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Assento 2/94, de 8 de Fevereiro

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Sumário

QUANDO O DEVEDOR DE CRÉDITO PENHORADO NAO TIVER PRESTADO, NO ACTO DA NOTIFICAÇÃO DA PENHORA, DECLARAÇÕES SOBRE A EXISTÊNCIA DO CRÉDITO, AS GARANTIAS QUE O ACOMPANHAM, A DATA DE VENCIMENTO E OUTRAS CIRCUNSTANCIAS QUE INTERESSEM A EXECUÇÃO, DEVE FAZE-LO NO PRAZO GERAL DE CINCO DIAS, SOB A COMINACAO DE SE HAVER COMO RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO NOS TERMOS EM QUE O CRÉDITO FOI NOMEADO A PENHORA.

Texto do documento

Assento n.° 2/94

Acordam, em pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Objecto do recurso

O município de Viseu, nos autos de recurso de agravo na 2.ª instância em que é recorrida Betão Liz, S. A., veio interpor recurso para tribunal pleno, o qual foi admitido por se considerar haver oposição relevante sobre idêntica situação de facto entre o acórdão recorrido e o deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 344, pp. 371 e seguintes, a propósito da seguinte questão de direito:

Não tendo o devedor de crédito penhorado feito, no acto da notificação, as declarações a que se refere o n.° 2 do artigo 856.° do Código de Processo Civil, deve fazê-lo no prazo de cinco dias, por aplicação do preceito genérico do artigo 153.° do citado Código? O acórdão fundamento entendeu que, não tendo o devedor do crédito penhorado feito, no acto da notificação, as declarações a que se refere o n.° 2 do artigo 856.° do Código de Processo Civil, pode fazê-las em qualquer altura, sem prejuízo de o juiz poder fixar para o efeito um prazo determinado.

Por sua vez, o acórdão recorrido decidiu que, não tendo o devedor do crédito penhorado feito, no acto da notificação, as declarações a que se refere o n.° 2 do artigo 856.° do Código de Processo Civil, só o podia fazer no prazo de cinco dias, por aplicação do artigo 153.° do mesmo Código.

2 - Reexame da questão preliminar

Procedendo à reapreciação da questão preliminar em conformidade com o n.° 3 do artigo 766.° do Código de Processo Civil, temos que:

Requisitos formais: os dois acórdãos foram tirados pelo Supremo Tribunal de Justiça, em processos diferentes, presumindo-se o trânsito em julgado do acórdão fundamento;

Requisitos substanciais: estamos perante situações de facto idênticas, apreciadas por decisões expressas, em oposição, sobre a mesma questão fundamental e no domínio da mesma legislação.

3 - Argumentos do acórdão fundamento

O acórdão fundamento cita Alberto dos Reis, in Processo de Execução, II, p.

193, o qual entendia, face ao Código de 1939, que a regra geral do artigo 154.° (actual artigo 153.°) não era aplicável ao caso, pelo que não havia prazo certo para as declarações posteriores autorizadas pelo artigo 856.° Assim, o devedor devia prestá-las logo que pudesse e, demorando-se a cumprir, o exequente podia requerer que o devedor fosse notificado para, dentro de prazo fixado pelo juiz, satisfazer ao determinado no artigo 856.° Comenta-se no acórdão que Alberto dos Reis «deve ter tido a clara percepção de que constituiria um grave atropelo a princípios firmados no Código de Processo Civil a possibilidade de se impor ao devedor a sanção imediata do reconhecimento da existência do crédito penhorado só por ele não produzir declaração alguma no curto prazo de cinco dias após ter sido notificado nos termos do artigo 856.°, n.° 1».

Continua:

Repare-se, numa vulgar acção intentada pelo executado-credor, o devedor poderia dispor do prazo de 20 dias para impugnar a dívida (artigo 486.°, n.° 1) e, além disso, a falta de contestação nesse prazo poderia não importar o reconhecimento automático da existência do crédito, mas tão-só a confissão dos factos articulados pelo credor (artigo 484.°, n.° 1).

Esta constitui até a explicação que se descobre para o facto de, na versão de 1939, o artigo 856.° não aludir a prazo algum, enquanto o artigo 863.° (correspondente ao actual artigo 862.°) já prescrevia que, na penhora do direito a bens indivisos, o administrador dos bens e os comproprietários podiam, «no acto da notificação, ou dentro do prazo de três dias», fazer as declarações que entendessem quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo: é que, na penhora do direito a bens indivisos, a falta de declaração não tem, normalmente, consequências tão gravosas para os notificados.

Ora, justificada desta feita a razão por que, ao invés do que sucedia na penhora do direito a bens indivisos, o Código de 1939 já não falava em qualquer prazo no preceito relativo à penhora de créditos, há-de agora convir-se que a redacção um tanto vaga acerca do período durante o qual podem ser prestadas as declarações a que se refere o n.° 2 do artigo 356.° não aconselha se interprete a norma como se nela se encontre fixado um prazo peremptório, para mais tão curto e cuja inobservância acarreta consequências de extrema gravidade.

4 - Fundamentos do acórdão recorrido

No acórdão recorrido raciocina-se deste modo:

Atribuindo-se, assim, ao devedor o poder de prestar a declaração sobre o crédito em momento posterior à notificação, sem se estipular qualquer prazo para esse efeito, há que observar a regra geral sobre prazos constante do artigo 153.° do Código de Processo Civil.

Com efeito, resulta desta disposição legal que, sempre que a lei permita a prática de um acto processual sem indicar o respectivo prazo, este é de cinco dias.

Não se pode deixar ao arbítrio do devedor o momento em que venha prestar declaração sobre o crédito, tanto mais que se estabelece no n.° 3 do citado artigo 856.° cominação para a falta de tal declaração, parecendo evidente que essa cominação só tem sentido desde que exista prazo para a declaração.

Esta posição tem a seu favor o bem elaborado parecer do Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, que adiciona relevantes argumentos.

5 - Elemento histórico de interpretação

Na busca de qual seja, entre as duas interpretações em confronto, aquela que deve merecer acolhimento, começaremos por uma recolha dos textos legais que vigoraram anteriormente, procedendo em seguida à análise destes antecedentes históricos da questão.

No Código de Processo Civil de 1876 eram estes os preceitos legais que regiam a penhora de direitos do executado:

Art. 820.° Efectuando-se a penhora em [...] capitaes de que elle era credor, será depositario aquelle que tiver obrigação de pagar, ou o seu legitimo representante.

§ 1.° No acto da penhora, deverá o depositário declarar expressamente se reconhece a obrigação de pagar, e qual é a importância do capital ou das prestações em divida.

§ 2.° Se negar, no todo ou em parte, não deixará de se efectuar a penhora no direito que o executado possa ter, e alem d'isso na quantia ou responsabilidade confessada, se alguma houver.

§ 3.° No auto da penhora, serão especificados todas e quaesquer declarações.

§ 4.° O depositario contrahe pelo deposito a obrigação de não pagar sem ordem do juiz da execução, e a de não transigir sobre a responsabilidade que tiver.

Por este preceito temos que o devedor devia, logo no acto da penhora, declarar expressamente se reconhecia a obrigação de pagar, ficando a constar no respectivo auto todas e quaisquer declarações.

No Código de Processo Civil de 1939 a penhora de créditos teve a seguinte regulamentação:

Art. 856.° A penhora consistirá na notificação ao devedor de que o crédito fica penhorado. O efeito desta notificação é que o crédito fica à ordem do tribunal da execução, não se exonerando o devedor pelo pagamento ao credor. O devedor será advertido deste efeito no acto da notificação.

O devedor é obrigado a declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Se não puder fazer estas declarações no acto da notificação, deve fazê-las depois por meio de termo ou de simples requerimento.

Na falta de qualquer declaração entender-se-á que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora.

Temos que o devedor é obrigado a declarar se o crédito existe, mas não tem de ser no acto da notificação. Pode fazê-lo depois, por termo ou simples requerimento. Não se indica o prazo para prestar as declarações, mas resulta da terceira parte a sua natureza cominatória.

O actual artigo 856.°, no seu n.° 1, apenas declara que a penhora do crédito consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução.

«Elimina-se da lei não só a noção quase puramente tautológica de penhora de créditos dada na redacção anterior, como a explicitação dos efeitos da penhora - cabida num tratado de direito, mas deslocada num texto legal. Não parece sequer necessária a advertência expressa da consequência legal, do pagamento efectuado ao credor, visto tratar-se da consequência natural, evidente, da violação do efeito pretendido com a penhora e enunciado ao devedor.» («Observações ministeriais», no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 124, p. 185.) De notar que o artigo 820.° do Código Civil de 1966 refere que, «sendo penhorado algum crédito [...], a extinção dele por causa dependente da vontade do [...] seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente ineficaz em relação ao exequente».

O n.° 2 corresponde substancialmente à segunda parte do artigo 856.° do Código de 1939 e o n.° 3 à terceira parte, não se encontrando diferenças que não sejam apenas de redacção.

Esta análise parece habilitar-nos a retirar as seguintes conclusões:

A notificação ao devedor sempre teve uma dupla função:

Produzir a indisponibilidade do crédito, ficando este à ordem do tribunal;

Determinar a sua existência, quantidade, garantias, vencimento e outras circunstâncias que possam interessar.

Para se atingir esta segunda finalidade é o devedor notificado para produzir declarações em confirmação ou negação, sob a cominação de, na falta de declaração, se entender que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação.

No Código de 1876 a declaração do devedor tinha de ser prestada logo no acto da notificação, o que era uma exigência desajustada às realidades, em particular para uma grande empresa com actividade distribuída por agências.

Daí que o Código de 1939 tenha vindo consentir que tais declarações viessem a ser produzidas posteriormente, mas sem se indicar expressamente prazo para o efeito, o que implica prima facie uma aberração - haver uma cominação sem se designar prazo.

O actual Código, no n.° 3 do artigo 856.°, não alterou esta situação.

6 - Elemento sistemático

Tem utilizado a doutrina o paralelo com a penhora de direito a bens indivisos, sem regulamentação particular no Código de 1876 e com assento no artigo 863.° do Código de 1939.

Comparando os textos deste preceito e do que actualmente lhe corresponde - o artigo 862.° -, temos como diferenças:

A disposição actual fala em «condóminos» e a anterior em «comproprietários», o que teve por intuito tornar claro que o preceito é aplicável «não só aos casos de verdadeira compropriedade como a hipóteses de autêntica comunhão, propriedade comum ou colectiva» («Observações ministeriais», Boletim do Ministério da Justiça, n.° 124, p. 190).

Determinou-se a notificação do administrador e dos condóminos com advertência idêntica à determinada para a penhora de créditos no artigo 856.°, n.° 1 - o direito do executado fica à ordem do tribunal da execução.

O anterior artigo 863.° previa que, no acto da notificação, ou dentro do prazo de três dias, pudessem os notificados fazer as declarações que entendessem quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo.

Hoje, o correspondente artigo 862.°, no seu n.° 2, declara que é lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo.

Quanto ao prazo de três dias que o artigo 863.° do Código de 1939 (actual 862.°) fixava para o administrador e os comproprietários, notificados da penhora do direito a bens indivisos, fazerem as declarações que entendessem quanto ao direito do executado, foi eliminado em revisão ministerial, justificando-se a eliminação por se entender que, por uma razão de simplificação, só quando motivos fortes o imponham se deve afastar o prazo geral de cinco dias.

A supressão do prazo de três dias é justificado nas «Observações ministeriais», Boletim do Ministério da Justiça, n.° 124, p. 190, nestes termos:

Até por uma razão de simplificação, só quando motivos fortes o imponham nos devemos afastar do prazo geral (cinco dias) estabelecido na lei processual.

E não há motivos para tal quanto às declarações a prestar neste caso pelos notificados. Eliminou-se, por isso, o prazo de três dias anteriormente fixado e remeteu-se, implicitamente, para o prazo geral.

O prazo geral apontado não pode deixar de ser o do artigo 153.° - cinco dias.

Tal como em relação à penhora de bens indivisos se tem como aplicável, por analogia, o que se dispõe para a penhora de créditos no artigo 858.°, quando seja contestado o direito penhorado, assim se considera que deve ter-se em conta o que vem referido, a propósito da aplicação do preceito genérico do artigo 153.°, à declaração na penhora de bens indivisos, para a semelhante declaração na penhora de créditos.

Nesta linha, escreveu Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., p.

467:

Houve, pois, a intenção de aplicar, a um caso perfeitamente análogo, o prazo que o actual artigo 153.° marca para certos actos das partes.

7 - Doutrina dominante

Para Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, IV, p. 153) e Anselmo de Castro (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª ed., p. 138), não sendo as declarações produzidas no acto da notificação a que se refere o n.° 2 do artigo 856.°, devem ser prestadas pelo devedor no prazo geral de cinco dias, previsto no artigo 153.°, na medida em que esse n.° 2 se limita a prescrever que, não sendo feitas no acto da notificação, «serão as declarações prestadas posteriormente, por meio de termo ou de simples requerimento». Considera-se que todos os actos processuais estão sujeitos a prazo.

Lopes-Cardoso, depois de entender, na passagem já transcrita, que houve a intenção de aplicar o prazo que o artigo 153.° marca para certos actos das partes, acrescenta:

É duvidoso que esse mero intuito, desacompanhado da necessária adaptação do dito artigo 153.°, seja suficiente para se considerar aplicável o prazo peremptório deste artigo, mas prudente será que o devedor notificado o observe, para não incorrer na sanção correspondente à falta de oportuna prestação das declarações de que se trata.

Tal sanção é a de se entender como tacitamente reconhecida por ele a existência do crédito, precisamente nas condições em que foi nomeado à penhora.

Inventariada a posição dos autores, temos de reconhecer que é dominante o entendimento em favor da aplicação do prazo geral, ainda que Lopes-Cardoso se mostre vacilante e, face ao Código de 1939, Alberto dos Reis apresente opinião oposta.

O argumento que mais vem impressionando é o de que, determinando a lei a prestação de uma declaração, não pode ficar, quanto ao tempo, ao arbítrio do interveniente, nem pode considerar-se dependente de acto discricionário do juiz a fixação de prazo.

8 - Natureza da intervenção do devedor

Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado (n.° 1 do artigo 519.° do Código de Processo Civil).

A recusa dessa colaboração implica a condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis.

Poderia propor-se o entendimento da intervenção do devedor dentro do dever de cooperação imposto por este preceito, que é extensível mesmo às partes.

Não é assim. O que se pretende, na economia funcional do artigo 856.°, é determinar a existência, quantidade, vencimento e outras condições do crédito penhorado, para dele aproveitar o acervo, destinado ao pagamento da quantia exequenda. Assim, está-se a intercalar um procedimento declarativo expedito para a determinação do crédito penhorado. Introduz-se uma relação processual incidental.

No entendimento de Guasp, in Derecho Procesal Civil, 1959, p. 183, parte «é quem pretende e frente a quem se pretende». A qualidade de «parte» resulta da titularidade, activa ou passiva, de uma pretensão.

Por sua vez, terceiro processual é aquele que intervém sem ser parte, cujo interesse resulta da posição que terá em eventual contraditório.

E, como explica na p. 185, parte acessória é quem intervém subordinado à actuação de parte principal.

Prevê a ampliação da demanda a terceiro por via incidental, para resolução de uma questão que não pertence ao desenvolvimento lógico normal da relação processual, representando uma dúvida intercorrente relacionada com a pretensão, o que exige um tratamento processual específico (p. 542).

No incidente, esse terceiro vem a assumir a posição de parte na relação processual incidental.

Por um critério funcional, para evitar a suspensão da causa, estende-se a competência à questão que surge e deve ter uma solução para que a questão principal possa atingir o seu curso final.

A referência de Lopes-Cardoso (Manual, 3.ª ed., p. 467) a que o artigo 154.°, pela sua letra, só é aplicável a acto das partes, tal como o actual artigo 153.°, e parte não é o terceiro-devedor, não é correcta - este, sendo inicialmente terceiro, vem a assumir a qualidade de «parte» no incidente.

Também não nos parece correcto considerar-se que o credor intervém como parte acessória.

O Código de Processo Civil, a propósito da extensão da competência, prevê no artigo 96.°, seu n.° 1, que o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem.

E, como explica J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, p. 236, a palavra «incidentes» deve entender-se aqui no sentido lato de questões, e não no sentido restrito de incidentes propriamente ditos (artigos 302.° e 380.°).

Palma Carlos, Código de Processo Civil Anotado, p. 310, apresenta alguns exemplos. Um deles:

António pede, aos herdeiros de Francisco, a entrega de uma propriedade que teria comprado a João. Todos os interessados - António, herdeiros de Francisco e João - são domiciliados em Lisboa, e aqui também é que se celebrou a escritura; mas a acção é proposta na comarca de Sintra, que é a da situação da propriedade (artigo 73.°). Os herdeiros de Francisco defendem-se arguindo a nulidade da escritura de venda, com fundamento na demência notória do vendedor, à data da celebração da mesma escritura; e pedem a declaração dessa nulidade na própria acção.

Note-se o cuidado posto pelo n.° 2 do artigo 96.° quanto à constituição de caso julgado fora do respectivo processo.

Podemos, assim, concluir que o devedor de crédito penhorado é parte na execução, estando sujeito à disciplina processual nessa qualidade.

9 - Limitação temporal do acto de parte

Em princípio, todo o acto processual está limitado no tempo. A celeridade na marcha do processo tal exige.

Em certos casos, a fixação legal de um prazo fixo pode ser inadequada, mas terá a lei que o reconhecer expressamente. Assim acontece com o prazo para alegar na apelação e na revista.

Os casos concretos que, por terem soluções contraditórias, provocam o presente recurso ferem a sensibilidade, porquanto as notificações aos devedores não foram correctamente realizadas.

Ora, a este propósito, lembramos o que escreveu J. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, II, p. 191:

Suponhamos que o devedor foi notificado de que o crédito fica penhorado, mas que o funcionário não o advertiu do efeito da notificação. Quid juris? Temos como certo que a apreensão do crédito não produz o efeito prescrito no artigo 856.°; o devedor exonera-se, pagando ao credor.

Por outras palavras: o texto legal dita uma cominação, mas faz depender a aplicação dela do aviso dado ao notificado.

Tal como refere a propósito do artigo 484.°, in Código de Processo Civil Anotado, III, p. 7: sem advertência, não há cominação.

Não é esta a problemática de que nos temos de ocupar e só a abordámos para minimizar o efeito chocante que a solução do acórdão recorrido pode provocar.

Tomando agora a questão sobre a qual houve a divergência que temos de dirimir, julgamos conveniente ponderar o que escreveu Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declarativo, III, p. 48:

Todos os actos processuais estão sujeitos a prazos, que revestem a maior importância prática sobretudo quanto aos actos das partes.

Os prazos para os actos do juiz ou de secretaria não têm como efeito a preclusão, pelo que não relevam do mesmo modo.

Mas continua a p. 50:

Os prazos peremptórios, igualmente conhecidos por finais, extintivos ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o acto pode ser praticado.

O prazo aqui representa, pois, o período de tempo durante o qual pode ser levado a efeito (terminus intra quem). A fixação (legal ou judicial) dos prazos peremptórios funciona como o instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os poderes-ónus de que são titulares segundo um determinado ritmo.

Com particular interesse o que escreve na p. 51:

São excepcionais os casos em que, entre nós, a lei deixa ao arbítrio do juiz a fixação do prazo. Deve mesmo entender-se que essa atribuição só pode ser expressa (verbi gratia, artigos 39.°, n.° 3, 40.°, n.° 2, 41.°, n.° 2, 477.°, n.° 1, 1123.°, n.° 2; cf. ainda artigos 647.°, n.° 2, 651.°, n.° 3), não bastando que a lei omita a fixação do prazo em certos casos. Intervirá então a regra geral fixada no artigo 153.°: na falta de disposição especial, é de cinco dias o prazo para as partes requererem qualquer acto ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual, sendo também de cinco dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária.

Para todo o acto processual tem de haver um prazo e o seu termo inicial só pode ser a notificação prevista no n.° 1 do artigo 856.° E, não estando fixada a extensão temporal do prazo, tem de ser o do artigo 153.° Quando a fixação se entrega ao juiz, por ser um caso excepcional, tem de a lei o dizer expressamente, afastando o artigo 153.° Rosenberg, in Tratado de Derecho Procesal Civil, 1955, I, p. 414, referindo-se aos prazos de actuação dos sujeitos processuais, depois de apresentar a distinção entre prazos legais e judiciais, refere que estes são expressamente previstos.

Como observa o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, não se deve ter este entendimento como excessivo - para afastar a cominação basta o devedor declarar que não reconhece o crédito por não ter elementos em confirmação.

Não há má fé, uma vez que só diz ignorar a existência do crédito.

Considerando a incidência do princípio da eventualidade ou da preclusão, pelo qual os actos só podem ser praticados no momento próprio que a lei indica, sob pena de ficarem precludidos, temos que a solução proposta o acolhe.

E assim se servem também as exigências do princípio da celeridade processual.

Concluímos, consequentemente, que a razão está do lado do acórdão recorrido.

10 - Decisão

Termos em que se decide:

a) Firmar assento do seguinte teor:

Quando o devedor de crédito penhorado não tiver prestado, no acto da notificação da penhora, declarações sobre a existência do crédito, as garantias que o acompanham, a data de vencimento e outras circunstâncias que interessem à execução, deve fazê-lo no prazo geral de cinco dias, sob a cominação de se haver como reconhecida a existência da obrigação nos termos em que o crédito foi nomeado à penhora;

b) Confirmar a decisão recorrida por aplicação do assento tirado;

c) Não condenar em custas o recorrente, município de Viseu, por delas estar isento.

Lisboa, 25 de Novembro de 1993. - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - José Joaquim Martins da Fonseca - Mário Horácio Gomes de Noronha - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - José Maria Sampaio da Silva - Roger Bennett da Cunha Lopes - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - António Joaquim Coelho Ventura - Francisco Rosa da Costa Raposo - José Martins da Costa - António Pais de Sousa - José Miranda de Gusmão de Madeiros - Raul Domingos Mateus da Silva - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - Jorge Manuel Mora do Vale - José Ramos dos Santos - José Correia de Oliveira Abranches Martins - Jorge Celestino da Guerra Pires - Fernando Dias Simão - António de Sousa Guedes - Fernando Alves Ribeiro - José António Lopes Cardoso Bastos - Zeferino David Faria - Adriano Francisco Pereira Cardigos - Francisco José Galrão de Sousa Chichorro Rodrigues - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - Mário Fernandes da Silva Cancela - António Alves Teixeira do Carmo - Augusto Cabral Folque Pereira de Gouveia - Fernando Machado Soares - Humberto Carlos Amado Gomes - Rogério Correia de Sousa - Mário Sereno Cura Mariano (com a declaração de que o objecto do assento incide apenas sobre a oposição do acórdão. No caso em análise, o que está em crise é apenas o haver ou não haver prazo. Concluindo-se pela necessidade de prazo geral de cinco dias, teria de ser eliminada a cominação, já que extravasa o objecto do assento) - José Magalhães (com a declaração feita pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Cura Mariano) - Dionísio Teixeira Moreira de Pinho (vencido, nos termos da declaração do Ex.mo Conselheiro Dr. Cura Mariano) - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva (vencido. Junto declaração de voto) - Fernando Adelino Fabião (vencido nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Dr. Cura Mariano) - António César Marques (vencido nos mesmos termos) - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal (vencido nos mesmos termos) - Eduardo Augusto Martins (expurgaria o assento da cominação nele estabelecida, por não haver decisões opostas sobre tal ponto) - Mário de Magalhães Araújo Ribeiro (com declaração idêntica à antecedente. Além disso, tenho sérias dúvidas sobre se não será possível a prorrogação -fundamentada- do prazo geral, o que a redacção que vingou de todo exclui) - José Santos Monteiro (com declaração idêntica à do Ex.mo Conselheiro Cura Mariano) - Jaime Octávio Cardona Ferreira (com a declaração do Ex.mo Conselheiro Cura Mariano) - Carlos da Silva Caldas (com a declaração idêntica à do Ex.mo Sr. Conselheiro Cura Mariano) - José Sarmento da Silva Reis (com a seguinte declaração: votei o assento, com exclusão da parte final, a que nele se refere à cominação, por entender que não é objecto do thema decidendum) - Augusto José Mendes Calixto Pires (vencido, nos termos do voto do Ex.mo Conselheiro Cura Mariano).

Declaração de voto

Os assentos (artigo 2.° do Código Civil) reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal (cf. Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 292 e seguintes, e «Assento», in Polis, I, p. 419; Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 124.°, p. 131.

Ora, a função legislativa não compete aos tribunais (artigo 205.° da Constituição da República).

De contrário, o munus judicial, ao ser chamado, através dos assentos, a exercer tal actividade, assumiria um carácter que está em aberta contradição com o sentido que lhe deverá corresponder no sistema político do Estado de direito dos nossos dias, baseado no princípio democrático da separação de funções, constitucionalmente consagrado no artigo 114.°, n.° 1: «Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição» (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., pp. 700 e seguintes).

Como decidiu a Comissão Constitucional, «haverá inconstitucionalidade - por violação da norma do artigo 114.°, n.° 1, ou do princípio constitucional da divisão e repartição de funções entre os diferentes órgãos de soberania - sempre que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competência para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro diferente órgão» (cf. Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 8.°, 1980, p. 212).

Tal competência cabe à Assembleia da República e ao Governo (cf. os artigos 164.° e 201.° da Constituição da República Portuguesa).

E este será, supomos, o entendimento do Tribunal Constitucional.

Na verdade, ao declarar, como tem acontecido, a inconstitucionalidade de assentos, partiu da sua natureza normativa, como tudo decorre, designadamente , dos artigos 225.°, 277.° e 281.° da Constituição.

É nesta linha de entendimento que deve situar-se a correcta interpretação do artigo 115.°, n.° 5, da lei fundamental:

Nenhuma lei pode criar outra categoria de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

A doutrina mais autorizada é no sentido de que os assentos devem ser qualificados como lei interpretativa (cf. as indicações feitas no Código Civil Anotado, de A. Neto e H. Martins, 6.ª ed., p. 26).

Em oposição ao que vem de ser dito não pode invocar-se o artigo 122.°, n.° 1, alínea g), da Constituição.

É que este normativo, na lógica do sistema constitucional, e no panorama legislativo actual, só pode referir-se à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos (artigo 66.°, n.° 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos).

Em consequência, não votei o presente assento. - Ferreira da Silva

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1994/02/08/plain-56352.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/56352.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-04-20 - Assento 1/2001 - Supremo Tribunal de Justiça

    Uniformiza a jurisprudência no sentido de que, em processo penal, também como em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial e da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima.

  • Tem documento Em vigor 2013-02-15 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 5/2013 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a seguinte jurisprudência:instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados. (Processo n.º 165/10.3TTFAR.E1-A.S1)

  • Tem documento Em vigor 2015-10-15 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 13/2015 - Supremo Tribunal de Justiça

    «É aplicável às contra-ordenações ambientais a atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto e 32.º do RGCO»

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