praticar os factos referidos no n.º 1 deste artigo, se o estado de falência vier a ser declarado, será punido com prisão até 2 anos.
ARTIGO 326.º
(Falência por negligência)
1 - O devedor comerciante que, por grave incúria ou imprudência, prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas, ou grave negligência de exercício da profissão, criar um estado de falência, se esta vier efectivamente a ser declarada, será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias.2 - Aos factos indicados no número anterior é equiparado o caso do devedor que vier a ser declarado falido, quando tenha deixado de cumprir as disposições que a lei estabelece para a regularidade da escrituração e das transacções comerciais, salvo se a exiguidade do comércio e as rudimentares habilitações literárias do falido o relevarem do não cumprimento dessas disposições.
3 - O procedimento criminal depende de queixa, que deve ser exercida dentro de 3 meses a partir da declaração de falência.
4 - O direito de queixa não poderá ser exercido pelo credor que tiver induzido o falido a contrair levianamente dívidas, a fazer despesas exageradas, a dedicar-se a especulações ruinosas ou que o tiver explorado usurariamente.
ARTIGO 327.º
(Favorecimento de credores)
O devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência e com a intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, solver dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para as suas dívidas a que não era obrigado, será punido com prisão até 2 anos ou até 1 ano, conforme venha a ser declarado em estado de falência ou de insolvência.
ARTIGO 328.º
(Perturbação de arrematações)
Quem, com a intenção de impedir ou prejudicar os resultados de arrematação judicial ou qualquer outra arrematação pública autorizada ou imposta pela lei, bem como de concurso regido pelo direito público, conseguir por meio de dádivas, promessas, violências ou ameaças graves, que alguém não lance ou não concorra, ou que de alguma forma se prejudique a liberdade dos respectivos actos, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 120 dias, sem prejuízo da pena mais grave que às violências ou ameaças couber.
ARTIGO 329.º
(Receptação)
1 - Quem, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem, mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para terceiros, a sua posse, será punido com prisão até 4 anos e multa até 100 dias.2 - Se o agente fizer modo de vida da receptação ou a praticar habitualmente, a pena será a de prisão de 1 a 6 anos e multa até 120 dias.
3 - Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que ela provém de actividade criminosa, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 50 dias.
ARTIGO 330.º
(Auxílio material ao criminoso)
1 - Quem auxiliar outrem a aproveitar-se do benefício de coisa obtida, através de crime contra o património, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 90 dias.2 - São aplicáveis as disposições dos artigos 301.º a 303.º
ARTIGO 331.º
(Âmbito do objecto da receptação e do favorecimento ou auxílio material a
criminoso)
São equiparados às coisas referidas nos artigos 329.º e 330.º os valores ou produtos com elas directamente obtidos.
CAPÍTULO IV
Dos crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade
do agente
ARTIGO 332.º
(Apropriação ilegítima de bens do sector público ou cooperativo)
1 - Quem, por força do cargo que desempenha detiver a administração, gerência, ou simples capacidade de dispor relativamente a bens do sector público ou cooperativo, e deles ilegitimamente se apropriar ou permitir, intencionalmente, que outrem ilegitimamente se aproprie, será punido com a pena que ao respectivo crime corresponde, agravada de metade nos seus limites mínimo e máximo.
2 - A tentativa é punível.
ARTIGO 333.º
(Administração danosa em unidade económica do sector público ou
cooperativo)
1 - Quem, infringindo intencionalmente as normas de controle ou as regras económicas de uma gestão racional, provocar um dano material em unidade económica do sector público ou cooperativo, será punido com pena de prisão até 4 anos.2 - A punição não terá lugar se o dano se verificar contra a expectativa do agente.
3 - Se o dano patrimonial for de valor consideravelmente elevado, a pena de prisão será de 2 a 6 anos.
4 - Se o dano patrimonial for de valor insignificante, a pena será a de prisão até 6 meses e multa até 90 dias, podendo, todavia, o juiz, segundo as circunstâncias do caso, isentá-lo da pena.
TÍTULO V
Dos crimes contra o Estado
CAPÍTULO I
Dos crimes contra a segurança do Estado
SECÇÃO I
Dos crimes contra a soberania nacional
SUBSECÇÃO I
Dos crimes contra a independência e integridade nacionais
(Traição à Pátria)
Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou com auxílio estrangeiro:a) Tentar separar da Mãe-Pátria, ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira, todo ou parte do território português;
b) Ofender ou puser em perigo a independência do País;
será punido com prisão de 15 a 20 anos.
ARTIGO 335.º
(Serviço militar em forças armadas inimigas)
1 - Quem, sendo português, tomar armas de baixo de bandeira de nação estrangeira contra Portugal será punido com prisão de 10 a 20 anos.
2 - Se antes das hostilidades ou da declaração de guerra o criminoso estiver ao serviço do Estado inimigo com autorização do Governo Português poderá a pena ser-lhe reduzida para a de prisão de 1 a 5 anos.
3 - Não é punível quem, estando no território de Estado inimigo antes da declaração de guerra ou das hostilidades, for forçado pelas leis militares desse Estado inimigo a tomar armas debaixo de bandeira estrangeira contra Portugal.
ARTIGO 336.º
(Inteligências com o estrangeiro para provocar a guerra)
1 - Quem tiver inteligências com governo de Estado estrangeiro, com um partido, associação, instituição ou grupo estrangeiro, ou com algum dos seus agentes, com a intenção de promover ou provocar uma guerra ou acção armada contra Portugal, será punido com prisão de 10 a 20 anos. A pena reduzir-se-á para a de prisão de 3 a 10 anos se o efeito se não seguiu.
2 - Se o agente praticar a acção descrita no número anterior com a intenção de provocar actos de represália ou hostilidades contra interesses essenciais de Portugal nos domínios diplomático, militar, social ou económico, a pena será de prisão de 3 a 10 anos, reduzindo-se para a de 1 a 5 anos se o efeito se não seguiu.
ARTIGO 337.º
(Provocação à guerra ou à represália)
1 - Quem, sendo português, estrangeiro ou apátrida residente em Portugal, conscientemente, por quaisquer actos não autorizados pelo Governo Português, expuser o Estado Português a uma declaração de guerra ou a uma acção armada, será punido com prisão de 3 a 10 anos, podendo a pena reduzir-se, se o efeito se não seguiu, para a de prisão de 1 a 2 anos.
2 - Se os actos referidos no número anterior forem apenas idóneos a expor a represálias de potência estrangeira interesses essenciais de Portugal nos domínios diplomático, militar, social ou económico, a pena será a de prisão de 2 a 6 anos, podendo reduzir-se para a de 6 meses a 2 anos se os actos de represália não vierem a ter lugar.
ARTIGO 338.º
(Inteligências com o estrangeiro para constranger o Estado Português)
1 - Quem tiver inteligências com um governo de um Estado estrangeiro, com partido, associação, instituição ou grupo estrangeiro ou com algum dos seus agentes, com intenção de constranger o Estado Português a:
a) Declarar a guerra;
b) Não declarar ou não manter a neutralidade;
c) Declarar ou manter a neutralidade;
d) Sujeitar-se à ingerência de Estado estrangeiro nos negócios portugueses de natureza a pôr em perigo a independência ou integridade de Portugal;
será punido com prisão de 2 a 8 anos.
2 - Quem, com a intenção referida no número anterior, publicamente, fizer ou divulgar afirmações que sabe serem falsas ou grosseiramente deformadas, será punido com prisão de 1 a 5 anos.
3 - Na pena prevista no número anterior incorre quem, directa ou indirectamente, receber ou aceitar promessa de quaisquer dádivas para facilitar a ilegítima ingerência estrangeira nos negócios portugueses, dirigida a pôr em perigo a independência ou integridade de Portugal.
ARTIGO 339.º
(Ajuda a forças armadas inimigas)
Quem, sendo português, estrangeiro ou apátrida residente em Portugal, em tempo de guerra ou de acção armada contra Portugal, com a intenção de favorecer ou ajudar a execução de operações militares do inimigo contra Portugal ou de causar prejuízo à defesa militar portuguesa, tiver com o estrangeiro, directa ou indirectamente, quaisquer entendimentos ou praticar quaisquer actos com vista aos mesmos fins será punido com prisão de 5 a 15 anos, podendo reduzir-se à de 2 a 5 anos se o fim não for atingido ou o auxílio ou prejuízo for pouco significativo.
ARTIGO 340.º
(Auxílio a medidas hostis a Portugal)
Quem, sendo português, estrangeiro ou apátrida residente em Portugal, tiver, directa ou indirectamente, quaisquer entendimentos com o estrangeiro ou praticar quaisquer actos destinados a favorecer a execução de medidas hostis ou de represálias de potências estrangeiras contra interesses essenciais de Portugal nos domínios diplomático, militar, social ou económico será punido com prisão de 2 a 10 anos, podendo reduzir-se à de 6 meses a 5 anos se os fins não forem atingidos ou o auxílio for pouco significativo ou importante.
ARTIGO 341.º
(Campanha contra o esforço de guerra)
Quem, sendo português, estrangeiro ou apátrida residente em Portugal, fizer ou reproduzir, publicamente, em tempo de guerra, afirmações que sabe serem falsas ou grosseiramente deformadas, com intenção de impedir ou perturbar o esforço de guerra de Portugal ou de auxiliar ou fomentar as operações inimigas, será punido com prisão de 1 a 5 anos.
ARTIGO 342.º
(Sabotagem contra a defesa nacional)
1 - Quem, com a consciência de que pode prejudicar ou pôr em perigo a defesa nacional, destruir ou danificar, no todo ou em parte, mesmo que temporariamente, quaisquer obras militares ou materiais próprios das forças armadas ou ainda vias e meios de comunicação, transmissão ou transporte, estaleiros, instalações portuárias, fábricas ou depósitos será punido com prisão de 3 a 10 anos.2 - Quem, com a intenção de praticar os actos previstos no número anterior importar, fabricar, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir por qualquer título, distribuir, transportar, detiver ou usar armas proibidas, engenhos ou substâncias explosivas ou capazes de produzir explosões nucleares, radioactivas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, será punbido com prisão de 2 a 8 anos.
ARTIGO 343.º
(Violação de segredos de Estado)
1 - Quem, pondo em perigo os interesses do Estado Português relativos à sua segurança ou à condução da sua política externa, transmitir, tornar acessível a pessoas não autorizadas ou tornar públicos factos ou documentos, planos ou outros objectos ou conhecimentos, nomeadamente de modelos, de fórmulas ou de quaiquer notícias sobre eles, que devem, em nome daqueles interesses, manter-se secretos relativamente a potências estrangeiras, será punido com prisão de 3 a 10 anos.2 - A mesma pena será aplicada a quem, pondo em perigo os interesses referidos no número anterior, destruir, subtrair ou falsificar ou deixar destruir, subtrair ou falsificar documentos, planos ou outros objectos no mesmo número indicados.
3 - A prisão poderá elevar-se até 15 anos se o agente, com o facto, violar um particular dever, que as suas funções lhe impõem, de guardar os segredos de Estado ou os objectos referidos nos números anteriores.
4 - A prática por negligência dos factos referidos nos 2 primeiros números será punida com prisão de 6 meses a 3 anos, se o agente tinha acesso aos objectos ou aos segredos de Estado em razão das funções ou serviço que exercia ou de missão que lhe foi conferida por autoridade competente.
ARTIGO 344.º
(Espionagem)
1 - Quem colaborar com governo ou organização, associação ou serviço de informações estrangeiros ou com algum dos seus agentes, com a intenção de praticar algum dos factos referidos no artigo anterior será punido com prisão de 5 a 10 anos.2 - A mesma pena será aplicada a quem, conscientemente, recrutar, acolher ou receber o agente que pratique os factos referidos no artigo anterior ou no n.º 1 deste artigo ou, de qualquer modo, favorecer a prática de tais factos.
3 - A prisão poderá elevar-se até 15 anos se o agente, com o facto, violar um particular dever, que as suas funções lhe impõem, de guardar os segredos de Estado ou os objectos referidos no número anterior.
ARTIGO 345.º
(Falsificação, destruição ou subtracção de meios de prova de interesse
nacional)
1 - Quem falsificar, subtrair, destruir, inutilizar, fizer desaparecer ou dissimular meio de prova sobre factos referentes a relações entre Portugal e um Estado estrangeiro ou uma organização internacional, pondo em perigo direitos ou interesses nacionais, será punido com a prisão de 2 a 8 anos.2 - Se a acção se traduzir em arrancar, deslocar, colocar falsamente, tomar irreconhecível ou, de qualquer forma, suprimir marcos, balizas ou outros sinais indicativos dos limites do território português, a pena será a de prisão até 3 anos.
ARTIGO 346.º
(Infidelidade diplomática)
1 - Quem, representando oficialmente o Estado Português, conduzir negócio de Estado com governo estrangeiro ou organização internacional, com a consciência ou a intenção de causar prejuízo a direitos ou interesses nacionais, será punido com prisão de 2 a 8 anos.2 - A mesma pena será aplicada ao representante oficial do Estado Português que perante Estado estrangeiro ou organização internacional, com a consciência ou a intenção referidas no número anterior, tomar compromissos para que não esteja devidamente autorizado em nome de Portugal.
ARTIGO 347.º
(Violação da confiança de representantes de Portugal junto de Estado
estrangeiro ou organização internacional)
1 - Quem, representando oficialmente o Estado Português junto de Estado estrangeiro ou organização internacional, praticar actos contra ordem ou orientação oficial ou der sobre certos factos, com a intenção de induzir em erro o Governo Português, informações falsas será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
2. - O procedimento criminal depende de participação do Governo Português.
ARTIGO 348.º
(Correspondência e comércio em tempo de guerra com súbdito ou agente de
Estado inimigo)
Quem em tempo de guerra, violando proibições legais:a) Mantiver correspondência com súbdito ou agente de Estado inimigo;
b) Fizer, directa ou indirectamente, comércio com súbdito ou agente de Estado inimigo;
será punido com prisão até 5 anos.
ARTIGO 349.º
(Usurpação da autoridade pública portuguesa)
1 - Quem exercer no País a favor de Estado estrangeiro ou dos seus agentes actos que saiba serem privativos da autoridade pública portuguesa será punido com prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - A mesma pena, agravada, será aplicada a quem em território nacional praticar factos conducentes à entrega ilícita de qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, a Estado estrangeiro, a agentes deste ou qualquer entidade pública ou particular existente nesse Estado usando para tais fins de violência ou fraude, salvo se ao facto for aplicável por outra disposição legal pena mais grave.
SUBSECÇÃO II
Dos crimes contra a capacidade militar e defesa nacionais
ARTIGO 350.º
(Mutilação para isenção de serviço militar)
1 - Quem, mediante mutilação ou qualquer outro meio, intencionalmente, se tornar ou fizer tornar, definitiva ou temporariamente, no todo ou em parte, incapaz para cumprir as obrigações do serviço militar será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
2 - Na mesma pena incorre quem, intencionalmente, tornar outrem, com o seu consentimento, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, incapaz para cumprir as obrigações do serviço militar.
ARTIGO 351.º
(Emigração para se subtrair ao serviço militar)
Quem, com a intenção de subtrar ao serviço militar, se passar para país estrangeiro será punido com prisão até 1 ano.
ARTIGO 352.º
(Desenhos, fotografias e outras actividades contra a defesa nacional)
Quem, com a intenção de subtrair ao serviço militar, se nacional, executar, sem a devida autorização, desenhos, fotografias ou operações de filmagem de fortificações, estabelecimentos, obras, vias de comunicação, barcos, veículos, aeronaves, portos, arsenais, lugares ou instrumentos militares ou destinados à defesa nacional será punido com prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.
SUBSECÇÃO III
Dos crimes contra Estados estrangeiros ou organização internacional
ARTIGO 353.º
(Ofensas a representantes de Estado estrangeiro ou de organização
internacional)
Quem atentar contra a vida, a integridade física, a liberdade ou a honra de representante de Estado estrangeiro ou de organização internacional, encontrando-se o ofendido em Portugal no desempenho de funções oficiais, será punido com a pena prevista para o respectivo crime, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
ARTIGO 354.º
(Ultraje de símbolos estrangeiros)
Quem, publicamente, por palavras, gestos, divulgação de escritos ou outros meios de comunicação com o público, injuriar a bandeira oficial ou outro símbolo de soberania de Estado estrangeiro ou símbolo de organização internacional de que Portugal faça parte será punido com prisão até 18 meses ou multa até 100 dias.
ARTIGO 355.º
(Condições de punibilidade)
1 - As disposições desta subsecção só se aplicam quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes condições:a) Tratar-se de Estados com os quais Portugal mantenha relações diplomáticas, e desde que haja reciprocidade no tratamento penal de tais factos, no momento da sua prática e do seu julgamento;
b) Participação do Governo Português para instaurar o procedimento criminal.
2 - No caso de ofensa à honra, é ainda necessário que a participação referida na alínea b) do número anterior seja requerida pelo governo estrangeiro ou pelos representantes das respectivas organizações internacionais.
SECÇÃO II
Dos crimes contra a realização do Estado de direito
ARTIGO 356.º
(Alteração violenta do Estado de direito)
1 - Quem, por meio de violência ou ameaça de violência, tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido será punido com prisão de 5 a 10 anos.
2 - Se o crime descrito no número anterior for cometido por meio de violência armada, a prisão será de 5 a 15 anos.
ARTIGO 357.º
(Incitamento à guerra civil)
1 - Quem, publicamente, incitar habitantes do território português ou quaisquer forças militares ou militarizadas ao serviço de Portugal à guerra civil ou à prática dos factos previstos no artigo anterior será punido com prisão de 2 a 8 anos.2 - Se os factos descritos no número anterior forem acompanhados de distribuição de armas, a prisão será de 5 a 10 anos.
ARTIGO 358.º
(Atentado contra o Presidente da República)
1 - Quem atentar contra a vida, a integridade física ou a liberdade do Presidente da República, ou de quem constitucionalmente o substituir, será punido com prisão de 5 a 15 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal.
2 - As penas previstas para a consumação dos crimes referidos no número anterior serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
ARTIGO 359.º
(Sabotagem)
Quem destruir, impossibilitar o funcionamento ou desviar dos seus fins normais, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação das necessidades gerais e impreteríveis da população, com a intenção de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, será punido com prisão de 3 a 10 anos.
ARTIGO 360.º
(Sequestro e rapto contra membro de órgão de soberania ou órgão de
governo próprio das regiões autónomas)
1 - Quem sequestrar ou raptar membro de órgão de soberania, ministros da República ou membro do governo próprio das regiões autónomas será punido com prisão de 5 a 10 anos.
2 - A prisão elevar-se-á até 15 anos se a privação da liberdade for precedida ou acompanhada de alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 160.º.
3 - A prisão será de 10 a 20 anos quando da privação da liberdade resultar a morte da vítima.
ARTIGO 361.º
(Armas proibidas, engenhos ou substâncias explosivas)
1 - Quem, com a intenção de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, importar, fabricar, preparar, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir por qualquer título, distribuir, transportar, detiver ou usar armas proibidas, engenhos, substâncias explosivas ou capazes de produzir explosões nucleares, radioactivas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes será punido com prisão de 2 a 6 anos.
2 - Quem, com a intenção referida no número anterior, furtar ou roubar, ou conscientemente detiver em seu poder, substâncias ou engenhos explosivos ou semelhantes, ou armas ou equipamentos de comunicação, considerados de uso exclusivo das forças armadas ou das forças militarizadas, será punido com prisão de 2 a 8 anos.
3 - A cumplicidade e a tentativa são, respectivamente, equiparadas, à autoria e à consumação.
ARTIGO 362.º
(Ofensa à honra do Presidente da República)
1 - Quem injuriar ou ofender a honra e consideração devidas ao Presidente da República, ou a quem constitucionalmente o substituir, será punido com prisão até 3 anos.
2 - Se a injúria, ou a ofensa, for feita por meio de palavras proferidas publicamente, de publicação de escritos ou de desenho ou por qualquer meio técnico de comunicação com o público, a prisão será de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 363.º
(Ultraje à República, órgãos de soberania, regiões autónomas e seus órgãos
de governo próprio e às forças armadas)
Quem, com a intenção de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, em reunião pública ou por divulgação de escritos ou outros meios de comunicação com o público, injuriar a República, os órgãos de soberania, os ministros da República, as regiões autónomas e os seus órgãos de governo próprio ou as forças armadas, por maneira a fazer perigar o prestígio do Estado ou das instituições democráticas, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 364.º
(Incitamento à desobediência colectiva)
1 - Quem, com a intenção de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, incitar, publicamente, à desobediência colectiva de leis de ordem pública ou ao não cumprimento de deveres inerentes às funções públicas será punido com prisão até 2 anos.
2 - Na mesma pena incorre quem, com a intenção referida no número anterior:
a) Divulgar, em reunião pública ou por qualquer meio de comunicação com o público, notícias falsas ou tendenciosas susceptíveis de provocarem alarme ou inquietação na população;
b) Tentar provocar, pelos meios referidos na alínea anterior, divisões no seio das forças armadas, entre estas e as forças militarizadas ou entre qualquer destas e os órgãos de soberania;
c) Incitar à luta política pela violência.
(Campanha no estrangeiro)
Quem, no estrangeiro, desenvolver campanha ou propaganda com a intenção de destruir, alterar ou subverter violentamente o Estado de direito constitucionalmente estabelecido será punido com prisão até 3 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal.
ARTIGO 366.º
(Ligações com o estrangeiro)
Quem, com a intenção de destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, se puser em ligação com governo de Estado estrangeiro, com partido, associação, instituição ou grupo estrangeiro ou com algum dos seus agentes para:1) Receber instruções, directivas, dinheiro ou valores que o representem;
2) Colaborar em actividades consistindo:
a) Na recolha, preparação ou divulgação pública de notícias falsas ou grosseiramente deformadas;
b) No aliciamento de agentes ou em facilitar aquelas actividades, fornecendo local para reuniões, subsidiando-as ou fazendo a sua propaganda;
c) Em promessas ou dádivas;
d) Em ameaçar outra pessoa ou utilizar fraude contra ela;
será punido com prisão de 6 meses a 5 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal.
ARTIGO 367.º
(Ultraje de símbolos nacionais e regionais)
Quem, publicamente, por palavras, gestos ou por divulgação de escritos ou por outros meios de comunicação com o público, injuriar a República, a Bandeira ou o Hino Nacionais, as armas ou emblemas de soberania portuguesa, bem como as regiões autónomas, as bandeiras ou os hinos regionais, as armas ou embelemas da respectiva autonomia, ou faltar ao respeito que lhes é devido será punido com prisão até 2 anos ou multa até 200 dias.
ARTIGO 368.º
(Coacção contra órgãos constitucionais)
1 - Quem, por meio de violência ou ameaça de violência, impedir ou constranger o livre exercício das funções dos órgãos de soberania, dos ministros da República e dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, será punido com prisão de 2 a 8 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal.
2 - Na pena de 1 a 4 anos incorre quem, utilizando os meios referidos no número anterior, tentar impedir ou constranger o livre exercício das funções do ministro da República, das assembleias regionais ou dos governos regionais, bem como do Provedor de Justiça.
3 - Se os factos descritos no n.º 1 forem praticados contra os órgãos das autarquias locais, a prisão será de 3 meses a 2 anos.
4 - Quando os factos descritos no n.º 1 forem cometidos contra um membro dos órgãos referidos no n.º 1, a prisão será de 1 a 5 anos. Se forem cometidos contra um membro dos órgãos referidos no n.º 2 a prisão será de 6 meses a 3 anos. Se forem cometidos contra um membro dos órgãos referidos no n.º 3, a prisão será até 1 ano.
ARTIGO 369.º
(Perturbação do funcionamento dos órgãos constitucionais)
1 - Quem, com tumultos, desordens ou vozearias, perturbar ilegitimamente o funcionamento dos órgãos referidos no artigo anterior, não sendo seu membro, será punido com prisão até 3 anos.
2 - Na mesma pena incorre quem, pelos meios referidos no número anterior, perturbar ilegitimamente o exercício das funções de qualquer dos membros dos órgãos da soberania ou dos titulares dos cargos também aí referidos.
ARTIGO 370.º
(Falsidade na inscrição de eleitor)
1 - Quem provocar a sua inscrição no recenseamento eleitoral, fornecendo elementos falsos, será punido com prisão até 1 ano e multa até 50 dias.2 - Na mesma pena incorre quem inscrever outrem no recenseamento eleitoral, sabendo que ele não tem o direito de aí se inscrever, ou impedir a inscrição de alguém que sabe ter direito a inscrever-se ou, por qualquer outro modo, falsificar o recenseamento eleitoral.
ARTIGO 371.º
(Falsificação de cartão de eleitor)
Quem, com intuitos fraudulentos, modificar ou substituir cartão de eleitor será punido com prisão até 3 anos e multa até 100 dias.
ARTIGO 372.º
(Obstrução a inscrição)
Quem, por violência, ameaça ou artifício fraudulento, determinar um eleitor a não se inscrever no recenseamento eleitoral ou a inscrever-se fora da unidade geográfica ou do local próprio ou para além do prazo será punido com prisão até 1 ano e multa até 50 dias, se pena mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
ARTIGO 373.º
(Falsificação de cadernos de recenseamento)
1 - Quem conscientemente, por qualquer modo, violar, substituir, destruir ou alterar os cadernos de recenseamento será punido com prisão até 3 anos e multa até 120 dias.
2 - A mesma pena será aplicada aos membros da comissão recenseadora que, com intuitos fraudulentos, não procedam à elaboração e correcção dos cadernos do recenseamento.
ARTIGO 374.º
(Perturbação de assembleia eleitoral)
Quem, por meio de violência, ameaça de violência ou participando em tumultos, desordens ou vozearias impedir ou perturbar gravemente a realização, funcionamento ou apuramento de resultados de assembleia ou colégio eleitoral destinados, nos termos da lei, à eleição dos órgãos de soberania, de regiões autónomas e de autarquias locais será punido com prisão até 3 anos e multa de 50 a 100 dias.
ARTIGO 375.º
(Fraude nas eleições)
1 - Quem nas eleições referidas no artigo anterior votar em mais de uma secção ou assembleia de voto, mais de uma vez ou com várias listas na mesma secção ou assembleia, ou actuar por qualquer forma que conduza a um falso apuramento de escrutínio, será punido com prisão até 2 anos e multa de 20 a 60 dias.2 - Na mesma pena incorre quem falsear o apuramento, a publicação ou a acta oficial do resultado da votação.
3 - A tentativa é punível.
ARTIGO 376.º
(Coacção de eleitor)
Quem, nas eleições referidas no artigo 374.º, com violência, ameaça de violência ou de grave dano patrimonial ou profissional, impedir um eleitor de exercer o seu direito de voto ou o forçar a votar num certo sentido será punido com prisão até 3 anos e multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
ARTIGO 377.º
(Fraude e corrupção de eleitor)
1 - Quem, nas eleições referidas no artigo 374.º, por meio de notícias falsas, boatos caluniosos ou através de artifícios fraudulentos, impedir que um eleitor vote será punido com prisão até 1 ano e multa até 50 dias.2 - Na mesma pena incorre:
a) Quem comprar ou vender um voto para as eleições referidas no mesmo artigo;
b) Quem, não pertencendo a forças públicas devidamente autorizadas, entrar armado em qualquer assembleia ou colégio eleitoral.
ARTIGO 378.º
(Violação do segredo de escrutínio)
Quem, nas eleições referidas no artigo 374.º, realizadas por escrutínio secreto, sem o consentimento do eleitor, conseguir, por qualquer meio, obter para si ou para outrem o conhecimento do sentido em que ele votou ou votará será punido com prisão até 1 ano e multa até 50 dias.
ARTIGO 379.º
(Agravação)
As penas previstas nesta subsecção serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o agente do respectivo crime for membro da comissão recenseadora, da secção ou assembleia de voto ou delegado de partido político à comissão, secção ou assembleia referidas.
SECÇÃO III
Disposições comuns
ARTIGO 380.º
(Actos preparatórios)
Os actos preparatórios dos crimes previstos nos artigos 334.º a 342.º e 356.º a 358.º são punidos com prisão até 3 anos.
ARTIGO 381.º
(Conjura)
1 - Quem, sendo português, ou estrangeiro ou apátrida residente em Portugal, conjurar contra a integridade ou independência nacionais ou contra o Estado de direito português constitucionalmente estabelecido, concertando com outra ou outras pessoas cometer qualquer dos crimes declarados nos artigos 334.º, 335.º, 336.º, 356.º, 357.º, n.º 2, ou 358.º, será punidol se a conjura for seguida de algum acto de execução, com prisão de 1 a 5 anos.2 - Se a condura referida no número anterior não for seguida de algum acto de execução, a pena será de prisão de 3 meses a 2 anos.
3 - A pena do número anterior será também aplicável quando, havendo algum acto de execução, existirem atenuantes de excepcional importância.
ARTIGO 382.º (Desistência)
1 - O tribunal pode atenuar livremente a pena, ou até isentar dela os agentes dos crimes previstos neste capítulo, quando eles voluntariamente abandonarem a sua actividade, afastarem ou fizerem diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou impedirem que o resultado que a lei quer evitar se verifique.2 - No caso do artigo 356.º, n.º 2, será isento da pena aquele agente que, não tendo exercido funções de comando ou direcção, voluntariamente se render sem opor resistência, entregar ou abandonar as armas, antes da advertência da autoridade ou imediatamente depois dela. Se o agente tiver exercido funções de comando ou direcção, a pena poderá ser livremente atenuada.
3 - Decretar-se-á, do mesmo modo, a isenção de pena relativamente aos comparticipantes que impedirem a prática dos actos criminosos a que a conjuração se destinar.
ARTIGO 383.º
(Penas acessórias)
Quem for condenado pelos crimes previstos neste capítulo em prisão superior a 6 meses poderá ser suspenso do direito de ser jurado, eleger ou ser eleito para cargo público ou como membro da assembleia legislativa.
CAPÍTULO II
Dos crimes contra a autoridade pública
SECÇÃO I
Da resistência e desobediência à autoridade pública
ARTIGO 384.º
(Coacção de funcionários)
1 - Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário, ou membro das forças armadas ou das forças militarizadas, para se opor a que ele pratique ou continue a praticar acto legítimo compreendido nas suas funções ou para o constranger a que pratique ou continue a praticar acto relacionado com as suas funções, mas contrário aos seus deveres, será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.2 - Se a violência ou ameaça grave produzir o efeito querido, a pena elevar-se-á até 3 anos e a multa até 150 dias.
ARTIGO 385.º
(Ofensa a funcionário)
1 - Quem praticar ofensa corporal ou outra violência sobre qualquer das pessoas referidas no artigo anterior no exercício das suas funções ou por causa destas será punido com a pena que couber ao respectivo crime, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.2 - Se o ofendido for membro de um órgão de soberania, do governo próprio das regiões autónomas, ministro da República, o Provedor de Justiça ou membro das assembleias legislativas regionais, governador civil, membro de órgão das autarquias locais, de corporação que exerça autoridade pública, comandante de força pública, professor ou examinador público, a pena que couber ao crime será agravada de metade nos seus limites mínimo e máximo.
3 - A agravação prevista no número anterior é extensível à ofensa corporal, ou outra violência praticada contra advogado no exercício das suas funções em acto presidido por magistrado.
ARTIGO 386.º
(Agravação)
Se, no caso dos artigos 384.º e 385.º, a infracção for cometida com arma ou provocar a morte ou grave perigo para a vida, grave ofensa ou grave perigo de ofensa para a saúde ou integridade física ou psíquica da vítima, a pena será a de prisão de 1 a 6 anos, se ao facto não couber pena mais grave por força de outra disposição legal.
ARTIGO 387.º
(Resistência com motim)
Se o crime previsto no artigo 384.º for praticado com motim, quem neste participar será punido com prisão de 1 a 2 anos, se pena mais grave não couber pela sua participação no crime cometido.
ARTIGO 388.º
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimo que tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.2 - A mesma pena será aplicada se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência simples.
3 - A pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência qualificada.
SECÇÃO II
Da tirada, evasão de presos e não cumprimento de obrigações impostas por
sentença criminal
ARTIGO 389.º
(Tirada de presos)
1 - Quem, por meio de violência, ameaça ou artifício, libertar pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reacções criminais privativas de liberdade por ordem da autoridade competente será punido com prisão até 5 anos.2 - Na mesma pena incorre quem instigar, promover ou, de qualquer forma, auxiliar a evasão de pessoas referidas no número anterior.
ARTIGO 390.º
(Auxílio de funcionário à evasão)
O funcionário ou quem, nos termos da lei, for encarregado da guarda de qualquer das pessoas referidas no artigo anterior libertar, deixar evadir, facilitar, promover ou, de qualquer forma, auxiliar a evasão daquelas pessoas será punido com prisão de 2 a 8 anos.
ARTIGO 391.º
(Negligência na guarda)
O funcionário ou quem, nos termos da lei, for encarregado da guarda de qualquer das pessoas referidas no artigo 389.º e, actuando com negligência grosseira, permitir, desse modo, a evasão será punido com prisão até 1 ano ou multa até 60 dias.
ARTIGO 392.º
(Evasão)
1 - Quem, encontrando-se em situação, imposta nos termos da lei, de detenção, internamento, ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando a sua remoção ou transferência, se evadir, será punido com prisão até 2 anos.2 - Se a evasão tiver lugar de um estabelecimento que funcione em regime aberto a pena será de prisão até 4 anos.
3 - Se a evasão tiver lugar de um estabelecimento que funcione em sistema de segurança média, a pena será de prisão até 3 anos.
4 - Se o facto for cometido com violência ou por meio de ameaças contra as pessoas ou mediante arrombamento a pena será de prisão de 2 a 4 anos.
5 - Se a violência ou as ameaças forem exercidas por meio de armas ou contra um grupo de pessoas, a pena será de prisão de 3 a 5 anos.
6 - A pena poderá ser reduzida de metade quando o agente se entregue, antes da condenação, à autoridade competente.
7 - A tentativa é punível.
ARTIGO 393.º
(Violação de obrigações impostas por sentença criminal)
Quem violar obrigações referentes ao lugar em que deve apresentar-se, residir ou frequentar, ou proibições de exercício de certa profissão ou actividade, comércio ou indústria, por si ou por outrem, impostas por sentença criminal será punido com prisão até 1 ano e multa de 10 a 30 dias.
ARTIGO 394.º
(Motim de presos)
Os presos, detidos ou internados, que se amotinarem ou associarem com a intenção de, concertando as suas forças:a) Atacarem funcionário ou outra pessoa, legalmente encarregada da sua guarda, tratamento ou vigilância, ou o constrangerem, por violência ou ameaça de violência, a praticar qualquer acto ou a abster-se de o praticar;
b) Se evadirem ou ajudarem a evadir um de entre eles ou outro preso;
serão punidos com prisão de 2 a 8 anos.
ARTIGO 395.º
(Acumulação)
As penas previstas nos artigos 392.º, 393.º e 394.º aplicam-se em cúmulo material com aquelas a que o agente tenha sido ou venha a ser condenado.
SECÇÃO III
Da violação de providências públicas
ARTIGO 396.º
Descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público)
1 - Quem destruir, danificar, inutilizar ou, de qualquer forma, subtrair ao poder público, a que está sujeito, documento ou qualquer outro objecto móvel, posto sob a guarda de funcionário competente, ou por este confiado à sua guarda ou de terceiro, será punido com prisão até 4 anos e multa até 200 dias.
2 - Se o agente do crime for o funcionário a cuja guarda o objecto tiver sido confiado, será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa até 200 dias.
3 - Quando do crime não resultar prejuízo para o Estado ou outra pessoa, ou o prejuízo for de pequena gravidade, a pena será a de prisão até 1 ano ou multa até 60 dias.
ARTIGO 397.º
(Violação de arresto ou apreensão legítimos)
Quem destruir, danificar, inutilizar ou subtrair coisa que tiver sido legalmente arrestada, apreendida ou objecto de providências cautelares, de forma a prejudicar, total ou parcialmente, a finalidade destas providências, será punido com prisão até 3 anos ou multa até 100 dias.
ARTIGO 398.º
(Quebra de marcas e de selos)
Quem abrir, romper ou inutilizar, total ou parcialmente, marcas ou selos, apostos legitimamente por funcionário competente, para identificar, manter inviolável qualquer coisa, ou para certificar que sobre esta recaiu alguma das providências indicadas no artigo anterior, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
ARTIGO 399.º
(Arrancamento, destruição ou alteração de editais)
Quem arrancar, destruir, danificar, alterar ou, de qualquer forma, impedir que se conheça um edital afixado por funcionário competente, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 50 dias.
SECÇÃO IV
Da usurpação de funções
ARTIGO 400.º
(Usurpação de funções)
1 - Quem, sem para tal estar autorizado, exercer funções ou praticar actos próprios de funcionário ou de comando militar ou de força de segurança pública, invocando essa qualidade, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.2 - Na mesma pena incorre quem exercer profissão, para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando, efectivamente, o não possui ou as não preenche.
3 - Na mesma pena incorre quem continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido oficialmente notificada a demissão ou a suspensão dessas funções.
CAPÍTULO III
Dos crimes contra a realização da justiça
ARTIGO 401.º
(Falso depoimento de parte)
Quem, em processo cível, prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre que deve depor, depois de ajuramentado e advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, será punido com prisão até 18 meses ou multa até 100 dias.
ARTIGO 402.º
(Falso testemunho, falsas declarações, perícia, interpretação ou tradução)
1 - Quem, como testemunha, declarante, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber, como meio de prova, os seus depoimentos, relatórios, informações ou traduções, fizer depoimento, declaração, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsas, será punido com prisão de 3 meses a 3 anos ou multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor, prestar declarações, apresentar relatórios, informações ou traduções.
3 - Se o crime referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter sido ajuramentado e advertido das respectivas consequências penais, a pena será a de prisão de 6 meses a 4 anos ou a de multa de 50 a 180 dias.
ARTIGO 403.º
(Atenuação e isenção de pena)
1 - As penas previstas nos artigos 401.º e 402.º serão, respectivamente, reduzidas para as penas de prisão até 1 ano ou multa até 30 dias, de prisão até 18 meses ou multa até 30 dias e de prisão até 2 anos ou multa até 50 dias, podendo mesmo o agente ser isento de pena, quando a falsidade diga respeito a circunstâncias que não sejam essenciais, não possam exercer influência ou não tenham significado para a prova a que os depoimentos, relatórios, informações ou traduções se destinem.2 - Se os crimes previstos nos artigos 401.º e 402.º tiverem sido cometidos para evitar que o agente, os seus parentes ou afins até ao 3.º grau se expusessem ao perigo de virem a ser punidos ou a ser sujeitos a reacção criminal, poderão as penas ser livremente atenuadas ou até mesmo excluir-se a punição.
ARTIGO 404.º
(Retratação)
1 - Se o agente dos crimes previstos nos artigos 401.º e 402.º se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão, ou antes que tenha resultado do depoimento, declaração, relatório, informação ou tradução falsa, prejuízo para interesses de terceiros, será isento de pena.2 - O agente pode, igualmente, ser isento de pena ou a pena que lhe for aplicada ser livremente atenuada, se a retratação evitar um perigo maior para terceiro. Esta disposição aplica-se, nomeadamente, quando a retratação ocorrer depois de proferido o despacho de pronúncia ou equivalente em processo criminal.
3 - A retratação pode fazer-se perante um tribunal, o Ministério Público, a Polícia Judiciária ou outra autoridade competente.
(Punição da instrumentalização)
Quem induzir em erro ou influenciar outrem de forma a que este, sem dolo, pratique um dos factos descritos nos artigos 401.º e 402.º, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
ARTIGO 406.º
(Suborno)
Quem tentar convencer outrem, através de dádiva ou promessa de qualquer vantagem patrimonial, a praticar o crime previsto no artigo 402.º, sem que este venha, efectivamente, a ser cometido, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
ARTIGO 407.º
(Agravação)
As penas previstas nos artigos 401.º, 402.º, 405.º e 406.º serão agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, não se aplicando o disposto no artigo 403.º:a) Se o agente actuar com intenção lucrativa;
b) Se do crime resultar a privação de liberdade, admissão de lugar ou de posição profissional ou a destruição das relações familiares de outrem;
e) Se do crime resultar que, em vez do agente, outrem seja condenado pelo crime que aquele praticou.
ARTIGO 408.º
(Denúncia caluniosa)
1 - Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita de que esta praticou crime, contravenção, contra-ordenação ou uma falta disciplinar, com intenção de conseguir que contra ela se instaure o respectivo procedimento, será punido com prisão até 2 anos.2 - Se o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova, a pena poderá elevar-se a 3 anos.
3 - Tratando-se de acto de acusação ou equivalente em processo criminal, a pena aplicável será a de 6 meses a 4 anos.
4 - A requerimento do ofendido, o tribunal pode mandar publicar a sentença de condenação nos termos do artigo 175.º
ARTIGO 409.º
(Simulação de crime ou dos seus agentes)
1 - Quem, sem o imputar a determinada pessoa, denunciar um crime ou fizer criar a suspeita da sua prática à autoridade competente, sabendo que ele não se verificou, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem procurar iludir as autoridades sobre os autores de um crime que imagina ter-se verificado ou realmente se verificou.
3 - Se os factos referidos nos números anteriores respeitarem a contravenção, contra-ordenação ou ilícito disciplinar, a pena será de multa até 50 dias.
ARTIGO 410.º
(Favorecimento pessoal)
1 - Quem, total ou parcialmente, frustrar ou iludir a actividade probatória ou preventiva das autoridades competentes com a intenção ou com a consciência de evitar que outrem, que praticou um crime, seja submetido a reacção criminal nos termos da lei, será punido com prisão até 3 anos.2 - Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outrem com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir ou frustrar a execução da reacção criminal que lhe foi aplicada.
3 - A pena não pode, todavia, ser superior à prevista na lei para o facto pelo qual for julgada a pessoa em benefício da qual se actuou.
4 - Não são puníveis pelas disposições deste artigo o cônjuge, ascendente, descendente e os colaterais ou afins até ao 3.º grau da pessoa em benefício da qual actuaram.
ARTIGO 411.º
(Favorecimento pessoal praticado por funcionário)
Quando o favorecimento previsto no artigo anterior for cometido por funcionário que intervenha ou tenha competência para intervir no respectivo processo, ou por quem tenha competência para ordenar a execução da reacção criminal, ou seja incumbido de a executar, será punido com prisão de 6 meses a 4 anos.
ARTIGO 412.º
(Extorsão de depoimento)
O funcionário que, em processo criminal ou por contra-ordenação ou disciplinar, utilizar violência, ameaça grave ou outro meio de coacção ilegítimo, para obter do arguido, declarante, testemunha ou perito um depoimento escrito ou oral, ou para impedir que eles o façam, será punido com prisão de 6 meses a 4 anos.
ARTIGO 413.º
(Promoção dolosa)
O funcionário competente para promover procedimento criminal ou por contra-ordenação ou disciplinar que instaurar ou fizer instaurar o respectivo procedimento contra determinada pessoa, que sabe inocente, será punido com prisão de 6 meses a 4 anos.
ARTIGO 414.º
(Não promoção)
1 - O funcionário que, faltando aos deveres do seu cargo, não promover ou não continuar a promoção de procedimento criminal contra um infractor, ou não tomar as providências da sua competência para impedir ou prevenir a prática de qualquer crime, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.2 - No caso, porém, de o funcionário ter comparticipado no crime ou, relativamente a esse crime, ter participado qualquer dos factos previsto nos artigos 329.º e 330.º, será punido com a pena correspondente, aumentada de um sexto nos seus limites mínimo e máximo.
ARTIGO 415.º
(Prevaricação)
O funcionário que, conscientemente, conduzir ou decidir contra direito um processo em que, por virtude da sua competência, intervém, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de 1 a 5 anos.
ARTIGO 416.º
(Denegação de justiça)
O funcionário que se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabe e lhe foram requeridos, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 30 dias.
ARTIGO 417.º
(Prisão ilegal)
1 - O funcionário que, competente para ordenar ou executar medidas privativas de liberdade, ordenar ou executar uma medida dessa natureza, por forma ilegal, ou omitir ordená-la ou executá-la, nos termos da lei, será punido com prisão de 6 meses a 5 anos, se aos actos que praticou não corresponder pena mais grave, por força de outra disposição legal.2 - Na mesma pena incorre o funcionário que recusar dar conhecimento, a quem, à sua ordem, se encontre privado de liberdade, dos motivos da detenção, depois de tal lhe ter sido requerido.
3 - Se a ordem ou execução ilegal da privação da liberdade, ou a omissão de a ordenar ou executar conforme a lei, for devida a negligência grave, a pena será de prisão até 1 ano ou multa até 50 dias.
ARTIGO 418.º
(Prevaricação de advogado ou solicitador)
1 - O advogado ou solicitador que voluntariamente prejudicar causa entregue ao seu patrocínio com a intenção de alcançar um benefício, será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
2 - A mesma pena será aplicável ao advogado ou solicitador que, na mesma causa que lhe foi confiada, advogar, procurar, aconselhar ou ajudar a posição de várias pessoas nela intervenientes e cujos interesses estejam em conflito, de maneira a, voluntariamente, actuar em benefício de alguma delas e em prejuízo de outra ou outras.
ARTIGO 419.º
(Revelação de segredo de justiça)
1 - Quem publicar ou der conhecimento público, no todo ou em parte, sem autorização do juiz ou funcionários competentes, de qualquer acto ou documentos de processo crime, antes da audiência pública de julgamento ou de ser proferido despacho mandando arquivar o processo, será punido com prisão até 2 anos e multa até 150 dias.2 - Na mesma pena incorre quem publicar ou revelar, no todo ou em parte, o conteúdo de quaisquer actos, documentos ou discussões do processo crime, antes ou depois da audiência de julgamento, quando este for secreto por força da lei ou determinação legítima do juiz.
CAPÍTULO IV
Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas
SECÇÃO I
Da corrupção
ARTIGO 420.º
(Corrupção passiva para acto ilícito)
1 - O funcionário que, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou receber dinheiro ou promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial, que não lhe sejam devidos, para praticar acto que implique violação dos deveres do seu cargo, será punido com prisão de 1 a 6 anos e multa de 50 a 150 dias.
2 - Se o acto não for, porém, executado, a pena será a de prisão até 1 ano e multa até 40 dias.
3 - Tratando-se de mera omissão ou demora na prática de acto relacionado com as suas funções, mas com violação dos deveres do seu cargo, a pena será, respectivamente, no caso do n.º 1, a de prisão até 2 anos e multa de 40 a 100 dias, e, no caso do n.º 2, a de prisão até 1 ano e multa até 20 dias.
4 - Se o funcionário, voluntariamente, repudiar o oferecimento ou promessa que aceitada, ou restituir o dinheiro ou o valor da vantagem patrimonial, antes da prática do acto ou da sua omissão ou demora, ficará isento de pena.
ARTIGO 421.º
(Corrupção passiva em causa criminal)
Se, por efeito da corrupção, resultar condenação criminal em pena mais grave do que a prevista no artigo anterior, será aquela aplicada à corrupção.
ARTIGO 422.º
(Corrupção passiva para o acto lícito)
O funcionário que, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou receber dinheiro ou promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial, que não lhe sejam devidos, para praticar acto não contrário aos deveres do seu cargo e cabendo nas suas funções, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 30 dias.
ARTIGO 423.º
(Corrupção activa)
1 - Quem der ou prometer a funcionário, por si ou por interposta pessoa, dinheiro ou outra vantagem patrimonial que ao funcionário não sejam devidos, com os fins indicados nos artigos 420.º e 421.º será punido, segundo os casos, com as penas previstas em tais disposições.2 - Se, todavia, o crime tiver sido praticado para evitar que o agente, os seus parentes ou afins até ao 3.º grau se exponham ao perigo de serem punidos ou de serem sujeitos a uma reacção criminal, pode o juiz atenuar livremente a pena ou dela isentar o agente.
3 - A isenção da pena prevista no n.º 4 do artigo 420.º só aproveitará ao agente da corrupção activa se ele, voluntariamente, aceitar o repúdio da promessa ou a restituição do dinheiro ou vantagem patrimonial que havia feito ou dado.
4 - O agente será igualmente isento de pena nos casos em que o cometimento do crime tiver resultado de solicitação ou exigência de funcionário como condição para a prática de actos da respectiva competência e o primeiro participar o crime às autoridades.
SECÇÃO II
Do peculato
ARTIGO 424.º
(Peculato)
1 - O funcionário que, ilicitamente, se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, pública ou particular, que lhe foi entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções, será punido com prisão de 2 a 8 anos e multa até 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.2 - Se o funcionário der de empréstimo, empenhar, ou, de qualquer forma, onerar quaisquer objectos referidos no número anterior, com a consciência de prejudicar ou poder prejudicar o Estado ou o seu proprietário, será punido com prisão até 3 anos e multa até 50 dias.
ARTIGO 425.º
(Peculado de uso)
1 - O funcionário que fizer uso ou permitir a outrem que faça uso, para fins alheios àqueles a que se destinam, de veículos ou de outras coisas móveis de valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções, será punido com prisão até 1 ano ou multa de 10 a 30 dias.2 - Se o funcionário der a dinheiro público um destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado, será punido com prisão até 1 ano ou multa de 10 a 30 dias.
ARTIGO 426.º
(Peculato por erro de outrem)
O funcionário que, no exercício das suas funções, aproveitando-se do erro de outrem, receber, para si ou para terceiro, taxas, emolumentos ou outras importâncias, não devidas ou superiores às devidas, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
ARTIGO 427.º
(Participação económica em negócio)
1 - O funcionário que, com intenção de obter para si ou para terceito, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, será punido com prisão até 4 anos e multa de 30 a 90 dias.
2 - O funcionário que, por qualquer forma, receber vantagem patrimonial por efeito de um acto jurídico-civil, relativo a interesses de que ele tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, será punido com multa de 30 a 120 dias.
3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, por qualquer forma, vantagem económica por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento de que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que se não verifique prejuízo económico para a Fazenda Pública ou para os interesses que assim efectiva.
SECÇÃO III
Do abuso de autoridade
ARTIGO 428.º
(Introdução em casa alheia)
1 - O funcionário que, abusando dos poderes inerentes às suas funções, praticar o crime de introdução em casa alheia, será punido com prisão de 3 meses a 2 anos.2 - Se o abuso consistir na não observância das formalidades legais, a pena será a de prisão até 1 ano ou multa de 10 a 30 dias.
ARTIGO 429.º
(Imposição ilegal de contribuições ou impostos)
O funcionário que, sem autorização legal, impuser, fixar ou receber, com destino ao Tesouro Público, por si ou por outrem, contribuições, impostos ou importâncias de contribuições ou impostos superiores às que forem devidas, será punido com multa de 10 a 90 dias.
ARTIGO 430.º
(Emprego de força pública contra a execução da lei ou ordem legal)
O funcionário que, sendo competente para requisitar ou ordenar o emprego de força pública, requisitar ou ordenar este emprego para impedir a execução de alguma lei, ou de mandato regular da justiça ou de ordem legal de alguma autoridade pública, será punido com prisão até 2 anos e multa de 10 a 30 dias.
ARTIGO 431.º
(Recusa de cooperação)
O funcionário que, tendo recebido requisição legal da autoridade competente para prestar a devida cooperação para a administração da justiça ou qualquer serviço público, se recusar a prestá-la, ou sem motivo legítimo a não prestar, será punido com prisão de 2 meses a 1 ano.
ARTIGO 432.º
(Abuso de poderes)
O funcionário que abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou causar um prejuízo a outrem, será punido com prisão de 3 meses a 3 anos ou multa de 10 a 90 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
SECÇÃO IV
Da violação de segredo
ARTIGO 433.º
(Violação de segredo por funcionário)
1 - O funcionário que, sem estar devidamente autorizado, revelar um segredo de que teve conhecimento ou que lhe foi confiado no exercício das suas funções com a intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo do interesse público ou de terceiros, será punido com prisão até 2 anos ou multa de 50 a 150 dias.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa da entidade que superintenda no respectivo serviço ou do ofendido.
ARTIGO 434.º
(Violação do segredo de correspondência ou de telecomunicações)
1 - O funcionário dos serviços dos Correios, Telégrafos e Telefones ou de telecomunicações que:
a) Suprimir ou subtrair carta, encomenda, telegrama ou outra comunicação confiada àqueles serviços e que lhe é acessível em razão das suas funções;
b) Abrir carta, encomenda ou outra comunicação que lhe é acessível em razão das suas funções, ou, sem a abrir, tomar conhecimento do seu conteúdo;
c) Revelar a terceiros comunicações entre determinadas pessoas, feitas pelo correio, telégrafo, telefone ou outros meios de telecomunicações daqueles serviços, de que teve conhecimento em razão das suas funções;
d) Gravar ou revelar a terceiro o conteúdo, total ou parcial, das comunicações referidas, ou tornar-lhe possível ouvi-las ou tomar delas conhecimento;
e) Permitir ou promover os factos referidos nas alíneas anteriores;
será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.
2 - A prisão poderá, porém, elevar-se até 4 anos, tratando-se de telecomunicações, quando o agente actuar com a intenção de conseguir, para si ou para terceiro, um benefício material ou causar prejuízo a outrem.
ARTIGO 435.º
(Punição do ex-funcionário)
A violação do segredo prevista nesta secção será punida, mesmo quando praticada depois de um funcionário ter deixado de exercer as suas funções.
SECÇÃO V
Do abandono de funções
ARTIGO 436.º
(Abandono de funções)
O funcionário que, com a intenção de impedir ou de interromper um serviço público, abandonar as suas funções ou negligenciar o seu cumprimento, será punido com prisão até 6 meses ou multa de 20 a 30 dias.
SECÇÃO VI
Disposições gerais
ARTIGO 437.º
(Conceito de funcionário)
1 - Para efeitos da lei penal, a expressão funcionário abrange:a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo;
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tenha sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções em organismos de utilidade pública ou nelas participe.
2 - A equiparação a funcionário, para efeitos da lei penal, de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas, será regulada por lei especial.
O Ministro da Justiça, José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.