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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2/2012, de 12 de Abril

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Sumário

A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respetivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. (Processo n.º 204/05.0GBFND.C1-A.S1)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2012

Processo 204/05.0GBFND.C1-A.S1

Recurso para fixação de jurisprudência.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Junho de 2011, proferido no processo abreviado n.º 204/05.0GBFND.C1, invocando como fundamento o acórdão do mesmo tribunal de 19 de Outubro de 2010, proferido no processo 262/06.0 GBOBR.C1.

Por acórdão de 30 de Novembro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.

Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para os efeitos do artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentadas alegações pelo Ministério Público, com as seguintes conclusões:

«1 - O Projecto da Parte Geral do Código Penal, elaborado pelo Professor Eduardo Correia em 1963 e que esteve na génese do Código Penal de 1982, propunha como causa de interrupção da prescrição da pena 'um qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar'.

2 - Durante a discussão desse Projecto, que teve lugar no seio da Comissão para esse efeito nomeada, o Prof. Gomes da Silva e o Dr. Guardado Lopes sustentaram que tal previsão normativa era demasiado ampla, alargando desmesuradamente, naquele segmento, as causas de interrupção da prescrição da pena, manifestando nesse sentido o entendimento de que, citamos, "um qualquer acto da autoridade competente - acto que pode ser até apenas 'de tabela' - é insuficiente para fazer reviver a pena e não deve pois interromper a prescrição" - cf. Actas da Comissão Revisora, Parte Geral, ii vol., 1966, p. 240.

3 - Embora essa objecção não tenha tido, de imediato, qualquer repercussão no texto da disposição então aprovada pela Comissão, veio por certo a influenciar o legislador de 1982 que, logo na versão original do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, estabeleceu no seu artigo 124.º, n.º 1, alínea b), que a prescrição da pena se interrompe: '[...] Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado'.

O que vale por dizer pois que, neste domínio, se restringiu a previsão normativa apenas aos casos em que a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.

4 - Por fim na subsequente revisão do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, e em consonância aliás com aqueles estritos limites do seu âmbito de aplicação, o segmento normativo em causa passou a integrar o artigo 126.º, tendo sido eliminada aquela causa de interrupção da prescrição e substituída pela 'declaração de contumácia', instituto que entretanto havia sido introduzido no Código de Processo Penal de 1987. Deixou de vigorar portanto, como causa interruptiva da prescrição da pena, a prática, pela autoridade competente, de quaisquer actos destinados a fazê-la executar.

5 - Tendo em conta, pois, o sentido da evolução do preceito legal desde o momento em que ele foi concebido, pelo Professor Eduardo Correia, até à redacção que lhe veio a ser dada em 1995, não pode, de todo, deixar de considerar-se que seria um absoluto contra-senso admitir que a simples instauração de um processo executivo para cobrança coerciva do valor da pena de multa pudesse, agora ao abrigo da alínea a) do seu n.º 1 - onde antes ninguém o incluía - vir a adquirir uma eficácia interruptiva da prescrição da pena.

6 - É que a instauração de execução mais não configura do que, precisamente, um simples acto de autoridade competente destinado a fazer executar a pena de multa, acto esse que se não confunde, de todo, com o começo da sua execução.

7 - Não se compreenderia, por outro lado, que esse acto pudesse ser causa interruptiva da prescrição da pena de multa, e que um acto praticado, também por uma autoridade competente, nas situações anteriormente previstas na alínea b), pelo contrário, tivesse deixado de o ser. Sabendo-se que a prescrição da pena, de qualquer pena, tem como fundamento a sua desnecessidade subsequente, um entendimento naquele sentido constituiria uma inadmissível contradição valorativa, isto na medida em que uma pena de prisão é, necessariamente, aplicada em situações em que o agente cometeu crime mais grave, reclamando, em consequência, maiores necessidades de prevenção geral e especial e justificando até, mesmo nesta sede, a previsão de instrumentos mais adequados no sentido de assegurar a sua efectiva execução.

8 - De resto, configurando também a própria letra da lei um dos elementos postos à disposição do intérprete (artigo 9.º do CC), não pode deixar de constatar-se que, gramaticalmente, na expressão 'com a sua execução' o vocábulo 'sua' tem de reportar-se 'à pena'. O legislador não disse que a prescrição se interrompia 'com a execução', mas sim, como vimos, 'com a sua execução'. O que significa por conseguinte que o que interrompe a prescrição da pena é a execução da pena. E instaurar a execução para obter o cumprimento da pena não é a mesma coisa que executá-la. Pelo que não pode ser atribuída à mera instauração de execução patrimonial o efeito, normativo, de começo de execução da pena de multa.

9 - Quando o legislador, na regulamentação da matéria atinente à execução da pena de multa (capítulo i do título iii) utiliza os termos: 'da execução da pena de multa', está a referir-se à 'execução' como modo de obter o seu pagamento, ou seja, o procedimento legal a observar tendo em vista o seu efectivo cumprimento.

10 - Neste quadro, quando o legislador se quer referir ao conjunto de actos tendentes a, coercivamente, fazer com que o condenado pague a multa - [ou, nas palavras do acórdão fundamento, ao 'processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pagamento da multa'] -, utiliza a expressão: 'execução patrimonial' - artigo 491.º, n.º 1, do CPP.

11 - Ora, e tendo em conta que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do CC), não faria, então, o menor sentido, do ponto de vista da boa técnica legislativa, admitir que, se com o segmento normativo introduzido na alínea a) do artigo 126.º do CP, o legislador visasse consagrar a instauração da execução patrimonial como causa de interrupção da prescrição da pena de multa, aí utilizasse, incoerentemente, uma diferente formulação terminológica.

12 - Destinando-se, aliás, o capítulo ii do título v [do livro l] do Código Penal a regular a prescrição de todas as penas, e implicando a imposição de penas ou de medidas de segurança - até pelas finalidades que as legitimam - o dever legal de, em regra, se providenciar pelo seu efectivo cumprimento, é bom de ver que, voluntária ou coercivamente, todas elas têm de passar por um processo tendente à consecução da respectiva execução.

13 - Não faria também por isso o menor sentido, no apontado quadro, qualquer interpretação que pudesse passar pela redução do âmbito de aplicação daquela alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do CP: 'com a sua execução' apenas à 'execução patrimonial'. Uma tal dimensão normativa, para além de totalmente ilógica e porventura, pela própria inserção sistemática do preceito, até 'contra legem', redundaria, na prática, na transformação da 'regra' em 'excepção'. Uma norma de carácter geral e abstracto teria aplicação, não à generalidade das penas, mas apenas a uma delas: a multa.

14 - Ademais, e como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª ed., Universidade Católica, p. 387, precisamente em anotação ao artigo 126.º do Código Penal, citamos, "a execução (ou melhor, o começo de execução) da pena de prisão ou medida de segurança constitui causa da interrupção da respectiva prescrição. O mesmo não sucede com a instauração da acção de execução da pena de multa, pois esta não corresponde ainda à 'execução' da pena de multa. Portanto, só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena".

15 - Bem se compreende, por último, a dimensão normativa que aponta no sentido de que a mera instauração da execução para pagamento coercivo da pena de multa não possa interferir com o prazo de prescrição desta pena, interrompendo-o, isto porquanto a defesa da tese contrária implicaria que também a passagem de mandados de detenção para cumprimento coercivo da pena de prisão teria, inexoravelmente, de ter idêntico efeito interruptivo.

Efeito esse que, aqui sem qualquer dissídio, na jurisprudência ou na doutrina, nunca vimos defendido, nem de resto a própria evolução histórica do preceito alguma vez consentiria.

Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação de Coimbra, de 15 de Junho de 2011, proferido pela 5.ª Secção no Processo 204/05.DGBFND.C1, e de 19 de Outubro de 2010, proferido pela mesma Secção no âmbito do Processo 262/06.OGBOBR.C1, seja resolvido nos seguintes termos:

A mera instauração, pelo Ministério Público, de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do pagamento coercivo do respectivo montante, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do CP».

Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

Fundamentação

1 - Não vinculando o plenário das secções criminais a decisão da conferência que afirmou a oposição de julgados, há que reexaminar a questão.

O acórdão recorrido, contrariando decisão do tribunal de primeira instância, decidiu que a instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, com vista ao pagamento do respectivo montante, sem qualquer resultado, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Diversamente, o acórdão fundamento decidiu que ocorre essa causa de interrupção da prescrição da pena de multa com a mera apresentação pelo Ministério Público de requerimento de instauração de execução patrimonial, para pagamento do respectivo montante.

É, assim, evidente que ambos os acórdãos decidiram a mesma questão de direito - se a mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do pagamento do respectivo montante, constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal - e sobre ela chegaram a soluções opostas.

Só podendo, assim, reafirmar-se a oposição de julgados, há que passar à resolução do conflito.

2 - A prescrição da pena após o decurso de um determinado período de tempo sobre a sua aplicação sem que tenha sido executada decorre, como ensina Figueiredo Dias, de «exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade», sendo que, por um lado, «quem sofresse a execução de uma sanção criminal há muito tempo já ditada, correria o risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança» e, por outro, «o decurso de um largo período [...] sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas» (Direito Penal Português, Parte Geral, II, «As consequências jurídicas do crime», § 1125).

Mas a ocorrência de certas situações processuais que excluem a possibilidade de execução imediata da pena e a prática pelo Estado de determinados actos que têm o alcance de a não deixar cair no esquecimento justificam uma interferência no curso dos prazos de prescrição. É assim que a lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena.

As causas de interrupção estão previstas, desde a revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, no artigo 126.º, nos termos seguintes:

«1 - A prescrição da pena [...] interrompe-se:

a) Com a sua execução;

b) Com a declaração de contumácia.

2 - ...

3 - ...» É sobre a interpretação da norma da alínea a) do n.º 1 que divergem os dois acórdãos.

Em ambos, não tendo sido paga voluntariamente a multa, o Ministério Público instaurou execução patrimonial contra o condenado com vista à obtenção do respectivo pagamento coercivo, sem qualquer sucesso.

O acórdão recorrido, argumentou assim:

«[...] no caso da pena de multa, a simples instauração de execução patrimonial para a sua cobrança, através da penhora e venda dos bens do arguido, não pode considerar-se e valorar-se para além de um meio posto à disposição do exequente para alcançar a execução da dita pena. Por outras palavras, as penas de multa só se mostram executadas com o pagamento voluntário - necessariamente parcial, pois se integral operaria a extinção da pena - ou coercivo. A instauração de execução patrimonial, através dos bens do arguido, constitui apenas e tão só um meio posto ao alcance de quem tem competência para tanto - na situação revelada pelos autos, o Ministério Público - de modo a que seja alcançado o fim a que se destina - a execução da pena de multa. Por outro lado, da mesma forma que um mandado de captura e detenção não constitui execução da pena de prisão, por idêntica razão não pode considerar-se como execução da pena de multa os meios utilizados pelo Ministério Público, previstos nos artigos 469.º e 491.º, ambos do Código de Processo Penal, para obtenção da cobrança coerciva do valor correspondente. Do que se expôs se conclui que a instauração infrutífera de execução destinada ao pagamento coercivo da multa imposta por sentença transitada em julgado não integra a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal, não sendo, por isso, apta a interromper o prazo de prescrição da pena de multa».

Por sua vez, o acórdão fundamento considerou:

«A alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal só tem sentido e alcance enquanto aí se contemple e entenda a 'execução' como o processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pagamento da multa [...] Tal efeito interruptivo houve o legislador por bem atribuir à 'execução' da pena; execução que, tratando-se de pena de multa, se formaliza com a apresentação pelo Ministério Público do requerimento de instauração dessa execução».

3 - Importa, pois, determinar o sentido do conceito execução da pena, estando em causa uma pena de multa.

Toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária, figuras que aqui não estão em discussão) enquanto não houver perda patrimonial, consubstanciando-se esta num pagamento, voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. Em relação à pena de multa, parece ser esse o entendimento de Cavaleiro de Ferreira quando, depois de referir o prazo de pagamento da multa, identifica o pagamento com a execução da multa:

«Assim se indica o início do prazo para a execução voluntária da multa devida» (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, 1989, p. 172).

Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados actos idóneos a esse fim.

Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, excepto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489.º do Código de Processo Penal). Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490.º, n.º 1, e 491.º do mesmo Código).

Estes actos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo i (Da execução da pena de multa) do título iii (Da execução das penas não privativas da liberdade) do livro x do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa.

Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.

Não é, pois, por um determinado acto estar sistematicamente inserido na fase processual da execução de uma espécie de pena que constitui acto de execução dessa pena. Valendo a norma do artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal tanto para a pena de prisão como para a pena de multa, a instauração da execução patrimonial contra o condenado em pena de multa está, para este efeito, no mesmo plano que os procedimentos previstos no artigo 477.º do Código de Processo Penal, os quais, não obstante o preceito estar integrado na fase da execução da pena de prisão (título ii do livro x), ninguém considerará como actos de execução dessa pena, sendo até que o do n.º 4 tem lugar antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, numa altura em que a pena nem pode ser executada, à luz do artigo 467.º, n.º 1, deste último diploma. Este mesmo entendimento foi já afirmado em acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Outubro de 1985: «A instauração da execução patrimonial não é execução ou cumprimento da pena, como não o é (no que se julga haver consenso unânime) a ordem para passar mandados de captura e as diligências para a execução destes, só o sendo o acto da prisão» (Colectânea de Jurisprudência, ano x, t. iv, p. 177).

Que execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas é ainda a conclusão imposta pela história do actual artigo 126.º do Código Penal.

Esse preceito corresponde ao artigo 124.º da versão inicial do Código Penal de 1982, cujo texto, no que aqui importa, era o seguinte:

«1 - A prescrição da pena interrompe-se:

a) Com a sua execução;

b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.

2 - ...

3 - ...» Previam-se aqui como causas de interrupção da prescrição da pena «a sua execução» [alínea a) do n.º 1] e «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar», se a execução se tornasse «impossível» por o condenado se encontrar em local donde não pudesse «ser extraditado» ou onde não pudesse «ser alcançado» [alínea b)].

Nesta versão, não haverá dúvidas de que os actos destinados a fazer executar a pena não podiam ser vistos como execução da pena, pois aqueles e esta configuravam causas de interrupção da prescrição distintas. Se os actos destinados a fazer executar a pena se devessem já considerar como execução, a disposição da alínea b) seria totalmente inútil, por prever matéria já abarcada na previsão da alínea a), sendo de afastar uma tal conclusão em face da regra de interpretação estabelecida no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil:

«Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador [...] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Já no artigo 115.º do Projecto de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, que está na génese do artigo 124.º da versão originária do Código Penal de 1982, execução da pena e actos destinados a fazê-la executar eram colocados lado a lado, sem se confundirem: «A prescrição da pena interrompe-se pela sua execução, bem como por qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar» (BMJ 151.º, pp. 53 e 54). A distinção veio a tornar-se mais nítida no texto da lei (esse artigo 124.º), integrando, como se viu, a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar diferentes causas de interrupção da prescrição da pena, operando os últimos somente se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado.

E nesta matéria nada se alterou da versão inicial do Código Penal de 1982 para a versão actual, introduzida pela reforma de 1995, visto o texto da alínea a) do n.º 1 do anterior artigo 124.º ter passado a constituir, sem qualquer alteração, o texto da alínea a) do n.º 1 do actual artigo 126.º: «A prescrição da pena [...] interrompe-se: Com a sua execução».

A alteração que houve foi da alínea b), sendo que, se na versão inicial do Código a prescrição da pena se interrompia com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazer executar a pena, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado, com a reforma de 1995, essa causa de interrupção da prescrição foi substituída pela «declaração de contumácia», leitura que, segundo Figueiredo Dias, já devia fazer-se da anterior redacção, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987: «Fundamentos da interrupção são, por um lado, a execução da pena e, por outro, a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em lugar onde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado [...] Torna-se notório que este segundo fundamento deve ser lido, de acordo com o nosso novo sistema processual penal, como correspondendo às situações de contumácia» (ob. cit., § 1155).

Essa alteração teve consequências, pois restringiu a aplicação da causa de interrupção da prescrição da alínea b) à pena de prisão e à medida de internamento, as únicas reacções criminais que podem conduzir à situação de contumácia, mas não interferiu com o âmbito de previsão da disposição da alínea a), sendo-lhe alheia.

Conclui-se, pois, que a instauração de execução patrimonial pelo Ministério Público para obtenção do pagamento coercivo da multa não paga voluntariamente, sendo só um acto que visa a execução da pena de multa, não interrompe a prescrição dessa pena.

Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (A questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa:

a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

E compreende-se que seja esta a solução legal. Na verdade, se a prescrição encontra fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, então, para além da situação em que a execução da pena é impossível, por indisponibilidade do condenado (contumácia), a sua interrupção só deve ser activada por actos que não se limitem ao desenvolvimento de determinada actividade processual e tenham impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado, mantendo nos dois planos a actualidade da pena. Esses actos só podem ser de materialização da pena na esfera de interesses ou valores do condenado, ou seja, actos de cumprimento da pena, actos que podem ser múltiplos, visto o cumprimento nem sempre ser contínuo.

Na doutrina, pronuncia-se neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque: «[...] a instauração da acção de execução da pena de multa [...] não corresponde ainda à 'execução' da pena de multa. [...] só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena» (Comentário do Código Penal, 2.ª ed. actualizada, p. 387).

Na jurisprudência das Relações, encontram-se decisões no sentido de ambos os acórdãos em conflito, sendo claramente maioritária a corrente em que se integra o acórdão recorrido. Assim, no sentido deste decidiram, no essencial com os mesmos fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 4 de Fevereiro de 2004, proferido no processo 0315181, de 28 de Abril de 2004, proferido no processo 0410042, de 22 de Setembro de 2010, proferido no processo 245/03.ITASTS.P1, e de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo 70/06.2PBMAI.P1, da Relação de Évora, de 7 de Outubro de 2010, proferido no processo 394/03.6PCSTB.E1, da Relação de Lisboa, de 25 de Março de 2010, proferido no processo 347/04.7GEOER.L1 (www.dgsi.pt) e da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 2009 (Colectânea de Jurisprudência, ano xxxiv, t. iv, p. 51). Como o acórdão fundamento decidiram, coincidindo nos fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 19 de Outubro de 2005, proferido no processo 0411498, e de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo 0615889 (www.dgsi.pt).

Decisão

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, confirmando o acórdão recorrido, fixam a seguinte jurisprudência: «A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal».

Não há lugar a custas.

Lisboa, 8 de Março de 2012. - Manuel Joaquim Braz (relator) - José António Carmona da Mota (com declaração de voto em anexo) - António Pereira Madeira - José Vaz dos Santos Carvalho - António Silva Henriques Gaspar - António Artur Rodrigues da Costa - Armindo dos Santos Monteiro - José António Henriques dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Luís António Noronha Nascimento (presidente).

Declaração de voto

A «execução patrimonial» é uma fase - a última - da execução da pena de multa, como resulta dos artigos 47.º e seguintes do CP e do livro x, título iii, do CPP («Da execução das penas não privativas de liberdade»).

As anteriores fases da execução da pena de multa - que, a meu ver, já incluirão factores de interrupção da prescrição da multa («A prescrição da pena [mesmo que a sua execução não compreenda qualquer fase de 'execução patrimonial] [...] interrompe-se: a) Com a sua execução' - art. 126.º, n.º 1, alínea a), do CP») - serão as seguintes:

Artigos 489.º do CPP e 47.3 do CP:

Prorrogação do prazo geral de pagamento da multa;

Autorização do pagamento pelo sistema de prestações;

Notificação para pagamento;

Artigo 47.4 do CP:

Alteração dos prazos de pagamento inicialmente estabelecidos;

Artigo 48.1 do CP e 490.º do CPP:

Requerimento do condenado de substituição, total ou parcial, da multa por dias de trabalho;

Autorização judicial de que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho;

Denegação da substituição requerida;

Artigos 48.2 e 59.1 do CP:

Suspensão provisória das jornadas de trabalho de substituição da multa;

Artigo 49.º do CP e 491.3 do CPP:

Conversão da multa não paga [ou, em casos contados, das jornadas de trabalho de substituição] em prisão subsidiária;

Pagamento total ou parcial da multa convertida.

Em suma, só depois de todas estas fases de execução (pessoal) da pena é que terá lugar a execução patrimonial da multa (que, total ou parcialmente, tenha porventura sobrevivido às outras formas, mais benignas, de a «executar»).

No caso do acórdão recorrido, o arguido no dia 16 de Março de 2006 requereu o pagamento da multa em prestações e em 11 de Abril de 2008, o MP - ante o não pagamento da 1.º prestação e da antecipação das demais - instaurou execução para o seu pagamento coercivo. A execução, «porque infrutífera, foi arquivada condicionalmente», após o que, em 27 de Março de 2009, o despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária não chegou a ser notificado ao arguido, embora a carta dirigida ao defensor em 27 de Março de 2009, para a morada constante do processo, haja sido devolvida em 31 de Março de 2009. Em seguida, enviou-se um pedido de paradeiro do arguido à PSP do Barreiro, sem resultado, após o que foi promovida em 21 de Janeiro de 2011 a prescrição da execução. O juiz do processo indeferiu a promoção («A prescrição da pena interrompe-se com a sua execução, sendo que o respectivo prazo começa a correr no dia em que transitar a decisão punitiva»; «A locução execução exprime, no caso da multa, a situação em que o tribunal procura obter o pagamento através do competente procedimento, que, tratando-se de procedimento executivo, faz com que o facto interruptivo coincida com o início da execução»), mas a Relação revogou o respectivo despacho: «No caso de pena de multa, a simples instauração de execução patrimonial para a sua cobrança, através da penhora e venda dos bens do arguido, não pode considerar-se e valorar-se para além de um meio posto à disposição do exequente para alcançar a execução da dita pena.» Daí que, para mim, tenha apenas interesse jurídico residual discutir e decidir se «a mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, constitui ou não causa de interrupção da prescrição da pena».

Desde logo porque o eventual pagamento (parcial) da multa, o cumprimento (parcial) dos dias de trabalho de substituição, o cumprimento (parcial) da prisão subsidiária e o pagamento (parcial) da multa convertida, e outras formas de execução «pessoal» da multa, já se haviam constituído - antes mesmo do pedido de execução patrimonial - em factores interruptivos da prescrição da pena de multa.

O assento deveria - sendo assim - dar conta disso dessa situação terminal da execução patrimonial na sucessão legal de outros procedimentos executivos da multa de índole prevalentemente pessoal: «Sem prejuízo das interrupções operadas pelo eventual pagamento voluntário (parcial) da multa, pelo cumprimento (parcial) dos dias de trabalho de substituição, pelo cumprimento (parcial) da prisão subsidiária, pelo pagamento (parcial) da multa convertida e ou por qualquer outra forma de execução 'pessoal' da multa, a instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento (integral ou remanescente), não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, já a constituindo, porém, o pagamento executivo, ainda que parcial.» - J. Carmona da Mota.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2012/04/12/plain-290738.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/290738.dre.pdf .

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