Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2015
Processo 990/10.5T2OBR.C3-A.S1
MDP - Comércio de Automóveis e Peças, Lda., veio, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Novembro de 2013, proferido no Recurso Penal registado sob o n.º 990/10.5T2OBR.C3, da 5.ª Secção, emergente do recurso de impugnação da decisão da Inspecção Geral do Ambiente, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga, complementado por acórdão de indeferimento de aclaração de 19 de Março de 2014, cuja certidão se encontra de fls. 37 a 43 e a fls. 44 e verso.
Invocou então oposição entre a solução deste acórdão e a preconizada pelo acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, datado igualmente de 27 de Novembro de 2013, proferido no Recurso Penal n.º 2198/12.6TBVIS.C1, da mesma 5.ª Secção, emergente de recurso de impugnação de decisão administrativa proferida pelo Inspector-Geral da Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território, que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu (certidão de fls. 2 a 9 - fax - e de novo de fls. 18 a 25), sobre situação alegadamente similar, o que expôs ao longo da motivação, nos termos e com os fundamentos seguintes:
"A questão que ora se submete a apreciação do Pleno das Secções Criminais desse Colendo Tribunal é a de saber da admissibilidade da aplicação do instituto da atenuação especial da coima no domínio da Lei 50/2006 de 29 de Agosto.
É que, pelo menos que se conheça, existem já as duas decisões supra referenciadas oriundas da mesma Secção do mesmo Tribunal da Relação, cujos sumários rezam o seguinte:
ACÓRDÃO FUNDAMENTO: proc.º n.º 2198/12.6TBVIS.C1
É subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no artigo 72.º do CP, ex vi dos artºs 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.º do RGCO.
ACÓRDÃO RECORRIDO: proc.º n.º 990/10.5T2OBR.C3:
No que concerne à pretendida atenuação especial da pena, só podemos acompanhar o que diz a decisão recorrida: «Dispõe a referida norma (artigo 18.º, n.º 3, do RGCOC) que "Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade". Compulsado o RGCOC verifica-se que a lei prevê a atenuação especial da coima nos casos de erro sobre a ilicitude (artigo 9on.º 2) tentativa (artigo 13.º, n.º 2) e cumplicidade (artigo 16.º, n.º 3).
Ora, no caso concreto, não está em causa nenhuma dessas situações, pelo que não pode haver lugar à atenuação especial da coima».
Ambas as decisões, no domínio da mesma questão de facto e de direito, estão em manifesta oposição.
Na verdade, enquanto no Aresto fundamento a mesma Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, pela mão da Exma. Senhora Drª. Juiz Desembargadora Relatora entende aplicar, sem qualquer restrição, às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no art. 72º do C.P., ex vi dos arts. 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.º do RGCO, no Aresto recorrido, pela mão do Exmº. Senhor Drº. Juiz Desembargador Relator Paulo Valério, entende não aplicar e, a aplicar, estriba-se no disposto no Artº. 18º do RGCOC, que não nas aludidas normas convocadas no Acórdão Fundamento.
De tal entendimento, apresentou a recorrente aos autos um requerimento, dado a questão não admitir recurso ordinário, onde pugnou pela existência de um lapso na determinação da norma, contudo, entendeu o Tribunal tal não se verificar e, concluindo pela extinção do seu poder jurisdicional, indeferiu ao requerido, de entre o mais, até, por a recorrente não ter invocado a pretendida norma no recurso.
Ora, a recorrente na sua motivação de recurso expôs de forma clara a alegação e os fundamentos factuais tendentes à aplicação do instituto ora em análise, apenas, não alegou expressamente a norma ou normas que o permitem. Mas, o direito carece de ser invocado.
Com efeito, a nosso ver e, salvo o devido respeito, inexistirão dúvidas que a jurisprudência expressa no Aresto fundamento é a única que encontra correspondência com a letra da lei, no sentido de às contra-ordenações ambientais ser de aplicar, sem quaisquer condicionantes, o instituto de atenuação especial previsto no artigo 72.º do CP, ex vi dos arts. 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.º do RGCO.
EM CONCLUSÃO:
É de aplicar às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no Artigo 72.º do CP, ex vi dos Artºs 2º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e 32º do RGCO".
Defende que deverá ser fixada jurisprudência no sentido apontado pelo acórdão fundamento, por ser esse o entendimento correcto e legal do artigo 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto.
Por acórdão de fls. 56 a 70, foi decidido verificarem-se os pressupostos de admissibilidade do presente recurso extraordinário, nomeadamente, a oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, e ordenado o seu prosseguimento.
Alegaram, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a sociedade acoimada recorrente e o Ministério Público.
A recorrente nas alegações apresentadas de fls. 83 a 85, após concisa abordagem da questão a decidir, formulou quanto ao sentido da jurisprudência a fixar o seguinte:
"Deverá, por este Alto Tribunal, ser fixada jurisprudência no sentido apontado pelo douto Acórdão Fundamento, por ser esse o entendimento correcto e cristalino do Artº. 2.º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto segundo a qual É subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no artigo 72.º do CP, ex vi dos arts. 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.º do RGCO e, consequentemente, ser revista a decisão sob censura nos termos do n.º 2 do Artigo 445.º do CPP".
Por seu turno, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, nas alegações apresentadas, de fls. 88 a 97, responde afirmativamente à questão da aplicabilidade do instituto da atenuação especial, acolhido no artigo 72.º do Código Penal, quando está em causa a imposição de uma coima decorrente de contra-ordenação ambiental, concluindo nos termos seguintes:
1 - O instituto da atenuação especial da pena, acolhido no artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, radica-se no reconhecimento de que as situações reais da vida, pela sua variedade e especificidade, podem não ser em toda a sua individualidade totalmente previsíveis, pelo que as exigências de justiça e de adequação/necessidade impõem a existência no sistema de «válvulas de segurança», a possibilitar assim que os limites da sanção a aplicar sejam substituídos por uma moldura menos gravosa, por forma a que a medida judicial da pena possa corresponder à medida da culpa e às exigência de prevenção.
2 - Nenhum dos factores constantes das diversas alíneas do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, ou qualquer outro equivalente, tem a virtualidade de atenuar especialmente a coima, mas apenas de poder desencadear o efeito da acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da sanção. Só pois em casos excepcionais - em que a imagem global do facto assume uma gravidade particularmente diminuta - é que será razoável admitir que não terá sido para a ela dar resposta que a lei estatuiu a moldura legal da coima.
3 - Para além de a lei prever expressamente, seja na Parte Geral, seja na Parte Especial do Código Penal, atenuações especiais da pena (ope legis e ope judicis) - em que a imagem global do facto logo surge como especialmente atenuada, ou tem possibilidade de como tal vir a julgar-se, a qual, por opção de técnica legislativa, não foi levada em conta quando se estabeleceu a respectiva moldura legal prevista para um certo tipo de crime - o Código Penal acolheu pois ainda uma cláusula geral de atenuação especial, para funcionar como particular válvula de segurança.
4 - Diversamente no direito contra-ordenacional, pois que embora no Regime Geral das Contra-Ordenações se estabeleçam limites da moldura abstracta da coima em caso de atenuação especial, e no mesmo diploma se prevejam expressamente, tal como ocorre também na Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, situações de atenuação especial (ope legis e ope judicis), ambos os diplomas não acolhem expressamente uma cláusula correspondente à constante do artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal.
5 - Relativamente ao estabelecimento do regime substantivo das contra-ordenações, o artigo 32.º do RGCO considera o Direito Penal subsidiariamente aplicável, mas o recurso às suas normas só é legítimo desde que não se coloquem em causa os princípios estruturantes do regime geral das contra-ordenações.
6 - Não divisamos como o recurso às normas do artigo 72.º do Código Penal possa implicar uma contradição normativa com as soluções que se mostram plasmadas no RGCO em matéria de determinação da pena.
E é também este o entendimento da doutrina e da jurisprudência.
7 - Tão pouco o instituto da atenuação especial acolhido no artigo 72.º do Código Penal se revela como instrumento inadequado à realidade a que a Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais pretende dar resposta eficaz e justa.
8 - O notório progressivo agravamento das coimas aconselha mesmo a possibilidade de recurso a uma cláusula geral de determinação da sanção, tal como a acolhida no artigo 72.º do Código Penal, verdadeira válvula de segurança a permitir a valoração de factores de atenuação especial que possam revelar uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da coima.
9 - A existência de previsão de situações de atenuação especial, sem o acolhimento expresso de norma correspondente à do aludido artigo 72.º, n.º 1, não pode implicar, só por si, o afastamento da aplicação subsidiária desta norma do Código Penal, uma vez que também no Direito das Contra-Ordenações a finalidade de uma medida sancionatória justa em função do limite da culpa e das exigências de prevenção exige necessariamente que, para além das situações de atenuação especial previstas especificamente, sejam considerados outros «pedaços de vida» que, embora não preenchendo aquelas especiais previsões, justifiquem a atenuação especial da medida da coima, considerando que «a acentuada diminuição da culpa e das exigências de prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena».
10 - E a importância da existência de uma especial válvula de segurança em vista de uma decisão justa é tão relevante que, como é sabido, a justiça do caso concreto poderá obrigar mesmo à concorrência de atenuações especiais, em virtude da existência cumulativa de atenuações especiais expressamente previstas na lei, de funcionamento ope legis ou ope judicis, e da verificação da atenuação especial acolhida no referido artigo 72.º, desde que os factores de atenuação especial para que este aponta não impliquem a conclusão de que se está afinal perante a mesma circunstância justificadora da atenuação especial expressamente prevista.
11 - Do mesmo modo, embora a Lei 50/2006, de 29/08, tenha previsto expressamente situações de atenuação especial da coima, em caso de erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade, daí não decorre que ao fazê-lo tenha pretendido afastar a aplicação subsidiária do artigo 72.º do Código Penal.
Se sim nas especificações porque não no âmbito geral?
12 - As especificidades das contra-ordenações ambientais deverão repercutir-se ao nível da previsão e respectivas molduras sancionatórias, mas não no afastamento (aliás não estatuído) de normas subsidiárias que consubstanciam uma válvula de segurança do sistema visando a possibilidade de decisão justa em função das respectivas finalidades.
13 - Do facto de, quer o Regime Geral das Contra-Ordenações, quer a Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, preverem expressamente atenuações especiais da coima, sem que concomitantemente tenham previsto norma equiparável à do artigo 72.º do Código Penal, não se pode retirar argumento válido no sentido de se pretender o afastamento da sua aplicação, pois que são diversos os planos normativos - de um lado estamos perante normas que prevêem expressamente uma atenuação especial, do outro lado temos uma atenuação especial não expressamente prevista na lei, consubstanciadora de uma particular válvula de segurança do sistema.
14 - Acresce que, tendo presentes a norma do artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, que remete, nos termos acima referidos, para o Código Penal, e a norma do artigo 2.º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, que envia, nos termos também já assinalados, para o RGCO, sempre se mostraria desnecessária naqueles diplomas uma remissão expressa para o referido artigo 72.º, ou uma previsão de norma a esta equivalente.
15 - Diversamente, se tivesse havido intenção de afastar a aludida válvula de segurança. Então sim, impunha-se que dos referidos diplomas expressamente constasse a sua não aplicação.
Dando cumprimento ao que dispõe a norma do artigo 442.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, entendemos dever fixar-se jurisprudência no sentido da possibilidade de aplicação do instituto da atenuação especial da pena, acolhido na norma do artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, quando da determinação da moldura legal de coima decorrente da prática de contra-ordenação ambiental.
Colhidos os vistos, foi realizado o julgamento em conferência pelo Pleno das Secções Criminais, nos termos do artigo 443.º do Código de Processo Penal, cumprindo agora decidir.
Fundamentação.
Reapreciando os pressupostos de oposição.
A recorrente funda o presente recurso na oposição entre o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Novembro de 2013, complementado pelo acórdão de 19 de Março de 2014 e um acórdão da mesma 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, datado do mesmo dia 27 de Novembro de 2013, indicado como fundamento, proferidos ambos no domínio da mesma legislação reguladora das contra-ordenações ambientais, mais especificamente do instituto da atenuação especial de coima aplicada em procedimento por contra-ordenação ambiental.
Da oposição de julgados.
Certo sendo que a decisão tomada na Secção Criminal sobre a oposição de julgados não vincula o Pleno, que tem competência para reapreciar a verificação dos pressupostos processuais do recurso, há que proceder a esse reexame.
A questão a abordar é a de saber se se verifica efectivamente a invocada oposição entre os dois citados acórdãos da Relação de Coimbra.
A questão central em debate num e noutro dos processos em confronto gira em torno da questão de saber se, no âmbito de contra-ordenação ambiental, é possível a atenuação especial de coima por aplicação do artigo 72.º do Código Penal, por força do artigo 2.º da Lei 50/2006, de 26 de Agosto e artigo 32.º do RGCO.
Vejamos o que estava em causa em cada um dos acórdãos em confronto, o modo como foi abordada a questão colocada e as soluções encontradas.
Começando pela análise do que aconteceu no caso versado no processo de contra-ordenação ambiental onde foi proferido o acórdão recorrido - processo 990/10.5T2OBR.
Por decisão administrativa proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente, a arguida ora recorrente por factos praticados em 10 de Setembro de 2008, foi condenada pela prática de:
- uma contra-ordenação pela falta de licenciamento para as operações de tratamento de VFV, cometendo a infracção p. e p. pelos artigos 20.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei 196/2003, de 8-08, alterado pelo Decreto-Lei 64/2008, de 08-04, na coima de (euro) 38.500,00;
- uma contra-ordenação pelo incumprimento do dever de separar os resíduos na origem de modo a promover a sua valorização por fluxos e fileiras, cometendo a infracção p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 3 e 67, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 178/2006, de 5-09, na coima de (euro) 1.250,00.
- Em concurso, na coima única de (euro) 39.250,00.
Interposto recurso de impugnação, realizado o julgamento no Juízo de instância criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga, foi proferida decisão a julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão administrativa.
Na 1.ª instância foram dados por provados os factos seguintes:
1 - No dia 10 de Setembro de 2008, pelas 10 horas, o Serviço de Protecção à Natureza e Ambiente da Guarda Nacional Republicana efectuou uma acção de fiscalização a um depósito de sucata sito na EN 235, n.º 99, Silveiro, Oiã, Oliveira do Bairro, propriedade da sociedade MDP - Comércio de Automóveis e Peças, Lda.
2 - À data da fiscalização a arguida dedicava-se à actividade de operações de gestão de VFV e tinha as suas instalações abertas ao público.
3 - Nessa data, funcionários da MDP, Lda. procediam ao desmantelamento de VFV.
4 - Em parte da área de implementação da empresa, nomeadamente no parqueamento, encontravam-se VFV para serem desmantelados e diversos resíduos (tais como material ferroso, plásticos, filtros, bancos de automóveis, pára-choques), sem qualquer tipo de separação.
5 - Tais resíduos tinham sido deslocados para ali da empresa sedeada em S. Bernardo, Aveiro, para serem desmantelados.
6 - A arguida não tinha qualquer licenciamento para as operações de gestão de VFV que levava a cabo.
7 - A arguida declarou em sede de IRC, no ano de exercício de 2007, um lucro tributável de (euro) 10.221,16.
8 - Ao proceder a operações de desmantelamento de VFV sem licenciamento da entidade competente a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
9 - Ao não proceder à separação na origem de todos os resíduos, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz.
10 - A equipa de protecção do Ambiente deslocou-se novamente às instalações da arguida, tendo constatado que a mesma já procedia à separação de resíduos, sendo titular de licença.
11 - A arguida tinha as suas instalações em São Bernardo, Aveiro.
12 - Em 11 de Agosto de 2008 a arguida solicitou à CCRCentro o licenciamento de gestão de resíduos, licenciamento que foi concedido em 14 de Julho de 2009.
O acórdão recorrido, face à pretensão de atenuação especial das coimas impostas à recorrente, afirmou:
«No que concerne à pretendida atenuação especial da pena, só podemos acompanhar o que diz a decisão recorrida: «Dispõe a referida norma (artigo 18.º, n.º 3, do RGCOC) que "Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade". Compulsado o RGCOC verifica-se que a lei prevê a atenuação especial da coima nos casos de erro sobre a ilicitude (artigo 9.º, n.º 2) tentativa (artigo 13.º, n.º 2) e cumplicidade (artigo 16.º, n.º 3).
Ora, no caso concreto, não está em causa nenhuma dessas situações, pelo que não pode haver lugar à atenuação especial da coima».
O acórdão recorrido nada adiantou à argumentação da primeira instância.
E ao indeferir a reclamação da recorrente que entendeu haver erro na determinação da norma aplicável, no acórdão de 19 de Março de 2014, após repetir o texto da decisão recorrida supra transcrita, adiantou:
"Se de facto há outra norma aplicável, ela não foi invocada no recurso, e, ao não ser aplicada, poderá ter havido erro de julgamento, e não lapso", concluindo não poder conhecer de tal questão por extinção do poder jurisdicional.
Vejamos agora o que aconteceu no caso versado no processo de contra-ordenação ambiental onde foi proferido o acórdão fundamento - processo 2198/12.6TBVIS.
Por decisão administrativa proferida pelo Inspector-Geral da Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a arguida por factos praticados em 18 de Outubro de 2008, foi condenada pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelo artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 46/2008, de 12 de Março e artigo 22.º, 4, a) da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações da Lei 89/2009, de 31 de Agosto, no pagamento de uma coima de (euro) 20.000,00.
Interposto recurso de impugnação, realizado o julgamento no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, foi proferida sentença em 14 de Junho de 2013, julgando improcedente o recurso, mantendo a decisão administrativa.
Na decisão administrativa foram dados por provados os factos seguintes:
1 - No dia 18 de Outubro de 2008, pelas 15h30 m, na localidade de Côja, Aguiar da Beira, B...descarregou de uma carrinha x, para o solo, resíduos de construção e demolição, nomeadamente composto por cimento e tijolo
2 - O indivíduo acima identificado é filho da arguida e seu trabalhador, tendo actuado por ordem e com o conhecimento daquela, encontrando-se no período de exercício de funções.
3 - Os objectos descarregados eram oriundos da reparação de um edifício em Aguiar da Beira, trabalho esse desenvolvido pela recorrente.
4 - O local da descarga não estava licenciado nem autorizado para o efeito.
5 - Ao atuar nos termos mencionados, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
6 - Não tendo chegado a representar que com a sua conduta estava a causar impacto no meio ambiental.
7 - Mais sabendo quem esta sua actividade é proibida e punida por lei penal.
8 - A arguida declarou em sede de IRS, relativamente ao exercício de 2009, um prejuízo fiscal de (euro) 3 531,51.
Do recurso de impugnação
9 - Desconhece-se que a arguida tenha sido condenada pelo cometimento de crimes ou outras infracções de natureza ambiental ou outra.
10 - A arguida não retirou benefício económico com a sua conduta, já que logo que foi informada da infracção removeu imediatamente os resíduos em causa, depositando-os em local apropriado.
11 - O imóvel em causa é terra de pinhal e mato, sem qualquer aproveitamento económico.
12 - Com a sua actuação, a arguida visava nivelar o terreno, para permitir a sua limpeza, melhor acesso a outros terrenos vizinhos, contribuindo para a prevenção de incêndios.
O acórdão fundamento entendeu ser de aplicar a atenuação especial nos termos do disposto no artigo 72.º do Código Penal ao regime contra-ordenacional ambiental e versando o caso concreto revogou parcialmente a sentença recorrida, decidindo em substituição aplicar à recorrente a coima mínima, especialmente atenuada, de (euro) 10.000,00.
Em ambos os casos em causa estava a prática de contra-ordenação ambiental.
No caso do acórdão recorrido, no recurso interposto de decisão proferida em reenvio antes determinado, a arguida fundamentou o recurso em nulidade da sentença por alteração substancial da acusação, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, inexistência de dolo ou negligência, pedindo a substituição das coimas aplicadas por pena de admoestação e em via subsidiária, a atenuação especial das coimas impostas, sem indicação de qualquer norma que apoiasse esta última pretensão.
Como expõe a recorrente, eram as seguintes as conclusões por si apresentadas para o Tribunal da Relação:
"É manifesta a enorme desproporção entre o valor das coimas aplicadas (ainda que pelos limites mínimos) e a infracção cometida, pois que a arguida, confrontada com as contra-ordenações que lhe eram imputadas, informou e provou nos autos que se encontrava em processo de licenciamento, que foi deferido, sendo, desse modo, sua preocupação exercer a sua actividade em obediência os cânones legais, pois que, além do mais, não tem capacidade económica para se sujeitar ao pagamento de coimas tão elevadas, encontrando-se ciente dos deveres e cuidados que lhe são exigidos;
A censura que lhe foi feita com a aplicação da coima única de (euro) 39.250,00 é totalmente desproporcionada, submetendo-se ao Colendo Tribunal a possibilidade de revogação da decisão recorrida na parte relativa às sanções aplicadas, afigurando-se-nos que com a aplicação de uma admoestação ficam perfeitamente acauteladas as necessidades de prevenção, não sendo necessário, para o efeito, lançar-se mão da aplicação da coima em que foi sancionada ou, assim não se entendendo, a atenuação especial das coimas impostas, apelando a V. Exas. que atentem na difícil situação económica da vida empresarial da arguida/recorrente, o que se evidencia do ponto 7. dos factos provados constantes da decisão recorrida;
Quando, assim se não entenda, atentos esses mesmos factos, sempre se mostram verificados os requisitos para que a coima possa ser especialmente atenuada, nos termos do Artº 72º do Código Penal e Artigos 32º e 18º n.º 3 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas e, desse modo, serem reduzidos os limites mínimo e máximo para metade;
Na verdade, como resulta dos autos, atento o carácter negligente inconsciente e mesmo o facto de se encontrar pendente o licenciamento, que veio a ser concedido, não deverá a coima, em concreto, ultrapassar metade do seu limite mínimo, encontram-se provados factos que demonstram, exatamente, a preocupação da recorrente em buscar o seu licenciamento".
No caso do acórdão fundamento, a arguida fundamentou o recurso exclusivamente na atenuação especial, invocando o artigo 2.º da Lei 50/2006, os artigos 18.º e 32.º do RGCO e o artigo 72.º do Código Penal
Esta diversa forma de colocar perante o tribunal de recurso exactamente o mesmo problema, demanda a aplicação do mesmo quadro normativo, entendido na sua globalidade e não de modo sectorial, pelo que é de afirmar a identidade da questão de direito.
Assim temos que:
No processo de contra-ordenação onde foi proferido o acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a decisão de primeira instância, entendendo não haver lugar a atenuação especial da coima.
No processo de contra-ordenação onde foi proferido o acórdão fundamento, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu ser aplicável o disposto no artigo 72.º do Código Penal, e concedendo provimento ao recurso, revogou parcialmente a sentença recorrida, aplicando coima especialmente atenuada.
O quadro normativo em consideração em ambas as decisões da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, ora em confronto, é exactamente o mesmo, estando em causa a aplicação ou não do instituto de atenuação especial da coima aplicada por prática de contra-ordenação ambiental.
O regime aplicável às contra-ordenações ambientais encontra-se estabelecido na Lei 50/2006, de 29 de Agosto, que pelo artigo 76.º salvaguardou o disposto no regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional (Decreto-Lei 235/2000, de 26-09).
A Lei foi alterada e republicada pela Lei 89/2009, de 31 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 168, de 31-08-2009, rectificada pela Declaração de Rectificação 70/2009, Diário da República, 1.ª série, n.º 191, de 1 de Outubro de 2009, que republicou a Lei 50/2006), a qual modificou a redacção dos artigos 2.º, 8.º, 11.º, 22.º, 25.º, 30.º, 31.º, 44.º, 49.º, 54.º, 63.º, 67.º e 73.º e aditou os artigos 49.º-A (redução da coima) e 52.º-A (preclusão da impugnação), revogou o artigo 72.º e republicou em anexo a Lei 50/2006, omitindo a menção de revogação do artigo 72.º e errando na numeração dos artigos subsequentes (73.º a 77.º e não 72.º a 76.º), o que determinou a necessidade de rectificação de toda a Parte V da Lei 50/2006.
Estabelece o artigo 2.º (Regime):
1 - As contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.
De ter em conta ainda o disposto no artigo 18.º, n.º 3 e 32.º, do RGCO e o artigo 72.º do Código Penal.
O acórdão fundamento ousou ir mais além, teve em atenção, num registo de maior abertura, a aplicabilidade de um regime atenuativo mais amplo (quiçá, determinado pela singular especificidade - passe o pleonasmo - do concreto caso então em reapreciação), com a consideração da cláusula geral do artigo 72.º do Código Penal, enquanto o acórdão recorrido, reproduzindo a linha argumentativa da primeira decisão judicial, sem ousar dar um passo, mínimo que fosse, em frente, cingiu-se à convocação dos casos especiais de atenuação previstos no RGCO, e que, por acaso, ou talvez não, mais não são do que especificações dos casos previstos para o erro sobre a ilicitude, a tentativa e cumplicidade no âmbito criminal, respectivamente, previstos nos artigos 17.º, 23.º, n.º 2 e 27.º, do Código Penal.
O acórdão recorrido ficou-se pelo texto da decisão recorrida, considerando não ser de aplicar o regime geral do artigo 72.º do Código Penal.
Como se referiu no acórdão interlocutório, o acórdão recorrido pareceu desconhecer a existência de outra norma aplicável (para além do artigo 18.º do RGCO), desde logo a cláusula geral do falado artigo 72.º do Código Penal e as disposições próprias e específicas presentes na Lei 50/2006, correspondentes aos mencionados artigos 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 2 e 16.º, n.º 3 da Lei Quadro e que são os artigos 10.º (punibilidade da tentativa), 12.º, n.º 2 (erro sobre a ilicitude) e 16.º, n.º 2 (cumplicidade), intocados na alteração de 2009.
Anotar-se-á que no artigo 10.º não se refere expressamente a atenuação especial, diversamente do que ocorre com o n.º 2 do artigo 13.º da Lei Quadro (refere que os limites mínimos e máximos da respectiva coima são reduzidos a metade), mas é essa exactamente a medida de redução prevista para os casos em que houver lugar à atenuação especial da punição, como expressa o n.º 3 do artigo 18.º do RGCO.
Conclui-se assim estarmos perante soluções antagónicas relativas à mesma questão de direito.
No caso do processo da Comarca do Baixo Vouga, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso da arguida que, para além do mais, pedia atenuação especial das coimas.
No caso do processo do 2.º Juízo de Viseu, o Tribunal da Relação de Coimbra, na mesma Secção 5.ª, concedeu provimento ao recurso e atenuou especialmente a coima aplicada à arguida.
Concluindo.
Do confronto dos dois acórdãos em oposição, pode concluir-se que é patente que em ambos foram abordadas, não obstante a diversidade das contra-ordenações ambientais em equação, situações em matéria substantiva com contornos semelhantes, estando em equação a possibilidade de lançar mão da atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal.
De igual modo claro é que as soluções preconizadas no que ao específico ponto concreto importa são absolutamente antagónicas.
Cumpre decidir.
Mais uma vez o Supremo Tribunal de Justiça é convocado a fixar jurisprudência em sede de matéria contra-ordenacional.
Sobre o disposto no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 356/89, de 17-10, pronunciou-se o Assento 2/94, de 10 de Março de 1994, proferido no processo 45325, publicado no Diário da República I-A, de 07-05-1994 e no BMJ n.º 435, pág. 49, que fixou a seguinte jurisprudência:
"Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro".
Seguiram-se:
Acórdão 9/96, de 24 de Outubro de 1996, processo 48105, publicado no Diário da República I-A, n.º 267/96 de 18-11-1996, que fixou a seguinte jurisprudência: A alínea gg) do artigo 1.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, contempla, na sua parte final, as contra-ordenações previstas no n.º 1 do artigo 82.º do Decreto Regulamentar 43/87, de 17 de Julho, na redacção do Decreto Regulamentar 28/90, de 11 de Setembro, quando tais contra-ordenações forem da responsabilidade de pessoa singular.
Acórdão 1/2001, de 8 de Março de 2001, processo 3291/2000, da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série A, n.º 93, de 20-04-2001, estando em equação a aplicação do artigo 150.º do CPC e a doutrina do Assento 2/2000 em processo contra-ordenacional - vale como data da apresentação da impugnação judicial, a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima.
Acórdão 6/2001, de 8 de Março de 2001, processo 1205/98, da 3.ª Secção, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 76, de 30-03-2001: «A regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal é aplicável subsidiariamente ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional».
Acórdão 2/2002, de 17 de Junho de 2002, processo 378/99 da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 54, de 5-03-2002 «O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, de 27-10, na redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14-09.
Acórdão 1/2003, de 16 de Outubro de 2002, processo 467/2002, da 5.ª Secção, Diário da República, I-A Série, n.º 21, de 25-01-2003, sobre notificação pessoal do arguido no caso de audiência escrita do arguido em cumprimento do artigo 50.º do RGCO.
Acórdão 5/2004, de 2 de Junho de 2004, processo 4208/2003, da 3.ª Secção, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 144, de 21-06-2004 «A extinção, por fusão, de uma sociedade comercial, com os efeitos do artigo 112.º, alíneas a) e b), do Código das Sociedades Comerciais, não extingue o procedimento por contra-ordenação praticada anteriormente à fusão, nem a coima que lhe tenha sido aplicada».
Acórdão 11/2005, de 3 de Novembro de 2005, processo 4299/04, da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 241, de 19-12-2005 «Sucedendo-se no tempo leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes».
Acórdão 1/2009, de 4 de Dezembro de 2008, processo 1954/08, da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 11, de 16-01-2009 «Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição do recurso para a Relação quer o da apresentação da respectiva resposta, no termos dos artigos 74.º, n.º 1 e 4 e 41.º do RGCO».
Acórdão 2/2009, de 14 de Janeiro de 2009, processo 605/07, da 3.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13-02-2009 «Os factos previstos pelo artigo 7.º do Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro, apenas são puníveis quando praticados com dolo».
Acórdão 4/2011, de 13 de Janeiro de 2011, processo 401/07.3TBSR-A.C1.S1, da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 30, de 11-02-2011, sobre o modo de contagem - início e termo final - da suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.
Acórdão 5/2013, de 17 de Janeiro de 2013, processo 165/10.3TTFAR.E1-A.S1, da 3.ª Secção Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15-02-2013, relativo a contra-ordenação laboral, sendo o processo instaurado em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14-09, sobre a contagem do prazo de impugnação judicial da decisão de autoridade administrativa.
Acórdão 2/2014, de 6 de Março de 2014, processo 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1, da 3.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 14-04-2014 «Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do artigo 8.º, n.os 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais».
Acórdão 9/2014, de 14 de Maio de 2014, processo 86/12.5YQSRR.E1.S1 da 5.ª Secção, Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 17 de Junho - Em causa estava a prática de contra-ordenação prevista no artigo 3.º, n.º 1 e punida nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 370/93, na redacção do Decreto-Lei 140/98, de 16 de Maio, e a questão de saber se, para efeitos de determinação do preço de compra efectivo, pode ser deduzido um desconto de "rappel", cujo primeiro escalão se inicia em "1 (euro)".
Apreciando.
Antes de avançarmos, passar-se-ão em revista os contributos doutrinários, a evolução legislativa verificada na transição de paradigma, do plano do esquema clássico contravencional e a respectiva convolação para o ilícito de mera ordenação social e a evolução do regime do ilícito contra-ordenacional
O Direito contra-ordenacional na Doutrina
Como dá conta o Professor Beleza dos Santos, Ilícito penal administrativo e ilícito criminal, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 5, 1945, n.os 1 e 2, págs. 39 a 59, foi James Goldschmidt o primeiro escritor que, baseando-se numa larga investigação histórica, contrapôs o ilícito penal administrativo, de carácter essencialmente administrativo, ao outro ilícito criminal e, paralelamente, o direito administrativo penal (Verwaltungsstrafrecht) ao direito penal judicial (Justizstrafrecht), considerando o primeiro como um ramo do direito administrativo e independente do segundo.
Esta orientação foi desenvolvida por Eri Wolf, que aprofundou os seus fundamentos, procurando demonstrar que a diferença dos dois ilícitos não é uma distinção lógico-formal de conceitos ou simples empírica distinção de fins, mas de sentido e de valores.
Ao passo que o direito penal protege bens jurídicos, que traduzem valores de justiça, dizia Wolf, o direito administrativo penal defende bens administrativos, em que se realizam valores do bem geral.
Entre as sanções há uma diferença de intensidade. Como o ilícito criminal comum implica a ofensa de bens culturais ou de civilização juridicamente protegidos e o ilícito administrativo penal constitui apenas a falta de cumprimento de deveres para com a administração e, portanto, dos interesses por esta declarados, aquele é em regra mais grave e traduz abertamente uma intenção anti-social de uma intensidade que a violação de um preceito de direito público administrativo não tem.
No ilícito administrativo penal Goldshmidt abrangia as infracções fiscais, as infracções de polícia e as transgressões das regras administrativas postais.
Segundo Goldshmidt, o facto de o direito onde se prevêem e punem estas infracções deixar de ser considerado penal ou criminal e passar a integrar-se no direito administrativo, longe de violentar o consenso geral ou ofender as garantias individuais, está de acordo com o primeiro e assegura melhor as segundas. E isto porque repugna ao senso comum e ofende a dignidade individual que se aproxime um crime grave, como um homicídio ou um roubo, de uma simples transgressão, como o facto de, contra os regulamentos policiais, não se ter devidamente limpa a chaminé.
Esta mistura de factos ilícitos de sentido e valores tão diferentes, no mesmo código, em normas do mesmo direito com sanções e pressupostos da mesma estrutura, em tribunais da mesma espécie, através de formas processuais substancialmente idênticas e em sentenças da mesma natureza, além daqueles inconvenientes tem ainda o de implicar uma reprovação penal desproporcionada para as simples transgressões e o de determinar um enfraquecimento da reprovação jurídica dos crimes graves, com seu reflexo nocivo do enfraquecimento da reprovação social, visto que esses crimes se aproximam legalmente de infracções de muito menor gravidade.
Beleza dos Santos critica esta construção doutrinal, defendendo que o ilícito administrativo não tem uma estrutura que exija um regime jurídico-penal inteiramente distinto e de feição administrativa predominante, com penas substancialmente diferentes das outras e pressupostos também específicos.
Defendia que as penas a aplicar pela falta de colaboração que os cidadãos prestem à acção administrativa para o bem estar e progresso geral têm e devem ter os mesmos fins das outras sanções penais: reprovar o facto ilícito, prevenir a sua prática pelos outros cidadãos e evitar a repetição desse e de outros pelo agente que os cometeu.
Mais à frente, pág. 48, afirma não haver fundamento bastante para dar autonomia ao ilícito administrativo penal com o alcance que lhe é atribuído pela doutrina criticada.
Conclui, a págs. 48/9: "Excluí-lo do âmbito da lei criminal comum, integrá-lo nas regras do direito administrativo penal, discipliná-lo por normas que são anomalias, como a responsabilidade de colectividades, ou por culpa alheia ou sem culpa alguma, equiparar a respectiva obrigação penal pura e simplesmente a uma obrigação civil, levaria a generalizar excepções que raras vezes e para raros casos se justificam, com grave ofensa de princípios de justiça e de utilidade social, como aquelas que prescrevem: a individualização da responsabilidade, a personalidade da pena, o condicionamento desta pela culpa, etc.".
Após, o Autor aborda as sanções penais administrativas, aceitando que ao ilícito que as determine se possa dar, com este alcance, o nome de administrativo.
Acentua, porém, que a heterogeneidade das diversas sanções penais administrativas, a avaliação das necessidades que as determinam, a qual tem de fazer-se com critérios em que há necessariamente muito de subjectivo, o carácter ocasional, transitório e anormal de muitas delas, impedem uma construção geral, com um sistema de conceitos comuns e princípios gerais seguros.
Afirmando a subsidiariedade do direito penal, afirma que "é no direito criminal que se encontram as regras jurídicas de carácter geral e que, portanto, são em princípio aplicáveis a todas as penas e seus pressupostos".
Eduardo Correia, Direito Criminal I, 1963, Reimpressão com colaboração de Figueiredo Dias, Almedina, 1968/1971, no § 2.º, ponto 8 - O ilícito criminal e o ilícito administrativo, págs. 20 a 34, ao abordar o problema dos termos em que deve fazer-se a distinção entre o direito criminal e o direito administrativo, refere que entre a simples indemnização civil de perdas e danos por um lado, e a pena criminal por outro, existe um grupo de sanções específicas que correspondem a um tipo específico de ilícito: o ilícito criminal administrativo, situado entre o ilícito civil e o ilícito criminal de justiça.
Face às novas imposições ou proibições ditadas pelo estado social de direito actual, no desenvolvimento da sua crescente actividade administrativa e muito particularmente no cumprimento do seu dirigismo económico, financeiro, fiscal, alfandegário, bancário, etc., é generalizadamente reconhecido que também a violação de prescrições deste tipo deve deixar de ser vista como fundamentando um verdadeiro ilícito criminal de justiça, para ser tida antes como parte constitutiva do ilícito criminal administrativo, esboçada ficando a tendência para libertar o ilícito criminal de justiça de um grande número de infracções que, pela sua natureza, lhe não pertencem, e para formar com elas uma outra categoria autónoma de ilícito, encetando-se o caminho de purificação do ilícito criminal de justiça.
Refere, pág. 23, que foi depois dos estudos de Goldschmidt e Wolf que com maior clareza se reconheceu não configurarem as contravenções, embora então por quase toda a parte incluídas ainda nos Códigos Penais, um ilícito criminal de justiça de grau menor (como até aí preponderantemente se considerava), uma espécie de direito criminal secundário, mas antes um ilícito criminal administrativo, materialmente idêntico ao ilícito constituído por violação da ordem policial ou da ordenação externa da vida comunitária, e em todo o caso materialmente distinto do ilícito criminal de justiça.
28 o traço principal da caracterização do direito criminal administrativo reside, de um ponto de vista material, no específico conteúdo do ilícito.
Os bens jurídicos não são aqui, como no direito criminal de justiça, valores ou interesses fundamentais da vida comunitária ou da personalidade ética do homem, mas simples valores de criação ou manutenção de uma certa ordem social e por consequência mais ou menos estranhos - isto é: indiferentes - à ordem moral.
E na pág. 30, afirma que em consequência da diferença que intercede entre os dois tipos de ilícito é também diferente o tipo de sanção que à violação de um ou outro corresponde. As sanções consequentes à prática de um ilícito criminal administrativo serão sempre sanções não criminais.
Eduardo Correia retoma o tema em Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, publicado no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1973, págs. 257 a 281 e republicado em 1998, pela Coimbra Editora, na colectânea Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol. I, págs. 3 a 18.
A págs. 268 (e pág. 9 na republicação) afirma: A contra-ordenação "é um aliud que, qualitativamente, se diferencia do direito criminal, na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal".
Figueiredo Dias em O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Fase I, Centro de Estudos Judiciários, 1983, págs. 315 a 336, e republicado na colectânea Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 1998, volume I, Problemas gerais, págs. 19 a 33, chama a atenção para dois pontos.
A autonomia do ilícito de mera ordenação social face ao ilícito penal é antes de tudo uma autonomia dogmática, como se revela nos 16 primeiros artigos do Decreto-Lei 433/82, chamando o Autor a atenção para o que dispõe o artigo 32.º, de acordo com o qual as normas do Código Penal (de 1982) constituem direito subsidiário relativamente ao direito substantivo das contra-ordenações; o que bem se compreende, aliás, considerando que o direito das contra-ordenações, se não é direito penal, é em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo (tal como o é, v. g., o direito disciplinar).
O segundo ponto é o de que a parte substantiva do Decreto-Lei 433/82, dado o referido preceito de aplicação subsidiária do Código Penal, contém várias normas que em rigor se poderão dizer desnecessárias; o que é decerto consequência de o Decreto-Lei 433/82 ser apenas uma versão reformulada e alargada do Decreto-Lei 232/79 e de a publicação deste ter antecedido de três anos a do novo Código Penal".
(De qualquer modo há que referir que atenta a lei formulária de então, o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, entrou em vigor em 1 de Novembro de 1982, conforme o artigo 2.º da Lei 3/76, de 10-09, sendo que o Código Penal só viria a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1983).
Nas palavras de Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral I, Introdução e Teoria da Lei Penal, Editorial Verbo, Lisboa, 2001, pág. 130, "Sob a designação de direito penal administrativo abrange-se um conjunto de infracções de natureza heterogénea que, distinguindo-se do direito penal de justiça essencialmente pela relevância social dos bens jurídicos tutelados, quer pela gravidade qualitativa quer pela quantitativa, é determinado por razões de política criminal as mais diversas, sobretudo por considerações utilitárias de antecipação da prevenção da tutela dos bens jurídicos e de maior eficácia na repressão pela insuficiência do sistema penal".
Contrariando o facto de o Direito de mera ordenação social ser um sub-ramo especial do Direito Penal (Direito Penal Administrativo ou Secundário), Freitas do Amaral em Manual de introdução ao direito, volume I, Almedina, 2004, págs. 279/280, afirma que o chamado Direito de Mera Ordenação social constitui um capítulo - muito importante, sem dúvida - do Direito Administrativo, configurando o que os administrativistas denominam, correctamente, de direito administrativo sancionatório".
Na lição de Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 1.º volume, 2.ª edição, AAFDL, Lisboa, 1984, pág. 137, alude-se a uma "purificação" do Direito Penal, sublinhando-se que "liberta-o daqueles actos menos graves, menos importantes, que tradicionalmente eram chamados as bagatelas penais, isto é, casos sem importância, e dá-lhe uma «dignidade» que é importante que ele tenha. Se está no direito penal tudo aquilo que é proibido, ou praticamente tudo aquilo que é proibido, isso pode até gerar nas pessoas a ideia de que aquilo que o direito penal pune não é até particularmente grave. No fundo, se tudo é proibido, as pessoas não sentem tanto a ameaça do direito penal".
Para Augusto Silva Dias, Crimes e contra-ordenações fiscais, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume II, Coimbra Editora, 1999, págs. 439 e 440, segundo um critério quantitativo, a distinção entre crimes e contra-ordenações assenta antes numa diferença de gravidade que deve ser avaliada e medida em cada caso pelo legislador; ou seja, a ponderação da gravidade das condutas compete fundamentalmente ao legislador, pelo que a distinção entre as duas espécies de infracções se torna puramente formal. O legislador tem um poder quase irrestrito na definição de um comportamento como crime ou contra-ordenação".
A orientação baseada num critério qualitativo defende que as contra-ordenações representam um "aliud" em relação aos crimes, ou seja, são infracções de uma natureza distinta. Essa distinção passa no plano do ilícito pela referência dos crimes a bens jurídicos mais ou menos cristalizados na ordem social de valores e pela ligação das contra-ordenações a meras funções sociais, relativas nomeadamente a interesses de controlo da administração sem ressonância ética imediata. As contra-ordenações assentam estruturalmente na violação de certos deveres administrativos, o que confere ao ilícito respectivo uma carácter essencialmente formal, baseado num mero desvalor da acção, material-axiologicamente neutro.
Frederico de Lacerda da Costa Pinto aborda o tema em O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 1.º, Janeiro - Março 1997, págs. 7 a 100, e republicado na colectânea Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume I, Coimbra Editora, 1998, págs. 209 a 274
A págs. 17/8 (e pág. 216 na colectânea), afirma: "Após a revisão do regime geral operada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, a identificação entre a base normativa do regime geral do ilícito de mera ordenação social e as soluções da Parte Geral do Código Penal acentuou-se ainda mais, recorrendo agora o legislador na maior parte dos casos à importação pura e simples das soluções do Direito Penal.
Além disso, quando tal equivalência de regimes não se verifica subsiste a dúvida quanto a saber se estamos perante uma omissão intencional do legislador ou perante uma matéria carente de regulamentação por via do regime subsidiário".
Mais à frente na pág. 97 (pág. 272 na edição mais recente) refere que "A manutenção no regime geral do ilícito de mera ordenação social de grande parte dos institutos tradicionais do Direito Penal «nuclear» e o recurso acrescido a estas figuras pelo Decreto-Lei 244/95, de 114 de Setembro - opções pouco consentâneas com a preservação da autonomia das contra-ordenações e a distinção entre estes ilícitos e os ilícitos penais proclamada pelo legislador - criaram um regime que não se adequa a muitas das realidades do final do século que se pretendem regulamentar através desta parte do sistema sancionatório".
A págs. 97 (pág. 272) refere a constante adesão do legislador aos regimes legais do Direito Penal e a págs. 100 (pág. 274), à tendência dogmaticamente perversa de «aproximação» ao Direito Penal, de que a reforma de 1995 é o exemplo mais próximo, referindo novamente a aproximação e dependência do Direito de Mera Ordenação Social das categorias e regimes formais do Direito Penal e Processo Penal.
A págs. 99 (pág. 273 da segunda publicação) afirma que "a fórmula do artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, mantido após a recente revisão é, na sua origem e na sua projecção actual, ilusória e enganadora: ela sugere, por um lado, uma regulamentação substantiva específica do ilícito de mera ordenação social que na realidade não existe e, por outro, apresenta o recurso ao Direito Penal como subsidiário, quando na generalidade dos casos a deficiência do regime substantivo do Direito de Mera Ordenação Social e o respeito pelas garantias dos cidadãos exigem que a importação do regime penal se faça a título principal".
Especificamente tendo em vista as contra-ordenações ambientais.
Leones Dantas versa o tema das contra-ordenações ambientais em Revista do Ministério Público, Ano 29, Out-Dez 2008, n.º 116, Notas à Lei das Contra-Ordenações Ambientais - Lei 50/2006, de 29 de Agosto, págs. 87 a 119.
Refere a págs. 92 que em vez de um regime especial das contra-ordenações ambientais, ao lado dos demais existentes e nos quadros do regime geral, da Lei 50/2006 resulta um novo regime geral, embora aplicável apenas às contra-ordenações ambientais.
E a págs. 93 "A Lei assume-se como um novo regime geral das contra-ordenações em matéria ambiental, libertando os novos diplomas que estabelecem contra-ordenações daquela natureza dos limites gerais das coimas decorrentes do Decreto-Lei 433/82, funcionando como uma genérica lei de autorização legislativa aberta, que não respeita os condicionamentos constitucionais, permitindo ao governo adequar as coimas actuais ou futuras às categorias e valores previstos, libertando-se dos valores decorrentes do regime geral das contra-ordenações em vigor".
Mais à frente, pág. 94, afirma o Autor que mau grado se assuma como um novo regime geral (das contra-ordenações ambientais), a Lei 50/2006, e 29 de Agosto pouco inovou relativamente ao Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
A reprodução de dispositivos do Decreto-Lei 433/82 é redundante, uma vez que o diploma é assumido expressamente como direito subsidiário no artigo 2.º da Lei.
Carla Amado Gomes, Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I, Almedina, Outubro 2012, As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: Considerações gerais e observações tópicas, págs. 457 a 478
Como dá conta pág. 465 "Como se afirmou durante o debate na generalidade e nos pareceres das Comissões Parlamentares que precederam a aprovação da LQCOA, o motivo principal de elaboração de um regime das contra-ordenações ambientais residia na necessidade de unificação das múltiplas previsões pulverizadas pela miríade de diplomas sectoriais, acompanhadas da remissão para categorias de contra-ordenações específicas, que a lei divide em leves, graves e muito graves - assegurando, nestes termos, uma melhor coordenação entre as diferentes contra-ordenações existentes no sistema e reforçando, assim, a unidade da ordem jurídica".
Sintetiza a págs. 471 que a LQCOA é, sobretudo, uma lei procedimental.
Versando a atenuação especial da coima.
Sobre a atenuação especial da coima pronunciam-se Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa em Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011.
Em anotação ao artigo 18.º do Decreto-Lei 433/82, págs. 190/1, afirmam: "A moldura abstracta da coima pode ser alterada por circunstâncias modificativas atenuantes comuns expressamente previstas na lei, como a comissão por omissão, o erro censurável sobre a ilicitude, o excesso de legítima defesa, o estado de necessidade desculpante (ope judicis), a tentativa e a cumplicidade (ope legis).
Mas pode também ser modificada por circunstâncias comuns de especial valor atenuativo não expressamente previstas na lei, e de que se dão exemplos no artigo 72.º do Código Penal.
Estes exemplos de circunstâncias atenuantes de especial valor destinam-se a fornecer ao aplicador da sanção critérios de avaliação mais precisos do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação. [...]
O efeito atenuante especial não resulta nunca do número das circunstâncias atenuantes, mas antes do facto de terem como consequência diminuir essencialmente a ilicitude e a culpa. [...]
Há que ter sempre em atenção que as situações a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do artigo 72.º não apontam, por si só, na sua existência objectiva, para um valor atenuativo especial, pressupondo antes que devem ser relacionadas com um determinado efeito: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente (n.º 1).
Assim, se uma circunstância qualquer que ela seja diminui acentuada ou essencialmente a ilicitude ou a culpa, o aplicador da sanção pode atribuir-lhe valor atenuante especial. Mas se essa circunstância diminui a ilicitude ou a culpa por forma não acentuada, então terá apenas valor como atenuante geral.
No primeiro caso influirá na medida abstracta da sanção, nos termos do artigo 72.º e para os efeitos do artigo 73.º; no segundo caso influirá na medida concreta da sanção, nos termos do artigo 71.º" (Realces do texto).
A Transição
Na definição do artigo 3.º do Código Penal de 1852/1886 considerava-se contravenção "o facto voluntário punível, que unicamente consiste na violação, ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica".
A adjectivação deste tipo de ilícito criminal era feita em processo de transgressão, previsto então no artigo 62.º-3.º, do Código de Processo Penal de 1929, aprovado pelo Decreto-Lei 16489, de 15-02-1929, como uma das quatro formas de processo comum, dizendo o artigo 66.º que eram julgadas em processo de transgressão as contravenções, qualquer que fosse a disposição legal em que estivessem previstas, e as transgressões de regulamentos, editais, posturas ou quaisquer disposições que, atendendo à entidade que as formula, devam qualificar-se de regulamentares, sendo regulado o processo de transgressão, ao longo dos artigos 543.º a 555.º do mesmo CPP, com as alterações dos Decreto-Lei 35.007, de 13 de Outubro de 1945 (artigos 47.º e 49.º), n.º 605/75, de 3 de Novembro (artigo 20.º) e n.º 377/77, de 6 de Setembro (artigo 4.º).
O artigo 6.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982, revogou o Código Penal de 1886, mas salvaguardou as normas relativas a contravenções.
E o artigo 7.º do mesmo decreto-lei manteve em vigor as normas de direito substantivo e processual, relativas a contravenções, aplicando-se as disposições do novo Código aos limites das multas e à prisão em sua alternativa.
Com o Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, foi aprovado o Código de Processo Penal, sendo revogado o CPP de 1929.
O artigo 3.º do diploma preambular do novo CPP regulou o processamento das transgressões e contravenções previstas em legislação avulsa, conforme os casos, sob a forma de processo sumaríssimo, processo sumário e processo comum.
O processamento foi previsto mediante a remissão, salvo algumas especificidades, para as formas de processo admitidas pelo novo Código, tratando-se de previsão temporária, destinada a vigorar enquanto se não consumasse o movimento de conversão das transgressões e contravenções ainda subsistentes em contra-ordenações.
O critério utilizado pelo legislador assentou então em três ordens de razões: a de que era menos congruente manter o CPP de 1929 em vigor apenas numa ínfima parte (a relativa ao processo de transgressão), a de que o programa de construção do direito das contra-ordenações conduziria à progressiva inutilização daquela forma de processo e a de que, transitoriamente, nenhuma dificuldade haveria em alargar às contravenções e transgressões o regime processual previsto para a pequena criminalidade.
O Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro (publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 298, 2.º Suplemento, de 29-12-1987, a escassos três dias da entrada em vigor do novo CPP), que altera o processamento das transgressões e contravenções e dá nova redacção a alguns artigos do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, reconhecendo o carácter necessariamente moroso da conversão das transgressões e contravenções ainda subsistentes em contra-ordenações, decreta novas regras, visando a adequada regulamentação das normas de processamento já aprovadas pelo citado artigo 3.º daquele decreto-lei e procurando assegurar o desbloqueamento funcional dos tribunais incumbidos do julgamento de tais infracções - necessidades assumidas ainda antes da entrada em vigor do novo CPP, que teve lugar em 1 de Janeiro de 1988 (inicialmente prevista para 1 de Junho de 1987, e para tal data diferida pelo artigo único da Lei 17/87, de 1 de Junho), e pois, antes de ser posto à prova o regime transitório concebido no diploma datado de 17 de Fevereiro de 1987 -, veio estabelecer que as transgressões ou contravenções puníveis só com pena de multa ou com medida de segurança não detentiva seguiam a tramitação processual prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei 78/87, com as especialidades previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 1.º, como a sempre reconhecida possibilidade de oblação voluntária, e outras previstas no n.º 2.
Neste contexto, assume extrema relevância o Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro, um diploma necessariamente intercalar, concebido apenas para a transição de regimes, enquanto durasse a concretização da conversão das contravenções e transgressões em contra-ordenações, o qual acabou por ter um inesperado protagonismo e mesmo longevidade, pelo menos durante mais de 15 anos, atendendo a que nos finais de 2006 ainda tinha plena aplicação, pelo menos, nos processos pendentes nos tribunais, sendo que no domínio laboral foi ainda mais longe, como analisado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013.
Tal diploma emergiu da Lei 20/90, de 3 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 178, de 3 de Agosto de 1990), através da qual foi concedida autorização legislativa ao Governo para legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões, devendo o diploma a elaborar regular, de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas pelas contravenções e transgressões (artigo 2.º, n.º 1), anotando-se desde logo que o direito processual penal seria subsidiariamente aplicável (artigo 2.º, n.º 2, alínea h)).
Como se reconhece no preâmbulo do diploma de 1991, as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro, melhoraram a situação, mas não eliminaram as dificuldades, pretendendo o novo diploma resolver o problema do processamento e julgamento das contravenções e transgressões, e daí, no seu artigo 22.º, revogar o artigo 3.º do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o artigo 1.º do citado Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro.
O diploma visou regular de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas por este tipo de ilícito, ou seja, o processamento e julgamento das contravenções e transgressões, sendo subsidiariamente aplicáveis ao processamento e julgamento das contravenções e transgressões as disposições do Código de Processo Penal - artigo 2.º
Na senda de conversão global, a Lei 30/2006, de 11 de Julho (Diário da República, 1.ª série, n.º 132, de 11 de Julho de 2006), entrada em vigor em 10-08-2006 (artigo 38.º), procedeu à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões então ainda em vigor no ordenamento jurídico nacional, passando a assumir a natureza de contra-ordenações várias infracções previstas na lei como contravenções e transgressões em diplomas avulsos (datados de 1936, 1952, 1953, 1959, 1960, 1962, 1966, 1968, 1971, 1975, 1976, 1980, 1981 e 1998, relativos a uma panóplia de matérias tão manifestamente diversas, como "Concursos de apostas mútuas concedidos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa", "Regimes de instalações eléctricas", "Regime de elaboração dos projectos das instalações eléctricas de serviço particular", "Regime de combate às doenças contagiosas dos animais", "Regimes das condições do exercício das actividades de espectáculos", "Regulamento da profissão de fogueiro para a condução de geradores a vapor", "Regime da exposição e venda de objectos e meios de conteúdo pornográfico ou obsceno", "Regimes da recolha e transporte de leite e dos centros de concentração e de tratamento de leite", "Regimes jurídicos mortuários"), mas incluindo, então, nesse variegado universo, preocupações ambientais, como "Actividade de resinagem", "Regime de fomento piscícola nas águas interiores", "Regime das albufeiras de águas públicas", "Actuações na utilização dos solos e da paisagem", para além de proceder também à alteração de regime jurídico contra-ordenacional em vigor (neste particular procedeu à alteração ao Decreto-Lei 411/98, de 30 de Dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 5/2000, de 29 de Janeiro e 138/2000, de 13 de Julho, que estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres).
No Capítulo IV, sob a epígrafe "Disposições finais e transitórias" estabeleceu o diploma, sob a epígrafe "Direito subsidiário", no artigo 34.º:
"Às contra-ordenações previstas na presente lei, e em tudo quanto nela se não encontre especialmente regulado, são subsidiariamente aplicáveis as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, constante do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis 359/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro e 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro".
Estabeleceu o artigo 35.º da mesma Lei 30/2006 "Conversão em contra-ordenações e respectivo regime", n.º 1, que "As contravenções e transgressões previstas na legislação em vigor não abrangidas pelos artigos anteriores passam a assumir a natureza de contra-ordenações, nos termos estabelecidos nos números seguintes".
Nos n.º s 2, 3 e 4 estabelece-se a conversão de infracções punidas anteriormente unicamente com pena de multa, punidas com penas alternativas de prisão e de multa, punidas unicamente com pena de prisão, ou cumulativamente com penas de prisão e de multa.
O n.º 8 exceptua do disposto no artigo as contravenções e transgressões previstas nos regimes jurídicos relativos aos transportes colectivos de passageiros e às portagens cobradas pelas concessionárias em infra-estruturas rodoviárias.
A exclusão só pode ser entendida por à data da Lei ainda não terem entrado em vigor os diplomas já existentes sobre as matérias focadas, cujas infracções foram convoladas para contra-ordenações.
Assim, a Lei 25/2006, de 30 de Junho, entrada em vigor em 28 de Outubro de 2006, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, determinando que as infracções resultantes do não pagamento passassem a assumir a natureza de contra-ordenações.
E a Lei 28/2006, de 4 de Julho, entrada em vigor em 1 de Novembro de 2006, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros, determinando a sujeição ao regime contra-ordenacional.
Quer do disposto no artigo 36.º (Regime transitório), n.º 2, do primeiro diploma, quer do artigo 20.º n.º 2, da Lei 25/2006, como ainda do artigo 14.º, n.º 2, da Lei 28/2006, resulta ser aplicável a legislação processual relativa às contravenções e transgressões, ou seja, o regime do Decreto-Lei 17/91, aos processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da Lei então ainda pendentes nos tribunais.
É neste contexto que surge a Lei 50/2006, de 29 de Agosto.
A evolução do regime do ilícito contra-ordenacional
O advento do Direito de mera ordenação social resulta de um desiderato legislativo de descriminalização de condutas censuráveis que não colidam necessariamente com o quadro valorativo fundamental da sociedade contemporânea, estabelecendo-se um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal.
O direito de mera ordenação social é uma consequência da confluência de duas ordens de factores: a superação definitiva do modelo do Estado liberal, por um lado, e o conhecido movimento de descriminalização, por outro.
Com a introdução do novo regime do ilícito de mera ordenação social assistiu-se à transformação dos então considerados ilícitos penais - as contravenções e as transgressões - em ilícitos não penais, para os quais passaram a ser cominadas sanções exclusivamente pecuniárias, mas de carácter não criminal.
A mudança de paradigma, do "ilícito contravencional" para o "ilícito de mera ordenação social", foi, há mais de 35 anos, protagonizada pelo Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, o qual instituiu o ilícito de mera ordenação social.
Na verdade, o ilícito de mera ordenação social foi entre nós pela primeira vez consagrado no Decreto-Lei 232/79, por directa actuação do Professor Doutor Eduardo Correia, como Ministro da Justiça, eliminando a categoria das contravenções puníveis com pena de multa - pena criminal prevista no então vigente artigo 55.º do Código Penal de 1886 - ao estabelecer no artigo 1.º, n.º 3, uma cláusula geral de transformação, no sentido de que «são equiparáveis às contra-ordenações as contravenções ou transgressões previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas sanções pecuniárias».
Por terem sido suscitadas dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma por omissão na Constituição da República Portuguesa de qualquer menção ao regime das contra-ordenações e por falta de autorização legislativa do decreto-lei, bem como vários problemas de aplicação prática, como a incerteza sobre a capacidade das autoridades administrativas para processar e julgar as contra-ordenações, o Decreto-Lei 411-A/79, de 1 de Outubro (Diário da República, 1.ª série, n.º 227, Suplemento, de 1-10-1979), em artigo único, revogou os n.º 3 e 4 do artigo 1.º, mas não o decreto-lei, assim impedindo que se consumasse a preconizada transformação, em bloco e de forma automática, das contravenções vigentes e puníveis só com multa em contra-ordenações.
Após a publicação deste diploma, o regime das contra-ordenações introduzido pelo Decreto-Lei 232/79 ficou desprovido de qualquer eficácia directa e própria, vindo a ser revogado pelo artigo 96.º do Decreto-Lei 433/82, de 23 de Outubro.
Tal situação não impediu, porém, o surgimento de diploma a aplicar coimas para comportamentos ilícitos, como o Decreto-Lei 350/81, de 23 de Dezembro, relativo aos estabelecimentos de apoio social com fim lucrativo.
Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei 64/89, de 25 de Fevereiro, que estabeleceu o regime sancionatório das contra-ordenações no âmbito dos regimes de segurança social "O Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, correspondendo à necessidade de dispor de um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal, introduziu no quadro legal português o direito de mera ordenação.
Este novo ordenamento, posteriormente aperfeiçoado e ampliado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, teve como objectivo responder à necessidade sentida pelos órgãos legislativos e administrativos de disporem de uma gama de sanções diferenciada e ajustada à natureza e gravidade dos ilícitos a reprimir ou a prevenir.
Anteriormente, estas situações tinham como quadro normal sancionatório o do direito penal, que, muitas vezes, face à natureza do acto praticado, se apresentava excessivamente reprovador, quer no campo social, quer jurisdicional, ou, de qualquer modo, desajustado da natureza e efeitos próprios do incumprimento das leis e regulamentos da Administração".
Face à necessidade de reafirmar a vigência do direito de ordenação social, a Lei 24/82, de 23 de Agosto (anterior, pois, à Segunda Revisão da Constituição de 1982, operada pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, que incluiu expressamente o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - artigo 168.º, n.º 1, alínea d) e artigo 282.º, n.º 3), autorizou o Governo a legislar em matéria de contra-ordenações, daí emergindo o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (rectificado pela Declaração de rectificação de 7 de Dezembro de 1982, publicada no Diário da República de 06-01-1983), que institui o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, repetindo o diploma anterior, com a novidade de regulamentar o concurso entre crimes e contra-ordenações e mantendo as transgressões em vigor, com receio dos "efeitos práticos nocivos" que poderiam decorrer de uma transformação automática repentina das transgressões em contra-ordenações, sendo que "o legislador de 1982 se guardou de decretar uma transformação global e automática das contravenções existentes em contra-ordenações", como refere Figueiredo Dias, in O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciais, 1983, págs. 315 a 336, e Direito Penal Económico e Europeu, volume I, Problemas gerais, Coimbra Editora, 1998, págs. 19 a 33.
No preâmbulo do diploma, no ponto 1, pode ler-se "O aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc.".
E no ponto 2, pode ler-se: "O texto aprovado para o artigo 18.º, n.º 2, consagra expressamente o princípio em nome do qual a doutrina penal vem sustentando o princípio da subsidiariedade do direito criminal. Segundo ele, o direito criminal deve apenas ser utilizado como a ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis ao valores ou interesses fundamentais à conveniência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal.
Também o novo Código Penal, ao optar por uma política equilibrada da descriminalização, deixa em aberto um vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal. Mas são, sobretudo, as necessárias reformas em domínios como as práticas restritivas da concorrência, as infracções contra a economia nacional e o ambiente, bem como a protecção dos consumidores, que tornam o regime das contra-ordenações verdadeiramente imprescindível".
E no ponto 3, refere a distinção entre crime e contra-ordenação, "distinção que não esquece que as duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética"
Pela Lei 4/89, de 3 de Março (Diário da República, 1.ª série, n.º 52, de 03-03-1989), foi concedida autorização ao Governo para alterar o regime geral do ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, salientando-se na definição da extensão da concessão, segundo o artigo 2.º, alínea d) "Adaptar o processo das contra-ordenações ao novo Código de Processo Penal e à nova orgânica dos tribunais".
E assim, no preâmbulo do Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro (Diário da República, 1.ª série, n.º 239, de 17-10-1989), que emergiu daquela autorização, podia ler-se que "Revela-se necessário proceder a um reforço das garantias dos particulares, alterando o processo contra-ordenacional de modo a alargar o actual prazo de recurso para os tribunais das decisões da aplicação de coimas pelas autoridades administrativas, uma vez que os cinco dias previstos se têm demonstrado manifestamente insuficientes para garantir um pleno acesso aos tribunais pelos interessados", referindo outras alterações a nível de regras de competência, actualização dos montantes das coimas e revisão do regime das sanções acessórias, procedendo às adaptações impostas pelo novo regime de processo penal (CPP de 1987).
A segunda Revisão da Constituição introduzida pela Lei Constitucional 1/89 (Diário da República, 1.ª série, Suplemento, n.º 155, de 8 de Julho de 1989, dia seguinte ao da respectiva promulgação e da data em que foi referendada a Lei), procedeu à inclusão de norma especialmente formulada para os processos de contra-ordenação, aditando pelo artigo 18.º um novo n.º 8 ao artigo 32.º da Constituição da República com o seguinte teor:
«8 - Nos processos por contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
A propósito desta alteração referem Oliveira Mendes e Santos Cabral em Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, Maio de 2009, pág. 208, "A referência constitucional ao processo de contra-ordenação e a sua inserção sistemática adquirem relevo em planos distintos: elas significam, por um lado, o reconhecimento por parte do legislador de que o sistema contra-ordenacional já não diz respeito apenas a bagatelas. No plano hermenêutico, por outro lado, o enquadramento constitucional do direito de defesa em processo de contra-ordenação forneceu mais um elemento para a compreensão do regime de ilícito de mera ordenação social em especial na fase organicamente administrativa do processo de contra-ordenação".
A solução veio a ser complementada com a Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, que operou a quarta revisão constitucional (Diário da República, I-A Série, n.º 218/97, de 20-09-1997), sendo que, pelo artigo 15.º, foram aditados dois novos números 6 e 7, que passaram a ser os números 8 e 9, sendo ao n.º 10 aditada a expressão «bem como em quaisquer processos sancionatórios» entre as expressões «contra-ordenação» e «são assegurados».
Passou assim a ter o artigo 32.º, n.º 10, a redacção que se mantém inalterada desde 1997:
«10 - Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
Entretanto, a Lei 13/95, de 5 de Maio de 1995 (Diário da República, 1.ª série-A, de 5 de Maio de 1995) autorizou o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
No artigo 2.º, alínea c), como um dos objectivos a alcançar constava: Aperfeiçoar a coerência interna do regime geral do ilícito de mera ordenação social, bem como a coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal.
E no artigo 3.º, na definição da extensão da autorização, foi consignado, para além do mais:
d) Alterar o regime de determinação da medida da coima, nos termos seguintes:
iii) Fixar, em caso de atenuação especial da coima, a redução para metade dos respectivos limites mínimo e máximo;
e) Estabelecer a possibilidade de atenuação especial da coima em caso de erro censurável sobre a ilicitude e estabelecer a atenuação especial da coima relativamente à tentativa e à cumplicidade.
A partir daqui passou a estar prevista a atenuação especial da coima, ope judicis no caso de erro censurável sobre a ilicitude e ope legis nos casos de tentativa e cumplicidade.
Seguiu-se, no uso de tal autorização, o Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 213, de 14 de Setembro de 1995), que procedeu a uma reforma global do regime das contra-ordenações e à republicação do diploma de 1982, introduzindo, para além do mais, a atenuação especial da coima.
Por seu turno, o Decreto-Lei 323/2001, de 17 de Dezembro, alterou pelo artigo 1.º e Anexo, a redacção dos artigos 17.º, 52.º, 73.º, 80.º e 93.º, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, mas apenas convertendo de escudos em euros os valores fixados para coimas, sanções pecuniárias e taxa de justiça.
Finalmente, a sete dias de distância, a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 296, de 24-12-2001), procedeu à terceira alteração do Decreto-Lei 433/82, modificando apenas o regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional, alterando a redacção dos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º
A concretização da mudança de paradigma
Uma das primeiras intervenções verificou-se no plano do direito penal económico com o Decreto-Lei 191/83, de 16 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 16-05-1983), o qual estabeleceu diversas contra-ordenações e prescrevia as respectivas sanções pelo exercício irregular da actividade económica, definindo também o processo aplicável.
A Lei 12/83, de 24 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 194, de 24-08-1983), autorizou o Governo, para além do mais, no artigo 2.º, a alterar o regime jurídico das contra-ordenações, seus processos e sanções, previstas, designadamente nos Decretos-Leis n.os 191/83, de 16 de Maio e 433/82, de 27 de Outubro, para o qual aquele remete.
Desta autorização legislativa emergiu o Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro (Infracções contra a economia e contra a saúde pública), o qual procedeu a despenalização de certos tipos de infracções que normalmente revestiam a natureza de contravenções, englobando-se os comportamentos respectivos no direito de mera ordenação social, retomando-se algumas soluções do Decreto-Lei 191/83, relegando para o capítulo das contra-ordenações apenas aqueles comportamentos que não põem em causa interesses essenciais ou fundamentais da colectividade e que, por isso, carecem de verdadeira dignidade penal (Capítulo III - Das contra-ordenações - artigos 52.º a 80.º).
Outros exemplos:
Decreto-Lei 226/83, de 27 de Maio - prevenção ao tabagismo (artigos 10.º a 12.º).
Decreto-Lei 303/83, de 28 de Junho - regime da actividade publicitária (v.g., publicidade interdita, publicidade enganosa).
Decreto-Lei 422/83, de 3 de Dezembro - regula a defesa da concorrência (artigos 16.º e 28.º a 34.º).
A Segurança Social passou a definir um regime punitivo próprio por força do disposto na Lei 28/84, de 14 de Agosto, que consagrou o ilícito de mera ordenação social anteriormente já presente no Decreto-Lei 350/81, de 23 de Dezembro (antes, pois, do Decreto-Lei 433/82), no Decreto-Lei 441/83, de 24 de Dezembro, a regular o montante provisório da pensão, no Decreto-Lei 20/85, de 17 de Janeiro, que estabeleceu o esquema das prestações de emprego, vindo depois o Decreto-Lei 64/89, de 25 de Fevereiro (Diário da República, I Serie, n.º 47, de 25-02), estabelecer o regime das contra-ordenações no âmbito dos regimes de segurança social - os artigos 14.º a 32.º relativos a "Processo de contra-ordenação" viriam a ser revogados pelo artigo 64.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social.
Com o Decreto-Lei 491/85, de 26 de Novembro, entrado em vigor em Maio de 1986, foi encetada a tarefa de integração no direito de mera ordenação social de ilícitos contravencionais laborais.
Este diploma veio a ser revogado pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei 116/99, de 4 de Agosto, entrado em vigor em 1-12-1999, que aprovou o regime geral das contra-ordenações laborais (RGCOL), o qual prosseguindo a tarefa de integração no direito de mera ordenação social do ilícito contravencional, caracterizara como contra-ordenações várias infracções laborais no Capítulo II, ao longo dos artigos 7.º a 45.º, e estabelecendo o respectivo processamento.
Tal Lei veio a ser revogada com o Código do Trabalho de 2003, pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea aa) da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, passando o novo Código a tratar a "Responsabilidade contra-ordenacional" no Capítulo II - artigos 614.º a 689.º
Com a alteração introduzida ao Código do Trabalho pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, a responsabilidade contra-ordenacional passou a estar prevista nos artigos 548.º a 566.º
O Código do Trabalho foi desde então revisto por mais oito vezes (Leis n.º 105/09, de 14-09; n.º 53/2011, de 14-11; n.º 23/2012, de 25-06; n.º 47/2012, de 29-08; n.º 69/2013, de 30-08; n.º 27/2014, de 08-05; n.º 55/2014, de 22-05; n.º 28/2015, de 14-04), mas nesta matéria apenas a Lei 23/2012, de 25 de Junho, alterou o artigo 560.º
A Lei 107/09, de 14 de Setembro, regula o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social.
Lei 11/87, de 7 de Abril - Lei de Bases do Ambiente (Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 7-04-1987, alterada pelo Decreto-Lei 22-A/96, de 26-11 e pela Lei 13/2002, de 19-02, entretanto revogada pela Lei 19/2014, de 14-04 - Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 14-04-2014) - artigo 47.º
No plano fiscal
No plano fiscal aduaneiro, o Decreto-Lei 376-A/89, de 25 de Outubro de 1989 (Diário da República, 1.ª série, n.º 246, Suplemento, de 25-10-1989, entrado em vigor - artigo 4.º - em 9-11-1989), aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras, o qual viria a ser alterado pelo Decreto-Lei 255/90, de 7 de Agosto (alterando os artigos 12.º, 33.º, 34.º, 49.º e 50.º, e aditando os artigos 14.º-A -B -C e o artigo 16.º-A), mais tarde revogado pelo RGIT, no artigo 2.º procedia à «equiparação de transgressões a contra-ordenações» e prevendo as contra-ordenações fiscais aduaneiras nos artigos 35.º a 41.º
No plano das infracções fiscais não aduaneiras, o Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 12, Suplemento de 15-01-1990) aprovou o Regime Jurídico das infracções fiscais não aduaneiras tendo o artigo 3.º procedido à equiparação das transgressões a contra-ordenações e segundo o artigo 3.º do Regime "As infracções fiscais dividem-se em crimes e contra-ordenações fiscais", prevendo os artigos 18.º a 22.º as disposições aplicáveis às contra-ordenações fiscais, os artigos 28.º a 40.º as contra-ordenações fiscais previstas e os artigos 52.º a 58.º regulavam sobre o processo.
Com a Lei 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), continua a distinção entre crimes e contra-ordenações fiscais (artigo 2.º, n.º 2), prevendo os artigos 23.º a 34.º as disposições aplicáveis às contra-ordenações fiscais, os artigos 51.º a 66.º regulam sobre o processo de contra-ordenação tributária e os artigos 67.º a 86.º sobre processo de aplicação de coimas, estando as contra-ordenações tributárias previstas nos artigos 108.º a 127.º
De acordo com o n.º 2 do artigo 1.º da referida Lei o regime das contra-ordenações contra a segurança social consta de legislação especial.
Noutras áreas
Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (alterado várias vezes) - no Capítulo II está previsto o ilícito de mera ordenação social, compreendendo os artigos 201.º a 232.º, prevendo para a tentativa atenuação especial, no artigo 205.º, n.º 2. (A sanção da tentativa será a do ilícito consumado, especialmente atenuada).
Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro - Tráfico de estupefacientes - artigos 65.º a 68.º (Neste domínio, quanto a consumo, a Lei 30/2000, de 29 de Novembro).
No Código da Estrada opera-se a conversão com a redacção do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio - artigo 135.º e seguintes.
Decreto-Lei 20/98, de 3 de Fevereiro - regula contra-ordenações no domínio florestal.
Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei 2/2009, de 5-01 e alterado pela Lei 28/2009, de 19-06, regula o acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora, prevendo no artigo 215.º, n.º 3, a atenuação especial em caso de tentativa (A tentativa é punível com a sanção aplicável ao ilícito consumado, especialmente atenuada).
Decreto-Lei 235/2000, de 26 de Setembro, estabelece o regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, prevendo expressamente a possibilidade de atenuação especial.
Realce-se que este regime foi salvaguardado pelo artigo 76.º da Lei 50/2006.
Lei 18/2003, de 11 de Junho regime das contra-ordenações por infracção às normas de concorrência
Decreto-Lei 10/2004, de 9 de Janeiro - regime das contra-ordenações aeronáuticas civis.
Lei 28/2009, de 19 de Junho - regime sancionatório no sector financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional.
Lei 99/2009, de 4 de Setembro - regime quadro das contra-ordenações do sector das comunicações.
Atenuação especial da pena
A apreciação da medida premial deve ter lugar antes da referente à medida concreta da pena, por constituir um "prius" em relação à medida concreta da pena, já que, a vingar a sua procedência, estar-se-á perante uma modificação "in mellius" da moldura abstracta punitiva, um regime de punição mais atenuada, uma moldura penal abstracta mais benévola, dentro da qual, sequentemente, a proceder a pretensão, terá de encontrar-se a medida concreta da pena a aplicar à infracção cometida, com os limites reduzidos por força da atenuação especial.
Estabelece o n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal, na redacção dada pela terceira alteração ao diploma, operada com o Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, e mantido intocado nas alterações subsequentes ao mesmo Código, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O n.º 2 elenca algumas de "entre outras" circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito consignado, a saber:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Em anotação a este artigo, Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, I volume, afirmam: "Seguiu-se neste artigo 72.º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação.
Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção".
Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, a expressão do n.º 1 do então artigo 73.º «O tribunal pode atenuar» foi substituída por «O tribunal atenua», tendo sido aditada a alternativa final «ou a necessidade da pena».
Este aditamento veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção.
Esclarece Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307, a propósito do paralelismo entre o sistema (ou o «modelo») da atenuação especial do artigo 72.º e o sistema da determinação normal da pena previsto no artigo 71.º, que tal paralelismo é só aparente, pois enquanto no procedimento normal de determinação da pena são princípios regulativos os da culpa e da prevenção, na atenuação especial tudo se passa ao nível de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, e, portanto em último termo, ao nível do relevo da culpa, pelo que seriam irrelevantes as exigências da prevenção, o que não ocorre face a alguns dos exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuante contida na cláusula geral do n.º 1 do artigo 72.º, ou seja, das situações aí descritas só significativas sob a perspectiva da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências da prevenção), concluindo no § 451: princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
Daí - e continuamos a citar - estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo.
Adianta o Mestre de Coimbra, no já citado Direito Penal Português, As Consequências [...], II, § 453, pág. 306, a propósito das circunstâncias descritas nas alíneas do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do artigo 73.º, n.º 1 (actual artigo 72.º) que: «passa-se aqui algo de análogo - não de idêntico - ao que sucede com os exemplos-padrão: por um lado, outras situações que não as descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 72.º podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido». E conclui que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.
Espelham estes ensinamentos vários arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplos os que se passam a citar.
Segundo o acórdão de 24-03-1999, processo 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, a atenuação especial da pena só deve funcionar quando, na imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes fixadas, a culpa do arguido e/ou a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídas, ou seja, quando o caso é menos grave que o "caso normal" suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo, reclamando, por isso, manifestamente, uma pena inferior.
O acórdão de 23-02-2000, proferido no processo 1200/99-3.ª, Sumários de Acórdãos do STJ, edição anual, n.º 38, pág. 75, expressou-se nos termos seguintes:
«É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Daí que, as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 72.º do Código Penal, não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem este seja consequência necessária ou automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias».
No acórdão de 30-10-2003, processo 3252/03-5.ª, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208 (221-2), pode ler-se: a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, considerando-se como antiquada a solução de consagrar legislativamente a cláusula geral de atenuação especial como válvula de segurança, pois que dificilmente se pode ter tal solução por apropriada para um Código como o nosso, "moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas", seguindo-se aqui a lição constante do § 465 da referida obra de Figueiredo Dias.
No acórdão de 03-11-2004, processo 3289/04-3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 217, refere-se: "Justifica-se a aplicação do instituto de atenuação especial da pena, que funciona como instrumento de segurança do sistema nas situações em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo".
E no acórdão de 25-05-2005, processo 1566/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 207: "A atenuação especial da pena só pode ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, seja pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena - vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas".
Como se extrai do acórdão de 07-06-2006, processo 1174/06 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207, "A atenuação especial da pena depende do concurso de circunstâncias anteriores, posteriores ou concomitantes ao crime, que façam diminuir de forma acentuada a culpa, a ilicitude e a necessidade de pena, elencando de forma não taxativa o n.º 2 do artigo 72.º do CP os seus factos-índices, ligados a uma imagem global do facto favorecente do agente criminoso.
O verdadeiro pressuposto material da atenuação são exigências de prevenção, na forma de reprovação social do crime e restabelecimento da confiança na força da lei e dos órgãos seus aplicadores e não apenas a ilicitude do facto ou a culpa do agente [...].
Nessa esteira, para além dos já citados, podem ver-se ainda os acórdãos de 05-02-1997, processo 47885-3.ª, SASTJ, n.º 8, Fevereiro 1997, pág. 77; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 237; de 29-04-1998, processo 449/98, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 191; de 07-10-1999, BMJ n.º 490, pág. 48; de 10-11-1999, processo 823/99, SASTJ, n.º 35, 74; de 26-04-2000, processo 82/00; de 18-10-2001, processo 2137/01-5.ª, SASTJ, n.º 54, 122; de 28-02-2002, processo 226/02-5.ª; de 18-04-2002, processo 629/02-5.ª, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 178; de 22-01-2004, processo 4430/03-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 183; de 20-10-2004, processo 2824/04 - 3.ª; de 06-10-2005, processo 2632/05 - 5.ª; de 17-11-2005, processo 1296/05 - 5.ª; de 07-12-2005, processo 2967/05 -5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 229 (atenuação especial e imputabilidade diminuída); de 15-12-2005, processo 2978/05 - 5.ª; de 06-06-2006, processo 2034/06 - 5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204; de 07-12-2006, processo 3053/06 - 5.ª; de 21-12-2006, processo 4540/06 - 5.ª; de 08-03-2007, processo 626/07 - 3.ª; de 06-06-2007, processos n.os 1403/07 e 1899/07, ambos da 3.ª secção e processo 1603/07-5.ª; de 14-06-2007, processos n.os 1895/07 e 1908/07, ambos da 5.ª secção; de 21-06-2007, processo 1581/07-5.ª; de 28-06-2007, processo 3104/06 - 5.ª; de 17-10-2007, processo 3265/07-3.ª; de 28-11-2007, processo 3981/07 - 3.ª; de 16-01-2008, processos n.os 4638/07 e 4837/07, ambos da 3.ª secção; de 23-01-2008, processo 4560/07-3.ª; de 13-03-2008, processo 2589/07-5.ª; de 26-03-2008, processos n.os 105/08 e 306/08-3.ª; de 17-04-2008, processo 4732/07-5.ª; de 30-04-2008, processo 1220/08-3.ª; de 03-07-2008, processo 1226/08-5.ª; de 25-09-2008, processo 809/08-5.ª; de 23-10-2008, processo 1212/08-5.ª; de 21-01-2009, processo 4029/08-3.ª; de 05-03-2009, processo 4133/08-5.ª; de 23-04-2009, processo 388/09-5.ª; de 02-04-2009, processo 93/09-5.ª; de 10-12-2009, processo 36/08.3GABTC.P1.S1-5.ª; de 17-12-2009, processo 2956/07.3TDLSB.S2-5.ª; de 27-05-2010, processo 6/09.4JAGRD.C1.S1-3.ª; de 27-10-2010, processo 971/06.1JAPRT.S1-3.ª, CJSTJ 2010, tomo 3, pág. 237; de 02-02-2011, processo 1375/07.6PBMTS.P1.S2-3.ª; de 07-09-2011, processo 356/09.0JAAVR.S1-3.ª; de 26-10-2011, processo 319/10.2PGALM.L1.S1-3.ª; de 22-02-2012, processo 1239/03.2GCALM.L1.S1- 3.ª .
Mais recentemente, o acórdão de 17-09-2014, processo 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª, afirma "O artigo 72.º, ao prever a atenuação especial da pena, criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que diminuem por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista pelo legislador para o facto por outra menos severa.
A atenuação especial nos crimes ambientais
No preâmbulo do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março (rectificado pela Declaração de rectificação 73-A/95, no Diário da República, 1.ª série-A, Suplemento, n.º 136, de 14-06-1995), no ponto 7, são apresentados como propostas de neocriminalização, quase exclusivamente restrita aos crimes de perigo comum, a par de outros exemplos de novas modalidades de agressão ou de perigo, os danos contra a natureza (artigo 278.º) e a poluição (artigo 279.º), sendo de englobar a poluição com perigo comum (artigo 280.º), insertos no Título III, Capítulo III - Dos crimes de perigo comum.
Já no preâmbulo do Código Penal revisto, no segmento atinente à Parte especial, no ponto 31, relativo aos crimes de perigo comum, pode ler-se:
"O ponto crucial destes crimes - não falando obviamente, dos problemas dogmáticos que levantam - reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. Clarifique-se que o que neste capítulo está primacialmente em causa não é o dano, mas sim o perigo. A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto), para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. Adiante-se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta".
No Código Penal revisto de 1995 estava prevista a atenuação especial nos crimes ambientais.
Estabelecia então o artigo 286.º sob a epígrafe "Atenuação especial e dispensa de pena":
"Se, nos casos previstos nos artigos 272.º, 273.º, 277.º ou 280.º a 284.º, o agente remover voluntariamente o perigo antes de se ter verificado dano considerável, a pena é especialmente atenuada ou pode te lugar a dispensa de pena".
Dos novos crimes ambientais a medida estava prevista apenas para a poluição com perigo comum.
Os crimes ambientais actualmente estão previstos Código Penal no Capítulo III - Dos crimes de perigo comum - do Título IV - Dos crimes contra a vida em sociedade - compreendendo os artigos 272.º a 286.º
A atenuação especial está prevista expressamente em vários crimes ambientais com as alterações ao Código Penal de 2010 e 2011.
Com a Lei 32/2010, de 2 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 171, de 2-09), que operou a 25.ª alteração ao Código Penal, pelo artigo 2.º, na tutela da Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, aditou dois novos tipos criminais nos artigos 278.º-A (Violação de regras urbanísticas) e 382.º-A (Violação de regras urbanísticas por funcionário).
Ao artigo 278.º-A, segue-se-lhe o artigo 278.º-B, que sob a epígrafe "Dispensa ou atenuação da pena", estabelece:
1 - Nos casos previstos no artigo anterior, pode haver lugar a dispensa de pena se o agente, antes da instauração do procedimento criminal, demolir a obra ou restituir o solo ao estado anterior à obra.
2 - A pena é especialmente atenuada se o agente demolir a obra ou restituir o solo ao estado anterior à obra até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância.
A Lei 56/2011, de 15 de Novembro, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19-11, e a Directiva 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21-10, operou a 28.ª alteração ao Código Penal, e modificou a redacção dos artigos 274.º, 278.º, 279.º, 280.º e 286.º e aditou o artigo 279.º-A (Actividades perigosas para o ambiente)
O artigo 286.º com a redacção proveniente das alterações da Lei 56/2001 passou a prever a atenuação especial para vários crimes.
Estabelece o artigo 286.º, sob a epígrafe "Atenuação especial e dispensa de pena":
"Se, nos casos previstos nos artigos 272.º a 274.º e 277, nos n.os 3 e 5 do artigo 279.º ou nos artigos 280.º a 284.º, o agente remover voluntariamente o perigo antes de se ter verificado dano substancial ou considerável, a pena é especialmente atenuada ou pode ter lugar a dispensa de pena"
Como referem Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, 2014, a págs. 1087, "O artigo 286.º especifica situações em que a contraconduta voluntariamente assumida e executada pelo agente do crime pode obstar à produção de efeitos mais vastos. A contraconduta do agente limita-se aos tipos de ilícito enunciados pela norma.
O elemento comum à atenuação especial e dispensa de pena é a remoção do perigo por ação voluntária do agente, relativamente a facto que já se encontra materialmente consumado (de modo diferente do artigo 24.º). O agente abandona a execução posterior do que tinha em mente e com isso obsta ao desenvolvimento do perigo. Ponto é que tal se verifique antes de se ter verificado dano substancial ou considerável. [...] Verificadas as condições postas pela lei, o agente beneficia da pena especialmente atenuada (de modo obrigatório) ou pode alcançar a dispensa de pena.
A lei não exclui as situações em que o perigo é simplesmente negligente, como se alcança da inclusão dos n.os 3 e 5 do artigo 279.º, entre outros casos".
São os seguintes os crimes em que é possível a dispensa de pena e a atenuação especial de acordo com o artigo 286.º do Código Penal:
Artigo 272.º - Incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas
Artigo 273.º - Energia nuclear
Artigo 274.º - Incêndio florestal
Artigo 277.º - Infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços
Artigo 279.º - Poluição (negligente - n.os 3 e 5).
Artigo 280.º - Poluição com perigo comum
Artigo 281.º - Perigo relativo a animais ou vegetais
Artigo 282.º - Corrupção de substâncias alimentares ou medicinais
Artigo 283.º - Propagação de doença, alteração de análise ou de receituário
Artigo 284.º - Recusa de médico.
A atenuação especial no direito contra-ordenacional
No regime geral
A atenuação especial da coima não estava prevista no regime geral de 1982.
Apenas o artigo 9.º, versando o erro sobre a ilicitude, no n.º 2, sendo o erro censurável, estabelecia que a coima podia ser atenuada.
Com a reforma de 1995 a situação alterou-se.
Em consonância com o constante da Lei de autorização legislativa n.º 13/95 supra mencionada e como dá conta o preâmbulo do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro:
"Em ordem ao reforço dos direitos e garantias dos arguidos, destacam-se a fixação de regras sobre a atenuação especial da coima e a previsão de tal atenuação nos casos de tentativa e cumplicidade [...]".
Assim, a atenuação especial passou a estar prevista nos artigos 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 2 e 16.º, n.º 3 (casos especiais) e no artigo 18.º, n.º 3, quanto à medida da atenuação especial.
Artigo 9.º (Erro sobre a ilicitude)
2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.
Artigo 13.º (Punibilidade da tentativa)
2 - A tentativa é punível com a coima aplicável à contra-ordenação consumada, especialmente atenuada.
Artigo 16.º (Comparticipação)
3 - É aplicável ao cúmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada.
No primeiro caso - erro censurável sobre a ilicitude - a atenuação especial opera ope judicis e nos dois outros - tentativa e cumplicidade - ope legis.
Artigo 18.º (Determinação da medida da coima)
3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.
Esta inovação traduz uma nítida aproximação e incorporação das soluções do Código Penal, no que toca aos casos especiais referidos e também quanto à determinação da medida da coima, como segue:
Erro sobre a ilicitude - artigo 17.º, n.º 2, do Código Penal
Tentativa - artigo 23.º, n.º 2, do Código Penal
Cumplicidade - artigo 27.º, n.º 2, do Código Penal
Por seu turno o n.º 3 do artigo 18.º do RGCO é o equivalente ao artigo 73.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, que prevê a atenuação especial da pena de multa.
Regimes especiais
Há regimes específicos em que o legislador prevê expressamente a possibilidade de atenuação especial e de dispensa de pena.
Assim acontece com a Lei 39/2006, de 25 de Agosto, que estabeleceu um regime especial de dispensa e atenuação especial de coima por infracção às normas nacionais de concorrência, concedidas pela Autoridade da Concorrência, prevendo uma atenuação especial da coima a partir de 50 % (artigo 5.º), uma atenuação especial da coima até 50 % (artigo 6.º) e atenuação adicional de coima (artigo 7.º).
Do mesmo modo no domínio tributário.
Inserto no Capítulo III "Disposições aplicáveis às contra-ordenações", estabelece o artigo 32.º da Lei 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), sob a epígrafe "Dispensa e atenuação especial das coimas":
1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
Paulo Marques, Infracções Tributárias, Volume II, Contra-ordenações, Direcção -Geral dos Impostos - Centro de Formação, Lisboa, 2007, a págs. 82 refere que o n.º 2 do artigo 32.º do RGIT prevê a possibilidade do decisor aplicar uma coima especialmente atenuada, mesmo nas situações em que não existindo a verificação cumulativa dos requisitos exigidos no n.º 1 do mesmo preceito legal, o agente reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até ao momento da decisão do processo contra-ordenacional.
Como dá conta em nota de rodapé, segundo o Ofício-Circulado n.º 60034/2003, de 3 de Dezembro, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária (corrigido pelo Ofício-Circulado n.º 60035/2003, de 10 de Dezembro), por despacho do Director-Geral de 25-10-03, foi decidido instruir os serviços no sentido de que, como se prevê no artigo 32.º do RGIT, nomeadamente no seu n.º 2, as coimas a que se refere o n.º 3, alínea b) do artigo 59.º do CPPT no que respeita à apresentação de declaração de substituição puníveis nos termos dos artigo 119.º daquele Regime Geral, desde que da apresentação desta nova declaração, resulte imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, podem ser especialmente atenuadas nos termos daquele normativo conjugado com os arts. 17.º e 18.º do RGCO [...] se reunidos os requisitos para o efeito".
O Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei 2/2009, de 5-01 e alterado pela Lei 28/2009, de 19-06, regula o acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora.
No artigo 207.º (Graduação da sanção), n.º 4, refere a atenuação decorrente da reparação do dano ou da redução do perigo, que quando realizadas pelo ente colectivo, comunica-se a todos os agentes individuais, ainda que não tenham pessoalmente contribuído para elas, sendo que quanto a punibilidade da tentativa dispõe o artigo 215.º, n.º 3, que a tentativa é punível com a sanção aplicável ao ilícito consumado, especialmente atenuada e segundo o n.º 4, a atenuação da responsabilidade do agente individual comunica-se à pessoa colectiva.
Da mesma forma mesmo no plano de contra-ordenações ambientais.
O regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional encontra-se estabelecido pelo Decreto-Lei 235/2000, de 26 de Setembro, salvaguardado pela Lei 50/2006.
Estando em causa factos praticados por agentes poluidores nos espaços marítimos sob jurisdição nacional independentemente da nacionalidade dos mesmos, incluindo descarga ou derrame de produto poluente susceptível de provocar alterações às características naturais do meio marinho, o artigo 8.º prevê a possibilidade de atenuação especial e suspensão da aplicação da coima, em termos que vale a pena transcrever:
Artigo 8.º (Atenuação especial e suspensão da aplicação da coima)
1 - Sempre que os montantes da coima aplicável ponham em causa a sobrevivência económica de pessoas singulares ou pessoas colectivas, designadamente pequenas empresas, responsáveis pelos factos danosos praticados como agentes poluidores, pode ser determinada a suspensão da execução da aplicação da coima, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código Penal quanto à suspensão da execução da pena.
2 - Pode igualmente, no circunstancialismo descrito no número anterior, haver lugar a atenuação especial da coima, podendo o seu limite mínimo ser reduzido a um quinto.
(A coima prevista no artigo 7.º aplicável a pessoas singulares ia de 150 000$ a 1 500 000$ e a aplicável às pessoas colectivas, de 10 000 000$ a 500 000 000$).
A Lei 50/2006, de 29 de Agosto, ora em causa, prevê atenuação especial nos casos de tentativa (artigo 10.º), erro sobre a ilicitude (artigo 12.º, n.º 2) e cumplicidade (artigo 16.º, n.º 2).
No âmbito do direito rodoviário, no artigo 140.º do Código da Estrada está prevista a atenuação especial da sanção acessória.
Do exposto colhe-se que a atenuação especial da pena é instituto acolhido no seio dos crimes ambientais, de forma expressa quanto ao crime de violação de regras urbanísticas (artigos 278.º - A e 278.º - B) e por remissão do artigo 286.º do Código Penal para crimes ambientais e outros de perigo comum, como "Incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas"; "Energia nuclear"; "Incêndio florestal"; "Infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços"; "Poluição (com negligência)"; "Poluição com perigo comum"; "Perigo relativo a animais ou vegetais"; "Corrupção de substâncias alimentares ou medicinais"; "Propagação de doença, alteração de análise ou de receituário" e "Recusa de médico".
A nível de RGCO a medida premial está prevista expressamente para casos de erro sobre a ilicitude, tentativa e cumplicidade.
Ainda no âmbito do direito contra-ordenacional está expressamente prevista a atenuação especial no Código da Estrada, apenas para as sanções acessórias (artigo 140.º) e atenuação especial de coimas, no âmbito da actividade seguradora (Decreto-Lei 94-B/98, de 17 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei 2/2009, de 5-01 e alterado pela Lei 28/2009, de 19-06), das infracções tributárias (artigo 32.º, n.º 2, da Lei 15/2001, de 5 de Junho - RGIT), da concorrência (Lei 39/2006, de 25 de Agosto) e a nível ambiental no regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, que consta de diploma (Decreto-Lei 235/2000, de 26 de Setembro) que a lei quadro n.º 50/2006, expressamente salvaguardou no artigo 76.º, bem como nesta última.
Volvendo ao caso concreto.
As situações tratadas nos dois processos donde emergiram os acórdãos em confronto são exemplo de que pode haver lugar à convocação de atenuação especial, havendo que atender ao pleno das circunstâncias que enformam o facto, os seus contornos reais, a imagem global do facto, incluindo as condutas posteriores à prática da infracção que devem ser tomadas em consideração. O comportamento infractor não se cingiu apenas ao facto que preencheu a previsão normativa; comportamentos posteriores podem dar a nota de que a conduta desviante sofreu arrepio, procurando o infractor minimizar os efeitos nocivos ou adoptando condutas significantes de alguma reparação, impondo-se em tais casos alguma sensibilidade para a compreensão do facto na sua globalidade e não apenas numa conduta segmentada, extraída de um todo mais amplo e compreensivo.
Assim na situação analisada no acórdão fundamento a infractora procedeu à descarga de resíduos no solo, mas como também ficou provado no ponto 10 do recurso de impugnação "A arguida não retirou benefício económico com a sua conduta, já que logo que foi informada da infracção removeu imediatamente os resíduos em causa, depositando-os em local apropriado".
Mas ficou provado mais. Assente ficou que "O imóvel em causa é terra de pinhal e mato, sem qualquer aproveitamento económico" e no ponto 11 "Com a sua actuação, a arguida visava nivelar o terreno, para permitir a sua limpeza, melhor acesso a outros terrenos vizinhos, contribuindo para a prevenção de incêndios".
A arguida procedeu à remoção quase imediata com o que despendeu a quantia necessária como dá conta a mesma decisão.
Este enquadramento fáctico visto na sua globalidade configura bom exemplo de como em certos casos será de convocar a aplicação da medida premial, como de resto aconteceu.
No caso do acórdão recorrido encontravam-se VFV (veículos em fim de vida) para serem desmantelados e diversos resíduos (tais como material ferroso, plásticos, filtros, bancos de automóveis, pára-choques), sem qualquer tipo de separação, sendo que a arguida não tinha qualquer licenciamento para as operações de gestão de VFV que levava a cabo. Em suma, em causa, falta de separação e falta de licenciamento.
Como consta do ponto 10 dos factos assentes "A equipa de protecção do Ambiente deslocou-se novamente às instalações da arguida, tendo constatado que a mesma já procedia à separação de resíduos, sendo titular de licença"
Por outro lado, sabido que as infracções foram detectadas em 10 de Setembro de 2008, como ficou provado no ponto 12 "Em 11 de Agosto de 2008 a arguida solicitou à CCRCentro o licenciamento de gestão de resíduos, licenciamento que foi concedido em 14 de Julho de 2009", ou seja, a arguida aguardou onze meses pelo licenciamento.
O presente enquadramento fáctico, incluídas as condutas posteriores, revela a reparação da situação.
O princípio da subsidiariedade do direito criminal está expressamente consagrado no Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).
Estabelece o artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27-10 (Do direito subsidiário):
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.
De acordo com o artigo 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto "As contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações".
Este Supremo Tribunal de Justiça já por duas vezes aplicou o regime do Código Penal em sede de fixação de jurisprudência em matéria contra-ordenacional, em situações em que estava em causa prescrição, o que ocorreu no Acórdão 6/2001, de 8 de Março e Acórdão 2/2002, de 17 de Junho, supra citados.
Aplicando atenuação especial da coima, pode ver-se o acórdão datado de 27 de Janeiro de 2011, proferido no processo 17/10.7YFLSB-5.ª, em que estava em apreciação infracção consistente na não apresentação de contas da campanha relativa ao referendo ocorrido em 11-02-2007.
Pode concluir-se não haver razão para, no âmbito das contra-ordenações ambientais, não aplicar a cláusula geral do artigo 72.º do Código Penal, figura acolhida em regimes específicos contra-ordenacionais e mesmo no domínio ambiental (decreto-lei 235/2000), que a própria Lei 50/2006 ressalvou no artigo 76.º, significando não repúdio por essa possibilidade.
Como diz o artigo 76.º "A presente lei não prejudica o disposto no regime das contra-ordenações no âmbito da poluição do meio marinho nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, aprovado pelo Decreto-Lei 235/2000, de 26 de Setembro".
As consequências dos factos previstos neste diploma podem ser muitíssimo mais nefastas para o meio ambiente do que as situações ajuizadas nos acórdãos em confronto.
Mal se entenderia que a possibilidade de atenuação especial esteja presente em crimes ambientais e já não pudesse ser convocada para ilícitos com menor ressonância ética.
As previsões dos artigos 278.º-A e 286.º do Código Penal, constituindo de algum modo lugares paralelos, são sinais no sentido de que ao legislador não repugnará a aplicação subsidiária; se assim é com crimes ambientais porque não com contra-ordenação ambiental; sempre será de colocar a questão nos casos em que há remoção do perigo, reparação da falta, reposição na situação anterior, uma forma de reparação, como manifestação de algum arrependimento.
Pelo exposto, opta-se pela solução do acórdão fundamento.
Decisão
Pelo exposto, acorda-se no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Fixar jurisprudência nos seguintes termos:
«É aplicável às contra-ordenações ambientais a atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 2.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto e 32.º do RGCO»;
b) Em consequência, determina-se que, oportunamente, o processo seja remetido ao Tribunal da Relação de Coimbra para que seja proferida nova decisão em conformidade com a jurisprudência fixada (artigo 445.º do CPP).
Não é devida taxa de justiça - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
Cumpra-se, oportunamente, o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do CPP.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 9 de Setembro de 2015. - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges (Relator) - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Manuel Joaquim Braz (Vencido, por entender que o recurso para fixação de jurisprudência não tem aplicação no processo de contra-ordenação) - Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - Nuno de Melo Gomes da Silva - João Manuel da Silva Miguel - Francisco Manuel Caetano - José Vaz dos Santos Carvalho (Voto a declaração do Cons. Manuel Braz, mas quanto à questão de fundo voto o projecto sem reservas) - Armindo dos Santos Monteiro - José António Henriques dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - António Pires Henriques da Graça - António Silva Henriques Gaspar (Presidente).
Declaração de voto
Como já decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/2015, proferido no processo 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, do qual fui relator, considero que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência regulado nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal não tem aplicação em matéria contra-ordenacional. Só a poderia ter pela via do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro [«Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal»].
E não é o caso. Com efeito, o Decreto-Lei 433/82, no artigo 75.º, n.º 1, depois de definir o âmbito do recurso interposto da decisão de 1.ª instância, nos casos em que é admissível, estabelece que das decisões do tribunal de 2.ª instância «não cabe recurso». Podendo os recursos ser ordinários e extraordinários, deve entender-se que o termo recurso, sem qualquer restrição, abrange as duas espécies, pelo que das decisões da 2.ª instância não é admissível qualquer tipo de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja ele ordinário ou extraordinário. Só assim não seria se da lei se colhessem indicações que impusessem uma interpretação restritiva da parte final da disposição do n.º 1 do artigo 75.º, de modo a considerar que ali se tem em vista apenas o recurso ordinário.
E não colhe. Bem pelo contrário. Na verdade, a conclusão de que essa norma veda também a interposição de recursos extraordinários das decisões das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça resulta do facto de o Decreto-Lei 433/82 prever instrumentos que têm proximidade ou se identificam com os recursos extraordinários previstos no âmbito do processo criminal: para fixação de jurisprudência e de revisão de sentença.
Assim, destinando-se o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência regulado nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal a assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a que seja aplicada a todos por igual, o Decreto-Lei 433/82 contém normas que têm essa mesma finalidade. Nomeadamente, o artigo 73.º, depois de no n.º 1 elencar os casos em que a decisão de 1.ª instância admite recurso [normal], estabelece no n.º 2 que, para além desses casos, «poderá a relação [...] aceitar o recurso [...] quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
Do mesmo modo, prevê, nos artigos 80.º e 81.º, um regime especial de revisão das decisões sobre matéria contra-ordenacional, revisão essa que cabe ao tribunal de 1.ª instância, no caso de decisão de autoridade administrativa, ou ao tribunal de 2.ª instância, no caso de decisão judicial. Nunca, em casos como o presente, ao Supremo Tribunal de Justiça.
Nestes termos, se a lei geral das contra-ordenações contém o seu próprio regime de recursos especiais e extraordinários, não sobra espaço para a aplicação subsidiária no âmbito do direito de mera ordenação social dos recursos extraordinários previstos no processo penal, tal como aí se encontram regulados.
E se é certo que o recurso especial para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformidade da jurisprudência a que se refere o n.º 2 daquele artigo 73.º tem um âmbito muito mais limitado do que o recurso extraordinário previsto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, também o é que é bem diversa a natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em jogo no campo do direito criminal e no do direito de mera ordenação social. Por isso mesmo é que não é admissível recurso ordinário de todas as decisões judiciais condenatórias proferidas em processo de contra-ordenação, ao contrário do que se verifica no processo criminal.
Deve, pois, concluir-se que o processo de contra-ordenação não comporta recursos cujo julgamento caiba a tribunal superior ao de 2.ª instância, estando por isso em casos como o presente excluído o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal.
Para além do que se disse, não se vê como poderia compatibilizar-se esse recurso com o regime especial previsto no n.º 2 do artigo 73.º do Decreto-Lei 433/82. Efectivamente, se fosse aplicável em matéria contra-ordenacional, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência seria admissível em todos os casos em que houvesse oposição de julgados, mesmo naqueles em que os acórdãos em conflito tivessem decidido recursos interpostos ao abrigo dessa norma, com vista à uniformidade da jurisprudência, o que se traduziria numa sobreposição de mecanismos com a mesma finalidade. Um tal regime, disponibilizando mais meios de reacção contra conflitos jurisprudenciais em matéria contra-ordenacional do que em matéria criminal, não seria congruente e por isso não faria justiça ao legislador presumido no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Pode assim dizer-se que em matéria de contra-ordenações, atenta a menor relevância dos valores ou interesses em jogo comparando com o direito penal, a lei se satisfaz com a uniformidade da jurisprudência que se realiza através do recurso ordinário. Por isso e porque esse recurso só está previsto para certos casos, abre-se a possibilidade de, naqueles em que o não está, ser aceite pelo tribunal que decide em última instância, se o considerar manifestamente necessário, designadamente, para aquele fim: a uniformidade jurisprudencial. Por outras palavras, porque se confere ao recurso ordinário a função de, além do mais, uniformizar a jurisprudência, com essa finalidade pode ele ser aceite mesmo nos casos em que, nos termos gerais, não é admissível.
Esta solução é defendida por Paulo Pinto de Albuquerque nos seguintes termos:
"[...] não é aplicável no processo contra-ordenacional o recurso para uniformização da jurisprudência, com fundamento no artigo 437.º do CPP [...]. A regulamentação expressa do artigo 73.º, n.º 2, do RGCO afasta a aplicação subsidiária do CPP, como resulta, aliás, também de modo claro do artigo 75.º do RGCO, que proíbe expressamente o recurso de decisões do TR" (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, página 304).
Deste modo, na consideração de que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não é admissível no caso, pronunciei-me no sentido da sua rejeição, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ainda nesta fase.
Decidida por maioria a admissibilidade do recurso, votei favoravelmente a jurisprudência fixada.
Manuel Joaquim Braz