Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013
Processo 165/10.3TTFAR.E1-A.S1
A sociedade comercial Inspecentro-Inspecção Periódica de Veículos Automóveis, S. A., veio, nos termos dos artigos 437.º e seguintes, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, datado de 3 de Maio de 2011, transitado em julgado, proferido no recurso registado sob o n.º 165/10.3TTFAR.E1, emergente do processo de contra-ordenação, que na fase administrativa, correu termos na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), através da Unidade Local de Faro, no qual, à ora recorrente, na qualidade de entidade empregadora, era imputada a prática de infracção ao disposto no artigo 81.º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, conjugado com o artigo 151.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei 35/2004, de 29 de Julho, por que foi condenada em coima, e que, após impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, deu origem, no Tribunal de Trabalho de Faro, ao processo 165/10.3TTFAR, no qual, por despacho judicial, foi rejeitada, por intempestiva, a impugnação judicial por si deduzida.
Invoca a sociedade comercial, ora recorrente, oposição entre a solução deste acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que rejeitou, por intempestividade, a impugnação judicial por si apresentada, procurando reagir à decisão administrativa que lhe impusera a aplicação de uma coima, e a preconizada, em sentido inverso, sobre situação alegadamente similar, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso n.º 18/10.5TTCLD.L1, da 4.ª Secção, datado de 30 de Junho de 2010, e transitado em julgado em 26 de Julho de 2010, proferido no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 18/10.5TTCLD, em que era arguida a sociedade comercial "Arma-Fio, Armaduras para Betão".
Por acórdão de 5 de Junho de 2012, foi decidido verificarem-se os pressupostos de admissibilidade do presente recurso extraordinário, nomeadamente, a oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, e ordenado o seu prosseguimento.
Alegaram, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a sociedade comercial recorrente e o Ministério Público.
A sociedade comercial recorrente concluiu assim as alegações apresentadas (em transcrição integral):
"I. No caso concreto, é aplicável o disposto nos artigos 59º, nº 2 e 60º do R.G.C.O., pelo que o termo do prazo para a apresentação da impugnação terminou em 17 de Fevereiro de 2010.
II. À luz do disposto no artigo 6º da superveniente Lei 107/2009, de 14 de Setembro, o mesmo prazo de 20 dias terminaria em 8 de Fevereiro de 2010.
III. Em processo de contra ordenação laboral a nova lei que encurta o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso de impugnação, que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa, tem que ser encarada como agravando sensivelmente de forma evitável a respectiva situação processual.
IV. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2 alínea a) do CPP - aplicável por força do disposto no artigo 41º do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro - cumpre aplicar a tal título a Lei anterior, por ser o regime mais favorável ao arguido.
V. A aplicação do artigo 6º da nova Lei ao caso sub judice configura uma considerável limitação do direito de defesa da arguida, já que lhe encurta de forma significativa o prazo da sua defesa.
VI. A aplicação imediata da nova Lei ao caso concreto viola o disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a) do CPP, aplicável por força do artigo 41º do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60º da lei 107/2009, de 14 de Setembro».
Termina defendendo que o recurso deve ser julgado procedente e fixada jurisprudência nos termos definidos no acórdão fundamento, ou seja:
"Em processo de contra ordenação laboral a nova lei que encurta o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso de impugnação, que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa, tem que ser encarada como agravando sensivelmente de forma evitável a respectiva situação processual, pelo que cumpre aplicar a tal título, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2 alínea a) do CPP- aplicável por força do disposto no artigo 41º do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60º da Lei 107/2009, de 14/9 - a Lei anterior».
Por seu turno, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, na douta e bem fundamentada resposta, concluiu nos termos seguintes:
8.1 - No âmbito do regime jurídico das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei 107/2009, de 14 de Setembro, e quer por via do disposto no art. 60.º deste diploma, quer do art. 41.º, n.º 1 do DL n.º 433/82, de 23 de Setembro, são subsidiariamente aplicáveis, em matéria de sucessão da lei no tempo, os preceitos reguladores do processo criminal;
8.2 - No processo criminal está hoje pacificamente consolidado na jurisprudência - [na sequência, aliás, do Acórdão de Uniformização n.º 4/2009] -, e até também na própria doutrina, a dimensão normativa dos preceitos legais ao caso convocáveis que aponta no sentido de que, em caso de sucessão de leis processuais penais no que respeita ao recurso a interpor pelo arguido, o respectivo direito nasce com a prolação da sentença penal condenatória proferida em 1.ª Instância.
8.3 - O que significa portanto que o regime processual aplicável é, nesta sede, aquele que estiver em vigor na data em que foi proferida a decisão (da 1.ª Instância), independentemente de o respectivo processo se ter iniciado no domínio de vigência da lei anterior.
8.4 - Ora, se no processo penal - [em cuja sede se tutelam bens jurídicos e valores de acrescida ressonância social, como é desde logo o caso, v.g., do direito à "liberdade", constitucionalmente garantido (art. 27.º da CRP)] - o direito ao recurso se materializa apenas no momento em que é proferida a decisão condenatória, sendo portanto aplicável a lei processual que estiver em vigor aquando da respectiva prolação, redundaria em inadmissível contradição valorativa que pudesse ser outro o caminho a trilhar no domínio do processo de contra-ordenação, ao qual é, como já vimos, subsidiariamente aplicável o processo penal, quando é certo que nele se tutelam sobretudo interesses de índole meramente patrimonial e/ou económica, de relevância social incomensuravelmente menos significativa.
8.5 - No apontado quadro, é assim de concluir que, instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação de decisão de autoridade administrativa que, já na vigência deste diploma, aplique uma coima, é convocável o novo regime introduzido pelo seu art. 6.º, por aplicação subsidiária do art. 5.º, n.º 1 do CPP, pois que é nesse momento que fica definida a relação entre o arguido e o processo [a "situação processual do arguido"] no que respeita à concretização e condições de exercício do seu direito ao recurso [impugnação judicial] da decisão que lhe seja desfavorável.
8.6 - A regra da aplicação imediata da lei nova pode, e deve, ser derrogada é certo, tanto no domínio do processo penal como do processo contra-ordenacional, quando estiver verificada alguma das circunstâncias normativamente enunciadas no n.º 2 do art. 5.º do CPP, entre as quais a de dessa aplicação imediata decorrer um "agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa».
8.7 - Só que "in casu" a alteração introduzida pelo mencionado art. 6.º da nova lei prende-se apenas com a forma de contagem dos prazos processuais no âmbito do processo de contra-ordenação laboral, tendo ficado confinada, pois, a aspectos de mero formalismo processual, sem por qualquer forma modificar ou beliscar o núcleo essencial do direito ao recurso e/ou as condições de respectiva admissibilidade: o arguido/condenado manteve incólume o direito a impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa que lhe seja desfavorável, através do competente e adequado recurso jurisdicional, recurso esse que continua a ter de observar os mesmos cuidados de forma [tem de conter, designadamente, alegações e conclusões] e que terá também de ser interposto, como antes, no prazo de 20 dias.
8.8 - A alteração verificada, confinada assim à introdução da regra da "continuidade dos prazos" não pode, de todo, assumir, no plano do direito ao recurso, "uma grandeza, relevância e intensidade" susceptível de integrar o conceito legal de "agravamento sensível» da posição processual do arguido, nos termos e para os efeitos da previsão normativa contida na alínea a) do n.º 2 do citado art. 5.º do CPP.
8.9 - De resto, e como ensina Paulo Pinto de Albuquerque, In "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, 2.ª edição, pág. 58 e 59, se é verdade que "as normas processuais proprio sensu estão ainda subordinadas ao direito de acesso aos tribunais, previsto no art. 20.º, n.º 1, da CRP e no art. 6.º do CEDH [...]», não é menos verdade também que, nesta matéria, "o legislador não pode aplicar imediatamente aos processos pendentes normas menos favoráveis aos sujeitos processuais quando elas ponham em causa o direito de acesso aos tribunais. (...) mas pode limitar a aplicação aos processos pendentes de normas mais favoráveis aos sujeitos processuais e participantes processuais, desde que essa limitação não constitua uma restrição desproporcionada e arbitrária do direito de acesso aos tribunais».
8.10 - No caso sujeito, temos por certo que a aplicação imediata da lei nova, com a consequente introdução da regra da continuidade dos prazos, não retira ao arguido quaisquer das garantias de defesa que anteriormente lhe estavam asseguradas, mantendo intocado o direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva.
8.11 - Neste quadro e dimensão normativa, convenhamos que, tendo-se estabilizado o direito ao recurso, como já vimos, apenas com a prolação da decisão condenatória da autoridade administrativa, e proferida que foi esta na vigência da lei nova, não pode de todo considerar-se que o arguido tenha sido surpreendido por uma inesperada e imprevisível alteração do modo de contagem do prazo processual de impugnação. O mesmo é dizer, pois, que a aplicação da regra da continuidade dos prazos está, também, longe de se traduzir numa desproporcionada limitação do direito de acesso aos tribunais e/ou à justiça.
A finalizar, propõe que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação de Évora, de 03 de Maio de 2011, proferido pela Secção Social no Processo 165/10.3TTFAR.E1, e o da Relação de Lisboa, de 30 de Junho de 2010, proferido pela Secção Social, no âmbito do Processo 18/10.5TTCLD.L1-4, seja resolvido nos seguintes termos:
"Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da Autoridade Administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados».
Colhidos os vistos, foi realizado o julgamento em conferência pelo Pleno das Secções Criminais, nos termos do artigo 443.º do Código de Processo Penal, cumprindo agora decidir.
Fundamentação.
Reapreciando os pressupostos de oposição.
A sociedade comercial recorrente funda o presente recurso na oposição entre o acórdão recorrido, proferido pela Secção Social do Tribunal da Relação de Évora no processo 165/10.3TTFAR.E1, em 3 de Maio de 2011, e um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Junho de 2010, proferido igualmente pela respectiva Secção Social, no âmbito do processo 18/10.5TTCLD.L1-4, indicado como acórdão fundamento, proferidos ambos no domínio da mesma legislação reguladora do prazo de impugnação de decisão administrativa, sem que durante o intervalo da respectiva prolação tivesse ocorrido modificação legislativa que, directa ou indirectamente, fosse susceptível de interferir na resolução da questão de direito controvertida.
A única alteração legislativa entretanto verificada consistiu - apenas na consideração da óptica dos acórdãos ora em confronto, que não no plano das decisões administrativas de primeira instância, já que entre 13-11-2009 e 15-01-2010, datas das decisões proferidas nos processos de contra-ordenação em oposição, nada se passou a este nível - na Lei 43/2010, de 3 de Setembro, que antecedeu o acórdão recorrido, mas já não o acórdão fundamento, a qual procurando resolver um problema suscitado em Setembro de 2007, alterou o "conceito" de período de "férias judiciais", de modo a abranger o período de 16 a 31 de Julho, para tanto alterando o artigo 12.º da LOFTJ (nas duas versões, de 1999 e de 2008), revogando a Lei 35/2010, de 15 de Abril, que alterara o artigo 144.º do CPC, por forma a que para efeitos de suspensão do prazo fosse aquele período abrangido como férias judiciais. A alteração não releva, porém, para a solução do caso concreto. (Conferir, infra, a evolução legislativa aqui em presença).
Noutra perspectiva, sendo manifesta a legitimidade e interesse em agir da sociedade recorrente, uma vez que foi negado provimento ao recurso por si interposto, com a consequente manutenção do despacho judicial, que rejeitara, por extemporânea, a impugnação por si apresentada da decisão administrativa contra si proferida, que a condenara em coima, bem como a tempestividade do presente recurso, passemos à questão
Da oposição de julgados.
Certo sendo que a decisão tomada na Secção Criminal sobre a oposição de julgados não vincula o Pleno, que tem competência para reapreciar a verificação dos pressupostos processuais do recurso, há que proceder a esse reexame.
Em ambos os casos em causa está a forma de contagem do prazo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa, estando-se perante dois regimes processuais, que se sucederam entre as datas do início dos processos e as datas de cada uma das decisões administrativas impugnadas, pondo-se a questão de saber se é de aplicar ou não a lei nova, que no concreto, "encurta" o referido prazo, por diverso modo de contagem.
Vejamos o que estava em causa em cada um dos acórdãos em confronto e o modo como foi abordada a questão de aplicação da lei processual no tempo.
Começando pela situação de facto.
Em ambas as situações, as sociedades comerciais recorrentes foram condenadas em coima, pela prática, em um e outro caso, de uma contra-ordenação grave, prevista e punida, por disposições conjugadas do Código do Trabalho, em vigor à data da sua prática, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto (e alterado pelas Leis n.º 9/2006, de 20 de Março, n.º 59/2007, de 04 de Setembro, e n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e posteriormente revogado pelo artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, rectificada pela Declaração de Rectificação 21/2009, in Diário da República, 1.ª Série, de 18 de Março, que aprovou o novo Código do Trabalho) e do respectivo Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei 35/2004, de 29 de Julho (alterado pela Lei 9/2006, de 20 de Março e pelo Decreto-Lei 164/2007, de 03 de Maio, e igualmente revogado pelo citado artigo 12.º, n.º 1, agora, alínea b), da citada Lei 7/2009), sendo a infracção relacionada, no caso do acórdão recorrido, com o direito do trabalhador estudante a falta justificada ao trabalho para prestação de provas de avaliação (previsto nos artigos 81.º e 647.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 e artigo 151.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regulamento), e no outro, no caso do acórdão fundamento, com a situação de despedimento com fundamento na extinção de posto de trabalho (situação prevista nos artigos 403.º, n.º 2, 616.º e 681.º, n.º 1, alínea d), do citado Código do Trabalho de 2003).
Em causa, num e noutro caso, a prática de contra-ordenação laboral definida então pelo artigo 614.º do Código do Trabalho de 2003 ("sucedendo" ao artigo 1.º, n.º 1, da Lei 116/99, de 4 de Agosto - Regime geral das contra-ordenações laborais (RGCOL) -, revogada pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea aa), da Lei 99/2003, de 27 de Agosto) nestes termos: "Constitui contra-ordenação laboral todo o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com coima», cabendo o respectivo procedimento inicialmente à Inspecção-Geral do Trabalho - artigo 630.º - e mais tarde, por força do Decreto-Lei 326-B/2007, de 28 de Setembro - artigo 19.º -, à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). (Conferir, na actualidade, o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Lei 107/2009, de 14 de Setembro).
Vejamos o que aconteceu no caso versado no processo de contra-ordenação onde foi proferido o acórdão recorrido - o processo 165/10.3TTFAR do Tribunal de Trabalho de Faro.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), através da Unidade Local de Faro, levantou auto de notícia (n.º CO1208002269), em 21 de Agosto de 2008, à arguida, INSPECENTRO - Inspecção Periódica de Veículos Automóveis, S.A., na qualidade de entidade empregadora, imputando-lhe a prática de infracção ao disposto no artigo 81.º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, conjugado com o artigo 151.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei 35/2004, de 29 de Julho, constituindo contra-ordenação grave, nos termos do artigo 647.º da aludida Lei 99/2003.
O processo de contra-ordenação correu os seus termos, na fase administrativa, na aludida Autoridade para as Condições do Trabalho, com a apresentação de resposta escrita pela arguida, depois de notificada para o efeito, em 3 de Dezembro de 2008, culminando na prolação de decisão pela Sr.ª Sub Directora da referida Unidade Local, em 15 de Janeiro de 2010, a qual, julgando verificado o aludido ilícito, na forma dolosa, aplicou pela sua prática, a coima de 1.728,00 euros.
A sociedade arguida foi notificada do teor da aludida decisão por carta registada com aviso de recepção.
Na nota então remetida à arguida consigna-se - na parte que aqui interessa - que a mesma fica por esse meio notificada do teor da decisão proferida no processo de contra-ordenação em epígrafe, anexando-se guias de pagamento de coima e de custas.
Aí se consignou ainda que "a decisão relativa à aplicação da coima é susceptível de impugnação judicial dirigida ao tribunal de trabalho competente, a apresentar, por escrito, nos serviços da Autoridade para as Condições do Trabalho, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido".
Mais se consignou que, nos "termos do artigo 6.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, os prazos previstos na presente lei são contínuos não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. Quando a prática do acto processual terminar em dia que a ACT estiver encerrada transfere-se para o dia útil seguinte".
A carta foi recebida pela sociedade arguida em 19 de Janeiro de 2010.
A arguida interpôs recurso de impugnação judicial, tendo o respectivo requerimento sido remetido à Unidade de Faro da Autoridade para as Condições do Trabalho, por carta registada expedida em 15 de Fevereiro de 2010, e que ali deu entrada em 17 de Fevereiro de 2010, dando os autos, então remetidos ao Ministério Público no Tribunal de Trabalho de Faro, origem ao processo 165/10.3TTFAR.
Conclusos os autos, foi proferido despacho judicial, decidindo rejeitar, por extemporânea, a impugnação apresentada pela arguida da decisão administrativa contra si proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
Interposto recurso da decisão de rejeição, o acórdão recorrido confirmou-a.
Vejamos, agora, o que ocorreu no caso do processo de contra-ordenação laboral, onde foi proferido o acórdão fundamento.
No processo de contra-ordenação n.º 18/10.5TTCLD do Tribunal de Trabalho de Caldas da Rainha, donde emergiu o acórdão fundamento, há a considerar que:
1 - O auto de notícia do processo data de 28 de Julho de 2009.
2 - A arguida foi notificada, nos termos dos artigos 635.º e 636.º do CT/2003, por carta datada de 4-09-2009.
3 - E apresentou a sua defesa escrita em 7-09-2009.
4 - Por decisão datada de 13 de Novembro de 2009, a autoridade administrativa (ACT) de Caldas da Rainha condenou a recorrente no pagamento de uma coima no montante de 1.200,00 (euro), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos do disposto nos artigos 403.º, n.º 2, 616.º e 681.º, n.º 1, alínea d), todos do CT/2003, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto.
5 - A recorrente foi notificada desta decisão por carta registada com aviso de recepção de 23-11-2009.
6 - A recorrente apresentou impugnação judicial da decisão no ACT das Caldas da Rainha por requerimento entrado, via fax, em 21-12-2009, sendo o original remetido, via postal, em 23-12-2009, para o tribunal, que por despacho, rejeitou o recurso interposto da decisão recorrida, por extemporaneidade.
7 - Interposto recurso, o acórdão fundamento, considerando a impugnação tempestiva, deu provimento ao mesmo.
Assim temos que:
No processo de contra-ordenação onde foi proferido o acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão judicial de rejeição.
No processo de contra-ordenação onde foi proferido o acórdão fundamento, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a decisão judicial de rejeição.
A questão central em debate num e noutro dos processos em confronto gira em torno da questão de saber como contar o prazo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa, se à luz do direito anterior, vigente à data do início do processo, com aplicação do regime previsto no Regime Geral das Contra-Ordenações, ou se à face da lei nova - Lei 107/2009, de 14 de Setembro - o que releva, pois que no domínio do regime geral das contra-ordenações, o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados, e à luz do actual regime, não, o que se traduz, obviamente, num encurtamento de prazo.
Por outras palavras, a questão é saber, em caso de sucessão de regimes sobre a matéria, qual o regime legal a aplicar relativamente ao modo de contagem do prazo de impugnação judicial da decisão de autoridade administrativa por parte do condenado no âmbito de processo de contra-ordenação.
No caso concreto, coloca-se a questão de saber se, instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior a 1 de Outubro de 2009 - data da entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro - à contagem do prazo de impugnação da decisão da competente autoridade administrativa que, já na vigência deste diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelos artigos 6.º e 33.º, n.º 2, da Lei 107/09, ou antes, aquele que vigorava à data da instauração do processo - e que, na ausência do inovador e especial regime para a específica matéria em causa - era o regime geral das contra-ordenações, resultante do disposto nos artigos 59.º e 60.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, por força da ressalva constante do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
À face dos dois regimes - o geral e o especial no concreto caso - o prazo de impugnação é o mesmo, de 20 dias, mas o ponto é que pela nova lei de 2009, conta-se de modo diverso, de acordo com as disposições constantes da lei do processo penal, correndo continuamente, de forma diversa do que decorre do regime geral, em que se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Em ambos os casos em apreciação, nos acórdãos recorrido e fundamento, os processos de contra-ordenação tiveram início na vigência da lei anterior, concretamente, em data anterior a 1 de Outubro de 2009, data da entrada em vigor da nova lei, e daí surgir um problema de sucessão de leis processuais no tempo, uma questão de direito intertemporal.
O processo donde emergiu o acórdão recorrido teve início em 21 de Agosto de 2008, data da elaboração do auto de notícia - fls. 3 e 6.
O processo que originou o acórdão fundamento teve início em 28 de Julho de 2009, data da elaboração do auto de notícia - fls. 43.
Em ambos os casos, a decisão da autoridade administrativa teve lugar na vigência da nova lei (Lei 107/2009, de 14 de Setembro), ou seja, após 1 de Outubro de 2009.
A decisão administrativa que a arguida impugnou no processo 165/10.3TTFAR, onde foi elaborado o acórdão recorrido, foi proferida em 15 de Janeiro de 2010, conforme fls. 6.
A decisão administrativa impugnada no processo 18/10.5TTCLD, donde emergiu o acórdão fundamento, foi proferida em 13 de Novembro de 2009 (fls. 44 verso).
Vejamos as soluções propostas para a solução do problema nos acórdãos em confronto.
O acórdão recorrido, convocando o "entendimento uniforme e já sedimentado" deste Supremo Tribunal a propósito da questão de aplicação da lei processual no tempo e no âmbito do processo penal, de que "é aplicável o regime processual vigente à data da decisão de 1.ª instância e que a excepção do artigo 5.º, n.º 2, do CPP, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta, de aplicação imediata", citando os acórdãos proferidos em 23 (e não 26) de Junho de 2010, no processo 1/07.8ZCLSB.L1.S1, da 3.ª Secção, de 5 de Junho de 2008, proferido no processo 1151/08, da 5.ª Secção, publicado na Colectânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, tomo 2, página 251, de 06 de Fevereiro de 2008, no processo 4633/07, da 3.ª Secção e o acórdão de 18 de Fevereiro de 2009 (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2009), tomou posição expressa, considerando que " (...) sendo a lei processual de aplicação imediata, deve prevalecer relativamente a actos praticados na sua vigência, ainda que no âmbito de processo que se iniciou na vigência de lei anterior e sem prejuízo da validade dos actos então realizados".
Defendeu prevalecer o novo regime, atendendo à data da decisão que pretende impugnar proferida já na vigência da Lei 107/2009, prevalecendo a regra geral do artigo 5.º, n.º 1, do CPP, não operando excepções do n.º 2, na parte que interessa na sua alínea a) e respondeu à questão que lhe vinha colocada em termos que podem formular-se neste sentido:
"Instaurado processo de contra-ordenacão laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelos seus artigos 6.º e 33.º, n.º 2».
Diversamente, o acórdão fundamento, convocando o entendimento de que "em processo de contra-ordenação laboral a nova lei que encurta sensivelmente o prazo de que a arguida dispunha para interpor recurso de impugnação, que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa, tem que ser encarada como agravando sensivelmente e de forma evitável a respectiva situação processual, pelo que cumpre aplicar a tal título, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2/a) do CPP - aplicável por força do n.º 1 do art. 41.º do RGCO, para o qual remete também o disposto no art. 60.º da Lei 107/2009, de 14/9 - a Lei anterior".
Assim respondeu à mesma questão, em termos que podem formular-se, como segue:
"Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o regime que vigorava à data da instauração do processo - e que era o regime geral das contra-ordenações resultante dos artigos 59.º e 60.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro - por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP».
O quadro normativo em consideração em ambas as decisões em confronto é exactamente o mesmo (ressalvada a diferença supra apontada, no que toca às alterações legislativas introduzidas em 2010 nos artigos 143.º e 144.º do Código de Processo Civil, mas que se revelam de todo inócuas no contexto em apreciação, por circunscritas a reposição de considerações do que deve entender-se por período das férias judiciais, subitamente restringidas no final do Verão de 2007), estando em causa a interpretação dos artigos 41.º, 59.º e 60.º, do Regulamento Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, do artigo 72.º do Código de Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei 442/91, de 15 de Novembro, entrado em vigor em 16-05-1992, conforme o artigo 2.º daquele Decreto-Lei, antes rectificado pela Declaração de Rectificação 265/91, de 30/12, publicada no 4.º Suplemento do Diário da República, I-A, de 31-12-1991, e alterado em 33 artigos, sendo aditados dois artigos - o 6.º-A e o 189.º -, e sendo revogado o n.º 2 do artigo 187.º, pelo Decreto-Lei 6/96, de 31 de Janeiro, sendo o Código de Procedimento Administrativo de 1991, republicado, conforme o artigo 4.º do citado Decreto-Lei de 1996), dos artigos 6.º, 33.º e 60.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, e dos artigos 5.º, 103.º e 104.º do Código de Processo Penal e ainda do artigo 144.º do Código de Processo Civil.
Do confronto dos dois acórdãos em oposição, pode concluir-se que
É patente que em ambos os acórdãos foram equacionadas questões processuais com contornos muito semelhantes.
A questão jurídica é a mesma, consistindo em saber, face a sucessão de regimes processuais sobre contagem de prazo de impugnação judicial de decisão administrativa em processo de contra-ordenação laboral, qual deles deve prevalecer.
De igual modo claro é que as soluções preconizadas no que ao específico ponto concreto importa são absolutamente antagónicas.
Enquanto o acórdão recorrido decidiu ser de aplicar a lei nova, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida de rejeição, por considerar extemporânea a impugnação apresentada pela arguida, o acórdão fundamento tem solução diametralmente oposta, fazendo aplicação da lei anterior, para tanto convocando a excepção da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPP, e concedendo provimento ao recurso, ordena a substituição do despacho recorrido por outro que repute atempado o recurso interposto pela recorrente.
É inquestionável, pois, a oposição de julgados reconhecida no acórdão preliminar.
Definida a questão de direito que suscita a pedida fixação de jurisprudência e enunciadas as posições em confronto,
Cumpre decidir.
Antes de avançarmos, passar-se-á em revista a evolução legislativa verificada na transição do plano do esquema clássico contravencional e a respectiva convolação para o ilícito de mera ordenação social.
A Transição
Na definição do artigo 3.º do Código Penal de 1852/1886 considerava-se contravenção "o facto voluntário punível, que unicamente consiste na violação, ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica".
A adjectivação deste tipo de ilícito criminal era feita em processo de transgressão, previsto então no artigo 62.º-3.º, do Código de Processo Penal de 1929, aprovado pelo Decreto-Lei 16489, de 15-02-1929, como uma das quatro formas de processo comum, dizendo o artigo 66.º que eram julgadas em processo de transgressão as contravenções, qualquer que fosse a disposição legal em que estivessem previstas, e as transgressões de regulamentos, editais, posturas ou quaisquer disposições que, atendendo à entidade que as formula, devam qualificar-se de regulamentares, sendo regulado o processo de transgressão, ao longo dos artigos 543.º a 555.º do mesmo CPP, com as alterações dos Decreto-Lei 35.007, de 13 de Outubro de 1945 (artigos 47.º e 49.º), n.º 605/75, de 3 de Novembro (artigo 20.º) e n.º 377/77, de 6 de Setembro (artigo 4.º).
O artigo 6.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982, revogou o Código Penal de 1886, mas salvaguardou as normas relativas a contravenções.
E o artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei manteve em vigor as normas de direito substantivo e processual, relativas a contravenções, aplicando-se as disposições do novo Código aos limites das multas e à prisão em sua alternativa.
Com o Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, foi aprovado o Código de Processo Penal, sendo revogado o CPP de 1929.
O artigo 3.º do diploma preambular do novo CPP regulou o processamento das transgressões e contravenções previstas em legislação avulsa, conforme os casos, sob a forma de processo sumaríssimo, processo sumário e processo comum.
O processamento foi previsto mediante a remissão, salvo algumas especificidades, para as formas de processo admitidas pelo novo Código, tratando-se de previsão temporária, destinada a vigorar enquanto se não consumasse o movimento de conversão das transgressões e contravenções ainda subsistentes em contra-ordenações.
O critério utilizado pelo legislador assentou então em três ordens de razões: a de que era menos congruente manter o CPP de 1929 em vigor apenas numa ínfima parte (a relativa ao processo de transgressão), a de que o programa de construção do direito das contra-ordenações conduziria à progressiva inutilização daquela forma de processo e a de que, transitoriamente, nenhuma dificuldade haveria em alargar às contravenções e transgressões o regime processual previsto para a pequena criminalidade.
O Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro (publicado no Diário da República, I Série, n.º 298, 2.º Suplemento, de 29-12-1987, a escassos três dias da entrada em vigor do novo CPP), que altera o processamento das transgressões e contravenções e dá nova redacção a alguns artigos do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, reconhecendo o carácter necessariamente moroso da conversão das transgressões e contravenções ainda subsistentes em contra-ordenações, decreta novas regras, visando a adequada regulamentação das normas de processamento já aprovadas pelo citado artigo 3.º daquele Decreto-Lei e procurando assegurar o desbloqueamento funcional dos tribunais incumbidos do julgamento de tais infracções - necessidades assumidas ainda antes da entrada em vigor do novo CPP, que teve lugar em 1 de Janeiro de 1988 (inicialmente prevista para 1 de Junho de 1987, e para tal data diferida pelo artigo único da Lei 17/87, de 1 de Junho), e pois, antes de ser posto à prova o regime transitório concebido no diploma datado de 17 de Fevereiro de 1987 -, veio estabelecer que as transgressões ou contravenções puníveis só com pena de multa ou com medida de segurança não detentiva seguiam a tramitação processual prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei 78/87, com as especialidades previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 1.º, como a sempre reconhecida possibilidade de oblação voluntária, e outras previstas no n.º 2.
Neste contexto, assume extrema relevância o Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro, um diploma necessariamente intercalar, concebido apenas para a transição de regimes, enquanto durasse a concretização da conversão das contravenções e transgressões em contra-ordenações, o qual acabou por ter um inesperado protagonismo e mesmo longevidade, pelo menos durante mais de 15 anos, atendendo a que nos finais de 2006 ainda tinha plena aplicação, pelo menos, nos processos pendentes nos tribunais, sendo que no domínio laboral foi ainda mais longe.
Tal diploma emergiu da Lei 20/90, de 3 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 178, de 3 de Agosto de 1990), através da qual foi concedida autorização legislativa ao Governo para legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões, devendo o diploma a elaborar regular, de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas pelas contravenções e transgressões (artigo 2.º, n.º 1), anotando-se desde logo que o direito processual penal seria subsidiariamente aplicável (artigo 2.º, n.º 2, alínea h).
Como se reconhece no preâmbulo do diploma de 1991, as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro, melhoraram a situação, mas não eliminaram as dificuldades, pretendendo o novo diploma resolver o problema do processamento e julgamento das contravenções e transgressões, e daí, no seu artigo 22.º, revogar o artigo 3.º do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o artigo 1.º do citado Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro.
O diploma visou regular de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas por este tipo de ilícito, ou seja, o processamento e julgamento das contravenções e transgressões, sendo subsidiariamente aplicáveis ao processamento e julgamento das contravenções e transgressões as disposições do Código de Processo Penal - artigo 2.º.
Na senda de conversão, a Lei 30/2006, de 11 de Julho, entrada em vigor em 10-08-2006, procedeu à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões em vigor no ordenamento jurídico nacional, passando a assumir a natureza de contra-ordenações várias infracções previstas na lei como contravenções e transgressões em diplomas avulsos (datados de 1936, 1952, 1953, 1959, 1960, 1962, 1966, 1968, 1971, 1976, 1980 e 1998, relativos a matérias tão diversas, como concursos de apostas mútuas concedidos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, regimes de instalações eléctricas, actividade de resinagem, regime de combate às doenças contagiosas dos animais, regime de fomento piscícola nas águas interiores, regimes das condições do exercício das actividades de espectáculos, regulamento da profissão de fogueiro para a condução de geradores a vapor, regime das albufeiras de águas públicas, venda de objectos e meios de conteúdo pornográfico ou obsceno, recolha e transporte de leite, regimes jurídicos mortuários).
Estabeleceu o artigo 35.º, n.º 1, que "As contravenções e transgressões previstas na legislação em vigor não abrangidos pelos artigos anteriores passam a assumir a natureza de contra-ordenações, nos termos estabelecidos nos números seguintes".
Nos n.os 2, 3 e 4 estabelece-se a conversão de infracções punidas anteriormente unicamente com pena de multa, punidas com penas alternativas de prisão e de multa, punidas unicamente com pena de prisão, ou cumulativamente com penas de prisão e de multa.
O n.º 8 exceptua do disposto no artigo as contravenções e transgressões previstas nos regimes jurídicos relativos aos transportes colectivos de passageiros e às portagens cobradas pelas concessionárias em infra-estruturas rodoviárias.
A exclusão só pode ser entendida por à data ainda não terem entrado em vigor os diplomas já existentes sobre as matérias focadas, cujas infracções foram convoladas para contra-ordenações.
Assim, a Lei 25/2006, de 30 de Junho, entrada em vigor em 28-10-2006, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, determinando que as infracções resultantes do não pagamento passassem a assumir a natureza de contra-ordenações.
E a Lei 28/2006, de 4 de Julho, entrada em vigor em 1-11-2006, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros, determinando a sujeição ao regime contra-ordenacional.
Quer do disposto no artigo 36.º, n.º 2, do primeiro diploma, quer do artigo 20.º n.º 2, da Lei 25/2006, como ainda do artigo 14.º, n.º 2, da Lei 28/2006, resulta ser aplicável o regime do Decreto-Lei 17/91 aos processos então ainda pendentes nos tribunais.
A longevidade do diploma de 1991 foi, porém, maior ainda no domínio laboral.
A Lei 116/99, de 4 de Agosto, aprovou o regime geral das contra-ordenações laborais (RGCOL), revogando o Decreto-Lei 491/85, de 26-11, o qual prosseguindo a tarefa de integração no direito de mera ordenação social do ilícito contravencional, caracterizara como contra-ordenações várias infracções laborais no Capítulo II, ao longo dos artigos 7.º a 45.º, e estabelecendo o respectivo processamento.
Não obstante, subsistiam contravenções e daí o artigo 27.º da Lei 116/99, sob a epígrafe (Revisão das contravenções laborais), estabelecer que "O Governo procederá à revisão das contravenções previstas na legislação do trabalho, convertendo-as em contra-ordenações sempre que se justificar".
Esta Lei 116/99 veio a ser revogada com o Código do Trabalho de 2003, pelo artigo 21.º, n.º1, alínea a), da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, passando o novo Código a tratar a "Responsabilidade contra-ordenacional" no Capítulo II - artigos 614.º a 689.º.
No campo específico do processo penal laboral, o citado diploma intercalar de 1991, no Capítulo IV, regulando as "Disposições finais e transitórias", no artigo 20.º, estabeleceu que "Mantém-se em vigor o disposto no livro II do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro, considerando-se efectuada para as correspondentes disposições do presente diploma a remissão do artigo 195.º daquele Código».
O Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro, que aprovara o Código de Processo do Trabalho, então vigente, foi revogado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 480/99, de 09 de Novembro, que aprovou o novo Código de Processo do Trabalho (CPT), entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2000, podendo ler-se no ponto 4 do respectivo preâmbulo, o seguinte: "Quanto ao processo penal, opta-se pela manutenção da respectiva regulação, uma vez que a revisão global das infracções laborais e respectivas sanções, com vista à sua conversão em direito de mera ordenação social, apenas está em curso, não sendo, por ora, previsível quando e em que termos se implantará. Não obstante, por motivos de pura técnica e de ensinamentos da experiência, estabelecem-se algumas modificações de regime, designadamente tendo em vista adequar a sua tramitação ao regime próprio do processo de transgressão actualmente regulado em diploma autónomo (o citado Decreto-Lei 17/91), e que, aliás, passa a figurar como primeiro regime de aplicação subsidiária, só depois surgindo o do Código de Processo Penal, sem prejuízo das suas especialidades, designadamente quanto à circunscrição do recurso da decisão final à matéria de direito".
O Código de Processo do Trabalho, no Livro II, regulava o processo penal - em três capítulos, que abordavam, sucessivamente, a acção penal, a acção cível em processo penal e o processo - nos artigos 187.º a 200.º.
O artigo 195.º do CPT, complementando a previsão geral do artigo 21.º do mesmo diploma sobre espécies, para efeito de distribuição, em matéria penal, elenca vários tipos de "autos ou participações de transgressão", nas espécies 13.ª a 17.ª.
Como estabelecia o artigo 200.º, do mesmo CPT de 1999, sob a epígrafe "Regime supletivo" "É subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do processo de transgressão e, no que neste não esteja previsto, o Código de Processo Penal».
O Decreto-Lei 295/2009, de 13 de Outubro, veio alterar o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, procedendo à sua republicação e entrando em vigor em 1 de Janeiro de 2010.
Lê-se no preâmbulo do diploma que: "Prevê-se, ainda, que as disposições relativas ao processo penal contravencional sejam revogadas em bloco, em conformidade com a conversão das infracções laborais e respectivas sanções em direito de mera ordenação social, reguladas no CT, e cujo regime será regulado pelo novo regime".
De acordo com o artigo 186.º-J, sob a epígrafe (Remissão), "A impugnação de decisão administrativa que aplique coimas em processo laboral segue os termos do regime processual das contra-ordenações laborais, que consta de lei específica".
Esta lei é a pré-existente Lei 107/09, de 14 de Setembro.
Segundo o artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 295/2009 "Com a entrada em vigor do artigo 186.º-J é revogado o livro II do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.º s 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março".
E o artigo 9.º do mesmo diploma, sobre a vigência do novo diploma, dispunha:
"3 - O artigo 186.º-J entra em vigor em 1 de Janeiro de 2010, salvo se a data de início de vigência do diploma que regular o regime processual aplicável às contra-ordenações em matéria laboral e de segurança social for posterior, caso em que o artigo 186.º-J entra em vigor na data deste último diploma".
Acontece, porém, que tal regime, como se viu, já existia e estava em vigor desde 1 de Outubro de 2009...
Então, a solução passou por, através da Declaração de Rectificação 86/2009, de 23-11-2009 (Diário da República, 1.ª Série, n.º 227, de 23-11-2009), dar nova redacção ao n.º 2 do artigo 7.º, passando a dever ler-se:
"2 - É revogado o livro II do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 323/2001 e de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março.»
E após reproduzir todo o Livro II do CPT, declara dever ler-se: "LIVRO II - Artigos 187.º a 200.º (Revogados.)»
Pelo exposto, apenas em 2010, desapareceram os autos de transgressão laboral.
No entanto, o Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro, continua a ter aplicação, embora de forma residual, muito parcial.
Na verdade, muito embora se tivesse processado a integração do ilícito contravencional no direito de mera ordenação social, o certo é que a audiência de julgamento em primeira instância se rege ainda por este diploma, o que acontece por força da lei-quadro das contra-ordenações.
Estabelecia o artigo 66.º do Decreto-Lei 433/82, de 27-10, na versão originária:
(Direito aplicável)
"Salvo disposição em contrário deste diploma, a audiência em 1.ª instância obedecerá às normas do Código de Processo Penal relativas ao processo de transgressões, não havendo, todavia, lugar à redução da prova a escrito".
Ao tempo era, pois, aplicável o CPP de 1929.
Com a redacção dada pelo Decreto-Lei 356/89, de 17-10, passou a dispor:
"Salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito".
Esta remissão, à época, revogado o Código de Processo Penal de 1929, só fazia sentido como sendo feita para o regime previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei 78/87, de 17-02, com as especialidades do Decreto-Lei 387-E/87, de 29-12, e posteriormente pelo diploma que revogou os precedentes, ou seja, o Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro.
Ou seja, o artigo 66.º do RGCO, com a redacção de 1989, que hoje subsiste, prevê a aplicação subsidiária das regras do processo de transgressões, entretanto desaparecido, no que toca à audiência de julgamento em primeira instância em processo contra-ordenacional.
Tal remissão legal é hoje, como assinala Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, p. 151 e p. 273, incoerente e está ultrapassada. "É incoerente, porque amarra o processo de contra-ordenações ao defunto processo de transgressões, que aquele pretendeu substituir. Está ultrapassada, porque já não há transgressões, mantendo-se a aplicabilidade do processo de transgressões unicamente por força desta remissão legal", passando a citar depois Soares Ribeiro, Contra-ordenações laborais, regime jurídico anotado contido no Código do Trabalho, 2.ª edição, Almedina 2003, p. 139 " é uma pura patologia jurídica remeter o julgamento de um processo contra-ordenacional para um diploma que só trata do processamento e julgamento daquela espécie infraccional desaparecida do ordenamento juslaboral".
Na audiência são aplicáveis apenas os n.os 5 a 7 do artigo 13.º, sendo inaplicáveis os n.º 3 e 4 por não haver documentação da prova produzida em audiência, por força da parte final daquele artigo 66.º. Igualmente inaplicáveis os n.os 1 e 2 por se reportarem a contravenções punidas com multa ou pena de prisão.
De todo o modo, segundo o n.º 7, são subsidiariamente aplicáveis ao julgamento as disposições do Código de Processo Penal relativas ao julgamento em processo comum.
A evolução do regime do ilícito contra-ordenacional
Com a introdução do novo regime do ilícito de mera ordenação social assistiu-se à transformação dos então considerados ilícitos penais - as contravenções e as transgressões - em ilícitos não penais, para os quais passaram a ser cominadas sanções exclusivamente pecuniárias, mas de carácter não criminal.
A mudança de paradigma, do "ilícito contravencional" para o "ilícito de mera ordenação social", foi, há mais de 33 anos, protagonizada pelo Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho.
Na verdade, o ilícito de mera ordenação social foi entre nós pela primeira vez consagrado no Decreto-Lei 232/79, por directa actuação do Professor Doutor Eduardo Correia, como Ministro da Justiça, eliminando a categoria das contravenções puníveis com pena de multa - pena criminal prevista no então vigente artigo 55.º do Código Penal de 1886 - ao estabelecer no artigo 1.º, n.º 3, uma cláusula geral de transformação, no sentido de que "são equiparáveis às contra-ordenações as contravenções ou transgressões previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas sanções pecuniárias».
Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei 64/89, de 25 de Fevereiro, que estabeleceu o regime sancionatório das contra-ordenações no âmbito dos regimes de segurança social "O Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, correspondendo à necessidade de dispor de um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal, introduziu no quadro legal português o direito de mera ordenação.
Este novo ordenamento, posteriormente aperfeiçoado e ampliado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, teve como objectivo responder à necessidade sentida pelos órgãos legislativos e administrativos de disporem de uma gama de sanções diferenciada e ajustada à natureza e gravidade dos ilícitos a reprimir ou a prevenir.
Anteriormente, estas situações tinham como quadro normal sancionatório o do direito penal, que, muitas vezes, face à natureza do acto praticado, se apresentava excessivamente reprovador, quer no campo social, quer jurisdicional, ou, de qualquer modo, desajustado da natureza e efeitos próprios do incumprimento das leis e regulamentos da Administração".
Por terem sido suscitadas dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma por omissão na Constituição da República Portuguesa de qualquer menção ao regime das contra-ordenações e por falta de autorização legislativa do decreto-lei, bem como vários problemas de aplicação prática, como a incerteza sobre a capacidade das autoridades administrativas para processar e julgar as contra-ordenações, o Decreto-Lei 411-A/79, de 1 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 227, Suplemento, de 1-10-1979), em artigo único, revogou os n.º 3 e 4 do artigo 1.º, mas não o Decreto-Lei, assim impedindo que se consumasse a preconizada transformação, em bloco e de forma automática, das contravenções vigentes e puníveis só com multa em contra-ordenações.
Após a publicação deste diploma, o Decreto-Lei 232/79 ficou desprovido de qualquer eficácia directa e própria, vindo a ser revogado pelo artigo 96.º do Decreto-Lei 433/82, de 23-10.
Tal situação não impediu o surgimento de diploma a aplicar coimas para comportamentos ilícitos, como o Decreto-Lei 350/81, de 23 de Dezembro, relativo aos estabelecimentos de apoio social com fim lucrativo.
Face à necessidade de reafirmar a vigência do direito de ordenação social, a Lei 24/82, de 23 de Agosto (anterior, pois, à Segunda Revisão da Constituição de 1982, operada pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, que incluiu expressamente o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - artigo 168.º, n.º 1, alínea d) e artigo 282.º, n.º 3), autorizou o Governo a legislar em matéria de contra-ordenações, daí emergindo o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (rectificado pela Declaração de rectificação de 7 de Dezembro de 1982, publicada no Diário da República de 06-01-1983), que institui o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, repetindo o diploma anterior, com a novidade de regulamentar o concurso entre crimes e contra-ordenações e mantendo as transgressões em vigor, com receio dos "efeitos práticos nocivos" que poderiam decorrer de uma transformação automática repentina das transgressões em contra-ordenações, sendo que "o legislador de 1982 se guardou de decretar uma transformação global e automática das contravenções existentes em contra-ordenações", como refere Figueiredo Dias, in O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Jornadas de direito criminal, Fase I, CEJ, p. p. 315 a 336, e Direito Penal Económico e Europeu, volume I, Problemas gerais, p. p. 19 a 33.
Pela Lei 4/89, de 3 de Março, foi concedida autorização ao Governo para alterar o regime geral do ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, salientando-se na definição da extensão da concessão, segundo o artigo 2.º d) "Aumentar o prazo de recurso da decisão da autoridade administrativa que aplique a coima" e g) "Adaptar o processo das contra-ordenações ao novo Código de Processo Penal e à nova orgânica dos tribunais".
E assim, no preâmbulo do Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro, podia ler-se que "Revela-se necessário proceder a um reforço das garantias dos particulares, alterando o processo contra-ordenacional de modo a alargar o actual prazo de recurso para os tribunais das decisões da aplicação de coimas pelas autoridades administrativas, uma vez que os cinco dias previstos se têm demonstrado manifestamente insuficientes para garantir um pleno acesso aos tribunais pelos interessados".
A segunda Revisão da Constituição introduzida pela Lei Constitucional 1/89 (Diário da República, I Série, Suplemento, n.º 155, de 8 de Julho de 1989, dia seguinte ao da respectiva promulgação e da data em que foi referendada a Lei), procedeu à inclusão de norma especialmente formulada para os processos de contra-ordenação, aditando pelo artigo 18.º um novo n.º 8 ao artigo 32.º da Constituição da República com o seguinte teor:
"8 - Nos processos por contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
A propósito desta alteração referem Oliveira Mendes e Santos Cabral em Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, Maio de 2009, p. 208, "A referência constitucional ao processo de contra-ordenação e a sua inserção sistemática adquirem relevo em planos distintos: elas significam, por um lado, o reconhecimento por parte do legislador de que o sistema contra-ordenacional já não diz respeito apenas a bagatelas. No plano hermenêutico, por outro lado, o enquadramento constitucional do direito de defesa em processo de contra-ordenação forneceu mais um elemento para a compreensão do regime de ilícito de mera ordenação social em especial na fase organicamente administrativa do processo de contra-ordenação".
A solução veio a ser complementada com a Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, que operou a quarta revisão constitucional (Diário da República, I-A Série, n.º 218/97, de 20-09-1997), sendo que, pelo artigo 15.º, foram aditados dois novos números 6 e 7, que passaram a ser os números 8 e 9, sendo ao número 10 aditada a expressão "bem como em quaisquer processos sancionatórios» entre as expressões "contra-ordenação» e "são assegurados».
Passou assim a ter o artigo 32.º, n.º 10, a redacção que se mantém inalterada desde 1997:
"10 - Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».
Entretanto, a Lei 13/95, de 5 de Maio de 1995 (Diário da República, I.ª Série-A, de 5 de Maio de 1995) autorizou o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
Na definição da extensão da autorização no artigo 3.º, constava:
alínea q) Alargar para 20 dias o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa, fixando regras sobre a sua contagem, e alargar para 10 dias o prazo de interposição de recurso da decisão judicial.
Seguiu-se, no uso de tal autorização, o Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, que procedeu a uma reforma global do regime das contra-ordenações e à republicação do diploma de 1982.
Por seu turno, o Decreto-Lei 323/2001, de 17 de Dezembro, alterou pelo artigo 1.º e Anexo, a redacção dos artigos 17.º, 52.º, 73.º, 80.º e 93.º, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, mas apenas convertendo de escudos em euros os valores fixados para coimas, sanções pecuniárias e taxa de justiça.
Finalmente, a sete dias de distância, a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, procedeu à terceira alteração do Decreto-Lei 433/82, modificando o regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional, alterando a redacção dos artigos 27.º e 28.º e aditando o novo artigo 27.º-A.
Vejamos a sucessão das previsões e alterações da lei-quadro das contra-ordenações, no aspecto concreto que ora nos interessa.
O Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, no artigo 59.º, inserto no Capítulo IV (Recurso e processo judiciais), sob a epígrafe (Forma e prazo) estabelecia, na versão inicial:
1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 5 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.
(Ao tempo da publicação da Lei-Quadro das Contra-ordenações, vigorava o Código de Processo Penal de 1929, que no artigo 651.º, estabelecia o prazo de 5 dias para a interposição de qualquer recurso.
Por força do disposto no artigo 649.º daquele diploma, os recursos eram interpostos, processados e julgados como os recursos de agravo de petição em matéria cível - artigo 743.º e ss. do Código de Processo Civil).
(A expressão "recurso" deverá ser entendida em sentido não técnico, pois que antes dele não existe qualquer apreciação judicial - cfr. Figueiredo Dias, O movimento ..., p. 335).
Com o Decreto-Lei 356/1989, de 17 de Outubro, foi alterado apenas o n.º 3 do artigo 59.º, passando o prazo de 5 para 8 dias.
3 - O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de oito dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.
O Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, procedeu no artigo 59.º, ao alargamento significativo do prazo para a impugnação judicial, que antes era de 5 e havia passado para 8 dias, e agora, é aumentado para 20 dias, e inovou no artigo 60.º, esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se tal prazo.
Estabelece o artigo 59.º (Forma e prazo), na redacção ainda vigente:
1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação (novo) poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é [dantes - "será"] feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias [novo prazo, em vez dos anteriores oito dias], após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações [antes - "sumárias alegações"] e conclusões.
Inovou no artigo 60.º (na redacção inicial, o preceito dispunha sobre renúncia ao recurso), ao estabelecer que:
Artigo 60.º - (Contagem do prazo para impugnação), na redacção igualmente ainda vigente:
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Tendo a interpretação do Assento de 1994, que se pronunciou sobre a norma do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, na redacção de 1989, retirado a qualificação de "judicial" ao prazo de impugnação da decisão administrativa, não consentindo, por isso, na suspensão do prazo, então prevista no n.º 3 do artigo 144.º do CPC, a verdade é que, em 1995, foi, por força da alteração legislativa operada, transposta para o RGCO, a suspensão de prazo, à época prevista no âmbito do processo civil, "aos sábados, domingos e feriados", com exclusão das férias.
O legislador de 1995 enveredou por uma opção legislativa discordante do propugnado pelo Assento 2/94, estabelecendo, "acolhendo", a suspensão do prazo aos fins de semana e feriados, mas não a alargando ao período de férias judiciais.
Tal solução de exclusão do período de férias justifica-se e tem a ver com o facto de as autoridades administrativas que aplicam as coimas, diversamente do que acontece nos tribunais judiciais que julgam os recursos, não encerram os seus serviços durante os períodos a que correspondem as férias judiciais, falecendo fundamento para tal suspensão, visto que os serviços onde os recursos são entregues continuam abertos e em normal funcionamento.
Como vimos, o Decreto-Lei 109/2001, de 24-12, procedeu à alteração apenas dos artigos 27.º e 28.º, e aditando o artigo 27.º-A, sem interesse, pois, para a questão que nos ocupa, uma vez que tais preceitos atinem apenas à prescrição do procedimento, suspensão e interrupção da prescrição.
Prazo - Natureza do prazo de impugnação
Para Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª edição, 1999, volume I, p. 211-2, "Prazo é o espaço de tempo compreendido entre dois momentos: o inicial (termo a quo) e o final (termo ad quem).
Os prazos funcionam no processo como garantia do interesse público, na medida em que servem a celeridade da decisão dos litígios, e o interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos. A doutrina costuma classificar o prazo em legal, quando é marcado pela lei, e judicial, quando é fixado pelo juiz no decurso da causa. O nosso legislador, porém, considera ambos como prazos judiciais".
José Alberto dos Reis, no Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2.º, p. 57, entendia, seguindo Carnelutti, que a função do prazo judicial consiste em regular a distância entre os actos do processo; o prazo judicial "pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração duma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório).».
Adriano Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, in BMJ n.º 107, p. 214, reportando os prazos de caducidade, afirma que não são prazos judiciais, ainda que digam respeito à proposição de acções em juízo. Esses prazos são de direito substantivo, pois são inspirados em considerações de direito material. Constituem um elemento da relação jurídica material. Observa que "o prazo judicial supõe que a acção está já em juízo e assinala o lapso de tempo necessário, segundo a lei, para se produzir certo efeito processual ou, de acordo com outra definição, para a prática de um acto judicial".
Só será prazo judicial o prazo a que está sujeito qualquer acto a praticar dentro do processo e não fora dele; pressupõe que a acção já está em juízo.
Segundo Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. p. 49 e 50, "As leis sobre prazos fixam os lapsos de tempo a partir dos quais o acto deve ser praticado (prazos dilatórios ou suspensivos) ou dentro dos quais o acto pode ser realizado (prazos peremptórios, resolutivos ou preclusivos).
Parecidos com os prazos peremptórios são os cominatórios cuja inobservância não exclui a possibilidade de serem ainda validamente praticados os actos a que digam respeito, mas provocam uma sanção, cuja perspectiva será um estímulo para a realização desses actos no devido tempo. Os prazos cominatórios podem agrupar-se com os peremptórios, formando juntos a categoria dos prazos aceleratórios funcionalmente contraposta à dos dilatórios ou retardatários.
Como doutrina a seguir é apontada a seguinte:
a) Deve aplicar-se imediatamente (isto é, aos próprios prazos em curso) a nova lei que alonga um prazo aceleratório (cfr. Cód. Civil, art. 297.º, n.º 2).
b) A nova lei que encurta um prazo do mesmo tipo aplica-se aos prazos em curso, mas contando-se apenas o tempo decorrido na sua vigência; salvo se daí resultar, na espécie, o alargamento do prazo (cfr. Cód. Civil, art. 297.º, n.º 1).
c) Deve aplicar-se imediatamente a nova lei que abrevia um prazo dilatório. Doutrina que procede também quanto às leis que alongam um prazo do mesmo tipo.
Para Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, 1981, I Volume, p. p. 63/4, prazo judicial é o período de tempo a que a lei sujeita a prática válida de um determinado acto em juízo.
Os prazos peremptórios (ou extintivos, resolutivos, preclusivos ou finais) assinam o tempo até ao qual o acto pode ser praticado, sob pena da sua perda, salvo o caso de justo impedimento.
Quanto à alteração dos prazos peremptórios no campo da aplicação das leis no tempo, têm aplicação as regras do artigo 297.º do Código Civil.
E distingue.
Se a lei nova encurta o prazo, será de aplicação imediata aos prazos em curso, mas o prazo só é contado a partir da entrada em vigor da nova lei, salvo se daí resultar, na espécie, o alargamento do prazo.
Se o alonga, aplicar-se-á também imediatamente, contando-se no entanto, o tempo já decorrido.
Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. p. 63 a 65, versam as leis sobre prazos judiciais, dizendo chamar-se prazo ao período de tempo dentro do qual um acto pode ser realizado (prazo peremptório, conclusivo, preclusivo ou resolutivo) ou a partir do qual um outro prazo começou a correr (prazo dilatório ou suspensivo).
Referem que "quanto às leis que alterem prazos anteriormente estabelecidos a boa doutrina tem distinguido as diferentes situações que podem ocorrer, em obediência à orientação geral sobre alteração de prazos estabelecida no Código Civil (art. 297.º)".
E assim entendem que a lei nova que encurte um prazo peremptório ou cominatório também deve aplicar-se imediatamente aos prazos em curso, mas contando para o efeito somente o período de tempo decorrido na vigência da nova lei.
Para Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, Livraria Petrony, 3.ª edição, 1984, p. 62/63, os prazos processuais destinam-se a disciplinar o andamento do processo, da relação jurídica processual ou instância, ocorrendo na pendência respectiva, importando o seu decurso a extinção (preclusão) do direito à prática de certa actividade judicial. Os prazos judiciais comportam as designações de processuais, formais ou adjectivos, e correm em processos presididos por magistrados judiciais.
E a p. 92/93, refere que os prazos judiciais regulam o tempo dos actos e termos processuais e funcionam somente com a acção (diversamente dos prazos para a propositura das acções que são pré-judiciais, anteriores à fase processual).
Segundo o acórdão do STJ de 25-11-1981, in BMJ n.º 305, p. 246, o disposto no n.º 3 do artigo 144.º do CPC, apenas se aplica ao prazo judicial, i. é, o prazo concedido para a prática de certo acto em juízo.
Segundo Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 473, o prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
O recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (art. 62.º, n.º 2, do RGCO)
Contagem do prazo de impugnação
O critério de contagem do prazo de impugnação das decisões da autoridade administrativa é aspecto não despiciendo, pois que, o cômputo do prazo é uma condição de regular exercício do direito de defesa do arguido, sob pena de rejeição liminar do recurso por o mesmo ser intempestivo (artigo 63.º do RGCO).
As regras da contagem dos prazos, processuais ou substantivos, estão fixadas no artigo 296.º do Código Civil, segundo o qual as regras constantes do artigo 279.º, são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.
Para a sucessão de leis sobre prazos, rege o artigo 297.º do Código Civil, que estabelece:
1 - A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2 - A lei que fixa rum prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
3 - A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.
Na contagem do prazo há que observar a regra da "não inclusão no prazo do dia do evento" (dies a quo non computatur in termino), não se incluindo o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a correr, como decorre do artigo 279.º, alínea b) em conjugação com o artigo 296.º, ambos do Código Civil e artigo 72.º, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo.
Estabelece o artigo 72.º do Código de Procedimento Administrativo, sob a epígrafe "Contagem de prazos":
À contagem de prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual tenha de ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
2 - Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses incluem-se os sábados, domingos e feriados.
Como se verá, desde a alteração de 1995 ao artigo 60.º do RGCO, o prazo para impugnação suspende-se aos sábados, domingos e feriados, contendo aquela norma no n.º 2, regra paralela à constante da alínea c).
Sobre o disposto no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 356/89, de 17-10, pronunciou-se o Assento 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo 45325, publicado no Diário da República I-A, de 07-05-1994 e no BMJ n.º 435, p. 49, que fixou a seguinte jurisprudência: "Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro".
Em tal acórdão estava em causa a aplicabilidade da suspensão do prazo prevista no artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil então vigente (versão do Decreto-Lei 44129, de 28-12-1961, com a redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei 381-A/85, de 28 de Setembro, entrado em vigor no dia seguinte), estabelecendo-se então a doutrina de que o prazo de recurso não era um prazo judicial a que se aplicasse o citado artigo 144.º, n.º 3, antes correndo continuamente.
Em tal preceito estabelecia-se então que "O prazo judicial suspende-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e dias feriados".
Integrado no Capítulo II "Princípios e disposições gerais» da II Parte, que trata do "Processo de contra-ordenação» e antes do Capítulo IV, que regula o "Recurso e processo judiciais», sob a epígrafe "Direito subsidiário» estabelece o artigo 41.º do RGCO:
1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
Estabelece o artigo 60.º do RGCO - Contagem do prazo para impugnação
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
A solução da Lei 107/2009, de 14 de Setembro.
A Lei 107/2009, de 14 de Setembro, aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, tendo entrado em vigor em 1 de Outubro de 2009, conforme o artigo 65.º, n.º 1.
O novo diploma revogou os artigos 14.º a 32.º (que compunham o Capítulo II, versando o Processo de contra-ordenação) do Decreto-Lei 64/89, de 25 de Fevereiro, que estabelece o regime das contra-ordenações no âmbito dos regimes de segurança social.
Conforme o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), o procedimento das contra-ordenações (laborais) compete à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), quando estejam em causa contra-ordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que seja punível com coima, e - alínea b) - competindo ao Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.), quando estejam em causa contra-ordenações praticadas no âmbito do sistema de segurança social
No Capítulo II sob a epígrafe "Actos processuais na fase administrativa", ou seja, no âmbito do procedimento administrativo, o artigo 6.º, sob a epígrafe "Contagem dos prazos", regula que:
"1 - À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
2 - A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais".
Inserido no Capítulo IV "Tramitação processual", Secção II "Fase judicial", sob a epígrafe "Forma e prazo" estabelece o artigo 33.º:
1 - A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.
2 - A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.
No Capítulo VI onde constam as "Disposições finais» estabelece o artigo 60.º, sob a epígrafe "Direito subsidiário":
"Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações".
A Lei 107/09 afastou-se claramente do regime constante da lei quadro, pois que, como se viu, o artigo 60.º do Decreto-Lei 433/82, a partir de 1995, sob a epígrafe "Contagem do prazo para impugnação", passou a dispor no n.º 1 que "O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados" e do citado artigo 6.º, n.º 1, resulta que, à contagem de prazos se aplicarão as regras do processo penal, o que significa que os prazos em apreço são contínuos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.
Havendo norma expressa não há que chamar à colação como subsidiariamente aplicável a norma do artigo 60.º da lei quadro, o que pressupõe um caso omisso, situação que ora não ocorre, face à existência de norma especial no âmbito do diploma regulador das contra-ordenações laborais e de segurança social.
A dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa.
O recurso de impugnação a que alude o artigo 59.º do RGCO não é directamente apresentado em juízo, mas antes perante a autoridade administrativa que aplicou a coima, aí permanecendo por cinco dias, até que sejam enviados ao M.ºP.º, sendo que até ao envio pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima, como resulta do artigo 62.º, n.º 2, da lei quadro, com o que no caso ocorrerá a inutilidade superveniente do recurso. Até aí tudo se passa no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição de impugnação a imediata entrada na fase judicial do processo, antecede esta etapa, tratando-se de um prazo pré-judicial.
Como bem refere o acórdão da 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 30-04-2012, proferido no processo 894/11.4TTVCT.P1, o artigo 33.º, n.º 2, da Lei 107/09, ainda que inserido em secção denominada fase judicial tem por objecto apenas o prazo de dedução da impugnação, fixando-a em 20 dias, equiparando-o ao previsto em processo penal fixado para recurso de decisão condenatória onde pode estar em causa aplicação de pena privativa de liberdade, mas já não a sua forma de contagem.
Aplicar subsidiariamente o artigo 60.º do Decreto-Lei 433/82 levaria a que a impugnação judicial da decisão administrativa fosse o único acto processual, quer na fase administrativa, quer fosse na judicial, em que a contagem do prazo se suspenderia aos sábados, domingos e feriados, o que não faz sentido, pois então a impugnação judicial seria a única excepção (para mais por via de aplicação subsidiária do Decreto-Lei de 1982) ao novo regime de contagem de prazos.
O regime jurídico estabelecido pela Lei 109/07 rege sobre o campo específico das contra-ordenações laborais e de segurança social, sendo de enquadrar como regime-quadro sectorial.
Como refere Paulo Albuquerque, Comentário..., p. 153, os "regimes-quadro sectoriais" funcionam como regulamentação especial em relação ao RGCO, prevalecendo sobre este.
Sendo de concluir, como se conclui, pela aplicação da Lei 107/09, em causa estará a aplicação, como decorre do n.º 1 do artigo 6.º, das disposições constantes da lei do processo penal.
Estabelece o artigo 104.º do Código de Processo Penal (na redacção da Lei 59/98, de 25 de Agosto de 1998, com o aditamento do Decreto-Lei 48/2007, à referência no n.º 2 às alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 103.º), com a epígrafe "Contagem dos prazos de actos processuais":
1 - Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.
2 - Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.
Com a alteração de 1998, passou a aplicar-se no processo penal, a regra da continuidade dos prazos, estabelecida no processo civil na reforma de 1995/1996.
Por sua vez, o artigo 103.º do Código de Processo Penal (na redacção da Lei 48/2007, de 29 de Agosto) estatui:
(Quando se praticam os actos)
1 - Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
b) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações;
c) Os actos relativos a processos sumários e abreviados;
d) Os actos processuais relativos aos conflitos de competência, requerimentos de recusa e pedidos de escusa;
e) Os actos relativos à concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida a parte de pena necessária à sua aplicação;
f) Os actos de mero expediente, bem como as decisões das autoridades judiciárias, sempre que necessário.
3 - O interrogatório do arguido não pode ser efectuado entre as 0 e as 7 horas, salvo em acto seguido à detenção:
a) Nos casos da alínea a) do n.º 5 do artigo 174.º; ou
b) Quando o próprio arguido o solicite.
4 - O interrogatório do arguido tem a duração máxima de 4 horas, podendo ser retomado, em cada dia, por uma só vez e idêntico prazo máximo, após um intervalo mínimo de 60 minutos.
5 - São nulas, não podendo ser utilizadas como prova, as declarações prestadas para além dos limites previstos nos n.os 3 e 4.
Estabelecia o artigo 143.º do Código de Processo Civil:
1 - Sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (na redacção do artigo 160.º da Lei 52/2008, de 28 de Agosto).
2. ...
3. ...
4. ...
E o artigo 144.º do Código de Processo Civil (na redacção do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro) - (Regra da continuidade dos prazos):
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
Com a reforma do Código de Processo Civil de 1995/96 (operada pelos Decreto-Lei 329-A/95, de 12-12 e Decreto-Lei 180/96, de 25-09) os prazos processuais, no plano civil, voltaram a ser contínuos, tal como sucede em relação aos prazos de direito substantivo (artigo 296.º do Código Civil), com ressalva da sua suspensão durante o período das férias judiciais (então marcadas de acordo com o artigo 10.º da Lei 38/87, de 23 de Dezembro - a então Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - LOTJ), retomando-se o sistema ou princípio da continuidade dos prazos processuais, que vinha desde o artigo 68.º, § 4, do CPC de 1876 até aos artigos 143.º e 145.º do CPC de 1939, mantida pelas reformas de 1961 e 1967, entretanto alterado pelo Decreto-Lei 457/80, de 10 de Outubro, rectificado pela Declaração de rectificação, in Diário da República de 22-10-1980, mandando no artigo 144.º suspender a contagem durante férias, feriados, sábados e domingos. Este modo de contagem viria a ser reatado pelo supra citado Decreto-Lei 381-A/85, de 28 de Setembro, já que o mesmo fora modificado pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, mas que, nesta parte, não chegou sequer a entrar em vigor.
No entanto, a regra da continuidade não teve aplicação imediata ao processo penal, pois como consta do último parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, "Ante a adopção da regra da contagem de continuidade dos prazos (novo artigo 144.º, n.º 1) e a aplicação das disposições da lei de processo civil à contagem de prazos de actos processuais no processo penal (remissão operada pelo artigo 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), adviria um encurtamento destes últimos.
Assim, e até futura revisão do Código de Processo Penal, em que se tomem as necessárias providências, importa manter em vigor, para o processo penal, o preceituado no n.º 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à do Decreto-Lei 329 - A/95".
E daí pelo artigo 4.º ter sido dada nova redacção ao artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei 329.º-A/95 de 12 de Dezembro, que passou a dispor que: "Mantém-se em vigor, para o efeito da remissão operada pelo o n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo Penal, o disposto no n.º 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à do Decreto-Lei 329.º-A/95".
Este regime de contagem teve desenvolvimentos posteriores, que não interessam nas considerações a fazer, aqui e agora, havendo que ter em atenção o regime processual vigente à data da impugnação, que se seguiu à decisão de 15-01-2010.
Tais alterações tiveram a ver apenas com novas formas de considerar o que constituem as férias judiciais.
Num primeiro momento, atribuindo ao período compreendido entre 15 (sic) - ainda dia de trabalho -, e 31 de Julho, os mesmos efeitos de suspensão de prazo previstos legalmente para as férias judiciais, e posteriormente, procedendo à incorporação de tal período, dantes não considerado, no conceito de férias judiciais.
O Decreto-Lei 35/2010, de 15 de Abril, alterou, pelo artigo 1.º, os artigos 143.º e 144.º do Código de Processo Civil.
Passou a estabelecer o artigo 143.º:
1 - Sem prejuízo dos actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais:
a) Nos dias em que os tribunais estiverem encerrados;
b) Durante o período de férias judiciais;
c) Durante o período compreendido entre 15 e 31 de Julho.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
E o artigo 144.º:
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante os períodos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - A suspensão do prazo processual prevista no n.º 1 não é aplicável:
a) Se o prazo for igual ou superior a seis meses; ou
b) Quando se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes, salvo se por despacho fundamentado, ouvidas as partes, o juiz a determine.
E o artigo 2.º do mesmo Decreto-Lei 35/2010, sob a epígrafe "Efeitos" estabelecia que "Ao período compreendido entre 15 e 31 de Julho atribui-se os mesmos efeitos previstos legalmente para as férias judiciais".
Posteriormente, a Lei 43/2010, de 3 de Setembro, que alterou o período das férias judiciais, procedendo à 13.ª alteração à Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ) e à 5.ª alteração à Lei 52/2008, de 28 de Agosto (Nova LOFTJ), revogou o Decreto-Lei 35/2010, de 15 de Abril.
Passou a constar do artigo 12.º da LOFTJ (aprovada pela Lei 3/99) e da Nova LOFTJ (aprovada pela Lei 52/2008):
"As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto».
Concluindo.
Face à norma própria do artigo 6.º da Lei 107/09, de 14 de Setembro, é de aplicar, não o regime de contagem previsto no artigo 60.º, n.º 1, do RGCO, mas o do processo penal, o que significa que, pela remissão do artigo 104.º, n.º 1, do CPP, é de aplicar o artigo 144.º do CPC.
Ou seja, os prazos correm de forma contínua.
Daqui resulta que o prazo de impugnação foi efectivamente encurtado.
Na verdade, muito embora o prazo de impugnação continue a ser, em si mesmo e em qualquer dos casos, de 20 dias, certo é que a opção por um ou por outro dos regimes em presença não é indiferente: a aplicação imediata do regime da lei nova, atenta a regra da continuidade dos prazos, redunda na concessão de um prazo necessariamente mais reduzido para a prática do respectivo acto processual.
Então, estando-se perante situação de direito intertemporal, não olvidando que estamos face a exercício do direito a "recurso de impugnação" (artigo 59.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82), no âmbito das garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, in fine, e n.º 10, da CRP), há que, obviamente, encarar o problema à luz da
Sucessão de leis
A doutrina geral aceite no direito civil é a de que a nova lei só dispõe para o futuro - artigo 12.º do Código Civil - não se aplicando aos factos pretéritos.
Orientação paralela vigora no domínio das leis penais incriminadoras - artigo 29.º, n.º s 1 a 4, da Constituição da República Portuguesa.
No caso presente interessam as normas do processo, sendo que o direito processual é um ramo do direito público e do direito adjectivo, com natureza publicística e carácter instrumental, que legitimam a regra da aplicação imediata das leis processuais.
Como dizia José Alberto dos Reis, em Processo ordinário e sumário, 2.ª edição, Coimbra, 1928, n.º 11, p. 32 "Quando se publica uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar-se imediatamente".
O mesmo Autor na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 81, n.º 2886, p. p. 202/3, in Jurisprudência crítica sobre processo civil, dizia: "As leis de processo são de aplicação imediata; mas este princípio entendeu-se sempre, e não pode deixar de se entender, nos seguintes termos: a lei nova aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor; quanto aos actos já praticados à sombra da lei antiga, subsiste o império desta lei. O que está feito ao tempo em que a lei nova começa a vigorar, mantém-se sob o domínio da lei anterior; o que está para fazer é que cai sob a autoridade da lei nova, embora seja a sequência de processo instaurado na vigência da lei velha".
Embora no caso presente esteja em causa a admissibilidade da impugnação judicial conexionada com a forma de contagem do prazo de recurso, podemos analisar a questão à luz dos critérios de admissibilidade tout court, pois a tempestividade é apenas uma condição de admissibilidade da acção em juízo.
Como é pacífico e conforme jurisprudência comum, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre - acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-1969, BMJ n.º 192, pág. 192, de 04-12-1976, BMJ, n.º 254, pág. 144, de 11-11-1983, processo 64 - 4.ª secção, BMJ n.º 331, pág. 438 e de 10-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 474, sendo o terceiro da Secção Social e os restantes da Secção Criminal.
No primeiro e no terceiro acórdãos cita-se José Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, pág. 84, quando refere que "o direito ao recurso não surge com o acto da proposição da acção; trata-se de simples expectativa que só se concretiza quando é proferida a decisão que se pretende atacar".
Diversamente do que acontece com o Código de Processo Penal que no artigo 5.º contém as regras sobre aplicação da lei processual penal no tempo, o Código de Processo Civil não contém uma norma específica para a matéria, sendo a norma base a do artigo 12.º do Código Civil, segundo o qual a nova lei só rege para o futuro.
Como referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. p. 48-49, "o princípio da aplicação imediata da nova lei processual não se encontra formulado no Código de Processo Civil. Ao invés do Código de 1876, que regulava a matéria nos artigos 1.º a 8.º das disposições transitórias, nem o Código de 1939, nem o Código de 1961 fixaram doutrina geral sobre aplicação das leis processuais no tempo", havendo que "estender ao domínio do processo civil, com as necessárias adaptações, a doutrina estabelecida em termos genéricos, no artigo 12.º do Código Civil".
Para José Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, n.º 3001, no comentário "Aplicação das leis de processo quanto ao tempo", o artigo 142.º do CPC nada tem a ver com o problema geral da aplicação das leis de processo quanto ao tempo; o que o artigo teve em vista significar foi que, no tocante à forma que os actos de processo hão de revestir, a lei a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que o acto haja de ser praticado. A verdade é que não temos textos legais relativos à aplicação temporal das leis de processo. O CPC de 1876 tinha regulado esta matéria nos artigos 1 a 8 das disposições transitórias; o Código actual não se ocupou do assunto, por entender que eram suficientes os princípios geralmente enunciados pela doutrina. Ora, um dos princípios pacificamente admitidos é o de que as leis de processo são de aplicação imediata, no tocante aos actos e termos a realizar a partir da data em que a lei nova começou a vigorar.
Havendo que responder à questão concreta de saber qual é a norma reguladora da contagem de prazo para impugnação judicial que, face à sucessão de leis, é de aplicar, na ausência na Lei 107/09 de qualquer disposição transitória que regule temporalmente o âmbito e limites da sua aplicação, há que começar por ter em conta que, nesta sede, são aplicáveis, subsidiariamente, os preceitos reguladores do processo criminal (artigos 60.º da Lei 107/2009, de 14-09, e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27-01), pelo que é de chamar à colação o disposto no artigo 5.º do CPP.
Estabelece o artigo 5.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "Aplicação da lei processual no tempo":
1. A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2. A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo".
Note-se que a actual redacção do corpo do n.º 2 do preceito resulta de uma rectificação, operada alguns dias antes da entrada em vigor do CPP de 1987, a qual foi diferida de 1 de Junho de 1987, conforme previsto inicialmente no artigo 7.º do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal de 1987, para 1 de Janeiro de 1988, por força do artigo único da Lei 17/87, daquele dia 1 de Junho.
A redacção originária do corpo do n.º 2 do artigo 5.º do CPP era do teor seguinte: "A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados após a sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata puder resultar:».
A alteração/rectificação foi feita pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 387-E/87, de 29 de Dezembro (publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 298, 2.º Suplemento, da mesma data).
O diploma em causa visou, como se viu, alterar "o processamento das transgressões e contravenções" para adequação ao novo modelo processual e como declara o exórdio, no parágrafo 6.º, "Aproveita-se, ainda, o ensejo para se proceder à rectificação de alguns lapsos detectados no texto do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o novo Código de Processo Penal".
Este preceito estabelece a regra tempus regit actum: a lei processual penal é aplicada a todos os actos processuais praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se os actos até então realizados, os quais mantêm plena validade (só assim não acontecendo em relação às normas processuais penais de natureza substantiva).
É princípio pacificamente admitido que as leis de processo são de aplicação imediata, no tocante aos actos e termos a realizar a partir da data em que a lei nova começou a vigorar.
No plano civilístico a doutrina e jurisprudência reconhecem que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida - lex temporis regit actum.
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, com revisão e actualização de Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1993, p. 41, versando a questão da aplicação das leis no tempo, assinalava três pontos de referência abstractamente plausíveis na consideração do problema, a saber, lei do tempo do facto em causa, lei do tempo da propositura da acção, ou lei do tempo da prática do acto, referindo que "Quanto ao direito processual, trata-se principalmente de saber se o processo deve ser regulado pela lei do tempo do facto ou relação material cuja apreciação está em causa, ou se deve ser inteiramente disciplinado pela lei do tempo da propositura da acção, ou ainda se para cada acto de processo não rege antes a lei do tempo da sua realização".
Versando as leis sobre recursos, a pp. 48 e 49, distingue as que regulam a admissibilidade e a tramitação dos recursos e indica como doutrina a seguir que aplica-se imediatamente a nova lei aos trâmites do recurso, visto tratar-se de puro formalismo processual.
No que tange a admissibilidade do recurso distingue, consoante a lei nova admita recurso onde antes não havia ou suprima recurso onde o havia.
"A nova lei não se aplica às decisões anteriores quando admite recurso onde anteriormente o não havia. De contrário, violar-se-iam as expectativas fundadas sobre o caso julgado formado ao abrigo da antiga lei.
A nova lei que negue o recurso onde o havia não se aplica certamente às decisões anteriores, se o recurso já estiver interposto. Quanto à hipótese de o recurso ainda não estar interposto, o ponto já não é tão líquido. Prefere-se em todo o caso a inaplicabilidade da nova lei. De outro modo, a decisão passaria a ter um valor que lhe não competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.
Todas estas soluções se filiam na máxima do respeito pelos actos processuais anteriores".
Explicita ainda que " c) A nova lei deve aplicar-se a todas as decisões que venham a ser proferidas nas causas pendentes".
José Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, n.º 3001, no comentário "Aplicação das leis de processo quanto ao tempo", estando em causa lei aplicável a um processo de expropriação, a p. 52, advertia que o princípio geral da aplicação imediata das leis de processo não basta, por si só, para resolver todas as dificuldades que podem suscitar-se, salientando que um dos pontos em que a aplicação do princípio geral dá lugar a embaraços é justamente o que se refere a recursos.
João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, I volume, edição da AAFDL, 1969, p. 59, ponderava que os actos processuais são mais do que forma e por isso a regra tempus regit actum ou o princípio da aplicabilidade imediata da lei nova são insuficientes para dirimir o problema da aplicação no tempo das leis que os regem e disciplinam.
Em registo semelhante ao de Manuel Andrade se pronunciam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, em 2.ª edição, de 1984, revista e actualizada (de acordo com o Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho - Reforma intercalar do CPC), Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. p. 55-57, na rubrica "Leis sobre recursos", no ponto 19. C), começando por salientar que entre as normas que regulam os recursos importa distinguir, para o efeito da sua aplicação no tempo, entre as que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso.
No que respeita a estas, porque não interferem na relação substantiva, cuidando do puro formalismo processual, são imediatamente aplicáveis, não só aos recursos que venham a ser interpostos no futuro em acções pendentes, como aos próprios recursos pendentes.
No que toca às normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso, considerando que a sua aplicação pode ter influência decisiva na relação substantiva pleiteada, a doutrina distingue os tipos de situações que podem verificar-se.
I - "A nova lei que admita recurso de decisões que anteriormente o não comportavam, é ponto assente que não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor.
De outro modo, a nova lei destruiria retroactivamente a força do caso julgado que a decisão adquirira à sombra da antiga legislação». (Aqui citando José Alberto dos Reis, Aplicação das leis de processo quanto ao tempo, RLJ, ano 86.º, p. 84, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Coimbra 1981, p. 61).
II - A nova lei que afaste a possibilidade de recurso, em casos onde anteriormente era admitido, não deve aplicar-se aos recursos já interpostos à data da sua entrada em vigor. De contrário, ofenderia gravemente as legítimas expectativas do recorrente, fundadas na lei vigente à data da interposição do recurso.
Se o recurso ainda não está interposto na data em que a nova lei (negando para tais casos a sua admissibilidade) entre em vigor, a solução é mais duvidosa (aqui citando e discordando de JAR).
Defendem que na dúvida, a solução mais criteriosa é a da não aplicabilidade da nova lei às decisões que admitissem recurso, de acordo com o direito em vigor à data em que foram proferidas. (Citado o acórdão do STJ de 11-11-1983, BMJ n.º 331, p. 438).
Explicam que "De contrário, a nova lei atribuiria (retroactivamente) força de caso julgado a decisões que a não possuíam, no momento capital em que foram tomadas".
E rematam que "não deixaria de ser chocante que, em relação a decisões da mesma espécie e proferidas na mesma data, umas transitassem e outras não transitassem em julgado, consoante a parte vencida fosse menos ou mais pressurosa na interposição do recurso, dentro do prazo concedido às partes para recorrer pela lei vigente à data da decisão".
III - Em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis.
As expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei".
José Alberto dos Reis, na citada RLJ, ano 86.º, n.º 3001, p. p. 49 a 53 e n.º 3003, p. p. 84 a 87, após citar Manuel de Andrade, Noções elementares, p. 16, sobre o problema da admissibilidade do recurso, focava três pontos:
1 - Recurso introduzido pela lei nova e que a lei velha não admitia
2 - Recurso admitido pela lei velha e interposto durante a vigência desta lei
3 - Recurso admitido pela lei velha, eliminado pela lei nova, e que ainda não estava interposto à data em que esta começou a vigorar.
Este último caso, que é o único que ora nos importa, distinguia:
a) Pretende recorrer-se de decisão proferida já no domínio da lei nova;
b) Pretende recorrer-se de decisão proferida antes de a lei nova entrar em vigor.
Defendia que na primeira hipótese deve ter-se como certo que a lei nova é aplicável e que, portanto, o recurso não tem cabimento.
Na hipótese de ao tempo em que a lei nova (que suprimiu um recurso que a lei velha admitia) começou a vigorar, já tinha sido proferida a decisão que se pretende impugnar, mas o recurso ainda não estava interposto, poderá a parte vencida interpô-lo?
Manuel Andrade adoptava a solução da inaplicabilidade da nova lei e portanto da admissibilidade do recurso. Pois de outro modo, a decisão passaria a ter um valor que lhe não competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.
Considerava José Alberto dos Reis que esta era uma solução de compromisso e de transigência. Mas aceitava a solução com a consideração de que "a decisão foi elaborada e proferida dentro de condicionalismo legal que a sujeitava à censura de tribunal superior; torná-la irrecorrível é alterar profundamente as condições e circunstâncias em que foi emitida".
Após afirmar a p. 85 que "O direito ao recurso não pode conceber-se enquanto não existir a decisão que por meio dele se pretende atacar", volta a repetir, na p. 86, "o direito ao recurso não surge com a propositura da acção; enquanto não for proferida a decisão, objecto do recurso, este é inconcebível como direito subjectivo".
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Coimbra 1981, p. p. 60/63, abordando o tema sobre se uma lei nova concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia, expende:
"Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis".
Concorda com Manuel de Andrade na solução, mas não na justificação que em seu entender estará antes, em face do caso julgado, automaticamente se produzir a irrecorribilidade da sentença, indo a aplicação da lei nova atingir um processo já encerrado. O caso julgado constitui um limite à aplicação de qualquer nova norma e daí a inadmissibilidade do recurso.
Para a hipótese da lei nova proibir recurso antes admitido, deve aplicar-se imediatamente a lei nova, quer a decisão já tenha sido proferida no domínio da lei nova o que então é óbvio, quer tenha sido proferida no domínio da lei antiga e, quer o recurso já esteja interposto, quer ainda não esteja interposto mas se não tenha esgotado o prazo para o requerer.
Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2008, refere, a p. p. 349 e 351, que os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável aplicam-se às normas processuais penais materiais, em que se incluem as normas que dizem directamente respeito aos direitos e garantias de defesa do arguido, como os graus de recurso.
Após afirmar claramente que todo o artigo 5.º só é aplicável às leis (normas) processuais penais formais, defende que o momento decisivo para determinar, no caso de conflito temporal de leis processuais penais materiais (onde se incluem as normas sobre o direito de defesa do arguido, referidas, indevidamente, na al. a), a lei aplicável é, não o momento em que se inicia o processo, mas o tempus delicti, recusando, in limine, a pretensão de situar e fazer coincidir o momento-critério da lei aplicável com o momento em que se inicia o processo penal. (Cfr. p. p. 362 a 372).
Em sua opinião, diz a p. 365, o disposto na al. a) do n.º 2 não devia constar do artigo 5.º, por versar uma questão que, por exigência constitucional e do Estado de Direito, está submetida ao princípio da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável, e portanto, abrangida pelo artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal.
Conclui: "Se a intenção foi boa, a disposição é inútil e oxalá que não venha a servir de pretexto para decisões injustas e inconstitucionais", acrescentando a p. 367, que o teor literal do artigo 2.º, n.º 4, é suficientemente amplo para compreender a sucessão de leis processuais penais materiais.
Para Eduardo Correia, Processo Criminal, 1956, p. 71, o critério a tomar em consideração é a lei do tempo do acto processual penal cuja prática estiver em causa, pois " (...) É óbvio que não são os delitos, que poderão servir de ponto de referência, mas sim os actos processuais, uma vez que são estes e não aqueles o seu verdadeiro objecto de regulamentação".
Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1.ª edição, 1974, reimpressão 2004, p. 112, expende que o princípio jurídico-constitucional da legalidade estende-se, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal, importando que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa.(Cfr. do mesmo Autor, Direito Penal Português, Das Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. p. 71-72, a propósito da extensão do princípio da legalidade ao processo penal).
Para Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, I volume, p. p. 62/63, do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados. Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a nova lei será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo: assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5º.
Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, I Volume, p. 96, nota 1, só se impõe a excepção do n.º 2, alínea a), do artigo 5.º, "quando da aplicação imediata da nova lei resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas da defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da nova lei".
José António Barreiros, em Processo Penal, I, p. p. 207/8, expendeu que se a nova lei estabelecer um regime processual mais gravoso para o arguido, com minimização dos direitos processuais deste, a lei processual anterior, sob vigência da qual o processo conheceu o seu início de tramitação, deverá estender a sua aplicabilidade até ao fim do processamento, pondo-se porém aqui questões paralelas às que em direito substantivo se suscitam quanto a saber qual o regime mais favorável.
Para o mesmo Autor, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, p. 190, "em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral - a da lei vigente no momento do acto - e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso, a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do mesmo".
Na jurisprudência
Sendo a solução do processo penal a subsidiariamente aplicável, quer por força do artigo 60.º da Lei 107/09, quer "ex vi" do artigo 41.º do RGCO, vejamos a jurisprudência sobre a aplicação da lei no tempo em matéria de recursos.
A questão colocou-se a partir de 15 de Setembro de 2007, a propósito da recorribilidade a nível de graus de recurso, da admissibilidade de recurso da Relação para o Supremo e da definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo vindo do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do Júri, face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para as Relações, no primeiro caso, face à nova redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) e no segundo atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal.
No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, do Código de Processo Penal "Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito", foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime mais restritivo nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15 de Setembro de 2007.
Adoptando a lei nova em caso de recurso directo de acórdão do Tribunal Colectivo de 4-10-2007, e declarando a competência do Tribunal da Relação, pronunciou-se a decisão sumária da 5.ª Secção de 28-11-2007, proferida no processo 4459/07, com argumentação semelhante à constante do acórdão de 10-01-2008, proferida no processo 4376/07, com o mesmo relator.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6-12-2007, processo 4552/07, da 3.ª Secção "A lei reguladora da admissibilidade do recurso - e, por consequência, da definição do tribunal de recurso - é a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for proferida a decisão. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer". (...) "A aplicação imediata da lei processual nova com a transferência de competência para o Tribunal da Relação não coloca, assim, em causa o exercício do direito ao recurso na dimensão constitucional do exercício do direito de defesa", pelo que deve ser decidido pelo tribunal da relação.
No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos de 6-02-2008, processo 4633/07-3.ª, em caso de recurso directo - considerando que o direito ao recurso nasceu no momento em que a decisão da 1.ª instância foi proferida (em 27-09-2007, já no domínio da lei nova) - defende que a apreciação do recurso cabe à Relação; acórdão da mesma data, proferido no processo 111/08-3.ª, em sentido idêntico, estando em causa acórdão de Colectivo de 29-10-2007, e pena inferior a 5 anos de prisão; de 02-04-2008, processo 898/08-3.ª - considerando que o direito ao recurso nasceu no momento em que a decisão de 1.ª instância foi proferida (em 13-11-2007), e face à medida da pena aplicada (de 4 anos e 3 meses de prisão), a sua apreciação cabe à Relação; de 17-04-2008, processo 903/08- 3.ª; sendo a pena não superior a 5 anos, é competente a Relação.
Vejamos agora a questão no plano diverso da admissibilidade de recurso.
No início da vigência da nova lei processual e até 29 de Maio de 2008, foram grandes as diferenças adoptadas entre as duas Secções Criminais deste Supremo Tribunal sobre o tratamento da questão da recorribilidade dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações, o que se deveu a uma diversa concepção sobre o que deveria entender-se por decisão recorrida, ou seja, se esta era apenas a decisão proferida em recurso pelo Tribunal da Relação, atendendo à decisão então em recurso, ou se deveria atender-se à data da decisão proferida na primeira instância, por aí, e só aí, nascer o direito ao recurso e haver que garantir a sua efectivação, estando em causa diferentes interpretações do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
Na 5.ª Secção
Estando em causa a aplicação do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, era considerada apenas como "decisão recorrida" o acórdão da Relação, para tanto lançando-se mão de posições doutrinárias civilistas.
Só era atendida a data de prolação de acórdãos condenatórios - proferidos em recurso pelas relações - sem reportar a data da primeira condenação.
Espelha este entendimento o acórdão de 10-01-2008, proferido no processo 4376/07 - confirmando em conferência a decisão sumária de 20-11-2007 - e invocado como acórdão fundamento no recurso extraordinário de fixação de jurisprudência que conduziu ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2009, de 18 de Fevereiro de 2009.
No caso concreto, o acórdão recorrido do Tribunal da Relação havia confirmado penas inferiores a 8 anos de prisão, tendo sido proferido no domínio da nova lei processual, em regra de aplicação imediata, sendo afastado o artigo 5.º do CPP.
Quanto a aplicabilidade imediata da lei nova aos processos iniciados antes da sua vigência (citando José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, p. 189), diz o citado acórdão que "no tocante à defesa por meio de "recurso» (uma fase processual excepcional, posterior à decisão final), "tem sido entendimento corrente da nossa jurisprudência o de que os recursos se regem pela lei em vigor à data da decisão recorrida (...)»".
Acrescenta que esse entendimento "assume como ponto de referência para a determinação da lei aplicável (...) o momento em que, proferida a decisão, se configurar o exercício de dela se recorrer» (p. 190), no pressuposto de que, só depois de conhecida a decisão final, é que surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional (do condenado) ao recurso, [ou melhor, a um recurso], o concreto "direito material», em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário.
No que toca à excepção à aplicação imediata da lei nova constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP - possibilidade de resultar uma limitação do direito de defesa - citando Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, p. 96, nota 1, defende-se no mesmo acórdão que a mesma "só se imporia "quando desta resultasse, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficaram prejudicados pela aplicação da lei nova»".
De seguida, citando Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, pp. 54-55, retorna que já não serão atendíveis as "expectativas [eventualmente] criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior» se, "na altura capital em que a decisão foi proferida», tais expectativas "já não tinham razão de ser» ["não [se] justificando, por isso, o retardamento da aplicação da nova lei»].
Daí que se entenda que "em relação às decisões [da Relação, em recurso], que venham a ser proferidas, (no futuro), em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis» (ibidem).
E termina o acórdão de 10-01-2008, afirmando que "Mesmo em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios - proferidos em recurso pelas relações - que, a partir de 15-09-2007, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos».
Nesta orientação, não era contemplada, considerada, a data de decisão de primeira instância, mas apenas a decisão proferida em recurso pelo Tribunal da Relação.
Nesta linha de defesa do entendimento da imediata aplicação da nova lei, da nova versão mais restritiva do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, tendo em conta a data da decisão recorrida, ou seja, a data do acórdão da Relação proferido em recurso, podem apontar-se, inter altera, as decisões sumárias proferidas em 20-11-2007, no processo 4376/07 (confirmada pelo citado acórdão de 10-01-2008, após reclamação); de 14-01-2008, nos processos n.º s 4562/07 e 4828/07; de 28-01-2008, processo 212/08 e de 03-04-2008, processo 110/08, de que houve reclamação, sendo confirmada a decisão de rejeição em acórdão de 30-04-2008 (cfr. infra).
E os acórdãos de 10-01-2008, processo 3180/07 "A lei aplicável à questão da recorribilidade de certa decisão é a vigente ao tempo da sua prolação», e do mesmo relator, o de 03-04-2008, processo 574/08 "A lei aplicável para se aferir da recorribilidade de certa decisão é a vigente na altura em que a mesma for proferida, o que, aliás, é uma decorrência do princípio da aplicação imediata da lei processual penal. O direito ao recurso afere-se no momento em que é proferida a decisão de que se quer recorrer e pela lei então aplicável»; e de 17-04-2008, processo 423/08, CJSTJ 2008, tomo 2, p. 198, "a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a lei que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre". Seguindo de perto Antunes Varela, Manual, afirma-se que "Em relação às decisões que venham a ser proferidas no futuro em processos pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis".
Distinguindo entre os recursos de decisões penais já proferidas antes da entrada em vigor da nova lei e os de decisões proferidas posteriormente, afasta a aplicação às primeiras da nova lei que não admita recurso de decisões que anteriormente o comportavam, pois isso traduzir-se-ia num agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
E podendo ver-se ainda os acórdãos de 03-04-2008, processo 209/08 (com citação de J. A. Reis, A. Varela, J. A. Barreiros e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/01); de 17-04-2008, processo 4732/07 e do mesmo relator, o acórdão de 30-04-2008, processo 110/08, sobre reclamação de decisão sumária de 03-04-2008 "Tem sido entendimento jurisprudencial que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, ao menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação dessa decisão" (cita supra referida decisão sumária de 23-11-2007, proferida no processo 4459/07, J. A. Barreiros, p. 189 e no último ainda Germano Silva, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 565/2007, decisões sumárias da Secção e Paulo Albuquerque, Comentário do CPP, p. 997, nota 12)
A propósito da questão da lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, a 5.ª Secção avançou para uma solução de compromisso, fazendo uma interpretação muito lata do que é a "decisão recorrida", e repensando a jurisprudência que vinha sendo seguida, passou a admitir-se que "decisão recorrida" para o efeito do artigo 5.º do CPP, é a da 1.ª instância, pois a partir desse momento passa a existir na esfera jurídica do arguido o leque de graus de recurso contemplados na lei processual.
Tal consenso foi expresso no acórdão de 29-05-2008, no processo 1313/08-5.ª, do modo seguinte:
"Para o efeito do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o processo (art. 61º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
A prolação da decisão final na 1.ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido» (sublinhados nossos).
A partir daqui, fazendo aplicação deste entendimento, desde então uniforme e sedimentado neste Supremo Tribunal, passou a ser consensual que é aplicável o regime processual vigente à data da decisão de 1.ª instância e que a excepção do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta de aplicação imediata, podendo ver-se, inter altera, os acórdãos de 05-06-2008, processo 1151/08, com o mesmo relator dos acórdãos de 17-04-2008 e de 29-05-2008, publicado na CJSTJ 2008, tomo 2, p. 251; revendo a posição assumida em decisão sumária de 08-05-2008, que rejeitara os recursos por inadmissibilidade, aplica o acórdão de 29 de Maio, concluindo que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido e aplicando quanto ao prazo para interposição de recurso a lei nova, que já vigorava quando foi proferida a decisão recorrida "stricto sensu"; de 05-06-2008, processo 1226/08; de 25-06-2008, com o mesmo relator nos processos n.os 1312/08 e 1779/08; de 29-10-2008, processo 3061/08; de 13-11-2008, processo 4455/07; de 27-11-2008, processo 2854/08; de 08-01-2009, processo 2041/08; de 27-01-2009, processo 3854/08; de 05-02-2009, processo 3166/08, mas aplicando a lei nova quanto a forma de julgamento em conferência.
Na 3.ª Secção
A propósito da questão da aplicação do direito intertemporal, no que respeita à lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, esta 3.ª Secção, maioritariamente, entendia que seria de aplicar o anterior regime sempre que a decisão na primeira instância, mesmo que não a recorrida perante o STJ, ou seja, a decisão inicialmente recorrida, tivesse sido proferida em data anterior a 15 de Setembro de 2007, por assim se mostrarem acautelados os direitos do arguido, pois de contrário, ficaria limitado o direito de defesa do arguido, por privado do direito ao recurso, que detinha à luz da antiga lei. Ou seja, nos casos de acórdãos proferidos em recurso pelas relações - artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP - seria de atender não à data do acórdão da Relação, decisão recorrida, mas da decisão de primeira instância.
Espelham este entendimento, aplicando a lei processual em vigor à data da decisão de 1.ª instância, que admitia o recurso para o Supremo face ao então vigente critério de "pena aplicável", os acórdãos desta Secção:
de 23-01-2008, processo 4641/07 - "A lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que a decisão é proferida. O direito ao recurso nasce com a emissão da decisão, em vista do assegurar de expectativas criadas ao seu destinatário, numa perspectiva garantística que seria injusto frustrar; a imediata aplicabilidade da lei nova a todos os processos pendentes, face à natureza particular dos interesses em jogo, contendendo com a liberdade individual, tem, desde logo, como limite incontornável a redução das garantias de defesa do arguido ou um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido; prolatado o acórdão recorrido à sombra da lei antiga, da lex temporis acti, assistindo ao arguido o direito ao recurso, a ver reapreciado o processo por este Supremo Tribunal, pese embora a disposição do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na versão actual, a sua imediata aplicabilidade cercearia a justa expectativa de reponderação pelo STJ, resultando redução do direito de defesa e eventual agravamento da sua posição processual";
de 06-02-2008, processo 117/08 - "a aplicação da nova lei traduzir-se-ia, em concreto, numa limitação ao direito de defesa do arguido, que assim ficaria privado do exercício do direito ao recurso, garantido pela redacção anterior";
de 20-02-2008, processos n.º s 116/08, 4456/07, 4832/07 e 300/08; de 05-03-2008, processo 100/08, onde se afirma: "Integrando o recurso, e o respectivo direito de interposição, o núcleo fundamental do catálogo de direitos que assistem ao arguido, e vindo a lei nova retirar-lhe um grau de recurso, para o STJ, que, em abstracto, lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto"; de 12-03-2008, no processo 112/08; de 26-03-2008, nos processos n.os 105/08 e 444/08; de 02-04-2008, processo 817/08; de 07-05-2008, processo 294/08; de 28-05-2008, processo 1147/08.
E após 29 de Maio de 2008:
Os acórdãos de 12-06-2008, processo 1660/08; de 18-06-2008, processo 1624/08 (a lei reguladora da admissibilidade do recurso - e por consequência, da definição do tribunal de recurso - será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância); de 18-06-2008, processo 1971/08; de 25-06-2008, processo 449/08; de 10-07-2008, processos n.º 2146/08; de 10-07-2008, processo 2193/08; de 10-09-2008, processo 1666/08 e n.º 2506/08; de 22-10-2008, processo 215/08; de 29-10-2008, processo 2827/08; de 21-01-2009, processo 2387/08; de 27-01-2009, processo 4031/08; de 04-02-2009, processo 4134/08; de 11-02-2009, processo 113/09; de 12-03-2009, processo 3781/08.
Na 3.ª Secção no sentido da admissibilidade do recurso para o STJ, mas com o entendimento de ser aplicável a lei processual vigente aquando do início do processo, pronunciaram-se os acórdãos de 20-02-2008, processo 4838/07 (acórdão recorrido no AUJ n.º 4/2009, no qual se considerou que "no caso vertente a aplicação imediata da lei nova iria ... limitar os direitos de defesa dos arguidos, visto que lhes iria retirar um grau de jurisdição", visto "estarmos perante processo iniciado antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, e tendo em vista o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Penal", decidiu que o Supremo Tribunal mantinha "a competência para conhecimento dos recursos"); de 26-03-2008, processo 444/08 e processo 105/08; de 09-04-2008, processo 698/07 e processo 113/08 (O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. O facto de a lei nova retirar ao arguido o direito a um recurso que estava inserido no seu complexo de direitos e garantias, se aplicada a lei antiga, leva a considerar que, por aplicação do art. 5.º do CPP, é aquela mesma lei aplicável, sendo admissíveis os recursos interpostos); de 23-04-2008, processo 821/08-3.ª; de 30-04-2008, processo 3331/07-3.ª; e de 10-09-2008, processo 1959/08 - vejam-se, em consonância com esta posição, os dois votos de vencido no Acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2009, um deles do relator do acórdão aí recorrido.
A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça - AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 - de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, nos termos seguintes: "Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».
Esta fixação teve como acórdão recorrido o de 20-02-2008, proferido no processo 4838/07 da 3.ª Secção acabado de citar e como acórdão fundamento o já citado acórdão de 10-01-2008, proferido no processo 4376/07, da 5.ª Secção.
Especificamente em causa estava a radical modificação dos pressupostos de recorribilidade para o STJ, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância - os casos chamados de "dupla conforme» - previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.
Com interesse respigamos do texto do acórdão uniformizador:
"No que respeita ao arguido o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
O momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respectivos pressupostos de exercício será aquele ou a prática de acto que primeiramente define no processo a situação do sujeito interessado e que seja susceptível de ser questionado como objecto do recurso com a abertura da respectiva fase.
A decisão que conforma os termos, o conteúdo e, por decorrência, os efeitos - a concretização e o exercício - do direito de recorrer deve constituir também o momento determinante (uma sorte de "acto fundador») para a definição do regime e do sistema de recursos aplicável à decisão que estiver em causa.
A relação entre o arguido e o processo no que respeita à concretização e condições de exercício do direito ao recurso ficou definida com a leitura da decisão condenatória que pretendeu impugnar e que impugnou para a relação».
Aplicando a doutrina do acórdão uniformizador e defendendo que a aferição de admissibilidade de recurso se deve equacionar pela forma delineada no citado acórdão de uniformização de jurisprudência, ou seja, o momento em que é proferida a decisão de primeira instância, podem ver-se os acórdãos: de 12-03-2009, processo 2884/08-3.ª; de 25-03-2009, processo 610/09 - 5.ª; de 02-04-2009, processo 310/09 - 3.ª e 22-04-2009, processo 480/09-3.ª - "Este STJ através do acórdão 4/2009, fixou jurisprudência segundo a qual, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância"; de 14-05-2009, processo 96/09-3.ª; de 27-05-2009, processo 484/09-3.ª; de 25-06-2009, processo 5/05.5PBOLH.S1-3.ª; de 17-09-2009, processo 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188; de 23-09-2009, processo 27/04.3GBTMC.S1-3.ª; de 23-09-2009, processo 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; 07-10-2009, processo 35/01.6FAFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª e no processo 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo 97/06.0JRLSB.S1-3.ª; de 27-01-2010, processo 431/09.0YFLSB-3.ª e do mesmo relator, n.º 7/06.4TAVNO.C3.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo 532/06.7TALSD.P1.S1 5.ª e de 12 de Maio 2010, processo 7888/01.6TDLSB.G1.S1-5.ª, do mesmo relator.
No acórdão de 29-09-2010, processo 234/00.8JAAVR.C2.S1-3.ª pode ler-se: "O acórdão 4/2009 fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância"; e no acórdão da mesma data, proferido pelo mesmo relator no processo 1429/01.2TAVIS.C1.S1 - 3.ª, pode ler-se que "No que concerne à aplicação da lei no tempo, refere o art. 5.º do CPP que a lei processual é de aplicação imediata sem prejuízo dos actos realizados na vigência da lei anterior. Por esta forma consagram-se dois princípios: o princípio do tempus regit actus, de acordo com o qual a lei processual penal é de aplicação imediata, excepto se daí resultar agravamento da posição processual do arguido (sensível e ainda evitável) ou anarquia processual (choque de legislações eventualmente conflituantes, perturbando a "boa ordem processual»; o princípio do respeito pelo anterior processado - a lei nova mantém íntegros os actos realizados à sombra da lei antiga.
O legislador não fornece critério algum para estabelecer as fronteiras da expressão "agravamento sensível» utilizada na al. a) do n.º 2. A abstracção do conceito empregue resulta de uma realidade de contornos fluidos e subjectivos que levaram o legislador a abster-se de avançar para uma formulação concreta, deixando antes ao intérprete o ónus de construir jurisprudencialmente o que constitui ou não agravamento sensível da situação processual do arguido.
Foi, nessa sequência, proferida a decisão de uniformização de jurisprudência do STJ de 18-02-2009, da qual constitui antecedente lógico o pressuposto de que é o momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer que constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso.
Mas, sendo assim, assumido que não se vislumbra razão para divergir da jurisprudência fixada, estamos em crer que o critério enunciado na referida fixação de jurisprudência constitui um princípio geral a observar em relação a todos os sujeitos processuais, sob pena de a coerência lógica e a unidade de tramitação serem substituídas pela quebra da unidade e harmonia processual".
Segundo o acórdão de 20-10-2010, processo 78/07.6JAFAR.E2.S1-3.ª - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
Como se extrai do acórdão de 19-01-2011, processo 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª - Para efeitos de conjugação do regime dos recursos com o disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, o regime aplicável deve ser o que vigorava na data em que, pela primeira vez, se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso, não havendo a considerar qualquer questão de sucessão de regimes.
E de acordo com o acórdão de 26-01-2011, processo 39/96.9TBCNF.S1-3.ª, "Constitui antecedente lógico da decisão de uniformização de jurisprudência do STJ de 18-02-2009 com referência ao acórdão 4/2009 o pressuposto de que é o momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer que constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso.
Assumindo que não se vislumbra razão para divergir da jurisprudência fixada, estamos em crer que o critério enunciado na referida fixação de jurisprudência constitui um princípio geral a observar em relação a todos os sujeitos processuais, sob pena de a coerência lógica e a unidade de tramitação ser substituída pela quebra da unidade e harmonia processual.
Na mesma linha os acórdãos de 24-03-2011, processo 12831/03-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, p. 216; de 31-03-2011, processo 305/04.1TABRG.G1.S1-3.ª, do mesmo relator dos dois acórdãos de 29-09-2010 supra citados, publicado na CJSTJ 2011, tomo 1, p. 220; de 18-05-2011, processo 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª e o de 15-06-2011, processo 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª, donde se extrai: "A lei reguladora da admissibilidade do recurso - e, por consequência, da definição do tribunal de recurso - será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja a integração do interesse em agir e da legitimidade, sejam as condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação, definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for decidida uma decisão sobre a matéria da causa (1.ª instância)".
Lê-se no acórdão de 06-07-2011, processo 279/96.0TAALM.P1.S1-3.ª Secção - A jurisprudência fixada pelo STJ é no sentido de que, em matéria de recursos, a lei a aplicar é a que vigora na data da prolação da decisão em 1.ª instância - o momento em que "se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um direito constitucional ao recurso, o concreto "direito material" em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).
Refere o acórdão de 03-11-2011, proferido no processo 67/08.3JAFAR.E1.S1-5.ª que "a aplicação da lei em vigor à data da prolação da decisão de 1.ª instância, independentemente do momento em que se iniciou o processo, é a que observa o princípio de aplicabilidade imediata das normas processuais, inscrito no art. 5.º, n.º 1, do CPP, e salvaguarda as restrições que decorrem das als. a) e b) do n.º 2".
E no acórdão de 23-11-2011, proferido no processo 56/06.2SRLSB.L1.S1-3.ª, pode ler-se "O STJ vem decidindo, perante sucessão de leis processuais penais, que, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da prolação da decisão em 1.ª instância".
E mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 07-12-2011, processo 1070/03.5SJPRT.S1, da 5.ª Secção, mantendo decisão sumária antes proferida, e de 21-12-2011, processo 37/06.6GBMFR.S1; de 29-03-2012, processo 334/04.5IDPRT.P1.S1; de 11-04-2012, processo 3969/07.5TDLSB.L1.S1; de 28-06-2012, processo 4/05.7ZCLSB.P1.S1; de 12-07-2012, no processo 657/08.4GAVCD.P1.S1 e no processo 350/98.4TAOLH.E1.S1-3.ª (em que o acórdão da primeira instância datava de 14-12-2005); de 07-11-2012, processo 1198/04.4GBAGD.C4.S1 e de 15-11-2012, processo 117/04.2PATNV.C1.S1 e processo 5/04.2TASJP.P1.S1, todos da 3.ª Secção.
Conclui-se assim que é ponto assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, afirmada de forma reiterada, uniforme e sedimentada, que a aferição da recorribilidade se faz com referência à lei vigente à data da decisão da primeira instância, pois só então nasce, concretiza, o direito ao recurso.
A excepção do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta de aplicação imediata.
A interpretação do artigo 5.º, n.º 2, do CPP, no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos pela Lei 48/72007 (nomeadamente as alíneas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), aos processos em que a sentença tenha sido proferida depois da entrada em vigor da referida Lei, não está ferida de inconstitucionalidade, como decidiram os acórdãos n.º 263/2009, de 26 de Maio de 2009, processo 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 75.º volume, p. 249), n.º 551/2009, de 27 de Outubro de 2009, da 3.ª Secção, este referindo o AUJ n.º 4/2009 (ATC, 76.º volume, p. 566, em sumário), n.º 645/09, de 15 de Dezembro de 2009, processo 846/09-2.ª Secção, n.º 175/10, de 4 de Maio de 2010, processo 187/10-1.ª Secção e n.º 486/12, de 24 de Outubro de 2012, processo 403/12-2.ª Secção.
Aí se refere que a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória como factor de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, considerando-se que a interpretação em causa - no sentido de considerar momento processualmente relevante para aferir dos pressupostos da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça aquele em que foi proferida a sentença condenatória da 1.ª instância - não atenta contra as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas, uma vez que estas não envolvem nem a existência obrigatória de um duplo grau de recurso, nem que o momento processualmente relevante para a fixação daqueles pressupostos deva ser anterior à prolação da sentença condenatória em 1.ª instância.
Nada impede que se faça uma transposição deste entendimento sufragado no domínio do processo penal para o processo contra-ordenacional, acrescendo que o que vale para a conformação dos contornos da admissibilidade do recurso, vale do mesmo modo para a contagem do respectivo prazo.
Paulo Pinto de Albuquerque, no já referido "Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações", 2011, p. 152, vai no sentido da orientação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que, quando a decisão da autoridade administrativa é proferida após a entrada em vigor da lei nova, é esta que deve ser aplicada.
Assim na anotação 57.ª ao artigo 41.º do Decreto-Lei 433/82, referenciando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-06-2010, in Colectânea de Jurisprudência, 2010, tomo 3, p. 68, afirma: "havendo sucessão de leis processuais no tempo, é aplicável o disposto no artigo 5.º do CPP, como direito subsidiário, pelo que no caso de se sucederem regimes jurídicos sobre recursos de decisões administrativas o regime da lei nova deve ser aplicado aos processos em que a decisão administrativa tenha sido proferida depois da entrada em vigor da lei nova".
Como bem salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido "Ora, se no âmbito do processo penal - [em cuja sede se tutelam bens jurídicos e valores de acrescida ressonância social, como é o caso, v.g., do direito à "liberdade", constitucionalmente garantido (art. 27.º da CRP) -, o direito ao recurso se materializa apenas no momento em que é proferida a decisão condenatória, e, portanto, a lei processual aplicável é a que estiver em vigor aquando da respectiva prolação, mal se compreenderia que pudesse ser outro o caminha a trilhar no domínio do processo de contra-ordenação, ao qual o processo penal é, como já vimos, subsidiariamente aplicável, quando é certo que nele se tutelam, no essencial e predominantemente, interesses de índole patrimonial/económica".
"No caso a alteração introduzida com a nova lei prende-se apenas com a forma de contagem dos prazos processuais no âmbito do processo contra-ordenacional laboral, ou seja, a alteração normativa regula tão só matéria confinada a aspectos de puro formalismo processual. E, movendo-nos assim no domínio meramente processual, há desde logo que ter em conta, por um lado que a decisão administrativa foi proferida já no domínio da lei nova, e portanto em plena vigência da regra da "continuidade dos prazos", regra essa que era do conhecimento do arguido, tanto mais que ela lhe foi expressamente indicada no momento da notificação dessa decisão; e por outro que tal alteração não veio modificar ou afectar o modo, forma e prazo de recurso. Isto é, não veio afectar, de todo, as condições de admissibilidade de recurso. O arguido continuou a ter o direito de impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa, através de recurso para o Tribunal, recurso que continua a dever conter alegações e conclusões, e a interpor, também como antes, no prazo de 20 dias".
(...) "Temos pois por certo, neste quadro, que não foi minimamente beliscado pela lei nova o núcleo essencial do direito ao recurso. A única modificação circunscreveu-se à alteração da forma de contagem do respectiva prazo, que passou a ser de natureza judicial, e por isso contínuo, que não administrativo.
A alteração verificada, confinada assim à introdução da regra da "continuidade dos prazos" não pode, de todo, assumir, no plano do direito ao recurso, "uma grandeza, relevância e intensidade" susceptível de integrar o conceito legal de "agravamento sensível» da posição processual do arguido, nos termos e para os efeitos da previsão normativa contida na alínea a) do n.º 2 do citado art. 5.º do CPP".
E após citar ainda sobre a problemática do direito ao recurso as observações de Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, 2.ª edição, p. p. 58 e 59, que constam da conclusão 8. 9 supra, acrescenta que "temos por meridianamente evidente que a aplicação imediata da lei nova, com a consequente introdução da regra da continuidade dos prazos, não retira ao arguido quaisquer das garantias de defesa que anteriormente lhe estavam asseguradas, mantendo incólume o direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva.
Por outro lado, e como já vimos, estabilizando-se o direito ao recurso apenas com a prolação da decisão condenatória, e tendo esta sido proferida já na vigência da lei nova, não pode considerar-se que o arguido tenha sido surpreendido por uma inesperada e imprevisível alteração do modo de contagem do prazo processual de impugnação. O mesmo é dizer, pois, que a aplicação da regra da continuidade dos prazos está, também, longe de se traduzir numa desproporcionada limitação do direito de acesso aos tribunais e/ou à justiça".
De acordo com tal posição é de ter em consideração no presente caso o regime em vigor à data da prolação da decisão administrativa na 1ª instância, ou seja, datando esta de 10 de Março de 2010, estando em vigor o novo regime processual, será de aplicar o regime decorrente da Lei 107/09.
Pelo exposto, opta-se pela solução do acórdão recorrido.
Decisão
Pelo exposto, acorda-se no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Fixar jurisprudência nos seguintes termos:
"Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados»;
b) Confirmar o acórdão recorrido.
Não é devida taxa de justiça - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
Cumpra-se oportunamente o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do CPP.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2013. - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges (relator) - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Manuel Joaquim Braz - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - José Vaz dos Santos Carvalho - António Silva Henriques Gaspar - António Artur Rodrigues da Costa - Armindo dos Santos Monteiro - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor - José António Henriques dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa - António Pires Henriques da Graça - Luís António Noronha Nascimento.