Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 56/84, de 9 de Agosto

Partilhar:

Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 1.º, 2.º, n.os 1, 2 e 3, 3.º a 5.º, 6.º, n.os 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8 e 9, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei n.º 349-B/83, por violação dos artigos 168.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 189.º, n.º 5, da Constituição.

Texto do documento

Acórdão 56/84
Processo 92/83
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I - Introdução
1 - Nos termos e para os efeitos dos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), e 282.º, n.º 1, da Constituição, requereu o Primeiro-Ministro a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho.

Alega:
a) Em 29 de Fevereiro de 1983, o Governo aprovou um diploma, registado no livro respectivo da Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 84-G/83, despenalizador de infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial;

b) Esse diploma, que invoca o uso de uma autorização legislativa com número e data da lei de autorização em branco, remetido ao Presidente da República, foi promulgado em 8 de Julho de 1983, sem prévia apreciação preventiva da constitucionalidade das suas normas;

c) Porém, o Decreto-Lei 349-B/83, que resultou de todo este processo normativo, está ferido de inconstitucionalidade orgânica: por um lado, trata de matéria situada na zona de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e, por outro, não só não identifica, como devia, a lei de autorização legislativa a que abstractamente faz apelo, como não está, de facto, coberto pela necessária lei habilitante (artigo 168.º da Constituição);

d) A última autorização da Assembleia da República ao Governo para legislar genericamente sobre a matéria fora concedida no decurso da II Legislatura pela Lei 24/82, de 23 de Agosto, que fixara em 3 meses o prazo da sua utilização, daí que aquela habilitação caducasse, em princípio, em 23 de Novembro de 1982;

e) Havendo o Governo legislado após o decurso de tal prazo, invadiu, com a emissão do Decreto-Lei 349-B/83, a esfera da competência legislativa da Assembleia da República definida no n.º 1 do artigo 168.º da Constituição;

f) Mesmo que existisse uma outra autorização legislativa, teria ela caducado com a demissão do Governo, que precisamente aprovou aquele decreto-lei na situação de demitido;

g) E mais sucede que dois dos normativos do diploma em apreço padecem de inconstitucionalidade material;

h) O artigo 28.º, n.º 1, ao deixar de especificar a sanção em concreto aplicável à infracção prevista, ofende o princípio da legalidade das penas consagrado no n.º 3 do artigo 29.º da Constituição e ainda, de modo indirecto, o n.º 1 do artigo 30.º da lei fundamental; e

i) O artigo 27.º, n.os 1 e 2, ao alargar o campo de imputação dos artigos 313.º, 314.º, 317.º, 318.º, 321.º e 322.º do Código Penal de 1886, que fora revogado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1983, pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, viola os n.os 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição, por inexistência de lei incriminadora e de penas anteriores susceptíveis de aplicação aos «dirigentes, funcionários e empregados das instituições e organismos» a que aquele artigo 27.º alude.

2 - Em resumo, o Primeiro-Ministro formula dois pedidos:
Requer a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 349-B/83, porque todas as suas normas violam o artigo 168.º, n.º 1, da Constituição (pedido total); e

Em sobreposição relativa, requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 28.º do mesmo decreto-lei, por infringirem, o primeiro, o artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição e, o segundo, os artigos 29.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1 (pedido parcial).

Antes de entrar no exame de fundo - exame que, nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Lei 28/82, se não limitará à análise das causas de inconstitucionalidade apontadas pelo Primeiro-Ministro -, duas interrogativas se colocam: são admissíveis os pedidos? Haverá interesse jurídico relevante no seu conhecimento?

II - Questões prévias
3 - Determina o artigo 51.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que «o pedido de apreciação de constitucionalidade [...] deve especificar, além das normas cuja apreciação se requer, as normas ou princípios constitucionais violados».

São assim dois os pressupostos de admissibilidade do pedido e cuja inverificação importa, nos termos dos artigos 51.º, n.os 2, 3 e 4, e 52.º, n.os 1, 2 e 3, da mesma lei, a sua rejeição:

Especificação das normas a que se refere o pedido de apreciação de constitucionalidade (pressuposto P1);

Especificação das normas ou princípios constitucionais violados (pressuposto P2).

In casu, os pedidos formulados satisfarão esta dupla exigência?
4 - Quanto ao pedido total, e apesar da sua tónica colectiva, a resposta é, sem qualquer hesitação, afirmativa no que respeita ao pressuposto P1. Para efeitos do n.º 1 do artigo 51.º da Lei 28/82, tanto há especificação na indicação norma a norma como na referência por inteiro ao diploma impugnado. O que se pretende afinal é a delimitação rigorosa do campo do direito ordinário posto em causa por parte dos peticionantes do juízo de constitucionalidade. E isso tanto é conseguido de um modo como de outro.

Relativamente ao pressuposto P2, a resposta não pode ser tão imediata. Exige um mínimo de indagação. O Primeiro-Ministro, no seu requerimento, afirma ter sido violado por todo o Decreto-Lei 349-B/83 o artigo 168.º, n.º 1, da Constituição. No entanto, o n.º 1 do artigo 168.º desdobra-se em 22 alíneas e nenhuma é, pelo menos de forma directa, individualizada. Será de dar por inverificado o pressuposto P2?

No requerimento do Primeiro-Ministro perpassa a afirmação de que o diploma, que despenaliza infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial, é globalmente inconstitucional, por, abordando tal matéria, haver sido emitido pelo Governo sem autorização da Assembleia da República. Daqui resulta a identificação, ainda que por modo indirecto, da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º, efectivamente visada pelo Primeiro-Ministro, alínea c) que coloca a matéria de «definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal», na área de competência legislativa relativamente reservada da Assembleia da República.

Assim, e porque se observa também o pressuposto P2, é de concluir pela admissibilidade do pedido total.

5 - Igualmente coexistem os pressupostos P1 e P2 no que respeita ao pedido parcial, que pretende, em esquema de coincidência limitada com o pedido total. embora com outro fundamento, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 28.º do Decreto-Lei 349-B/83.

Mas, porque estes preceitos, conjuntamente, aliás, com todo o Decreto-Lei 349-B/83, foram entretanto revogados, é de repetir a pergunta já em momento anterior feita: haverá interesse jurídico relevante numa eventual declaração de inconstitucionalidade daquele diploma? O Tribunal Constitucional, na linha da jurisprudência traçada pela Comissão Constitucional (pareceres n.os 1/80, 13/81, 21/81, 22/81, edição oficial, vols. 11.º, p. 23, 15.º, p. 116, e 16.º, pp. 203 e 2170, e 35/81 e 22/82, ainda inéditos), já entendeu, no Acórdão 17/83, que, por um princípio de adequação e proporcionalidade, é de não tomar conhecimento do pedido sempre que se note a falta de interesse jurídico relevante na emissão de um juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Justifica-se agora similar solução?

6 - O Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho, que não teve vacatio legis, foi revogado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro, que entrou em vigor no dia imediato ao da publicação. Por sua vez, o artigo único do Decreto-Lei 396/83, de 29 de Outubro, que passou a vigorar a 3 de Novembro seguinte, fez renascer toda a legislação revogada pelo Decreto-Lei 349-B/83.

Esta série de diplomas, que em cadeia se sucederam, criaram um complexo conflito de leis no tempo.

O Decreto-Lei 349-B/83 visou, entre outros, é o preâmbulo que o diz, os seguintes objectivos:

Sistematização e actualização da matéria referente a contravenções nos domínios monetário, financeiro e cambial e às respectivas sanções, dispersa por diplomas vários publicados nos últimos 21 anos;

Integração de todo o sistema punitivo com introdução de algumas inovações, designadamente as decorrentes da situação resultante das nacionalizações, que determinaram a existência de numerosas empresas públicas;

Passagem, na sua generalidade, das infracções de natureza cambial a contra-ordenações, contrariamente ao estipulado nos Decretos-Leis 181/74, de 2 de Maio e 630/76, de 28 de Julho;

Manutenção como crimes de actos de promoção da exportação ilícita de capitais de terceiros e outros equiparáveis;

Conservação da punição existente, nos termos estabelecidos no Código Penal de 1886 para os empregados públicos, do pessoal corrupto das instituições e organismos competentes para autorizar ou licenciar actos e operações de natureza cambial.

Como necessária consequência da substituição de um instituto punitivo por outro instituto punitivo, determinou o artigo 29.º do Decreto-Lei 349-B/83:

1 - São revogados os artigos 89.º a 98.º do Decreto-Lei 42641, de 12 de Novembro de 1959, o artigo 6.º do Decreto-Lei 46302, de 27 de Abril de 1965, o artigo 8.º do Decreto-Lei 47413, de 23 de Dezembro de 1966, o Decreto-Lei 47918, de 8 de Setembro de 1967, o artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 301/75, de 20 de Junho, o Decreto-Lei 67/76, de 24 de Janeiro, o Decreto-Lei 183-B/76, de 10 de Março, a Portaria 269/76, de 29 de Abril, o Decreto-Lei 630/76, de 28 de Julho, e, no respeitante às contra-ordenações e processos previstos neste diploma, os artigos 1.º a 6.º do referido Decreto-Lei 47413 e o Decreto-Lei 205/70, de 12 de Maio.

2 - Consideram-se feitas para as disposições correspondentes deste diploma as remissões feitas para as revogadas pelo número anterior.

Algo paradoxalmente, o Decreto-Lei 396/83, ao fazer reviver o bloco normativo revogado pelo Decreto-Lei 349-B/83, apela para preceitos que este diploma não anulara expressis verbis. Dispõe, na verdade, o artigo único do Decreto-Lei 396/83:

É reposta em vigor toda a legislação revogada pelo Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho, designadamente:

a) Os artigos 89.º a 98.º do Decreto-Lei 42641, de 12 de Novembro de 1959, com as alterações ou disposições complementares introduzidas pelo Decreto-Lei 46493, de 18 de Agosto de 1965, pelo Decreto-Lei 47413, de 23 de Dezembro de 1966, pelo Decreto-Lei 47918, de 8 de Setembro de 1967, e pelo Decreto-Lei 205/70, de 12 de Maio, entendendo-se como feitas para o Código Civil vigente as remissões contidas no artigo 98.º;

b) O artigo 6.º do Decreto-Lei 46302, de 27 de Abril de 1965, e o artigo 6.º do Decreto-Lei 47413, de 23 de Dezembro de 1966;

c) O Decreto-Lei 47918, de 8 de Setembro de 1967, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 301/75, de 20 de Junho;

d) O artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 301/75, de 20 de Junho, e a Portaria 269/76, de 29 de Abril;

e) O Decreto-Lei 67/76, de 24 de Janeiro, e o Decreto-Lei 183-B/76, de 10 de Março;

f) O Decreto-Lei 630/76, de 28 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 92/77, de 12 de Março.

Esta descoincidência entre a norma revogatória do Decreto-Lei 349-B/83 e a norma repristinatória do Decreto-Lei 396/83 significa indubitavelmente que houve o propósito de ressuscitar todas as normas revogadas, quer as que o foram de forma expressa, quer as que o foram de forma tácita.

7 - De tudo isto decorre que o Decreto-Lei 349-B/83 representou uma grande operação jurídica. Com ele se condensou num único diploma matéria punitiva, nos domínios monetário, financeiro e cambial, até aí dispersa por múltiplos diplomas emitidos ao longo de 21 anos e se procedeu à sua actualização e sistematização.

Nesse Decreto-Lei 349-B/83 descrevem tipos de ilícito os artigos 1.º, complementado pelo artigo 6.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 9.º, n.º 2, primeira parte (contra-ordenações), e os artigos 27.º e 28.º (crimes); e tratam do regime de punição dos ilícitos de mera ordenação social os artigos 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º, n.os 2 a 9, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º, 11.º e 12.º

Postas de lado agora estas normas e, bem assim, os artigos 29.º, norma revogatória, e 30.º, norma abolidora da vacatio legis, os demais artigos do Decreto-Lei 349-B/83 regulam a prescrição do procedimento contra-ordenacional e das sanções (artigo 13.º), dispõem sobre o imposto de justiça (artigo 14.º) e sobre o pagamento das coimas e do imposto de justiça (artigos 15.º e 16.º) e estabelecem regras processuais relativas à instrução e julgamento das contra-ordenações e ao recurso das decisões (artigos 7.º, n.os 3 e 4, e 17.º a 26.º).

O conflito de leis no tempo a que antes se aludiu tem por centro a definição, modificação, anulação e restauração de modelos de ilícito e respectiva punição, o que só se liga a uma parte bem delimitada do Decreto-Lei 349-B/83.

Este texto legal, nas áreas monetária, financeira e cambial, modificou estruturalmente situações provenientes do direito sancionatório anterior. Em esquema se assinala o mais significativo dessas alterações:

Situação S1 - condutas que, segundo a legislação anterior (veja, em especial, os Decretos-Leis 42641, de 12 de Novembro de 1959 e 47918, de 8 de Setembro de 1967), eram transgressões passaram a contra-ordenações;

Situação S2 - condutas que, segundo a legislação anterior (veja, em especial, os Decretos-Leis n.os 47918 e 630/76), eram crimes passaram a contra-ordenações;

Situação S3 - condutas que, segundo a legislação anterior (veja, em especial, o Decreto-Lei 630/76), eram crimes continuaram a sê-lo, embora com alterações.

8 - Igualmente em esquema se apontam os termos em que, face à sucessão dos Decretos-Leis n.os 349-B/83, 356-A/83 e 396/83, deverá ser resolvido, em relação a cada uma daquelas situações, o conflito de leis no tempo.

No caso da situação S1, e por força do disposto nos artigos 6.º, excepção 2.ª, e 125.º do Código Penal de 1886 (aplicável ex vi dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro) e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, haveria:

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 349-B/83, que condenar o autor de cada procedimento por referência à norma contravencional ou à norma contra-ordenacional que, em concreto, lhe fosse mais favorável; e

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 356-A/83, em qualquer caso, que julgar extinto o procedimento sancionatório.

No caso da situação S2, e por força do disposto nos artigos 2.º, n.os 2 e 4, do Código Penal de 1982 e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, haveria:

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 349-B/83, que condenar o autor de cada conduta pelo tipo contra-ordenacional que sucedeu ao modelo de crime; e

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 356-A/83, que julgar extinto o procedimento contra-ordenacional, que substituíra o procedimento criminal.

No caso da situação S3, e por força do disposto no artigo 2.º, n.os 2 e 4, do Código Penal de 1982, haveria:

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 349-B/83, que condenar o autor de cada comportamento segundo a lei que, em concreto, mais o beneficiasse; e

Após a entrada em vigor do Decreto-Lei 356-A/83, que julgar extinto o procedimento criminal.

Complementarmente a este esquema se nota que o Decreto-Lei 356-A/83, ao revogar o Decreto-Lei 349-A/83, não repôs em vigor a legislação por este revogada, pois, de acordo com o princípio geral de direito contido no artigo 7.º, n.º 4, do Código Civil, «a revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogará». A ressurreição da legislação revogada pelo Decreto-Lei 356-A/83 só se verificou assim em virtude do Decreto-Lei 396/83, que expressamente o determinou. Este facto foi, porém, irrelevante para as situações S1, S2 e S3, já que, como escreveu Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, 2.ª ed., vol. I, p. 48, em comentário ao artigo 6.º do Código Penal de 1886, «mesmo que uma terceira lei volte a declarar punível o facto, não se aplica aos factos cometidos no vigor da primeira, pois a isso obsta a segunda». Esta é, aliás, a doutrina dominante: para determinação do regime mais favorável, deverão considerar-se não só as leis vigentes à data da prática do facto e à data do julgamento, como as leis intermédias (Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, parte geral, vol. I, pp. 123 e 124; Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, p. 158, e José de Sousa Brito, «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., p. 254).

9 - Sobre um pano de fundo de hipotética constitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 349-B/83, 356-A/83 e 396/83, mostrou-se como, em determinadas situações, seria resolvido o conflito de leis, todo centrado sobre tipos de ilícito e modos de punição, que temporalmente se sucederam.

Todavia, este quadro será radicalmente alterado se se vier a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do Decreto-Lei 349-B/83 que, expressa (artigo 29.º) ou tacitamente (artigos 1.º, 6.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º), revogaram a legislação anterior definidora de transgressões e crimes nas áreas monetária, financeira e cambial. Nesse caso, e em virtude do estabelecido no artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade produziria efeitos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 349-B/83 e determinaria a repristinição do bloco legislativo definidor daqueles ilícitos.

Então, tudo se passaria como se o bloco legislativo revogado sempre tivesse estado em vigor e deixaria, por isso, de haver conflito de leis no tempo.

As coisas, porém, só serão assim se se concluir que as normas do Decreto-Lei 349-B/83 que, expressa ou tacitamente, revogaram a legislação anterior definidora de ilícitos são totalmente inconstitucionais. Se em juízo final se propender para uma situação de inconstitucionalidade parcial, o conflito de leis persistirá, embora em termos mais reduzidos que o que resultaria de um posicionamento favorável à não declaração de inconstitucionalidade de qualquer dessas normas, e abarcará então quer a definição de certos ilícitos, quer o regime da sua punição.

Destas considerações resulta que há interesse jurídico evidente em indagar, e apesar de elas já haverem sido revogadas, se as normas do Decreto-Lei 349-B/83 que, expressa ou tacitamente, suprimiram a legislação anterior definidora de infracções ou que trataram do regime de punição dos ilícitos de mera ordenação ali referidos (artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º) são inconstitucionais.

E nem se diga que a declaração, total ou parcial, de inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei 349-B/83 revogatórias da legislação antecedente modeladora de ilícitos é irrelevante, com o argumento de que, sejam quais forem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, persistirá intermediamente o Decreto-Lei 356-A/83, como lei eliminatória de certo número de infracções dos quadros do direito sancionatório público, e que, por isso, sempre terá de ser considerado à face do disposto nos artigos 6.º, excepção 2.ª, do Código Penal de 1886, 2.º, n.º 2, do Código Penal de 1982 e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82.

Este argumento é enganador e não resiste a uma análise mais aturada da situação.

A sucessão de leis no tempo referentes a ilícitos dos campos monetário, financeiro e cambial (Decretos-Leis n.os 349-B/83, 356-A/83 e 396/83) apresentar-se-á, necessariamente, com muito diversa dimensão antes e depois da declaração de inconstitucionalidade atrás hipotisada.

Após essa declaração - a verificar-se -, o Decreto-Lei 356-A/83 continuará a existir na ordem jurídica, mas (a perspectiva tem de ser histórico-normativa, e não histórico-positiva) como um diploma que nunca produziu efeitos.

De facto, a inconstitucionalização em causa, pela sua componente retroactiva, antecipar-se-á à revogação determinada pelo Decreto-Lei 356-A/83: não se revoga o que já não existe, porque declarado com efeitos ex tunc contrário à Constituição.

O Decreto-Lei 356-A/83, deste modo ultrapassado pela inconstitucionalização em exame, paralisado ab initio, já não poderá ser considerado para os fins dos artigos 6.º, excepção 2.ª, do Código Penal de 1886, 2.º, n.º 2, do Código Penal de 1982 e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, como uma lei nova que eliminou factos puníveis do número de infracções. Porque nada revogou, nada eliminou afinal.

Importa, pois, averiguar se os artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83 padecem de inconstitucionalidade.

Relativamente aos restantes artigos do Decreto-Lei 349-B/83, todos revogados, é que não persiste qualquer interesse na sua apreciação numa perspectiva de inconstitucionalidade. Quanto a eles, não se suscita já qualquer problema de conflito de leis no tempo, nem de aplicação no presente ou no futuro, uma vez que, após a sua revogação, qualquer processo contra-ordenacional pendente ou que venha a desenvolver-se regular-se-á pela lei-quadro dos ilícitos de mera ordenação social (Decreto-Lei 433/82).

Por absoluta inutilidade, se não tomará conhecimento desta parte no pedido.
III - Competência legislativa da Assembleia da República e do Governo em matérias de direito sancionatório público

10 - Antes de enveredar pela análise individualizada e dirigida à detecção de eventuais inconstitucionalidades dos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83, há que precisar, numa óptica repartitiva, e em quadro geral, certos tópicos da competência legislativa da Assembleia da República e do Governo nos domínios criminal, contravencional e contra-ordenacional.

11 - Da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [artigo 268.º, n.º 1, alínea c), da Constituição], é a definição de crimes e penas. Qualquer que possa ser o sentido último da expressão «crimes e penas» (a decifração do seu exacto sentido será feita mais à frente), uma coisa é indiscutível e nunca posta em dúvida: só ao Parlamento cabe, em primeira linha e nos termos daquela alínea c), a determinação de crimes stricto sensu e penas correlativas.

No exercício dessa competência, tem a Assembleia da República, num primeiro momento, de fazer a escolha das condutas violadoras, quer de bens jurídicos que, «sendo concretização dos valores constitucionais ligados aos direitos, liberdades e garantias, se relacionam com o livre desenvolvimento da personalidade de cada homem como tal, formando o corpo daquilo que com razão se designará por 'direito penal clássico ou de justiça'», quer de bens jurídicos que, «sendo concretizações dos valores constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização económica, se relacionam com a actuação da personalidade do homem como fenómeno social, em comunidade e em dependência recíproca dela» constituindo como que um outro direito, «direito penal, em regra de carácter secundário, especial, extravagante ou económico-social» (Figueiredo Dias, «O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», Jornadas de Direito Criminal, p. 323), e, num segundo momento, de determinar os elementos constitutivos de cada um desses factos típicos e a consequência jurídica correspondente, determinação que, face ao disposto no artigo 29.º da Constituição, terá de ter a maior precisão.

Esta competência exclusiva da Assembleia da República não se exerce apenas pela positiva, isto é, não se confina à modelação, por via legislativa, de crimes e penas em sentido próprio.

Realiza-se também, e em termos altamente significativos, pela negativa, isto é, pela supressão do quadro criminal de tipos de ilícito. Seria, na verdade, ilógico e inconsequente que esta última competência lhe não coubesse por inteiro, por várias razões.

Em primeiro lugar, a alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição não faz qualquer distinção. Em segundo lugar, a não se entender assim, a competência da Assembleia da República para criar tipos-crime e penas reduzir-se-ia a zero, sempre que o Governo, e de imediato, lhe revogasse as leis penais que editasse, o que resultaria inadmissível. Em terceiro lugar, a implementação do quadro geral de ilícitos criminais e penas, em sentido estrito, reclama que, analisada detidamente a realidade social, se seleccionem, especifiquem e graduem, segundo parâmetros de referência constitucional, os comportamentos humanos infractores de bens jurídicos essenciais e se estabeleçam penas proporcionadas a cada facto, daí que a simples eliminação de um modelo de crime reflexamente altere todo o quadro, o que equivale a dizer que, neste campo, a competência negativa tem, ao cabo e ao resto, profundos efeitos positivos.

Por estes motivos, e muito em especial pelo facto de estas duas vertentes da competência, a positiva e a negativa, não serem perfeitamente separáveis, impõe-se a interpretação de que só a Assembleia da República pode intervir legislativamente em todo este domínio.

12 - Salvo autorização ao Governo, igualmente pertence à Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea d)] a competência para legislar sobre o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. A competência exclusiva do Parlamento limita-se, neste caso, ao regime geral. Razões de ordem histórica e razões de sistema confirmam esta interpretação, de imediato deduzível da letra do preceito.

Na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional discutiu-se a nova formulação proposta para a alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º: «definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos e regime geral de punição das infracções disciplinares e dos actos ilícitos de mera ordenação social, bem como processo criminal». Como entremostra a discussão travada [Diário da Assembleia da República, 2.ª sessão legislativa, 2.ª série, suplemento ao n.º 44, pp. 904-(1) e 904-(2)], acabou por se assentar na sua desmultiplicação em duas alíneas, as actuais alíneas c) e d), ficando, segundo esta última alínea, no domínio de reserva legislativa da Assembleia da República o regime geral do ilícito de mera ordenação social e, pela mesma lógica, o regime geral do respectivo processo ou as suas grandes normas adjectivas.

Esta interpretação é ainda confirmada sistematicamente a dois níveis. Por um lado, é significativo que a alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º, ao invés do que sucede com a alínea c) do mesmo n.º 1, se refira expressamente a regime geral. Por outro lado, o artigo 229.º, alínea m), da Constituição atribui às regiões autónomas o poder de definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectiva punição, pelo que ao Governo, e com referência a todo o território do Estado, se não pode deixar de reconhecer igual competência. Mais exactamente, ao Governo, dentro da lei quadro (Decreto-Lei 433/82, emitido no uso da autorização conferida pela Lei 24/82, de 23 de Agosto), pertence, no exercício de competência legislativa concorrente com a da Assembleia da República, delinear ilícitos contra-ordenacionais, estabelecer a concernente punição e moldar regras secundárias do processo contra-ordenacional.

Com tudo isto se não quer significar que ao Governo seja ilícito revogar parcialmente o Decreto-Lei 433/82. Ponto é que estejam em equação normas desenquadradas do regime geral, substantivo ou adjectivo, do ilícito de mera ordenação social. De qualquer forma, essa eventual derrogação, atento o disposto no artigo 115.º, n.os 2 e 5, da Constituição, terá sempre de se positivar em lei em sentido formal.

13 - Se a alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição atribui à Assembleia da República competência para em exclusivo legislar, salvo autorização ao Governo, sobre a definição de crimes stricto sensu e penas correspondentes, não lhe atribuirá também idêntica competência pelo que se refere à definição de contravenções e penas respectivas?

Nas ordenações usaram-se indiferentemente os termos «crime», «delito» e «malefício», com significação equivalente. O Código Penal de 1852, por influência do Código Francês de 1791, dividiu as infracções criminais em dois subtipos: crimes, cuja definição era dada pelo artigo 1.º, e contravenções, cujo conceito constava do artigo 3.º Este sistema (os artigos 1.º e 3.º do Código Penal de 1852 são, aliás, iguais aos artigos correspondentes do Código Penal de 1886) passou para o compêndio normativo que lhe sucedeu.

A palavra «crime» tomou a partir de então uma dupla significação. Crime ora era sinónimo de infracção criminal, ora de uma espécie particular, a mais grave, do genus infracção criminal. Embora muito mais usada no segundo sentido, não deixou de ser utilizada com aquela significação ampla, mesmo em níveis de direito positivo. É isto que se observa, por exemplo, na epígrafe do título I do livro I do Código Penal de 1886: «Dos crimes em geral e dos criminosos».

Esta visualização diacrónica justifica a interrogação: na alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, a palavra «crime» e, consequentemente, a palavra «pena» são empregues em sentido lato ou em sentido estrito?

Num primeiro momento, a Comissão Constitucional inclinou-se para a primeira alternativa (parecer 2/76, edição oficial, vol. I, p. 23), mas depois passou a ter por seguro que a competência reservada pela Constituição à Assembleia da República não abrangia a definição de matéria contravencional (pareceres n.os 19/77, 28/77, 28/78 e 4/81, vols. II, III, VII e XIV, respectivamente, pp. 149, 256, 15 e 205, e Acórdãos n.os 159, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 292, p. 247, e 164, apêndice ao Diário da República, de 31 de Dezembro de 1979, p. 78).

Esta viragem foi determinada em boa parte pela interpretação dada em França pelo Conselho Constitucional e pela doutrina ao artigo 34.º da Constituição de 1958, que foi fonte directa do artigo 167.º da Constituição portuguesa, primitiva redacção. De registar é, todavia, que, depois de 15 anos de consenso sobre a competência do Executivo em matéria contravencional, o Conselho Constitucional, por decisão de 28 de Novembro de 1973 (Les grandes décisions du Conseil constitutionnel, Louis Favoreu e Loïe Philip, p. 309), passou a entender, em interpretação limitativa, que a determinação das contravenções e penas aplicáveis são da competência do Governo, desde que não comportem medidas restritivas de liberdade, entendimento que, de seguida, mereceu o apoio generalizado da doutrina (La Constitution de la République française. Analyses et commentaires sous la direction de François Luchaire e Gérard Conac, p.495).

Tereza Pizarro Beleza, em sintonia com a decisão do Conselho Constitucional e comentando o artigo 167.º, alínea e), da Constituição originária, reconhece ao Governo competência para criar tipos contravencionais puníveis unicamente com penas pecuniárias e coloca no domínio de reserva legislativa da Assembleia da República a materialização de contravenções puníveis com pena de prisão (Direito Penal, policopiado, 1.º vol., pp. 109 e 110).

A impossibilidade de o Governo legislar sobre transgressões puníveis com pena de prisão não resultará então do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), onde o binómio expressivo «crimes e penas» é usado em sentido estrito, mas antes da alínea b) do mesmo n.º 1, segundo o qual é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias, sendo a liberdade física, a primeira das liberdades, expressamente reconhecida pelo artigo 27.º, n.º 1, da Constituição.

Razões de ordem histórica favorecem também a interpretação que se vem defendendo. A prática constitucional portuguesa e a doutrina anteriores à Constituição de 1933 (José de Sousa Brito, «A lei penal na Constituição», Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., p. 239) sempre entenderam que o princípio da legalidade das penas, expresso no § 10.º do artigo 145.º da Carta e reproduzido, com idêntico teor, no n.º 21 do artigo 3.º da Constituição de 1911, não era violado pela aplicação de penas a contravenções em regulamentos administrativos e posturas municipais, desde que dentro dos limites da lei, o que não foi alterado pela Constituição de 1933. Natural seria que a Constituição de 1976, querendo romper nesse ponto com a tradição, o afirmasse declaradamente, o que, contudo, se não verifica.

Aliás, a actual lei fundamental, logo no artigo 6.º, n.os 1 e 2, afirma o princípio da autonomia das autarquias locais e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, o que logicamente também obrigaria a própria Constituição, querendo retirar do seu campo de acção uma competência tão típica, a dizê-lo expressamente.

14 - Igualmente a história legislativa mais recente aponta para que a definição de contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade seja da competência do Executivo.

Na sequência do movimento iniciado em Portugal com a publicação, em 1963, do projecto da parte geral do novo Código Penal (veja, nomeadamente, o respectivo relatório, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 127, pp. 78 e 79, onde se afirma o propósito de expurgar do direito penal as contravenções, «caracterizadas pela falta de um conteúdo ético e que correspondem justamente a uma actividade ordenadora-preventiva da administração», e de «passá-las» a mero ilícito administrativo), projecto que, no entanto, não chegou a ser convertido em lei, veio o «I Governo Constitucional a apresentar uma proposta de lei da parte geral do Código Penal, que tomara como base de trabalho o projecto de 1963 (proposta de lei 117/I).

«Na exposição de motivos, além de se confessar logo que a proposta teve como ponto de partida o projecto de 1963, continua a acolher-se a orientação de autonomização do direito de mera ordenação social. O Governo entendia em 1976 de toda a conveniência que o projecto da parte geral se convertesse de imediato em lei, apesar de a aplicação do mesmo estar condicionada 'pelo articulado complementar de outras normas como as referentes à parte especial do Código', ao chamado 'direito de mera ordenação social' 6, à legislação relativa a menores imputáveis e ao direito penitenciário' (n.º 1). Mantinha-se a solução de não distinguir subtipos de infracções criminais (artigo 10.º).

«Esta proposta não chegou, porém, a ser votada pela Assembleia da República, como também não chegou a ser discutida ou votada a proposta n.º 221/I, apresentada pelo IV Governo Constitucional, com o mesmo conteúdo, em Fevereiro de 1979. Veio, porém, a ser o IV Governo Constitucional, através do Ministro da Justiça Prof. Eduardo Correia, que impulsionou de novo a reforma da legislação penal. Assim, chegou também a ser enviada a proposta de lei da parte especial à Assembleia da República, não tendo, porém, sido admitida por esta, dada a anterior exoneração do Governo» (parecer 4/81 da Comissão Constitucional, edição oficial, vol. 14.º, pp. 226 e 227).

Nesta linha de independentização do direito de mera ordenação social, publicou-se o Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho, lei quadro do ilícito contra-ordenacional, cujo artigo 1.º, n.os 3 e 4, estatuía que «são equiparáveis às contra-ordenações as contravenções ou transgressões previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas sanções pecuniárias» (n.º 3) e «ao mesmo regime podem ser submetidos os casos indicados na lei» (n.º 4).

Com estas medidas, ao serviço de uma política descriminalizadora, purificava-se o direito criminal, de imediato, de formas de ilícito, cuja sede natural era o direito de mera ordenação social, o mesmo é dizer, de um significativo lote de «contravenções, tradicional e indevidamente integradas no ordenamento jurídico-penal» (do preâmbulo do Decreto-Lei 232/79), e abriam-se perspectivas de sucessivo alargamento, no futuro, do âmbito do direito contra-ordenacional.

Designadamente por se haverem suscitado problemas vários na sua institucionalização prática e com vista a permitir a aplicação faseada do diploma, o artigo único do Decreto-Lei 411/79, de 1 de Outubro, revogou os n.os 3 e 4 do artigo 1.º do Decreto-Lei 232/79, de 24 de Julho. A revogação do n.º 3 do artigo 1.º importou, em termos muito concretos, um recuo na política de descriminalização encetada pelo legislador. As contravenções anteriormente puníveis com sanções pecuniárias, e que por curto período haviam sido metamorfoseadas em ilícitos de mera ordenação social, volveram a integrar a espécie menos grave do género infracção criminal. Todavia, o Decreto-Lei 232/79 continuou a operar como lei de enquadramento dos variados tipos contra-ordenacionais sucessivamente implementados no nosso ordenamento jurídico pelo Executivo.

Ulteriormente, e por se tornar «mais instante a necessidade de vigência do direito de ordenação social, introduzindo, do mesmo passo, algumas alterações» (do respectivo exórdio), o Governo substituiu o Decreto-Lei 232/79 pelo Decreto-Lei 433/82, em cujo preâmbulo se sublinha:

Apesar de se tratar de um diploma de enquadramento, manifesta-se a vontade de progressivamente se caminhar no sentido de constituir efectivamente um ilícito de mera ordenação social.

Manteve-se, outrossim, a fidelidade à ideia de fundo que preside à distinção entre crime e contra-ordenação. Uma distinção que não esquece que aquelas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos, quer pela desigual ressonância ética. Mas uma distinção que terá, em última instância, de ser jurídico-pragmática e, por isso, também necessariamente formal.

O Decreto-Lei 433/82 articulava-se, aliás, com o novo Código Penal, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, emitido ao abrigo da autorização legislativa consubstanciada na Lei 24/82, Código Penal que aderia «decididamente ao movimento de descriminalização» (do preâmbulo à parte geral). Embora o novo Código afirme uma concepção monista da infracção criminal, certo é que os artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei 400/82 mantêm em vigor a generalidade das normas de direito substantivo e processual relativas a contravenções, ao que tudo indica, a título transitório.

15 - A revisão constitucional, como já se viu, não ficou alheia às transformações operadas, a nível da legislação ordinária, no direito sancionatório público.

O poder constituinte derivado, que instrumentou a revisão da Constituição na Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, não podia, por razões temporais, haver sido directamente influenciado nem pelo texto definitivo do novo Código Penal nem pelo Decreto-Lei 433/82. Mas foi-o necessariamente pela doutrina, que há muito reclamava a singularização do direito criminal, pelos sucessivos projectos e trabalhos preparatórios do novo Código Penal, pelo Decreto-Lei 232/79 e, de um modo global, pela política de descriminalização do legislador ordinário, da qual era primeiro instrumento o ilícito de mera ordenação social.

Neste quadro histórico, o acolhimento no novo texto da lei fundamental, em especial nos artigos 168.º, alínea d), 229.º, alínea m), e 282.º, n.º 3, do ilícito contra-ordenacional (este e o ilícito criminal, stricto sensu, são agora os únicos ilícitos sociais constitucionalmente referidos) importou o sancionamento pela Constituição dessa política descriminalizadora há muito anunciada e posta em prática, em certo grau, anos atrás e, em consequência, o reconhecimento de que as contravenções, verdadeiros ilícitos administrativos, erradamente integrados no direito criminal, constituem uma categoria de ilícito em vias de desaparecimento (naturalmente pela sua integração, pelo menos dos tipos contravencionais não puníveis com pena restritiva de liberdade, na classe dos ilícitos de mera ordenação social, resvalando os restantes, em pequeno número, para o domínio criminal em sentido próprio), daí que se lhes não faça referência expressa.

Tudo isto postula a interpretação de que a alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º respeita tão-só a «crimes e penas» em sentido estrito, o que já antes fora afirmado, e, bem assim, a interpretação de que, em vista do estreito parentesco existente entre os ilícitos contra-ordenacionais e contravencionais, a alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição abrangerá eventualmente o ilícito transgressional. Quer isto significar que, embora o Governo possa livremente legislar sobre a criação e extinção de contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade, já não poderá legislar, salvo autorização da Assembleia da República, sobre o regime geral de punição das contravenções e do respectivo processo.

16 - Fazendo uma pausa, e resumindo as linhas essenciais da exposição antecedente, salientam-se as ideias conclusivas essenciais no que toca ao exercício do poder legislativo pela Assembleia da República e pelo Governo em matéria de direito sancionatório público:

É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção):

a) Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contra-ordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo;

b) Legislar sobre o regime geral de punição das contra-ordenações e contravenções e dos respectivos processos;

c) Definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta;

É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo (e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo contravencional):

a) Definir, dentro dos limites do regime geral, contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição;

b) Desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo Decreto-Lei 433/82.

Omite-se o tratamento de outros aspectos da competência legislativa destes órgãos de soberania em campo de direito sancionatório público, por tal ser irrelevante no caso em apreciação. E, dentro da moldura conclusiva traçada, vai-se analisar de seguida se os artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83 enfermam ou não de inconstitucionalidade orgânica.

IV - Um problema de inconstitucionalidade orgânica
17 - O Governo, ao emitir o Decreto-Lei 349-B/83, apelou in abstracto para uma lei de autorização parlamentar. Ora, os decretos-leis emitidos, em sector de reserva relativa da Assembleia da República e mediante autorização desta (artigo 201.º, n.º 3, da Constituição), têm de invocar expressamente a lei de autorização legislativa, o que é reeditado, ao nível do direito ordinário, pelo artigo 9.º, n.º 2, da Lei 6/83, de 29 de Julho.

No requerimento do Primeiro-Ministro salienta-se que a última autorização da Assembleia da República ao Governo para legislar genericamente sobre matéria penal fora concedida pela Lei 24/82, de 23 de Agosto, cujo prazo de utilização caducara em 23 de Novembro de 1982, autorização efectivamente usada na emissão dos Decretos-Leis n.os 400/82, 401/82 e 402/82, todos de 23 de Setembro, e 433/82, de 27 de Outubro.

Daí em diante e até à publicação do Decreto-Lei 349-B/83, entre as diversas leis editadas pela Assembleia da República - Leis 25/82, de 8 de Setembro, 26/82, de 23 de Setembro, 27/82, de 14 de Outubro, 28/82, de 15 de Novembro, 29/82, de 11 de Dezembro, 30/82, de 22 de Dezembro, 31/82, de 22 de Dezembro, 32/82, de 30 de Dezembro, 33/82, de 31 de Dezembro, 34/82, de 31 de Dezembro, 1/83, de 10 de Janeiro, 2/83, de 18 de Fevereiro, 3/83, de 26 de Fevereiro, 4/83, de 2 de Abril, 5/83, de 27 de Julho e 6/83, de 29 de Julho -, só uma delas, a Lei 25/82, é de pura e simples autorização legislativa ao Governo.

Consentia esta Lei 25/82 que o Governo, no prazo de 6 meses, legislasse em matéria de organização e competência dos tribunais, bem como sobre processo criminal e isenção de selo. O conteúdo do Decreto-Lei 349-B/83, miudamente examinado, não se coaduna de modo algum com o teor desta autorização que, seja dito de passagem, já então prescrevera.

No entanto, a Lei 2/83, de 18 de Fevereiro, que aprovou o Orçamento do Estado (provisório) para 1983, inseria duas normas, os artigos 41.º e 49.º, que autorizavam o Governo, o primeiro, «a rever as disposições legais relativas às infracções tributárias e sua punição e a definir tipos legais de crimes fiscais, respectivas penas, órgãos competentes para o seu julgamento e normas processuais aplicáveis» e, o segundo, «a legislar em matéria relativa a contravenções nos domínios monetário, financeiro e cambial e respectivas sanções».

Quanto à autorização contida no artigo 41.º, ela não se harmoniza com a matéria do Decreto-Lei 349-B/83, que não trata de crimes fiscais, nem de tribunais competentes para o seu julgamento, nem ainda de processo penal fiscal. No que respeita à autorização contida no artigo 49.º, e inversamente, observa-se que ela, em certa medida, concorda com a matéria normativa vazada no Decreto-Lei 349-B/83.

Segundo certa doutrina - veja Cardoso da Costa, Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro, vol. III -, as autorizações legislativas contidas na lei do orçamento, que define em quadro global a política económico-financeira de um ano, gozam do mesmo período de vigência desta última, e não são afectadas, ao contrário do que acontece com as autorizações legislativas típicas (artigo 168.º, n.º 4, da Constituição), pela demissão do Governo, pelo termo da legislatura ou pela dissolução da Assembleia da República. Aquela autorização concedida pelo artigo 49.º da Lei 2/83 a um Governo já demitido pelo Decreto 136-A/82, de 23 de Dezembro, teria resistido, nesta perspectiva doutrinária, à dissolução da Assembleia da República determinada pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/83, de 4 de Fevereiro, e seria ainda válida em 29 de Março de 1983, data em que o Decreto-Lei 349-B/83 foi aprovado em Conselho de Ministros e válida ainda posteriormente.

Como quer que seja, o certo é que o Decreto-Lei 349-B/83, publicado nessa data, não invocou expressamente o artigo 49.º da Lei 2/83. Por isso, e atento o disposto no artigo 201.º, n.º 3, da Constituição, terá aquele diploma de ser julgado, do ponto de vista da sua validade orgânica, unicamente em função da competência legislativa do Executivo, o que se vai fazer.

18 - O artigo 29.º do Decreto-Lei 349-B/83 é um preceito revogador de variadas disposições de textos legais, pelo que é pertinente começar por aqui a análise individualizada dos artigos daquele diploma sujeitos a juízo de constitucionalidade.

De imediato se exporá, em resumo, o conteúdo essencial das disposições e diplomas legais revogados pelo artigo 29.º do Decreto-Lei 349-B/83:

a) Os artigos 89.º e 98.º do Decreto-Lei 42641, com alterações ou disposições complementares introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 46493, 47413 e 205/70, contemplam contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e inserem especiais regras substantivas e processuais referentes a essas contravenções;

b) O artigo 6.º do Decreto-Lei 46302 define a medida de suspensão provisória de actividade aplicável em certos processos de transgressão;

c) O artigo 8.º do Decreto-Lei 47413 eleva o limite de multas contravencionais previstas no artigo 90.º do Decreto-Lei 42641;

d) O Decreto-Lei 47918, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 301/75, institui contravenções não puníveis com penas restritivas de liberdade e, no artigo 7.º, cria um tipo-crime e estabelece especiais regras substantivas e processuais referentes a essas infracções penais;

e) O artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 301/75 autoriza que, por portaria, o Ministro das Finanças estabeleça quais os funcionários do Banco de Portugal a que caberá a competência a que alude o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 47413;

f) O Decreto-Lei 67/76 alarga, em relação ao regime geral, o prazo de prescrição do procedimento criminal e das penas relativamente a algumas transgressões;

g) O Decreto-Lei 183-B/76 igualmente alarga, em relação ao regime geral, o prazo de prescrição do procedimento criminal e das penas relativamente a outras transgressões;

h) A Portaria 269/76 define os funcionários do Banco de Portugal que hão-de presidir a actos instrutórios em certos processos de transgressão instaurados pelo próprio banco emissor;

i) O Decreto-Lei 630/76, reformulando legislação anterior, institui vários crimes;

j) Os artigos 1.º a 6.º do Decreto-Lei 47413 e o Decreto-Lei 205/70 (só revogados no respeitante às contra-ordenações e processos previstos no Decreto-Lei 349-B/83) definem normas processuais e substantivas relativas a certas transgressões.

Ao revogar este bloco normativo, terá excedido o Governo a sua competência legislativa, tal como anteriormente foi definida, em matérias de direito sancionatório público?

À luz do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, ao Governo está vedado abolir tipos-crime ou desgraduá-los em contra-ordenações. Revogando o artigo 7.º do Decreto-Lei 47918 e o Decreto-Lei 630/76, onde se continham infracções criminais, só parcialmente subsistentes como tais ou como ilícitos de mera ordenação social no Decreto-Lei 349-B/83 (artigos 1.º, 6.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º), o Governo ultrapassou a sua própria competência constitucionalmente definida. Nessa medida, o artigo 29.º do Decreto-Lei 349-B/83 sofre de inconstitucionalidade orgânica.

Concluído o exame do artigo 29.º, prosseguir-se-á na análise dos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º e 28.º do Decreto-Lei 349-B/83.

19 - O artigo 1.º do Decreto-Lei 349-B/83, complementado pelo artigo 6.º, n.º 1, cujo exacto alcance depende da sua articulação com o artigo 29.º e, muito em especial, com os Decretos-Leis n.os 42641, 47918 e 630/76, desgraduou em ilícitos de mera ordenação social factos que pela legislação anterior constituíam crimes e contravenções não puníveis com pena privativa de liberdade.

Porque o Governo, na moldura do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, estava proibido de desqualificar crimes em contra-ordenações, mas já não contravenções não puníveis com pena privativa de liberdade em contra-ordenações, são os artigos 1.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 349-B/83 parcialmente inconstitucionais, precisamente enquanto transpõem factos do campo criminal em sentido estrito para o campo contra-ordenacional.

Relativamente às contra-ordenações referidas no artigo 1.º, os artigos 2.º, 5.º, 6.º, n.os 2 a 9, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º, 11.º e 12.º estipulam as sanções que lhes correspondem, quer em quadro geral, quer em quadros especiais; o artigo 3.º, n.º 1, dispõe sobre a punibilidade da tentativa e da frustração e o artigo 4.º define a agravante da reincidência. Consequentemente, todas estas normas, na parte em que se referem às contra-ordenações do artigo 1.º «derivadas» de crimes, são arrastadas pelo vórtice de inconstitucionalidade. A incompetência legislativa do Governo neste domíno, face ao estatuído no artigo 168.º, n.º 1, alínea c), é apodíctica.

Resta agora, em campo de inconstitucionalidade orgânica, analisar a validade, em confronto com a lei fundamental, da parte sobrante dos artigos 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º, n.os 2 a 9, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º, 11.º e 12.º (daqui para diante, dentro deste capítulo IV, sempre referidos nessa dimensão parcial) e, bem assim, dos artigos 3.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º do Decreto-Lei 349-B/83.

Esta análise incidirá sucessivamente sobre 3 grupos de normas:
1.º grupo (o das normas que não infringem a Constituição): artigos 2.º, n.º 3, 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º, n.os 5, 6, 8 e 9, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º, 11.º e 12.º;

2.º grupo (o das normas que só parcialmente violam a lei fundamental): artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 2, 3, 4 e 7, e 7.º, n.º 2;

3.º grupo (o das normas que na totalidade se confrontam com a Constituição): artigos 3.º, n.º 2, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º

20 - As normas do 1.º grupo têm que ver unicamente com o regime de punição das contra-ordenações previstas no Decreto-Lei 349-B/83. Através do exame desses preceitos mostrar-se-á que todos eles se conciliam com a lei quadro das contra-ordenações (Decreto-Lei 433/82), para se concluir que o Governo não ultrapassou, a este nível, a competência legislativa da Assembleia da República, limitada pelo artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição à concreção do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social.

O artigo 2.º, n.º 3, refere-se à sanção acessória de perda a favor do Estado dos bens obtidos com a actividade ilícita, e fá-lo em termos harmónicos com a lei quadro, o Decreto-Lei 433/82, nomeadamente com o artigo 24.º, n.º 1.

O artigo 3.º, n.º 1, declara sempre puníveis a tentativa e a frustração. Prima facie, parece que este preceito ultrapassa o regime geral. Com efeito, no Decreto-Lei 433/82 só se demarca a figura da tentativa (artigo 12.º), o que poderia levar a concluir, a uma primeira análise, pela inadmissibilidade da frustração.

Todavia, o direito contra-ordenacional, porque um aliud em relação ao direito penal, dispõe de conceitos próprios. Assim é que para o artigo 12.º do Decreto-Lei 433/82 a tentativa compreende em si as figuras tradicionalmente diversas, para o direito penal, da tentativa e da frustração.

O facto de o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 349-B/83 declarar sempre puníveis a tentativa e frustração em nada altera substancialmente o regime geral: a punibilidade dessas figuras inacabadas de ilícito tem a mesma dimensão que no Decreto-Lei 433/82.

O artigo 4.º define a reincindência, o que não é considerado, pelo menos directamente, no Decreto-Lei 433/82. Contudo, este diploma, no seu artigo 32.º, estabelece que «em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal». A identificação precisa do direito subsidiário para que este preceito remete suscita algumas dificuldades. Aponta para o Código Penal de 1886, ao tempo em vigor? Aponta para o Código Penal de 1982, na altura já publicado, mas ainda não vigente? Aponta sucessivamente para estes compêndios normativos, isto é, até 31 de Dezembro de 1982 para o Código Penal de 1886 e daí em diante para o de 1982? Refere-se ao regime geral da infracção penal, ao regime geral dos crimes ou ao regime geral das contravenções?

O legislador, sempre que define o direito subsidiário de certo instituto, tem naturalmente em vista o direito em cada momento vigente e, de entre este, o sector ou sectores do ordenamento jurídico que dele mais se aproximam. Em anterior ocasião, foi posto em destaque o profundo parentesco existente entre contra-ordenações e contravenções, o que permite supor que o artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82 remete, em primeiro lugar, para o regime geral das contravenções, constante, quase totalmente, do Código Penal de 1886 (os artigos 6.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 400/82 mantiveram-no em vigor nessa parte, salvo pelo que respeita aos limites da multa e à prisão em sua alternativa, em que releva o novo Código Penal); em segundo lugar, para o regime geral do ilícito penal, lato sensu, e, em terceiro lugar, para o regime geral dos crimes, stricto sensu.

Nesta óptica, o artigo 4.º do Decreto-Lei 349-B/83 não contraria o artigo 36.º do Código Penal de 1886, onde, por remissão do artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, se contém a difinição de reincidência, válida, segundo tudo parece indicar, em direito contra-ordenacional.

O artigo 5.º, que implicitamente consente o sancionamento de pessoas colectivas pela prática de contra-ordenações, igualmente não diverge do regime geral (artigo 7.º do Decreto-Lei 433/82).

O artigo 6.º é um preceito complexo, que se desdobra em 9 números: o n.º 1 já foi examinado; os n.os 2, 3, 4 e 7 só mais adiante o serão.

A presente análise centrar-se-á unicamente nos n.os 5, 6, 8 e 9.
O n.º 5 do artigo 6.º fixa para um certo número de contra-ordenações, as que não afectem a economia nacional, limites mínimos especiais, que não rebaixam o limite mínimo expressamente referido no artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82.

O n.º 6 do artigo 6.º, embora distinguindo formalmente a tentativa e a frustração, trata-as unitariamente e para ambas estabelece igual regime de punição: a coima não pode exceder então metade do máximo legalmente previsto para a infracção consumada. Ainda que o Decreto-Lei 433/82 não delimite directamente o regime de punição da tentativa (que abarca as figuras, tradicionais em direito penal, da tentativa e da frustração), certo é que a redução assinalada é seguramente autorizada pelo seu artigo 18.º, n.º 1, que impõe como parâmetro, entre outros, da determinação da medida da coima o da gravidade da contra-ordenação.

O n.º 8 do artigo 6.º é regra paralela à contida no § 2.º do artigo 63.º do Código Penal de 1886, ainda em vigor para as multas aplicáveis por contravenção, sendo este regime direito subsidiário, como se viu, da lei quadro (artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82).

O n.º 9 do artigo 6.º estabelece uma proibição, a do pagamento voluntário das coimas antes da condenação, o que está conforme com a lei quadro, que aponta na mesma direcção. Na verdade, no Decreto-Lei 433/82 não se prevê outra saída para o processo contra-ordenacional que não seja o arquivamento, a condenação ou a absolvição. A proibição da oblação voluntária enquadra-se, pois, perfeitamente neste regime.

O artigo 7.º desdobra-se em 4 números, não havendo que conhecer, pelos motivos preliminarmente expostos, da constitucionalidade dos dois últimos. Agora será apreciado apenas o n.º 1 do artigo 7.º O n.º 2 do artigo 7.º será analisado mais à frente.

O n.º 1 do artigo 7.º não contende com o artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, onde se enunciam tectos mínimo e máximo das coimas, pois que nem sequer ultrapassa a expressão numérica imediata desses limites.

O artigo 8.º, n.º 1, contempla, sob a dupla designação de suspensão e cassação de autorizações para o exercício de funções, sanções que se reconduzem afinal à interdição do exercício de uma actividade, sanção esta prevista na lei quadro (artigo 21.º do Decreto-Lei 433/82), pelo que nenhuma oposição com a mesma lei se observa.

O artigo 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte («A sanção do número anterior é ainda aplicável às pessoas aí referidas [...] que, independentemente desse exercício, pratiquem qualquer contra-ordenação das previstas no artigo 1.º, mas, neste último caso, sem prejuízo da possibilidade de aplicação de coima»), institui sanções igualmente previstas na lei quadro (artigos 17.º e 21.º do Decreto-Lei 433/82), pelo que nenhuma oposição com aquela se verifica.

O artigo 10.º estabelece sanções consentidas pela lei quadro (artigo 21.º do Decreto-Lei 433/82); daí que neste ponto não se registe qualquer confronto.

Os artigos 11.º e 12.º, que regulam a suspensão de execução das sanções, estão conformes com o regime do artigo 88.º do Código Penal de 1886, em vigor para as contravenções e aplicável no direito contra-ordenacional, conformemente à interpretação que parece a mais correcta, em virtude do estatuído no artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82.

Em recopilação, os artigos 2.º, n.º 3, 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, 6.º, n.os 5, 6, 8 e 9, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º, 11.º e 12.º do Decreto-Lei 349-B/83 (parte sobrante em análise) são conciliáveis com o regime geral de punição do ilícito contra-ordenacional, nessa parte suficientemente definido, de maneira que o Governo não ultrapassou aqui a sua competência legislativa, tal como resulta, por interpretação inversa, do artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.

21 - Há que analisar agora as normas do 2.º grupo, que se reduzem às constantes dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 2, 3, 4 e 7, e 7.º, n.º 2, e que da mesma forma respeitam apenas ao regime de punição das contra-ordenações contempladas no Decreto-Lei 349-B/83.

O artigo 2.º, n.º 1, define as sanções aplicáveis às contra-ordenações referidas no artigo 1.º São elas a coima, citada na alínea a), a suspensão ou cassação de autorizações, referidas na alínea b), a inibição mencionada na alínea c) e a interdição discriminada na alínea d) do n.º 1 desse artigo 2.º

Sem embargo da sua diferenciada designação, correspondem as sanções das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 2.º à sanção acessória prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei 433/83 e, apesar de ultrapassarem o limite de duração de 2 anos previsto para essa sanção no n.º 4 do artigo 21.º, certo é que não infringem a lei quadro, porquanto o n.º 3 desse artigo 21.º permite a estipulação por via de lei de sanções diversas das ali esquematizadas.

O n.º 2 do artigo 2.º, nesta óptica, também se coaduna com o artigo 21.º do Decreto-Lei 433/83, que, em particular no seu n.º 3, permite a acumulação da coima com a medida de interdição.

Passam-se agora a analisar os artigos 6.º, n.os 2, 3, 4 e 7, e 7.º, n.º 2. Estes preceitos fixam, para diversos casos, os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis. Não terá sido aqui infringida a lei quadro?

O artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82 aponta em termos meramente indicativos os limites mínimo e máximo das coimas.

Resulta evidente que se trata de indicação de limites no que se refere ao n.º 1 do artigo 17.º, onde expressamente se ressalva a possibilidade de a lei dispor, em casos singulares, em contrário desses limites. Mas logicamente esta ressalva também se aplica ao n.º 3 do artigo 17.º, não só pela sua necessária articulação com o n.º 1, como ainda pelo facto de, a não se considerar assim, existirem então montantes máximos de coimas inultrapassáveis para as pessoas colectivas, mas já não para as pessoas singulares, em regra com menos poder económico, o que seria, pelo menos, irrazoável.

Nesta perspectiva interpretativa, não há infracção do regime geral, nem pelos n.os 2, 3, 4 e 7 do artigo 6.º, nem pelo n.º 2 do artigo 7.º, os quais, em alguns casos, ultrapassam efectivamente os limites indicativos constantes do artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82. No entanto, o facto de nenhum dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 2, 3, 4 e 7, e 7.º, n.º 2, se opor decisivamente à lei quadro, não basta para concluir que tais preceitos não são inconstitucionais. É que o parâmetro de referênca terá de ser sempre, e em última análise, a Constituição. Ora, esta, como já anteriormente se notou, coloca na área da competência legislativa reservada da Assembleia da República a definição do regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação social [artigo 168.º, n.º 1, alínea d)].

O Decreto-Lei 433/82, embora editado pelo Governo no uso da autorização legislativa constante do artigo 2.º da Lei 24/82 («fica igualmente autorizado o Governo a alterar a legislação respeitante às contra-ordenações [...]»), não o foi para execução do preceituado na alínea d) do n.º 1 daquele artigo 168.º: o Decreto-Lei 433/82 precedeu a revisão constitucional, por via da qual foi cometida à Assembleia da República, no novo texto da Constituição, a apontada reserva legislativa.

Por isso mesmo, tal diploma não caracteriza com o rigor exigível certos aspectos do regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação social. Em particular, e como atrás se viu, permite a estipulação de sanções com uma dimensão nele não prevista (artigo 21.º) e sugere apenas os limites mínimo e máximo das coimas (artigo 17.º). Ora, daquele regime geral, por força do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, não pode deixar de constar um quadro rígido das sanções aplicáveis aos ilícitos de mera ordenação social, bem como uma referência, com valor taxativo, aos montantes mínimo e máximo das coimas. A não se entender assim, a competência exclusiva da Assembleia da República, precisamente na zona mais nuclear do regime geral de punição das contra-ordenações, seria praticamente destruída: a simples enumeração, com carácter exemplificativo, das sanções aplicáveis, a mera recomendação de tectos das coimas, deixaria sempre ao Governo a possibilidade de desbordar em qualquer momento aquelas indicações. Não é, pois, lícita leitura diversa da que se fez do artigo 168.º, n.º 1, alínea d).

Como assim, têm os artigos 17.º e 21.º do Decreto-Lei 433/82 de ser interpretados restritamente, têm em suma de ser compaginados com aquela nova área de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República. Logo, o Governo, ao estabelecer sanções e ao fixar coimas em casos particulares, deverá conformar-se com a moldura punitiva ali traçada. Isto é, será obrigada a ter por rígido o módulo sancionatório constante daqueles preceitos.

Feitas estas considerações, já se vê que, por incompetência do Governo nesse domínio, o artigo 2.º, n.os 1 e 2, é inconstitucional, na medida em que a interdição de profissão ou actividade ali prevista ultrapassa os 2 anos, e os n.os 2 e 4 do artigo 6.º são inconstitucionais, no sector em que directamente estabelecem máximos de coima superiores aos máximos numéricos apontados no artigo 17.º do Decreto-Lei 349-B/83. Da mesma forma, e por igual motivo, os n.os 3 e 7 do artigo 6.º e o n.º 2 do artigo 7.º são inconstitucionais, enquanto indirectamente permitem a fixação de máximos de coima acima dos máximos referidos naquele artigo 17.º

São, pois, parcialmente inconstitucionais, por invasão, por parte do Governo, da área de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República, definida no artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, os artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 2, 3, 4 e 7, e 7.º, n.º 2 (parte sobrante em análise).

22 - Passam-se por fim a examinar as normas do 3.º grupo.
O artigo 3.º, n.º 2, interpretado em conexão com o artigo 29.º e o Decreto-Lei 630/76, qualifica como contra-ordenação tentada conduta muito próxima da que antes o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 630/76 punia como crime tentado. Este preceito participa da desgraduação de uma conduta criminosa, em sentido próprio, numa conduta contra-ordenacional. O Governo, na óptica do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), era legislativamente incompetente para assim proceder. Logo, o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 349-B/83 padece de inconstitucionalidade orgânica.

O artigo 8.º, n.º 2, estabelece uma sanção acessória, a liquidação forçada da entidade atingida, não prevista, nem de perto, nem de longe, na lei quadro.

Sendo a definição do regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação social, nos termos antes expostos, da competência exclusiva da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição], é de considerar inconstitucional aquele preceito.

O artigo 9.º, n.º 2, primeira parte («A sanção do número anterior é ainda aplicável às pessoas aí referidas que, por causa do exercício das suas funções, aceitem comissões ou qualquer outra espécie de remuneração dos clientes das mencionadas instituições.»), conjugado com o artigo 29.º, qualifica como contra-ordenações factos que para o direito anterior eram crimes. Na verdade, ao artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei 630/76, não obstante a sua reprodução em boa medida no artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83, foram subtraídos alguns dos tipos-crime aí agrupados e, de seguida, regredidos, precisamente no artigo 9.º, n.º 2, primeira parte, a contra-ordenações.

De tal forma, o Governo neste preceito invadiu a esfera de competência legislativa da Assembleia da República tal como a concretiza o artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da Constituição; daí que o artigo 9.º, n.º 2, primeira parte, sofra de inconstitucionalidade orgânica.

Os artigos 27.º e 28.º definem crimes e penas e, nesse domínio, a competência legislativa pertence à Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea c)]. Nem se diga no que respeita ao artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83 que os tipos penais aí previstos são praticamente repetição dos modelos de crime desenhados no artigo 8.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 630/76. É que existem algumas diferenças, uma delas há pouco assinalada e que se traduziu numa significativa operação descriminalizadora. Ora, neste terreno a competência do Parlamento para definir ou alterar os elementos constitutivos dos crimes ou para descriminalizar crimes é indiscutível. Estão viciados os artigos 27.º e 28.º de inconstitucionalidade orgânica.

V - O problema da inconstitucionalidade material
23 - No requerimento do Primeiro-Ministro refere-se ainda que o artigo 27.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 349-B/83 manda aplicar a certas categorias de pessoas diversas disposições do Código Penal de 1886, já revogado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1983, pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o novo Código Penal. Por isso, inexistindo lei incriminatória e penas anteriores que pudessem ser aplicadas aos respectivos agentes, viola o artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83 o artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição.

Será assim?
Segundo o artigo 29.º, n.os 1 e 3, da lei básica, ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem podem ser aplicadas penas que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.

O Estado não pode, pois, punir conduta que não esteja antes tipificada em lei, nem impor pena que nela não esteja já prevista para a infracção. Paralelamente, cabe ao delinquente o direito de exigir que a sua condenação se funde em lei prévia, definidora da acção ou omissão punível, e que só lhe seja aplicada pena anteriormente assinalada na lei para a infracção. À lei penal, e não só ao julgador, cabe dar, intermediamente, expressão a estes princípios constitucionais.

O artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83 alarga o campo de imputação dos agentes de crimes previstos nos artigos 313.º, 314.º, 317.º, 318.º, 321.º e 322.º do Código Penal de 1886, normas ao tempo já revogadas. Embora tecnicamente criticável este processo, certo é que o legislador não está proibido de voltar a dar eficácia, com maior ou menor amplitude, a regras jurídicas já postas à margem. Foi o que fez o artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83, e para fins limitados, quanto a normas já revogadas do Código Penal de 1886, pelo que aquele artigo 27.º é efectivamente um preceito penal completo que, acentue-se, só passou a vigorar em 30 de Julho de 1983, data da publicação do Decreto-Lei 349-B/83. Como dizer assim que foi desrespeitado o artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição?

De qualquer maneira, ainda que por absurdo se entendesse que o artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83 não podia fazer ressuscitar dispositivos já revogados do Código Penal de 1886, ainda assim se não observaria infracção ao artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição. Seria então, e simplesmente, o artigo 27.º do Decreto-Lei 349-B/83 uma norma inacabada, insusceptível de qualquer aplicação.

Improecde aqui este fundamento de inconstitucionalidade.
24 - Critica ainda o Primeiro-Ministro, numa perspectiva de inconstitucionalidade, o facto de o artigo 28.º do Decreto-Lei 349-B/83 não especificar as penas aplicáveis aos factos criminosos aí previstos. E acrescenta:

Trata-se de manifesta violação de princípio da legalidade das penas, tal qual o consagra o n.º 3 do artigo 29.º da Constituição, ao determinar a impossibilidade de aplicação de penas ou medidas de segurança «que não estejam expressamente cominadas em lei anterior», e ainda, de modo indirecto, do n.º 1 do artigo 30.º da mesma lei fundamental, onde se proíbe a existência de penas privativas ou restritivas de liberdade, com carácter perpétuo «ou de duração ilimitada ou indefinida».

É um facto que o artigo 28.º do Decreto-Lei 349-B/83, no seu n.º 1, e na medida em que dispõe que certas condutas, que descreve, são puníveis com pena não convertível (que não especifica) e com coima, é algo deficiente e obscuro. Que se trata de crimes não pode haver dúvidas: o n.º 2 do artigo 28.º, em confirmação, aliás, do que se diz no preâmbulo do Decreto-Lei 349-B/83, expressamente o afirma.

Mas, sendo assim, resulta inexplicável por que se pretende punir esses factos também com coimas, sanções próprias dos ilícitos de mera ordenação social (artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro). No que toca a esta sanção específica, apesar da sua vagueza, ainda talvez fosse possível delimitar-lhe o mínimo e o máximo respectivos, apelando algo aberrantemente, reconhece-se, para o regime geral das contra-ordenações, principalmente para o artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82.

Esta solução seria, porém, muito discutível.
De qualquer modo, onde a indeterminação não pode ser ultrapassada é no que tange à «pena não convertível». A que pena alude, em primeira linha, o artigo 28.º do Decreto-Lei 349-A/83? E em que outra pena não pode a primeira ser convertida? Estas perguntas não têm resposta.

Apesar de todas estas carências, está-se em crer que o artigo 28.º, na base em que se está a desenvolver o presente exame, não contende com a Constituição. A norma jurídica tem sempre como componentes da sua estrutura lógica uma previsão e uma estatuição. O artigo 28.º do Decreto-Lei 349-B/83, em virtude da sua imprecisa definição das penas - deficiência intransponível, por certo, mesmo no que se refere às coimas -, é uma norma jurídica incompleta em que se descortina apenas a primeira das suas componentes: a previsão. O aplicador de direito, maxime o juiz penal, não poderia praticamente utilizá-la, teria de aguardar que o legislador pusesse termo à sua imperfeição.

E só quando isso acontecesse passaria a aplicá-la, naturalmente apenas quanto a factos ocorridos depois do completamento da norma, e isto em obediência ao disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição.

Há que ler o artigo 28.º do Decreto-Lei 349-B/83 como uma norma inacabada. Nesta leitura restrita, porém, nada aponta para a sua aplicação retroactiva.

Não se descortina assim qualquer violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição.

Também não é infringido o artigo 30.º, n.º 1, da lei fundamental, desde logo porque este preceito proíbe a existência de penas privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, e o artigo 28.º do Decreto-Lei 349-B/83, até pelo seu estilo lacunar e nebuloso, desde logo não aponta para penas desta espécie.

VI - Um problema de inconstitucionalidade no âmbito do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição

25 - O Governo, ao aprovar o Decreto-Lei 349-B/83, estava demitido desde 23 de Dezembro de 1982. A demissão, veiculada no Decreto 136-A/82, resultara da aceitação, pelo Presidente da República, do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro [artigo 198.º, n.º 1, alínea b), da Constituição].

Poderia o Governo aprovar então tal diploma? Ou, mais concretamente, poderia aprovar as normas constantes dos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83, preceitos a que por razões de utilidade se limitou a análise do diploma em perspectiva de inconstitucionalidade?

O artigo 189.º, n.º 5, da lei fundamental, texto de 1982, determina que após a sua demissão o Governo terá de limitar-se à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos. Na sua redacção primitiva a Constituição não continha preceito paralelo. Apenas no seu artigo 189.º, n.º 4, dispunha que em caso de demissão os membros do governo cessante permaneceriam em funções até à posse do novo governo.

No entanto, já a doutrina vinha entendendo que o seu estatuto tinha de ser um estatuto especial. «O governo demitido que se mantém transitoriamente em funções - escreviam então Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 370 - está sujeito a verdadeiros limites jurídicos implícitos quanto à sua competência. Os membros do governo demitido devem limitar-se a despachar os negócios correntes e a praticar actos de administração ordinária [...] Os actos praticados pelo governo que excedam o âmbito dos negócios correntes podem ser impugnados jurisdicionalmente por inconstitucionalidade ou ilegalidade (excesso de poder), conforme os casos.»

Na Assembleia da República, no decurso dos trabalhos de revisão da Constituição, de imediato se verificou consenso, nesta matéria, sobre um ponto: o governo demitido teria de manter-se em funções, mas com restrições quanto ao seu funcionamento. O que se discutiu largamente foi antes o modo de estabelecer fronteiras à sua acção.

Assim, a FRS propunha que o governo demitido se limitasse «à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos», o PCP, que lhe fosse lícito apenas «tratar dos assuntos correntes, não podendo, designadamente, proceder a qualquer acto de inovação política», e o MDP/CDE, que se limitasse «à prática de actos correntes de administração» [Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2.ª sessão legislativa, 2.ª série, 2.º suplemento ao n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p.852-(51)]. A proposta de alteração que veio a ter vencimento, apesar das dúvidas suscitadas durante a discussão - quer ao nível da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional quer ao nível do Plenário da Assembleia da República - sobre o seu exacto alcance, foi a da FRS.

De qualquer modo, com a sua adopção ficou claro que o governo demitido não está limitado em função da natureza, da forma ou do conteúdo dos actos (pode, efectivamente, praticar quaisquer actos nos domínios político, legislativo e administrativo, excepto aqueles que por essência sejam incompatíveis com a situação institucionalmente patológica, sob a qual desenvolve a sua acção: por exemplo, não poderá solicitar à Assembleia da República a aprovação de um voto de confiança nos termos do artigo 196.º da Constituição).

26 - A redução da competência do governo demitido através da cláusula geral inserta no n.º 5 do artigo 189.º da Constituição permite-lhe a prática de todos aqueles actos, mas só desde que estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos. Tal governo tem, assim, «uma competência que está diminuída e enfraquecida em relação a um governo em circunstâncias normais, o que não obsta a que, evidentemente, se houver circunstâncias excepcionais e graves emergências nacionais, o Governo, por estar nestas circunstâncias, não tenha que assumir a plenitude das suas competências normais» (deputado Luís Beiroco, Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.º 123, de 21 de Julho de 1982, p. 5140).

Conservará talvez, em termos potenciais, a competência genérica de um governo normal. Simplesmente, qualquer acto, dos mais simples aos mais complexos, terá de ser orientado por um vector de estrita necessidade.

Mas qual a dimensão exacta do conceito da estrita necessidade?
Para o deputado Costa Andrade, a componente dominante do conceito seria a da inadiabilidade: a acção governativa teria de exercer-se num só campo, o campo da inadiabilidade; para o deputado Jorge Miranda, já a componente prevalecente seria a da proporcionalidade, implicitamente consagrada no n.º 5 do artigo 189.º da Constituição [Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2.ª sessão legislativa, n.os 123, 1.ª série, de 21 de Julho de 1982, p. 5140, e 39 (2.º suplemento), 2.ª série, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852-(61)].

Quer uma quer outra dessas visualizações têm algo de correcto. A sua síntese permitirá, aliás, uma melhor compreensão do conceito em análise. Daqui arrancando, poder-se-á sinopticamente afirmar que o pressuposto de actuação de um governo demitido, explicitado no n.º 5 do artigo 189.º, comporta uma dupla referência:

Uma, de ordem temporal: perante certa situação dos negócios públicos, o Governo terá naquela altura de dar um acto de resposta (inadiabilidade);

Outra, de ordem material: o acto de resposta terá de estar em relação directa com a situação a resolver (proporcionalidade).

Feita esta breve análise do n.º 5 do artigo 189.º da Constituição, cabe ver agora se o Governo, ao aprovar o Decreto-Lei 349-B/83, respeitou aquele pressuposto da sua actuação. Este diploma legal, como já se viu, teve fundamentalmente por escopo a sistematização e a actualização da matéria referente a infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial e as respectivas sanções, dispersa por vários diplomas publicados nos últimos 21 anos.

Ora, não se observa qualquer particular sucesso, em termos de vida pública, que, naquele tempo, exigisse uma resposta legislativa deste tipo. O Governo, já demitido, agiu assim para fora do quadro traçado pelo n.º 5 do artigo 189.º, ultrapassou os seus poderes e emitiu, por isso, um decreto-lei cujas normas, designadamente as constantes dos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º, são claramente inconstitucionais.

Atingido este ponto, é de notar o seguinte. Na análise destes preceitos, antes feita sob perspectivas constitucionais diversas da que se acaba de trilhar, chegara-se à conclusão de que os artigos 3.º, n.º 2, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º do Decreto-Lei 349-B/83 eram totalmente contrários à lei fundamental e de que os artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, n.º 1, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º a 12.º e 29.º só o eram parcialmente.

Agora, porém, acaba de se ver que, na óptica do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição, todos estes preceitos, e em bloco, ofendem a lei básica.

Por conseguinte, a declaração de inconstitucionalidade relativa àqueles preceitos terá de ser omnicompreensiva, e não restrita a qualquer sector deles.

VII - Últimas considerações
27 - A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83, com força obrigatória geral, como já precedentemente se referiu, envolverá, nos quadros do artigo 281.º, n.º 1, da Constituição, a repristinação das normas da legislação revogada por aquele diploma legal definidoras de crimes e de transgressões.

Essa repristinação importará, designadamente, que os autores de factos sancionados pela mesma legislação revogada e praticados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 349-B/83 voltem a ser perseguidos criminalmente depois da declaração de inconstitucionalidade.

No entanto, por razões de segurança jurídica, dentro do espírito do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, e na linha do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da lei fundamental, essa repristinação não poderá ter efeitos absolutos, não poderá valer, em especial para aqueles que hajam praticado os factos previstos na legislação revogada dentro do período de vazio legislativo balizado pelos Decretos-Leis n.os 356-A/83 e 396/83, e que decorreu entre 3 de Setembro e 2 de Novembro de 1983.

Algo semelhante a esta é a situação daqueles que tenham praticado qualquer uma das contra-ordenações ou qualquer um dos crimes previstos no Decreto-Lei 349-B/83 durante o período da sua vigência (de 30 de Julho a 2 de Setembro de 1983) e que, por via da mencionada declaração de inconstitucionalidade e da repristinação de normas que lhe anda ligada, estariam sujeitos, não havendo restrição de efeitos, a serem mais gravemente sancionados, à luz de preceitos anteriores, pelas condutas então cometidas.

Na moldura dos artigos 29.º, n.os 1 e 3, e 282.º, n.º 4, da Constituição, também aqui se imporá uma contenção do efeito repristinatório daquela declaração.

VIII - Decisão
28 - Pelos motivos expostos, o Tribunal Constitucional:
Não conhece, por inútil, da constitucionalidade dos artigos 7.º, n.os 3 e 4, 13.º a 26.º e 30.º do Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho;

Declara com força obrigatória geral:
a) Por violação dos artigos 168.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 189.º, n.º 5, da Constituição, a inconstitucionalidade dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 2, 3 e 4, e 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 349-B/83; e

b) Por violação dos artigos 168.º, n.º 1, alínea c), e 189.º, n.º 5, da Constituição, a inconstitucionalidade dos artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º a 5.º, 6.º, n.os 1, 5, 6, 8 e 9, 7.º, n.º 1, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º do Decreto-Lei 349-B/83.

Limita os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, no que respeita à repristinação das normas revogadas pelo Decreto-Lei 349-B/83, em termos de impedir que os autores de factos previstos nos diplomas legais revogados pelo Decreto-Lei 349-B/83, e que os hajam praticado entre 3 de Setembro e 2 de Novembro de 1983, possam ser por eles perseguidos; e em termos ainda de impedir que os autores de factos previstos no Decreto-Lei 349-B/83, e que os hajam praticado entre 30 de Julho e 2 de Setembro de 1983, possam ser mais gravemente punidos na moldura da legislação revogada por aquele diploma legal.

Lisboa, 12 de Junho de 1984. - Raul Mateus (relator) (vencido parcialmente, conforme declaração de voto anexa) - José Martins da Fonseca - Vital Moreira - José Magalhães Godinho - Jorge Campinos - Mário Afonso - Luís Nunes Almeida - Mário de Brito (com declaração de voto, que junto) - Messias Bento (vencido em parte, nos termos da declaração de voto, que junto) - Antero Alves Monteiro Dinis (vencido em parte, conforme declaração de voto, que junto) - Joaquim Costa Aroso (vencido em parte, pelos mesmos fundamentos da declaração de voto do colega Messias Bento) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto à questão do interesse do conhecimento do pedido, nos termos de declaração anexa) - Armando Manuel Marques Guedes (vencido no essencial, no sentido da declaração de voto do Sr. Conselheiro Messias Bento).

Está conforme.
Lisboa, 15 de Junho de 1984. - O Escrivão de Direito, (Assinatura ilegível.)

Declaração de voto
1 - «O pressuposto de actuação de um governo demitido, explicitado no n.º 5 do artigo 189.º, comporta uma dupla referência:

Uma, de ordem temporal: perante certa situação dos negócios públicos, o Governo terá naquela altura de dar um acto de resposta (inadiabilidade);

Outra, de ordem material: o acto de resposta terá de estar em relação directa com a situação a resolver (proporcionalidade).»

Assim se decompôs explicativamente no acórdão o conceito de estrita necessidade. Com essa análise se assentiu. Mas já não se considerou aceitável que, in casu, o Tribunal Constitucional tivesse dado por preenchido o conceito.

2 - O Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho, é altamente complexo.
Por razões de utilidade, a análise do diploma, de um ângulo de inconstitucionalidade, restringiu-se aos artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º Face à crítica a que foi submetido este grupo de normas, em certo trecho do acórdão concluiu-se - e a tal conclusão se aderiu - que eram totalmente contrários à lei fundamental os artigos 3.º, n.º 2, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, primeira parte, 27.º e 28.º, e que só parcialmente o eram os artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, n.º 1, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º a 12.º e 29.º, inconstitucionalidades que advinham do facto de o Governo haver invadido o domínio da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alíneas c) e d)].

Por conseguinte, teve-se por ilógica a averiguação subsequentemente feita no aresto e tendente a demonstrar que o Governo na situação de demitido, ao dispor sobre aquele mesmo sector normativo, ultrapassou os poderes demarcados no artigo 189.º, n.º 5, da Constituição. É que este preceito se limita a comprimir a acção de um governo cessante, condicionando-a, por referência à acção de um governo normal.

Daqui que não tenha sentido afirmar-se que, usurpando a competência legislativa exclusiva da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Constituição], o Executivo, então já destituído, violou necessariamente, quanto ao identificado sector normativo, o artigo 189.º, n.º 5.

Verdadeiramente este preceito só tem de ser chamado à colação quando o governo demitido actua dentro da esfera de competência própria do Executivo.

Então sim, e quanto a esta área de competência, é que há que apurar, caso a caso, se se verifica o pressuposto da estrita necessidade.

Nesta linha de argumentação sustentou-se que o Tribunal Constitucional só tinha de investigar afinal a inconstitucionalidade, do ponto de vista do artigo 189.º, n.º 5, da lei básica, do segmento restante, ainda não considerado inconstitucional, dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º, n.º 1, 9.º, n.os 1 e 2, segunda parte, 10.º a 12.º e 29.º do Decreto-Lei 349-B/83, isto é, do segmento que, pelo seu conteúdo, não infringia o artigo 168.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Constituição.

O arco sobrante destes dispositivos respeita apenas à desgraduação de contravenções dos domínios monetário, financeiro e cambial, puníveis com pena de multa, em ilícitos de mera ordenação social e a certos aspectos do regime de punição destes mesmos ilícitos. Um governo normal era competente para abordar legislativamente esses temas.

Todavia, o governo demitido que editou o Decreto-Lei 349-B/83 poderia, no âmbito do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição, pôr em lei tais matérias? A situação dos negócios públicos nos sectores monetário, financeiro e cambial exigia resposta imediata? Impunha que a resposta fosse dada nesses termos?

3 - Na Assembleia da República, no seio da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o deputado Armando Lopes chegou a colocar, a propósito dos poderes de um governo cessante, a interrogação:

Gostaria de perguntar se não se poderia acrescentar a este n.º 5 (do artigo 189.º) a necessidade de o Governo justificar os actos que prática, ou seja, dar, pelo menos, uma explicação à opinião e à classe política de que os actos são, realmente, dos tais estritamente necessários. Portanto, daria uma justificação do próprio acto que praticava, para que ele surgisse como sendo um acto estritamente necessário. [Diário da Assembleia da República, 2.ª série, 2.º suplemento ao n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852-(62).]

No entanto, esta imposição, assim sugerida em termos genéricos para toda a espécie de actos, não veio a ser incluída no novo texto da Constituição, a qual não obriga o governo destituído a justificar expressamente, por um prisma de estrita necessidade, cada acto que pratique, excepto no que se refere aos actos administrativos de eficácia externa que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos: estes actos, por força do artigo 268.º, n.º 2, da lei básica, têm sempre de ser fundamentados, qualquer que seja o governo que os pratique.

Sendo assim, um governo desse género não tem de explicar oficialmente como actos de estrita necessidade, os actos legislativos que leve a cabo, embora haja de agir fatalmente movido por esse critério.

4 - O condicionalismo traçado no artigo 189.º, n.º 5, da Constituição, que não tem de ser expressamente invocado, comporta uma certa margem de subjectividade, quer na definição das situações susceptíveis de estimular a acção de um governo demitido, quer na determinação do conteúdo das respostas.

O critério objectivo foi, pois, repudiado, ora no que respeita à caracterização das situações (não há elencação: grave ameaça à independência nacional, à integridade do território ou ao funcionamento das instituições públicas, estado de guerra, insurreição interna, calamidade nacional, crise económica, etc.), ora no que respeita à determinação das providências adequadas (actos políticos, actos legislativos, actos administrativos ou com outras dimensões temáticas).

Não se pode negar, deste modo, que um governo demitido dispõe de uma certa liberdade de conformação nos quadros do artigo 189.º, n.º 5, quer a atender aos sucessos da vida pública, quer a considerar as modificações a introduzir aos níveis político, legislativo ou administrativo.

Sendo as coisas assim, tem o Tribunal Constitucional de usar da maior contenção sempre que lhe caiba ajuizar da constitucionalidade de um acto legislativo assumido na moldura do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição.

Precisamente porque o Governo, mesmo dentro do esquema deste preceito, pode legitimamente fazer escolhas, seja quando reflexiona sobre a urgência de um dado estado social, seja quando reflexiona sobre a medida adequada ao caso, o Tribunal Constitucional só pode intervir pela negativa, isto é, para censurar como inconstitucional qualquer medida legislativa tomada, quando patentemente não se tenha verificado circunstância justificativa da imediata intervenção governamental ou quando ainda a medida adoptada seja, a toda a evidência, desproporcionada à situação que visa resolver.

Em suma, o juízo do Tribunal Constitucional tem de alicerçar-se numa sólida base objectiva: o desbordamento da moldura do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição tem de ser incontestável.

Ora, isto não sucede no que se refere à parte do Decreto-Lei 349-B/83, que se relaciona com a conversão de certas transgressões em contra-ordenações e com alguns dados do seu regime de punição, único sector deste diploma legal a submeter, pelas razões já atrás assinaladas, a juízo de inconstitucionalidade, na óptica do artigo 189.º, n.º 5.

5 - Pelo Decreto 136-A/82, de 23 de Dezembro, o Presidente da República, ao abrigo do disposto no artigo 198.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, demite o VIII Governo Constitucional, por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro.

Abre-se então uma grave crise política, cuja história se não vai fazer. Alguns sucessos, decisivos no seu desenvolvimento, importa, porém, destacar.

Em 23 de Janeiro de 1983, em comunicação através da rádio e da televisão, o Presidente da República informa o País de que decidiu dissolver a Assembleia da República, dissolução a ser decretada logo que o Governo e o Parlamento tenham dotado o País das medidas que considerem indispensáveis para a resolução de questões urgentes que possam vir a surgir neste período.

Após esta comunicação, os meios políticos agitam-se com vista à rápida definição das medidas urgentes nela sugeridas. Em 27 de Janeiro, o Primeiro-Ministro entrega na Presidência da República a lista das medidas urgentes aprovadas em Conselho de Ministros para serem tomadas antes da eleição da nova Assembleia da República. Sobre o tema, o Ministro para os Assuntos Parlamentares dialoga, em 31 de Janeiro, com os líderes parlamentares, chegando um deputado a propor que, no caso de persistir o atraso governamental na apresentação das medidas urgentes, fosse o Parlamento a tomar as decisões necessárias que possibilitassem a actuação de um governo de gestão. Finalmente, em 2 de Fevereiro, o Conselho de Ministros, como medida da maior urgência, que iria abrir o passo a outras, sanciona o projecto de proposta de lei destinado a assegurar a gestão orçamental do Estado e, bem assim, a gestão, em quadro global, da respectiva política económica-financeira, proposta que, no Parlamento, é aprovada, na generalidade, em 3 de Fevereiro, e, na especialidade, em 4 de Fevereiro, dia em que o Presidente da República, considerando satisfeita a condição exposta na sua comunicação ao País de 23 de Janeiro, dissolve a Assembleia da República pelo Decreto 2/83, fixando o dia 25 de Abril para a eleição dos deputados à Assembleia da República.

Nesta breve resenha, um elemento sobressai: a Lei 2/83, de 18 de Fevereiro, resultante da aprovação pela Assembleia da República daquela proposta governamental, consubstanciou em si o corpo de medidas urgentes a levar a cabo pelo VIII Governo, na situação institucionalmente crítica que o País atravessava, e generalizadamente tidas por necessárias.

De facto, o próprio Presidente da República, definindo, na comunicação ao País de 23 de Janeiro de 1983, a estratégia de resolução da crise, delineara o seguinte cenário:

1.º Aprovação pela Assembleia da República de tais medidas;
2.º Dissolução do Parlamento;
3.º Eleição de nova Assembleia da República.
Esta estratégia acabou por ser implicitamente aceite, num acordo institucional cruzado, pelo Governo e pela Assembleia da República.

6 - Exactamente o artigo 49.º da Lei 2/83 - que habilitava o Governo demitido com um vasto leque de instrumentos legais, tidos por indispensáveis à gestão dos negócios públicos, no campo económico-financeiro, até à posse do IX Governo Constitucional - dispunha:

Fica o Governo autorizado a legislar em matéria relativa a contravenções nos domínios monetário, financeiro e cambial e respectivas sanções.

Este preceito já foi apreciado no acórdão, à luz do preceituado no artigo 201.º, n.º 3, da Constituição. A perspectiva agora é outra: visa acentuar apenas que a medida referida naquele artigo 49.º foi concebida pelo VIII Governo e aprovada pela Assembleia da República dentro do referido quadro geral de urgência.

Ora, a parte do Decreto-Lei 349-B/83 que haveria que aferir pela óptica do artigo 189.º, n.º 5, da Constituição (conversão de certas contravenções em contra-ordenações e sancionamento destes ilícitos) resultou, em última linha, do desenvolvimento, embora modulado, da matéria referida no artigo 49.º da Lei 2/83. Logo, também as providências constantes desse sector do Decreto-Lei 349-B/83 se situam na mesma linha de urgência e necessidade que caracterizou aquela lei orçamental.

7 - Neste quadro, não é de modo nenhum manifesta a ausência do pressuposto da estrita necessidade.

Antes, pelo contrário, existe uma séria presunção de que o Governo observou tal índice, quer na sua componente temporal (a perturbação institucional que atormentava o País exigia então uma resposta em cadeia, que veio a ser consubstanciada na Lei 2/83 e diplomas complementares), quer na sua componente material (a Assembleia da República controlou o real alcance da proposta orçamental do Governo e aprovou-a).

Votei, pois, contra a declaração de inconstitucionalidade, por referência ao artigo 189.º, n.º 5, da Constituição, do citado sector normativo do Decreto-Lei 349-B/83, sector que dispõe sobre a transformação de certas transgressões em ilícitos de mera ordenação social e correlativo sancionamento.

Raul Mateus.

Declaração de voto
Em meu entender, bastaria apreciar a constitucionalidade do Decreto-Lei 349-B/83 - ou, mais precisamente, dos seus artigos 1.º a 6.º, 7.º, n.os 1 e 2, 8.º a 12.º e 27.º a 29.º (pelas razões invocadas nos n.os 5 a 9, inclusive, o acórdão) - à luz do n.º 5 do artigo 189.º da Constituição: parece-me inútil declarar a inconstitucionalidade de algumas das normas de um diploma legal, por violação de um preceito, quando todo o diploma é inconstitucional, por violação de outro preceito.

Mário Brito.

Declaração de voto
1 - Do meu ponto de vista, não se justifica a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho, que foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro.

Com efeito, tal declaração, no caso, só se justificaria se fosse necessária para afastar a aplicação daquele Decreto-Lei 349-B/83 a factos delituosos por si cobertos.

Tal, porém, não acontece.
É que o Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro, veio revogar aquele Decreto-Lei 349-B/83, sem que, em sua substituição, tivesse editado qualquer outra disciplina incriminadora. E, sendo assim, os factos que, até então, eram puníveis, seja à luz daquele Decreto-Lei 349-B/83, seja à da legislação que este veio revogar, deixaram, pura e simplesmente, de o ser.

Ora, quando isso acontece, as infracções anteriormente cometidas deixam de ser punidas e, se já o tinham sido, cessa de imediato a pena que houvesse sido aplicado e, bem assim, os respectivos efeitos penais.

É isso que o artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal preceitua:
O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número de infracções; neste caso e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a respectiva execução e os seus efeitos penais.

Trata-se de traduzir, ao nível da lei ordinária, o princípio constitucional da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo do mais favorável ao arguido, consagrado no artigo 29.º, n.º 4, da lei fundamental (veja também artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal).

Bem se compreende, de resto, que assim seja, pois o legislador, quando vem eliminar incriminações, toma em consideração todos os aspectos de carácter social e jurídico e só se decide pela supressão quando se convence de que os factos até então por si considerados delituosos deixaram de ser lesivos de bens jurídicos comunitários - ao menos em termos de não justificarem já a intervenção do aparelho estadual sancionador. Seria, por isso, injusto e inútil ir punir, agora, factos que, depois desta nova ponderação das coisas, deixaram de ser ilícitos, só porque antes o eram: injusto, porque não haveria já razões que, substancialmente, justificassem a punição, e inútil, porque nenhuma necessidade de prevenção se fazia já sentir (veja sobre isto: Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Coimbra, 1963, p. 154, e Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1983, p. 116).

Por conseguinte, o citado Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho - no caso de não ser declarado inconstitucional -, não pode nunca ser aplicado a quaisquer factos delituosos por si cobertos e ainda não julgados. A lex mitior é, aqui, o Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro, que eliminou a incriminação.

É que, quando se trata de saber qual é a lei mais favorável, «a escolha há-de fazer-se entre todas as leis que vigoraram desde o momento da perpetração do facto até ao momento do seu julgamento. Deste modo, se após a prática do facto criminoso entrar em vigor uma outra lei mais favorável, embora esteja já revogada no momento do julgamento, será, contudo, essa a lei aplicável» - escreve Cavaleiro de Ferreira (ob. cit., p. 119).

Já antes da Constituição de 1976 Eduardo Correia entendia que havia que entrar em linha de conta com as chamadas leis intermédias, para o efeito apontado (ob. cit., p. 158, nota). (Veja também, em idêntico sentido: Cuello Calón, Derecho Penal, I, Barcelona, 1960, p. 209, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. I, t. I, Rio de Janeiro, 1958, p. 128, Manzini, Trattado di Diritto Penale Italiano, I, Utet, 1981, p. 400, e H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, I, trad. espanhola, Barcelona, 1981, p. 188.)

É, aliás, uma disciplina que bem se compreende, pois - como escreve Nelson Hungria (ob. cit. e loc. cit.) - «o réu já adquiriu o direito ao favor da lei intermédia» (sublinhei).

Se não se aplicasse a lei penal mais favorável, era o arguido quem iria pagar os custos de eventuais ineficiências do aparelho judiciário, pois - como adverte Eduardo Correia (ob. cit. e loc. cit.) - «o delinquente só não teria sido punido com a pena da lei anterior porque a actuação da aparelhagem judicial não se teria operado rapidamente. Poderiam até os juízes demorar os processos à espera de uma lei nova que punisse mais severamente o facto».

Tudo isto, que se impõe no caso de sucessão de diferentes regimes jurídico-penais de diferente severidade, ganha redobrada força quando o regime intermédio é, até - como no caso acontece -, de «despenalização».

Recorda G. Bettiol (Instituições de Direito e Processo Penal, Coimbra, 1974, p. 102) que o princípio da não retroactividade da lei penal «não se estende às normas que determinam a extinção de determinado crime, que têm sempre efeito retroactivo».

2 - Não se objecte a isto dizendo que o legislador, ao editar o Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro, não quis eliminar incriminações, sim e tão-só revogar o Decreto-Lei 349-B/83 - coisa que bem se evidência no facto de, passado pouco tempo, ter vindo repor em vigor a legislação que este Decreto-Lei 349-B/83 havia revogado (veja o Decreto-Lei 396/83, de 29 de Outubro).

A objecção não colhe, uma vez que o que importa não é propriamente o que o legislador terá, presumivelmente, querido fazer, sim e tão-só o que ele fez. E isto é sobremaneira importante quando está em causa, como aqui acontece, uma garantia do indivíduo contra a máquina repressiva do Estado.

3 - Dir-se-á, porém: a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado (artigo 282.º, n.º 1, da Constituição).

Por isso, declarando-se inconstitucional o citado Decreto-Lei 349-B/83, voltarão a ser considerados puníveis os factos que haviam deixado de o ser com a revogação operada pelo Decreto-Lei 356-A/83, e bem assim os que nunca tinham chegado a sê-lo, porque praticados no período de vazio legislativo que vai dessa revogação até à entrada em vigor do Decreto-Lei 396/83, de 29 de Outubro. E, aqui, estaria um efeito útil para a declaração de inconstitucionalidade.

Nesta perspectiva, pois, o interesse na declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 349-B/83 radica, não já na necessidade de afastar a sua aplicação a factos delituosos ainda não julgados com trânsito, mas sim na necessidade de colmatar um vazio criado pelo legislador num domínio onde continua a fazer-se sentir a necessidade de intervenção do direito penal.

Há-de convir-se que esse não é um fim que se inscreva nos que a Constituição assinala à fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis.

Mas, a isto acresce que aquele resultado não poderá, sequer, alcançar-se.
4 - De facto - ao menos em matéria penal incriminadora -, nada, no texto constitucional, impõe que a repristinação, que a declaração de inconstitucionalidade implica, se faça ex tunc. Essa não é uma consequência necessária a extrair da circunstância de os efeitos da declaração se retrotraírem ao momento da entrada em vigor da norma assim eliminada do ordenamento jurídico. A repristinação pode perfeitamente dever operar-se ex nunc.

É que, no domínio penal, o princípio da legalidade - nullum crimen sine lege proevia -, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, ao dispor que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão [...]» (veja também o artigo 1.º do Código Penal), impõe que a norma penal incriminadora tenha sido editada antes de o facto ter sido cometido e se ache em vigor nesse momento: a norma penal, para além de não poder ser retroactiva, também não pode ser ultra-activa.

Excepção a estes princípios - e à parte o caso das leis temporárias ou de emergência, que, aqui, não são consideradas (veja o artigo 2.º, n.º 3, do Código Penal) - fazem-no apenas as leis penais favoráveis, que - como se disse já - se aplicam retroactivamente: irretroactividade «in pejus» e retroactividade «in melius».

Ora, uma lei repristinada não é, naquele sentido, uma lei anterior aos factos que, cometidos, embora, depois de ela ter sido editada, o foram anteriormente a ela haver sido de novo posta a vigorar, ou seja, durante o tempo em que esteve revogada pelo Decreto-Lei 349-A/83.

Por isso, se a repristinação tivesse a virtualidade de tornar puníveis factos que haviam deixado de o ser ou que nem nunca, sequer, o tinham sido, o que, então, haveria era uma aplicação retroactiva de normas penais incriminadoras - coisa que é constitucionalmente proibida pelo artigo 29.º, n.º 1.

Depois - e mesmo relativamente aos factos cometidos durante o tempo em que a legislação repristinada se encontrava em vigor (no caso, anteriormente à publicação do Decreto-Lei 349-B/83) -, sempre essa legislação teria de concorrer com o diploma que eliminou as incriminações - o Decreto-Lei 356-A/83 - e este, sendo lex mitior e, ainda por cima, sem vir arguido de qualquer vício de inconstitucionalidade, sempre acabaria por levar vantagem e ser ele a impor-se como normação aplicável (artigo 29.º, n.º 4, da Constituição e artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal).

6 - Objectar-se-á, contudo, que as regras do artigo 29.º da Constituição só se impõem quando se sucedem, no tempo, várias leis válidas, e não quando uma delas seja inconstitucional, pois o artigo 282.º, n.º 3, dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade só ressalva os casos julgados, embora permita que este Tribunal, nalguns casos, restrinja esses efeitos (n.º 4 do artigo 282.º). E, assim - acrescentar-se-á -, não se acharia ressalvada a aplicação de normas repristinadas a factos cometidos anteriormente à data da repristinação, designadamente aos que foram praticados no domínio da vigência da legislação reposta a vigorar.

Sem razão, em meu entender.
É que - começando por relembrar que o Decreto-Lei 356-A/83, que contém o regime mais favorável, não é arguido de inconstitucionalidade -, creio que a possibilidade - aberta pelo artigo 282.º, n.º 3 - de, inclusive, nalguns casos, desrespeitar os casos julgados, só pode ter o sentido de que a declaração de inconstitucionalidade nunca poderá agravar o estatuto do réu, embora possa vir a favorecê-lo.

É, mais uma vez, o princípio «favor rei», consagrado no artigo 29.º, n.º 4.
Depois, o princípio da legalidade, designadamente na dimensão de proibição da retroactividade «in pejus», tem uma função de garantia: impõe uma limitação ao ius puniendi do Estado. E não é porque uma lei - que veio substituir um regime jurídico-penal por outro - é julgada inconstitucional que se justifica a queda de uma tal garantia.

O princípio da unidade da Constituição impõe que se não interprete o artigo 282.º em termos de se inutilizarem garantias fundamentais como as do artigo 29.º De contrário, seriam os cidadãos a pagar os erros, as inadvertências ou os abusos da função legislativa: deixariam de ser sujeitos de direitos para passarem à condição de súbditos.

F. Antolisei (Manuale di Diritto Penale, parte generale, Milão, 1982, p. 95), à pergunta sobre se a anulação da lei inconstitucional se resolve pela aplicação in toto da lei precedente, ainda que menos favorável ao réu, responde negativamente, acrescentando que, apesar de inválida, a lei inconstitucional deve aplicar-se sempre que for mais favorável, por ser esse o resultado de uma «interpretação teleológica e sistemática, empenhada em harmonizar o ditame do artigo 136.º com o do artigo 25.º da Constituição».

7 - A finalizar, diremos que o interesse na declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 349-B/83 também se não pode buscar numa eventual aplicação do artigo 282.º, n.º 3, aos factos que, sendo delituosos no domínio daquele diploma, se achem julgados com trânsito.

De facto, o regime mais favorável que, para lhes poder ser aplicado, justificaria, nos termos do dito n.º 3 do artigo 282.º, o desrespeito do caso julgado, sempre seria o do Decreto-Lei 356-A/83 (diploma despenalizador).

Ora, não seria aquela declaração de inconstitucionalidade que iria abrir a possibilidade de aplicar esse regime de maior favor. Tal possibilidade abriu-se logo com a despenalização, por força do que se preceitua na parte final do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, atrás transcrito, como já se viu.

Em meu parecer, pois, não deveria conhecer-se do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do Decreto-Lei 349-B/83, de 30 de Julho.

8 - Fez, no entanto, vencimento a tese oposta. A maioria sentiu, porém, necessidade de, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por forma a impedir que a legislação repristinada se vá aplicar aos factos delituosos cometidos entre 3 de Setembro e 2 de Novembro de 1983, e também de modo a evitar que os autores de factos previstos pelo Decreto-Lei 349-B/83 e praticados entre 30 de Julho e 2 de Setembro de 1983 «possam ser mais gravemente punidos na moldura da legislação revogada por aquele diploma».

E isso porque entendeu que a repristinação opera, aqui, ex tunc.
Ora - já atrás o dissemos -, não podendo o artigo 282.º ser interpretado em termos de inutilizar as garantias do artigo 29.º, a repristinação de leis penais não poderá nunca fazer-se por forma a tornar puníveis factos que deixaram, entretanto, de ser considerados delituosos por ter sobrevindo legislação despenalizadora, ou que, havendo sido praticados depois da edição desta legislação, o não chegaram sequer a ser. Tal como não pode interpretar-se de modo a conduzir à aplicação de um regime jurídico-penal menos favorável.

Por conseguinte - e do meu ponto de vista -, a repristinação haverá de operar ex nunc. E, por tal razão, os factos delituosos que hajam sido cometidos e que ainda não tenham sido julgados com trânsito ficam, todos eles, cobertos pelo Decreto-Lei 356-A/83, de 2 de Setembro, enquanto legislação despenalizadora.

Por isso não subscrevo o acórdão no que toca à questão da repristinação e da limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Lisboa, 12 de Junho de 1984. - Messias Bento.

Declaração de voto
1 - Antes da apreciação do seu programa, ou após a sua demissão, por imperativo do disposto no n.º 5 do artigo 189.º da Constituição, o Governo tem de limitar-se à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos.

Este preceito, inexistente na versão originária do texto constitucional, veio, de forma explícita, condicionar o exercício da competência por parte de governos demitidos ou sem programa aprovado. Foi esse condicionamento concretizado pelo recurso a um conceito vago e relativamente indefinido, qual seja o da estrita necessidade dos actos praticados.

Em princípio, só os actos inadiáveis, sejam ou não de grande importância, sejam ou não de gestão corrente, assumam forma legislativa, regulamentar ou de acto administrativo, podem ser praticados (cf. Constituição da República Portuguesa, António Nadais, António Vitorino, Vitalino Canas, p. 220).

Mas sendo assim, qual o sentido preciso de acto estritamente necessário ou acto inadiável?

Tem-se por muito difícil estabelecer a propósito deste tema uma teoria geral susceptível de aplicação segura e reiterada a todas as situações que possam apresentar-se ou configurar-se.

Desde logo porque, mercê dos condicionalismos especiais que em cada momento histórico enquadram a acção governativa, o que hoje se tem por estritamente necessário pode amanhã, na ausência ou na modificação daquela moldura circunstancial, perder, manifestamente, o anterior grau de premência e necessidade.

Por outro lado, a avaliação do que seja um acto estritamente necessário deve socorrer-se não só dos elementos atinentes ao próprio acto (natureza, conteúdo, dimensão) mas também de outros que lhe sejam exteriores, embora com ele mantenham relação mediata ou imediata. Poder-se-á falar de factores endógenos e exógenos.

Assim sendo, a averiguação por parte deste Tribunal da eventual violação do n.º 5 do artigo 189.º da Constituição pressupõe um seguro e objectivo conhecimento da situação concreta e do quadro conjuntural em que o Governo praticou o acto posto em crise, envolvendo a prévia fixação de uma certa materialidade factual, submetida depois a um juízo normativo edificado sobre o critério enunciado naquele preceito.

2 - Ao aprovar o Decreto-Lei 349-B/83, o Governo visou primacialmente sistematizar e actualizar a matéria referente a infracções nos domínios monetário, financeiro e cambial e às respectivas sanções.

Ora, escreveu-se no acórdão não se observar «qualquer particular sucesso, em termos de vida pública, que, naquele tempo, exigisse uma resposta legislativa deste tipo».

Simplesmente, sempre se poderá dizer que a não observação desse particular sucesso tanto pode dever-se à sua efectiva inexistência como à defeituosa ou insuficiente possibilidade de captação do evento por parte do observador.

É manifesto que no domínio do conhecimento dos negócios públicos, do tempo e forma mais adequados à sua resolução o Governo ocupa uma posição especialmente privilegiada.

Todavia, manifesto é também que este Tribunal tem competência para sindicar o eventual afrontamento da norma controvertida, mesmo que o seu conhecimento do «quadro concreto e conjuntural» subjacente à prática do acto seja de grau diverso e porventura inferior ao do Governo.

No caso em presença, os factores a que se chamou de exógenos assumem particular significado e permitem integrar omnicompreensivamente a margem de indefinição resultante do mero visionamento do acto normativo em si.

Com efeito:
A Assembleia da República, através do artigo 49.º da Lei 2/83, de 18 de Fevereiro, autorizou o Governo a legislar em matéria relativa a contravenções nos domínios monetário, financeiro e cambial e respectivas sanções.

O Governo achava-se demitido desde 23 de Dezembro de 1982, e, não obstante o preceituado no n.º 5 do artigo 189.º da lei básica, o Parlamento credenciou-o com aquela autorização, sem dúvida por haver considerado ser estritamente necessário que a matéria em causa fosse objecto de acto legislativo.

O Primeiro-Ministro do governo imediato ao que editou o Decreto-Lei 349-B/83 peticionou a sua declaração de inconstitucionalidade sem que fizesse qualquer referência a uma possível violação do n.º 5 do artigo 189.º Este silenciamento consente a ilação de que, impugnando-se embora a constitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei 349-B/83, se teve por correcta no plano daquele preceito a sua edição pelo Governo.

Aliás, na exposição de medidas da proposta de lei 142/II (orçamento provisório para 1983, Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 47, de 3 de Fevereiro de 1983), considerando «que o futuro Governo deverá resultar da composição da Assembleia da República, depois de realização de eleições legislativas, não parece realista esperar que ele seja empossado pouco antes do termo do 1.º semestre de 1983» e, não obstante o condicionamento constitucional, sustentou-se «que a gestão dos negócios públicos, nas presentes circunstâncias, durante período tão longo, se torna praticamente impossível sem que se disponha de um instrumento jurídico como é um orçamento de carácter provisório», e, para além deste, a possibilidade de se concretizarem as medidas legislativas constantes das diversas autorizações integradas naquela lei orçamental.

A conjugação destes dados circunstanciais com o conteúdo do acto normativo e a sua inserção num quadro orçamental de emergência não autorizam a conclusão de que o Governo tenha infringido a limitação da «estrita necessidade» que sobre ele impendia.

Assim, votei vencido contra a declaração de inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei 349-B/83, citadas na parte decisória do acórdão, por violação do n.º 5 do artigo 189.º da Constituição.

Antero Alves Monteiro Dinis.

Declaração de voto
1 - Votei no sentido de que no caso não havia interesse que justificasse a apreciação e declaração da inconstitucionalidade de um diploma já revogado, como era o Decreto-Lei 349-B/83. As razões deste entendimento são as que se encontram ampla e convincentemente desenvolvidas na declaração de voto do Exmo. Conselheiro Messias Bento, declaração a que me permito aderir. Assim sendo, limitar-me-ei a resumir aqui essas razões, dizendo simplesmente o seguinte:

a) O interesse na declaração da inconstitucionalidade do diploma em apreço só poderia estar, atenta a sucessão legislativa que na matéria em causa se verificou ao longo do ano de 1983, na repristinação (por força do disposto no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição) da legislação que o antecedeu. Ora, desde logo não se afigura curial que um diploma seja declarado inconstitucional, não propriamente para se evitar a sua aplicação aos factos por si abrangidos (objectivo específico da declaração de inconstitucionalidade), mas unicamente para se promover a aplicação de outra legislação a determinadas hipóteses e situações (ou seja, unicamente para se obter um eleito lateral daquela declaração);

b) Além disso, parece que um tal efeito nem sequer se poderá obter quando, como no caso, a legislação anterior (cuja repristinação se pretende) seja uma legislação penal mais desfavorável. É que a isso não só obsta o princípio da não retroactividade da lei penal in pejus, como parece inclusivamente obstar (no tocante a factos praticados na vigência da lei repristinanda) o princípio da retroactividade da lei penal in melius, também ele um princípio constitucional (artigo 29.º, n.º 4). Afigura-se, pois, que a necessidade de compaginar o disposto no artigo 282.º, n.º 1, in fine, com estes princípios conduz a que, no tipo de hipóteses ora considerado, o efeito repristinatório previsto naquele preceito só possa operar ex nunc;

c) De qualquer modo, e ainda que as coisas se não entendam como vem de dizer-se, sempre se haverá de ter por excluído, no caso em apreço, o pretendido efeito, uma vez que ele é afastado pela circunstância de o Decreto-Lei 356-B/83 haver pura e simplesmente eliminado do universo dos factos puníveis (seja a título criminal, seja a título contravencional ou contra-ordenacional) as condutas previstas no Decreto-Lei 349-B/83 e na legislação por este revogada. Na verdade, repristinada ex tunc, por hipótese, esta última legislação (como se pretende), sempre a sua aplicação terá de ceder - por força simplesmente do princípio do artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal - à daquele diploma despenalizador (cuja constitucionalidade não foi posta em causa e cuja eficácia não se contesta).

2 - Como já se depreende do que vem de ser dito, é óbvio que também não subscrevo o acórdão que antecede na sua última parte - ou seja, naquela em nele se estabelece o alcance repristinatório da declaração de inconstitucionalidade do diploma em apreço e se limitam os respectivos efeitos. Do meu ponto de vista, não há que limitar os efeitos repristinatórios de tal declaração, porque ela não pode, pura e simplesmente, produzi-los com a amplitude que se pressupõe.

3 - Por último, desejaria ainda sublinhar que o ponto de vista - se se quiser, a «precompreensão» das coisas - que subjaz às considerações antecedentes é seguramente o que corresponde à longa tradição da dogmática penal no tratamento do problema da aplicação temporal das normas incriminatórias, toda ela marcada, como se sabe, por manifestas preocupações de segurança jurídica e pelo princípio do favor rei. Dessa tradição dão conta, entre nós, justamente as regras dos n.os 2 e 4 do artigo 2.º do Código Penal, dos quais bem pode dizer-se que consubstanciam um indiscutido princípio geral do direito incriminatório vigente no espaço cultural onde se integra o nosso ordenamento.

Ora, entendo que a tal circunstância - à correspondência agora referida - não pode deixar de atribuir-se um significativo relevo na consideração e resolução do problema dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade das normas penais, em causa nesta declaração de voto.

José Manuel Cardoso Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/21097.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1959-11-12 - Decreto-Lei 42641 - Ministério das Finanças

    Promulga disposições destinadas a completar a execução do Decreto-Lei n.º 41403, de 12 de Novembro de 1959, que reorganizou o sistema do crédito e a sua estrutura bancária.

  • Tem documento Em vigor 1965-04-27 - Decreto-Lei 46302 - Ministério das Finanças - Gabinete do Ministro

    Estabelece normas gerais básicas para o exercício da actividade das instituições parabancárias não compreendidas na enumeração dos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 41403.

  • Tem documento Em vigor 1965-08-18 - Decreto-Lei 46493 - Ministério das Finanças - Gabinete do Ministro

    Promulga o reajustamento da orgânica dos serviços da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.

  • Tem documento Em vigor 1966-12-23 - Decreto-Lei 47413 - Ministério das Finanças - Inspecção-Geral de Crédito e Seguros

    Define a obrigatoriedade e a forma de colaboração das autoridades policiais com a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros para a prevenção e repressão de infracções que se repercútem sobremaneira sobre a vida económica da Nação.

  • Tem documento Em vigor 1967-09-08 - Decreto-Lei 47918 - Ministérios das Finanças e do Ultramar

    Regula toda a matéria de sanções respeitantes às infracções ao regime de pagamentos interterritoriais.

  • Tem documento Em vigor 1970-05-12 - Decreto-Lei 205/70 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Insere disposições destinadas a modificar as normas legais aplicáveis às transgressões cometidas em violação dos preceitos reguladores do crédito, do comércio bancário, cambial e segurador e dos mercados monetário e financeiro.

  • Tem documento Em vigor 1974-05-02 - Decreto-Lei 181/74 - Junta de Salvação Nacional

    Insere disposições punitivas para a prática de determinados actos ou operações consideradas ilegais.

  • Tem documento Em vigor 1975-06-20 - Decreto-Lei 301/75 - Ministério das Finanças - Gabinete do Ministro

    Extingue a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.

  • Tem documento Em vigor 1976-01-24 - Decreto-Lei 67/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Alarga para cino anos os prazos de prescrição das sanções aplicáveis a contravenções e transgressões das disposições reguladoras das transacções com o exterior.

  • Tem documento Em vigor 1976-03-10 - Decreto-Lei 183-B/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Alarga para cinco anos o prazo da prescrição do procedimento criminal pelas contravenções à legislação sobre o funcionamento dos mercados monetário e financeiro.

  • Tem documento Em vigor 1976-04-29 - Portaria 269/76 - Ministério das Finanças

    Determina quais os funcionários do Banco de Portugal, que no exercício das funções previstas no nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 301/75 de 20 de Junho, têm competência para presidir ou praticar os actos [instrução de processos] a que se refere o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 47413 de 23 de Dezembro de 1966.

  • Tem documento Em vigor 1976-07-28 - Decreto-Lei 630/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Estabelece novas incriminações para a prática de determinados actos ou operações cambiais.

  • Tem documento Em vigor 1977-03-12 - Decreto-Lei 92/77 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro

    Altera o Decreto-Lei nº 630/76 de 28 de Julho, que reformulou legislação penal aplicável às infracções de natureza cambial, bem como no domínio das transacções de mercadorias, de invisivéis correntes e de capitais.

  • Tem documento Em vigor 1979-07-24 - Decreto-Lei 232/79 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social.

  • Tem documento Em vigor 1979-09-28 - Decreto-Lei 411/79 - Ministério da Agricultura e Pescas

    Altera o Decreto-Lei n.º 221/77, de 28 de Maio, que aprova a Lei Orgânica do Ministério da Agricultura e Pescas (MAP).

  • Tem documento Em vigor 1982-08-23 - Lei 24/82 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar com vista a um novo Código Penal e a adoptar as disposições adequadas de direito criminal, de processo criminal e de organização judiciária, bem como a legislar em matéria de contravenções e contra-ordenações e ainda sobre o regime penal de jovens.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-08 - Lei 25/82 - Assembleia da República

    Autorização do Governo para legislar em matéria de organização e competência dos tribunais, processo criminal e isenção de selo.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Lei 26/82 - Assembleia da República

    Alteração, por ratificação, do Decreto-Lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho (extracção, comercialização e transporte de cortiça amadia).

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-14 - Lei 27/82 - Assembleia da República

    Aprova a adesão de Portugal ao tratado internacional de criação do Fundo Africano de Desenvolvimento, cujas versões em língua inglesa, francesa e portuguesa se publicam em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-11 - Lei 29/82 - Assembleia da República

    Aprova a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-22 - Lei 30/82 - Assembleia da República

    Autorização ao Governo para a celebração de um acordo de cooperação financeira com a República Federal da Alemanha no montante de 100 milhões de marcos.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-22 - Lei 31/82 - Assembleia da República

    Autorização do Governo para a celebração de um acordo de cooperação financeira com a República Federal da Alemanha.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-23 - Decreto 136-A/82 - Presidência da República

    Demite o Governo, por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro, Dr. Francisco José Pereira Pinto Balsemão.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-30 - Lei 32/82 - Assembleia da República

    Autorização ao Governo para celebrar um acordo de empréstimo entre Portugal e Moçambique.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-31 - Lei 34/82 - Assembleia da República

    Confere autorização ao Governo para contrair empréstimos junto do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-31 - Lei 33/82 - Assembleia da República

    Alteração à Lei n.º 40/81, de 31 de Dezembro (Orçamento Geral do Estado para 1982).

  • Tem documento Em vigor 1983-01-10 - Lei 1/83 - Assembleia da República

    Altera, por ratificação, o Código Cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1983-02-18 - Lei 2/83 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1983 (provisório).

  • Tem documento Em vigor 1983-02-26 - Lei 3/83 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei nº 224/82 de 8 de Junho, que conferiu nova redacção ao Código do Processo Civil e ao Código das Custas Judiciais, aprovados respectivamente pelos Decretos-Leis nºs 44129 de 28 de Dezembro de 1961 e 44329 de 8 de Maio de 1962. Uniformiza os prazos previstos no referido Código de Processo Civil e altera, também, o Decreto-Lei nº 121/76 de 11 de Fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 1983-04-02 - Lei 4/83 - Assembleia da República

    Controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos.

  • Tem documento Em vigor 1983-07-27 - Lei 5/83 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 32/77, de 25 de Maio (Lei Orgânica da Assembleia da República).

  • Tem documento Em vigor 1983-07-29 - Lei 6/83 - Assembleia da República

    Publicação, identificação e formulário dos diplomas.

  • Tem documento Em vigor 1983-07-30 - Decreto-Lei 349-B/83 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Tesouro

    Despenaliza certas infracções de natureza cambial.

  • Tem documento Em vigor 1983-07-30 - Decreto-Lei 349-A/83 - Ministério do Trabalho e Segurança Social

    Suspende a entrada em vigor do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 297/83, de 24 de Junho [dá nova redacção a vários artigos do Decreto-Lei n.º 183/77, de 5 de Maio (subsídio de desemprego)].

  • Tem documento Em vigor 1983-09-02 - Decreto-Lei 356-A/83 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Justiça e das Finanças e do Plano

    Revoga o Decreto-Lei nº 349-B/83 de 30 de Julho, que despenaliza certas infracções de natureza cambial.

  • Tem documento Em vigor 1983-10-29 - Decreto-Lei 396/83 - Ministérios da Justiça e das Finanças e do Plano

    Repõe em vigor toda a legislação revogada pelo Decreto-Lei nº 349-B/83 de 30 de Julho, que despenaliza certas infracções de natureza cambial.

  • Tem documento Em vigor 1983-12-17 - Decreto-Lei 433/83 - Ministérios da Justiça e das Finanças e do Plano

    Altera alguns artigos do Decreto-Lei n.º 144/83, de 31 de Março (reorganiza o Registo Nacional de Pessoas Colectivas).

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-07-29 - Acórdão 158/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do n.º 1 do artigo 9.º (punição do crime de contrabando), da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 187/83, de 13 de Maio (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento).

  • Tem documento Em vigor 1989-07-03 - Acórdão 414/89 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas de alguns artigos dos Decretos-Leis n.os 187/83, de 13 de Maio, (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento) e 424/86, de 27 de Dezembro (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelecendo as correspondentes sanções, e define regras sobre o seu julgamento), não toma conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma const (...)

  • Tem documento Em vigor 1990-07-24 - Acórdão 223/90 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da alínea a) do n.º1 do artigo 45.º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 327/83 de 8 de Julho, na parte em que excede a previsão contida no artigo 384º do Código Penal. (Processo n.º 42/89).

  • Tem documento Em vigor 1992-01-11 - Acórdão 447/91 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, na parte em que fixa o limite máximo da coima em montante superior ao estabelecido no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República.

  • Tem documento Em vigor 1992-11-14 - Acórdão 329/92 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 162.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), na redacção introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 463/85, de 4 de Novembro, mas apenas no segmento em que estabelece, para as coimas nele previstas aplicadas a pessoas singulares, um limite máximo superior ao fixado no regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de Outubro), por violação do artigo 168.º (...)

  • Tem documento Em vigor 1994-03-26 - Acórdão 149/94 - Tribunal Constitucional

    DECLARA, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONSTANTE DA ALÍNEA A) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 9 DO DECRETO LEI NUMERO 172/88, DE 16 DE MAIO. - ESTABELECE MEDIDAS DE PROTECÇÃO AO MONTADO DE SOBRO -, NA PARTE EM QUE FIXA O LIMITE MÁXIMO DA COIMA APLICÁVEL A PESSOAS SINGULARES PELA CONTRA-ORDENACAO CONSISTENTE NA INFRACÇÃO DO NUMERO 1 DO ARTIGO 1 DO MESMO DIPLOMA, (PROIBICAO DO CORTE OU ARRANQUE DE SOBREIROS, EM CRIAÇÃO OU ADULTOS, QUE NAO SE ENCONTREM SECOS, DOENTES, DECRÉPITOS OU DOMINA (...)

  • Tem documento Em vigor 1994-06-21 - Acórdão 431/94 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONSTANTES DOS ARTIGOS 78 (CRIME DE DESOBEDIENCIA) E 80 (EXPROPRIAÇÕES), DO DECRETO APROVADO PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL DOS AÇORES EM 17 DE MARCO DE 1994 (RECEBIDO, PARA ASSINATURA, EM 29 DE ABRIL DE 1994) RELATIVO AO ESTATUTO DAS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRE DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 229, NUMERO 1, ALÍNEA A), CONJUGADO COM O ARTIGO 168, NUMERO 1, ALÍNEAS C) E E), RESPECTIVAMENTE, DA CONSTITUIÇÃO. (PROC. NUMERO 207/94) (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-04-24 - Acórdão 175/97 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, da norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 30/89, de 24 de Janeiro, - Disciplina o licenciamento, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos com fins lucrativos -, enquanto aplicável a pessoas singulares, mas tão só na parte em que ela, ao cominar a coima da contra-ordenação que define, fixa o seu limite máximo em montante superior ao limite máximo e (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-04-18 - Acórdão 288/98 - Tribunal Constitucional

    Procede à fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade e apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral da prosposta de referendo constante da Resolução da Assembleia da República n.º 19/98, de 19 de Março (apresenta ao Presidente da República uma proposta de realização de referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez). (Proc. nº 340/98)

  • Tem documento Em vigor 2010-09-23 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2010 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a jurisprudência no seguinte sentido: a exigência do montante mínimo de (euro) 7500, de que o n.º 1 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo di (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-07-25 - Acórdão do Tribunal Constitucional 374/2013 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 7/2013 (regime jurídico aplicável às novas substâncias psicoativas), na parte em que estabelece a moldura contraordenacional aplicável às pessoas coletivas, estabelecimentos privados, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, ou associações sem personalidade jurídica, pelas infrações ao disposto nos artigos 3.º, 4.º e 7.º do mesmo Decreto. (Processo n.º 481/13)

  • Tem documento Em vigor 2017-04-10 - Acórdão do Tribunal Constitucional 149/2017 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto enviado ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira para assinatura como Decreto Legislativo Regional (Carreiras Especiais de Inspeção de Pescas e Agricultura da Região Autónoma da Madeira)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda