Acórdão 149/94
Processo 617/93
I
1 - O Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal veio, ao abrigo do n.º 3 do artigo 281.º da Constituição e do artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, requerer que o mesmo declarasse, com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 172/88, de 16 de Maio, na parte em que fixa o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação aí sancionada em montante superior ao consentido pelo regime geral do ilícito de mera ordenação social», norma essa que já foi, «através dos Acórdãos n.os 385/93, da 2.ª Secção, de 8 de Junho, 424/93, da 1.ª Secção, de 30 de Junho, e 518/93, da 2.ª Secção, de 26 de Outubro», «julgada inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea d)», da lei fundamental.
2 - Notificado o Primeiro-Ministro para os efeitos do artigo 54.º da citada Lei 28/82, não veio aquela entidade a emitir qualquer pronúncia.
Cumpre, por a tal nada obstar, apreciar o presente pedido.
II
1 - O diploma em que se insere o preceito cuja dimensão normativa se encontra questionada teve por fim, como resulta claramente dos respectivos exórdio e articulado, proteger e desenvolver a subericultura, tendo em conta a salvaguarda do que é considerado «uma das mais importantes e típicas espécies florestais no País» e a garantia do «futuro de um conjunto de actividades económicas de elevado interesse nacional, nas áreas da indústria e do comércio corticeiros».
Daí que, de entre várias medidas, se viesse a estabelecer a regra da proibição de corte ou arranque de sobreiros, em criação ou adultos, e que se não encontrem secos, decrépitos ou dominados, dos cortes rasos em montados de sobro, da poda dos sobreiros efectuada com outras finalidades que não a de dar às árvores a confirmação mais adequada à exploração da cortiça ou manter ou restabelecer a sua sanidade ou equilíbrio vegetativo, e somente entre 1 de Novembro e 31 de Março, da desbóia de chaparros com perímetro inferior a 70 cm, de aumentos ou de intensidade de descortiçamento fora de certas condições, da extracção de cortiça amadia e secundeira com menos de nove anos de criação, da extracção em «meças» (excepção feita aos sobreiros cujo descortiçamento já era realizado dessa forma antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 172/88) e de mobilizações de solos ocupados por montados sem ser para enterramento de mato ou instalação de pastagens permanentes sob coberto, desde que não afectem o sistema radicular dos sobreiros (cf. artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, 3.º, n.os 1 e 2, 4.º, n.os 1 e 2, 5.º e 6.º, n.os 1 e 2, e 7.º, n.os 1 e 2).
Foram ainda, por outro lado, impostos diversos comportamentos e procedimentos, designadamente aos titulares ou exploradores de sobreiros e à própria Administração (cf. artigos 1.º, n.os 3, 4 e 5, 2.º, n.os 1 a 4, 3.º, n.os 3 e 4, 6.º, n.os 3 e 4, e 7.º, n.º 3).
2 - Com vista ao asseguramento das proibições e imposições constantes do mencionado diploma, foi no mesmo congrado que as infracções às prescrições nele ínsitas constituem contra-ordenações, cabendo a instrução dos respectivos processos às circunscrições florestais e a aplicação das coimas ao director-geral das Florestas (cf. artigo 10.º, n.os 2 e 4).
Assim, dispôs-se no seu artigo 9.º:
1 - As infracções ao disposto no presente diploma constituem contra-ordenações puníveis com as seguintes coimas:
a) Infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 1.º - coima de 3000$00 a 3000000$00;
b) Infracção ao disposto nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 3.º e nos artigos 4.º e 5.º - coima de 1000$00 a 1000000$00;
c) Infracção ao disposto no n.º 4 do artigo 3.º - coima de 3000$00 a 5000$00;
d) Infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º - coima de 3000$00 a 3000000$00;
e) Infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 6.º - coima de 500$00 a 500000$00;
f) Infracção ao disposto no artigo 7.º - coima de 5000$00 a 3000000$00;
g) Infracção ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º - coima de 500$00 a 10000$00.
2 - Como sanção acessória poderá ser declarada a privação de acesso a qualquer benefício de fomento florestal por período de tempo até dois anos.
3 - O pedido ora em causa reporta-se à declaração de inconstitucionalidade da norma inserta na alínea a) do n.º 1 do artigo acima transcrito, mas apenas na parte em que fixa o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação aí prevista (a infracção ao n.º 1 do artigo 1.º) em montante superior ao consentido pelo regime geral do ilícito de mera ordenação social, tendo esse pedido sido suportado nos três arestos a que acima se fez referência.
Todavia, nesses mesmo arestos a decisão tocante ao julgamento de inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 172/88 circunscreveu-se ao trecho em que fixa o limite máximo da coima aplicável à contra-ordenação decorrente da infracção do n.º 1 do artigo 1.º desse diploma praticada por pessoas singulares, em montante superior ao do regime geral do ilícito de mera ordenação social instituído pelo Decreto-Lei 433/82.
E esta questão tem, na óptica do Tribunal, interesse, já que, por um lado, como é sabido, naquele regime geral são diferentes os limites máximos das coimas consoante se trate de pessoas singulares ou de pessoas colectivas (cf. artigo 17.º do citado Decreto-Lei 433/82) e, por outro, é necessário não olvidar que o limite máximo da coima consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 172/88 não ultrapassa o montante máximo permitido atingir no caso de, dolosamente, serem pessoas colectivas as responsáveis pelo cometimento da infracção ao n.º 1 do artigo 1.º deste último corpo de leis.
Em face desta situação, ponderando, de uma parte, a dimensão em que foi julgada não conforme à lei básica a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 172/88 e, de outra, o que se prescreve nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição, e 82.º da Lei 28/82 (o que, de harmonia com o posicionamento seguido nos Acórdãos deste Tribunal n.os 30/88, 64/88 e 306/88, publicados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 11.º, pp. 183 a 189 e 319 a 330, e 12.º, pp. 475 a 497, conduz a que a eventual declaração de inconstitucionalidade a proferir ao abrigo de tais disposições há-de circunscrever-se aos mesmos precisos termos em que a ou as normas foram julgadas inconstitucionais nos três casos concretos referidos nesses normativos), terá o Tribunal de apreciar o pedido, mas tão-só referentemente ao aludido trecho da disposição sub specie.
4 - Na primitiva redacção do artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82, era estatuído:
Artigo 17.º
Montante da coima
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima será de 200$00 e o máximo de 200000$00.
2 - Se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só poderá ser sancionado até metade do montante máximo da coima prevista.
3 - As coimas aplicadas à pessoas colectivas poderão elevar-e até aos montantes máximos de:
a) 3000000$00 em caso de dolo;
b) 1500000$00 em caso de negligência.
Com a nova redacção introduzida nesse artigo pelo Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro, os n.os 1 e 3 passaram a rezar assim:
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima aplicável a pessoas singulares será de 500$00 e o máximo de 500000$00.
...
3 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicadas às pessoas colectivas poderão elevar-se até aos montantes máximos de:
a) 6000000$00 em caso de dolo;
b) 3000000$00 em caso de negligência.
De outro lado, comandava o artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição (na versão conferida pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro - que era a vigente ao tempo da edição do diploma em que se integra a norma de que curamos -, que, aliás, detinha redacção idêntica à actual) que era da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização concedida ao Governo, sobre «[r]egime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo».
5 - Deste último comando resultava (como hoje resulta), pois, que ao Governo só era permitida a edição de normas que se inserissem no regime geral do ilícito de mera ordenação social, desde que adequadamente munido de autorização da Assembleia da República, podendo, em consequência, fora dessa inserção, emitir legislação respeitante à definição dos comportamentos e atitudes que integrassem esse tipo de ilícito e, bem assim, as sanções a eles aplicáveis.
Esta genérica asserção, contudo, carece de uma maior explicitação, máxime quanto à delimitação de competências entre a Assembleia da República e o Governo, o que este Tribunal tem levado a efeito por inúmeras vezes, mormente a partir da prolação do seu Acórdão 56/84 (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Agosto de 1984, no vol. 3.º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, pp. 153 e seguintes, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, pp. 281 e seguintes), e que pode sintetizar-se nos seguintes tópicos:
Compete em exclusivo à Assembleia da República, salvo se conceder ao Govermo autorização legislativa para tanto, legislar sobre o regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo e proceder à «desqualificação» de crimes em contra-ordenações ou «desgraduar» contravenções puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações;
O Governo e a Assembleia da República têm competência concorrente para, dentro dos limites estabelecidos naquele regime geral, definirem contra-ordenações, alterá-las, eliminá-las e modificar a respectiva punição, bem como «desgraduar» contravenções não puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações, respeitando o quadro do aludido regime geral.
Decorre daqui que não pode ser emitida pelo Governo, desacompanhado de autorização legislativa concedida pela Assembleia da República, norma que, ao estabelecer coimas pela prática de actos ilícitos de mera ordenação social (quer os defina ex novo, quer os defina por «desgraduação» de anteriores ilícitos contravencionais não puníveis com pena restritiva da liberdade), não respeite os limites mínimo e máximo previstos no respectivo regime geral, designadamente observando os previstos no artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82, sob pena de essa norma, no que concerne ao estabelecimento das coimas cujos montantes ultrapassem aqueles limites, incorrer em vício de inconstitucionalidade orgânica na precisa medida em que não respeite estes últimos.
6 - Perante esta postura, concatenando a norma em apreciação com o que se consagra no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82, é-se levado imediatamente à conclusão segundo a qual o limite máximo da infracção contra-ordenacional prevista no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 172/88 - diploma editado a descoberto de autorização legislativa -, fixado em 3000000$00 pela alínea a) do n.º 1 do seu artigo 9.º, quando aplicável a pessoas singulares, desborda o montante máximo prescrito naquele primeiro dispositivo, quer atendendo à sua primitiva redacção, quer considerando a conferida pelo Decreto-Lei 356/89.
E, por consequinte, na medida em que existe um tal desbordar, há-de a norma em causa de ser tida por organicamente inconstitucional.
III
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição - na versão advinda da 1.ª revisão constitucional -, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei 172/88, de 16 de Maio, na parte em que fixa o limite máximo da coima aplicável a pessoas singulares pela contra-ordenação consistente na infracção do n.º 1 do artigo 1.º do mesmo diploma, em montante superior ao do regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social estabelecido pelo artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 1994. - Bravo Serra - Antero Alves Monteiro Dinis - Fernando Alves Correia - António Vitorino - Maria da Assunção Esteves - Luís Nunes de Almeida - Alberto Tavares da Costa - Guilherme da Fonseca - Vítor Nunes de Almeida - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Armindo Ribeiro Mendes - José Manuel Cardoso da Costa.