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Assento 10/2000, de 10 de Novembro

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Sumário

No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituia causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.(Procº 87/2000, 3ª Secção).

Texto do documento

Assento 10/2000
Processo 87/2000, 3.ª Secção. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, do Acórdão proferido por tal Tribunal da Relação em 17 de Dezembro de 1999, processo 4805/99, 3.ª secção, com os seguintes fundamentos:

No acórdão de que agora se recorre, decidiu-se que no domínio das vigências do Código Penal (CP) de 1982 (versão original) e do Código de Processo Penal (CPP) de 1987, a declaração de contumácia suspende a prescrição do procedimento criminal;

Sobre a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, foi proferido em 14 de Outubro de 1999, no recurso n.º 4445/99, da 9.ª Secção da mesma Relação, acórdão em que se consagra solução oposta, isto é, que a declaração de contumácia não suspende a prescrição do procedimento criminal;

Tais acórdãos decidiram a mesma questão de direito assentando em soluções opostas e no domínio da mesma legislação, tendo ambos transitado em julgado.

Na opinião do Exmo. Magistrado requerente, deverá fixar-se a seguinte jurisprudência:

«No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.»

Na vista que teve dos autos, nos termos do n.º 1 do artigo 440.º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de existir oposição de julgados e de o recurso ser admissível.

Por acórdão a fls. 24 e 25 foram julgados verificados a oposição de julgados e todos os pressupostos do recurso, nomeadamente a alegada oposição de julgados e, em consequência, foi ordenado o prosseguimento do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal, apenas o Exmo. Magistrado do Ministério Público apresentou alegações em que doutamente se defende que o conflito de jurisprudência deve resolver-se da seguinte maneira:

«No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia não constitui causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal.»

Colhidos os vistos cumpre decidir.
Da exposição acima feita, é manifesto que os dois acórdãos em conflito, ambos transitados, se pronunciaram em sentido contrário ao apreciarem o mesmo ponto de direito, no domínio da mesma legislação e relativamente a factos idênticos, pelo que se confirma existir a oposição a que se refere o artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Para fundamentar o seu ponto de vista, escreveu-se no acórdão recorrido, a certo passo:

«É que o referido n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, tem a seguinte redacção:

'A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal [...]'

Ora, a declaração de contumácia constitui um verdadeiro impedimento legal, que obsta ao prosseguimento do processo (e, portanto, do procedimento criminal) até à apresentação ou à detenção do arguido (artigo 336.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal de 1987). Tal como, por exemplo, há um impedimento legal de julgar o Presidente da República antes de findo o mandato por crimes estranhos ao exercício das suas funções (artigo 133.º, n.º 4, da Constituição), há um impedimento legal de julgar um arguido a que não foi possível notificar pessoalmente o despacho que designa dia para julgamento. No primeiro caso há uma falta de autorização legal em virtude das funções da pessoa, no segundo caso há uma falta de autorização legal em virtude da ausência da pessoa. Sem a declaração de contumácia, portanto, o procedimento criminal não pode continuar por falta de uma autorização legal, falta essa que resulta da ausência do arguido no processo e que caduca apenas no momento em que este se apresentar ou for detido.»

Por sua vez, o acórdão fundamento baseia-se nas seguintes razões para justificar o seu ponto de vista:

«Cremos, porém, que não tem razão o digno recorrente. É, sem dúvida, verdadeira a primeira premissa em que assenta o seu raciocínio: o artigo 119.º [do Código Penal de 1982] não contém um numerus clausus de causas de suspensão da prescrição. Simplesmente, respeitando tal norma à 'suspeição da prescrição', a remissão feita no n.º 1 para os 'casos especialmente previstos na lei' só pode referir-se aos casos em que determinado preceito legal atribua expressamente a determinado facto eficácia suspensiva da prescrição. Assim, só poderia aceitar-se que a remissão é para os casos de suspensão de processo se:

a) As expressões 'suspensão do processo' e 'suspensão da prescrição' fossem sinónimos, o que não é verdade - casos há de suspensão da prescrição que se não ligam a qualquer paragem/suspensão do processo [v. o caso paradigmático da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º]; ou

b) Houvesse uma indicação do legislador ou se tivesse ao menos de concluir, face aos princípios gerais, no sentido de que toda e qualquer suspensão do processo implica necessariamente a suspensão da prescrição.

Ora, se é certo que o instituto da suspensão da prescrição, para além do mais, 'radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou a continuar, deve impedir o decurso do prazo da prescrição' (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 'As consequências jurídicas do crime', p. 711), já parece não poder afirmar-se, peremptoriamente, que qualquer suspensão da instância deve originar a suspensão da prescrição pelo correspondente tempo: é, do ponto de vista teórico, perfeitamente admissível que algumas causas de suspensão do processo não tenham eficácia suspensiva da prescrição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigir em causa de suspensão da prescrição toda e qualquer suspensão do processo ou escolher casuisticamente quais os casos de suspensão do processo que devem relevar para esse efeito. E a verdade é que não encontramos no Código Penal de 1982 qualquer indício de que o legislador fez a primeira opção. O argumento histórico leva-nos até a concluir que essa opção foi deliberadamente rejeitada.»

Posto isto, vejamos quais as normas jurídicas em causa.
Dispõe o artigo 119.º do Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, no seu n.º 1, o seguinte:

«A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para o juízo não penal;

b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;

c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.»

Este artigo correspondente ao 110.º do projecto do Código Penal, parte geral, segundo o qual, «[a] prescrição suspende-se durante o tempo em que:

1.º O procedimento criminal não pôde iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, por efeito da devolução de uma questão prejudicial para um juízo não penal, bem como em todos os casos em que a suspensão do processo penal é imposta por uma disposição especial da lei;

2.º O processo penal se desenvolve, a partir da notificação do despacho de pronúncia e até à sentença final e seu trânsito em julgado, salvo no caso do processo de ausentes;

3.º O delinquente cumpre uma pena no estrangeiro.» (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 127, p. 127.)

Por sua vez, dispõe o artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro:

«A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º»

E acrescenta o n.º 3:
«A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no número anterior.»

Como se sabe, o instituto da suspensão da prescrição foi uma novidade introduzida pelo artigo 119.º do Código Penal de 1982 no direito penal português - v. Figueiredo Dias, § 1150, p. 711, e Direito Penal Português, parte geral, «As consequências jurídicas do crime».

Por sua vez, o instituto da contumácia aparece pela primeira vez na lei processual penal, em substituição do processo de ausentes, no Código de Processo Penal de 1987 e com uma regulamentação totalmente distinta da apresentada por este processo (v. os artigos 335.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1987 e os artigos 562.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1929).

Ora, toda a divergência a que os autos se referem resulta do uso da expressão «implica a suspensão dos termos ulteriores do processo» e a ausência de alteração no artigo 119.º do Código Penal de 1982 em consequência da introdução do instituto de contumácia.

Como diz Figueiredo Dias, na obra citada, a p. 712, § 1151, «[a]ssim, também aqui aquela alínea [alínea b) do artigo 119.º] deveria estatuir que é causa de suspensão da prescrição a pendência do procedimento [...]; bem como, em vez da referência ultrapassada ao processo de ausentes, deveria a prescrição ficar suspensa enquanto vigorar a declaração de contumácia».

No seguimento deste ponto de vista, aquando da revisão do Código Penal de 1982, foi proposta uma alteração ao n.º 2 do artigo 119.º segundo a qual, «no caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar três anos, salvo se o arguido tiver sido declarado contumaz antes de ter expirado aquele prazo».

Na discussão da proposta, o Sr. Procurador-Geral da República emitir parecer no sentido de que a «contumácia, por exemplo, não deveria interromper, mas sim suspender, pois o que se verifica é a paralisação do processo devido ao arguido» e «se a contumácia funciona também como causa autónoma da suspensão, então é melhor prevê-la no n.º 1».

Acabou a comissão por entender «ser de proceder às seguintes alterações no artigo 119.º, dado o novo enquadramento dado à questão:

A alínea c) passa a ter a seguinte redacção: 'vigorar a declaração de contumácia';

No n.º 2 é eliminada a referência à contumácia.» (v. Código Penal - Actas e Projecto da Comissão Revisora, Ministério da Justiça, 1993, pp. 106 a 109.)

Solução que veio a ser consagrada no Código Penal revisto pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, na alínea c) do artigo 120.º

Como resulta do conteúdo das actas, nenhum membro da comissão revisora entendeu que a situação de contumácia poderia ser abrangida nos segmentos «o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal» ou nos «casos especialmente previstos na lei» usados no transcrito artigo 119.º Mas também parece resultar claro que foi entendimento da comissão que, dado o seu regime legal, a contumácia deveria ser considerada como causa da suspensão do procedimento criminal.

Ainda recentemente, este Supremo Tribunal se pronunciou sobre esta questão no processo 1169/98, 3.ª Secção, onde se defendeu que a declaração de contumácia, ao abrigo do disposto no Código de Processo Penal de 1987, tem efeitos suspensivos no procedimento criminal, pois se trata de «um dos casos especialmente previstos na lei» a que se refere o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, afirmando na sua fundamentação:

«Aliás, se, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, a prescrição do procedimento criminal '[se] suspende durante o tempo em que o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal', cremos que não poderia deixar de suspender-se quando a própria lei manda suspender os termos do processo, por se tratar de impedimento legal ao exercício do procedimento criminal», e «se o legislador considerou necessário consagrar expressamente no Código Penal de 1995 a declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)], tal deve explicar-se não pelo propósito de preencher uma lacuna da regulamentação e sim como consequência da atribuição à contumácia do efeito interruptivo da prescrição no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), donde a necessidade de fazer referência expressa no artigo 120.º, n.º 1, alínea c), à declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição [...]» (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, t. I, p. 175.)

Relativamente ao Acórdão de 27 de Abril de 2000, processo 31/2000, 5.ª Secção, citado nas muito doutas alegações do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, dir-se-á que o mesmo teve em vista a interrupção da prescrição e não a suspensão da mesma. Trata-se, pois, de situações distintas.

Feita esta resenha, impõe-se agora determinar qual a solução a adoptar.
Princípio legal que todo o jurista tem de respeitar ao proceder à interpretação de uma norma jurídica é o consagrado no artigo 9.º do Código Civil.

Ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119.º «para além dos casos especialmente previstos na lei» não se pode deixar de considerar abrangidos quer aqueles casos que de momento já se encontrem previstos em leis quer aqueles que, de futuro, venham a ser consagrados em diplomas legais. Na verdade, nada impede que, desde logo, se preveja a possibilidade de, em normas avulsas ou não, se venha a consagrar situações que determinem a suspensão da prescrição do procedimento criminal. É como que um dar aqui como reproduzido o estabelecido nas tais normas futuras.

Dizendo o artigo 336.º do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119.º, n.º 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca - n.º 3 do artigo 336.º - a prescrição não corre.

De outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada da justiça.

Não nos parece que o elemento histórico, nas suas vertentes, justifique o ponto de vista defendido no acórdão fundamento.

O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o n.º 1 do artigo 119.º não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, «casos especialmente previstos na lei», não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas.

Justificando a introdução do normativo da alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1995, diz Maia Gonçalves que ela resulta «de adaptação a soluções perfilhadas pelo Código de Processo Penal» - Código de Processo Penal Anotado, 9.ª ed., 1996, p. 499.

Parece-nos, assim, que a solução, em abstracto, defendida pelo acórdão recorrido não é de censurar.

Nestes termos, acorda o plenário das secções criminais em:
a) Confirmar, ainda que com diferente fundamentação, o acórdão recorrido;
b) Fixar a jurisprudência no seguinte sentido:
«No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.»

Sem tributação.
Cumpra-se o disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.
Lisboa, 19 de Outubro de 2000. - Luís Flores Ribeiro (relator) - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - Virgílio António da Fonseca Oliveira - José Damião Mariano Pereira - António Gomes Lourenço Martins - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Emanuel Leonardo Dias - Armando Acácio Gomes Leandro - Manuel de Oliveira Leal-Henriques - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Álvaro José Guimarães Dias - Dionísio Manuel Dinis Alves - José António Carmona da Mota (vencido, pelas razões da declaração de voto anexa) - António Luís Sequeira Oliveira Guimarães (no sentido da posição do Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) - António Pereira Madeira (vencido, pelas razões do Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) - Manuel José Carrilho de Simas Santos - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira (vencido, nos termos da declaração do Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) - António Correia de Abranches Martins.


Declaração de voto
1 - A análise crítica com que, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Eduardo Correia fustigou o processo de ausentes regulado no Código de Processo Penal de 1929 (sobretudo na medida em que ditava, depois de verificada a ausência do arguido, o prosseguimento do processo à sua revelia - cf. os artigos 570.º e seguintes) conduziu a que o novo CPP de 1982 viesse a optar, na impossibilidade de notificação ao arguido do despacho designativo de dia para audiência ou de execução da sua detenção ou prisão preventiva, pela «suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido» (artigo 335.º, n.º 3).

2 - Tal «suspensão» (dos termos processuais ulteriores) não prejudicava, porém, nem «a realização de actos urgentes» (artigo 335.º, n.º 3) nem, tampouco, as diligências processuais que tivessem em vista a apresentação ou a detenção do arguido em ordem, exactamente, à caducidade da declaração de contumácia e à activação dos «termos ulteriores do processo»:

«A detenção, que é uma das formas de se pôr termo à situação de contumácia, pode ser determinada para aplicação de uma medida de coacção.» - Acórdão da Relação do Porto de 26 de Abril de 1995, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 446, p. 349;

«É admissível a emissão de mandados de captura para detenção de arguido contumaz, com vista à notificação do despacho que recebeu a acusação, mesmo que o arguido esteja acusado de crime que não admita prisão preventiva.» - Acórdão da Relação do Porto de 20 de Novembro de 1996, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 461, p. 517;

«É admissível a emissão de mandados de comparência ou de detenção contra arguido declarado contumaz com o objectivo de lhe ser notificado o despacho de 'pronúncia'.» - Acórdãos da Relação do Porto de 20 de Novembro de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, t. V, p. 239, de 8 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 617, de 14 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 627, de 11 de Junho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 475;

«Durante a situação de contumácia do arguido - e apesar da concomitante 'suspensão dos ulteriores termos do processo' -, não só poderá como deverá diligenciar-se - oficiosamente ou a requerimento dos interessados (Ministério Público e assistente) - pela localização do arguido (e, sendo caso disso, pela sua detenção, captura e extradição), com vista à abreviação dessa situação, à apresentação ou detenção do ausente, à caducidade da declaração de contumácia e, enfim, à realização - já na presença do arguido - dos 'termos ulteriores do processo'.» (ver nota 1) - Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 635, e Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, t. III, p. 136.

(nota 1) O CPP revisto determina agora, no artigo 337.º, n.º 1, que «a declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior.» («Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência.»)

3 - O Código Penal de 1982 - publicado na vigência do Código de Processo Penal de 1929 - escusou-se, no âmbito do processo especial de ausentes, a inventariar qualquer factor de suspensão do prazo prescricional do procedimento criminal (artigo 119.º) e indicou, como único factor interruptivo desse prazo, a «marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes» [artigo 120.º, n.º 1, alínea d)].

4 - O artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, em matéria de suspensão de prescrição do procedimento criminal, salvaguardou, é certo, «os casos especialmente previstos na lei» e, especialmente, «o tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal» (n.º 1).

5 - Mas, ao referir-se às situações em que «o procedimento criminal não pudesse legalmente continuar por falta de uma autorização legal», não visaria, com certeza (pois que em 1982), a «suspensão dos ulteriores termos do processo» que o Código de Processo Penal de 1987 só viria a fazer operar (a partir de 1988) relativamente, no novo processo penal, em caso de «contumácia» do arguido.

6 - De qualquer modo, a «falta de uma autorização legal» (ou, melhor, de uma autorização legalmente exigida) visaria paradigmaticamente as situações de imunidade penal do Presidente da República, dos Deputados e dos membros do Governo:

«A iniciativa do processo (por crimes praticados pelo Presidente da República no exercício das suas funções) cabe à Assembleia da República.» - Artigo 133.º, n.º 2, da Constituição, revista pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro;

«Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.» - Artigo 160.º, n.º 3;

«Movido procedimento criminal contra um membro do Governo e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.» - Artigo 199.º

7 - E se era esse o sentido da lei ao aludir ao «tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal», não creio que o sentido e alcance dessa «autorização legal» - no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e de que o intérprete não poderá ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º, n.os 2 e 3, do Código Civil) - compreendessem (ou compreendam) os casos de suspensão do processo penal entre a constatação da ausência do arguido e a sua apresentação ou detenção.

8 - E tanto assim não era (nem será) que o Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, ao ajustar (com uma tardança de quase oito anos) (ver nota 2) o Código Penal de 1982 ao Código de Processo Penal de 1987, fez questão de introduzir, como factor de suspensão, a par dos «casos especialmente previstos na lei» (artigo 120.º, n.º 1) e do «tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal» [artigo 120.º, n.º 1, alínea a), «o tempo em que vigorar a declaração de contumácia» [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)].

(nota 2) «Os processos prescrevem [...], também e principalmente, porque foi cometido um grande erro legislativo entre 1988 e 1995, com transformações estruturais nas leis penais, em que não foram acauteladas as figuras da interrupção/suspensão da prescrição, que constavam da legislação revogada. Eis em poucas palavras o que aconteceu: a interrupção/suspensão da prescrição estava contemplada no Código Penal, que remetia a sua verificação quando ocorressem alguns actos previstos no Código de Processo Penal; em Janeiro de 1988 entrou em vigor um novo Código de Processo Penal que não previa uma série dos actos interruptivos da prescrição; não houve uma alteração simultânea do Código Penal no sentido de se adequarem as suas disposições sobre prescrição ao novo Código de Processo Penal, e as figuras da interrupção/suspensão quase desapareceram porque os actos que as determinavam desapareceram do novo Código; essa situação durou até Outubro de 1995 - e durante quase oito anos tal omissão legislativa foi o pano de fundo do regime legal da prescrição.» (Francisco Bruto da Costa, O Independente, de 21 de Janeiro de 2000.)

9 - Aliás, têm fracassado, a nível do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, as sucessivas tentativas jurisprudenciais - antes da reforma de 1995 - de ajustamento substantivo do Código Penal de 1982, por interpretação «actualista», às novidades adjectivas do Código de Processo Penal de 1987:

«Instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crimes praticados antes de 1 de Outubro de 1995 e constituído o agente como arguido posteriormente a esta data, tal facto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento por aplicação do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.» - Acórdão/assento 1/98, de 9 de Julho de 1998, votado por unanimidade, in Diário da República, 1.ª série-A, de 29 de Julho de 1998, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 479, p. 87;

«Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a notificação para as primeiras declarações ou para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma.» - Acórdão/assento 1/99, de 12 de Novembro de 1998, votado por unanimidade, in Diário da República, 1.ª série-A, de 5 de Janeiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, t. III, p. 6, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 481, p. 118.

«Seria inconstitucional (artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição) o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal interpretado no sentido de que a notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito interromperia o prazo prescricional.» - TC, 7 de Abril de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, p. 51.

Seria «inconstitucional, por violação dos n.os 1 e 3 do artigo 29.º da lei fundamental, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º da versão originária do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução» (ver nota 3). - Tribunal Constitucional, Acórdão 122/2000, de 23 de Fevereiro de 2000, processo 257/99-2, in Diário da República, 2.ª série, n.º 131, de 6 de Junho de 2000.

(nota 3) «Procurando minimizar os efeitos da jurisprudência obrigatória [fixada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/99, de 5 de Janeiro], a jurisprudência tem vindo a considerar constituir causa interruptiva da prescrição o interrogatório judicial do arguido na fase da instrução. É orientação sem qualquer fundamento legal.» (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, 1999, Verbo, p. 234, n. 1.)

10 - Creio, por isso, que - pelas mesmas razões - mereceria igual sorte esta outra tentativa jurisprudencial de minorar os efeitos do tal «escandaloso erro legislativo de 1987» (ver nota 4).

(nota 4) «Como hoje se sabe, houve um escandaloso erro legislativo em 1987, só corrigido em 1995 e que atinge todos os casos verificados nesses oito anos.» (Ministro António Santos Costa, Público, de 17 de Janeiro de 2000.)

O Juiz Conselheiro, J. A. Carmona da Mota.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/121210.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1998-07-29 - Assento 1/98 - Supremo Tribunal de Justiça

    Instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crimes eventualmente praticados antes de 1 de Outubro de 1995 e constituído o agente como arguido posteriormente a esta data, tal facto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento por aplicação do disposto no artigo 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal, aprovado pelo Decreto Lei 48/95, de 15 de Março. (Proc. nº 1299/97).

  • Tem documento Em vigor 1999-01-05 - Assento 1/99 - Supremo Tribunal de Justiça

    Na vigência do Código penal de 1982 - aprovado pelo Decreto Lei 400/82 de 23 de Setembro-, redacção original, a notificação para as primeiras declarações, para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal, ao abrigo do disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a), daquele diploma. (Proc. 47464)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2008-04-22 - Acórdão do Tribunal Constitucional 183/2008 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia.( Processo nº 1155/2007 )

  • Tem documento Em vigor 2008-05-13 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 5/2008 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa jurisprudência no seguinte sentido: No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.( Processo nº 2569/07-3ª Secção )

  • Tem documento Em vigor 2014-05-21 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 5/2014 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a seguinte jurisprudência: ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia. (Processo n.º 2911/09.9TDLSB-A.E1-A.S1)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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