de 18 de Novembro
1. A execução dos planos de aproveitamentos hidráulicos, quer hidroagrícolas, quer hidroeléctricos, tem originado a criação de numerosas albufeiras de águas públicas, e no decurso do progressivo aproveitamento dos nossos rios outras virão a juntar-se-lhes.As águas armazenadas para satisfazer as finalidades principais - rega, produção de energia e abastecimento de populações - amenizam a paisagem e dão lugar à prática de actividades recreativas e desportivas, incluindo as de competição.
As facilidades crescentes de deslocação das populações fomentam o turismo e, conjugando-se com os atractivos naturais ou derivados das albufeiras, fazem dos terrenos circundantes de algumas delas lugares eleitos para a construção de casas de vilegiatura e instalação de parques de campismo e estabelecimentos hoteleiros ou similares.
2. Na maioria dos casos é fácil harmonizar as actividades secundárias proporcionadas pelas albufeiras de águas públicas com os objectivos primordiais da sua criação, mas nalguns, como aqueles em que a finalidade predominante é o abastecimento de água de populações, já assim pode não suceder.
O interesse da piscicultura, a defesa de margens alcantiladas, a navegação, tanto transversal como longitudinal, e a defesa contra a poluição das águas também nem sempre serão conciliáveis com a actividade humana desordenada, mesmo limitada ao simples turismo ou desporto.
Não admira que a legislação em vigor seja omissa sobre esta matéria. Na verdade, o Regulamento dos Serviços Hidráulicos foi publicado em 1892 e a Lei de Águas em 1919, enquanto o início da criação intensiva de albufeiras remonta apenas a cerca de vinte anos.
Parece, pois, aconselhável proceder-se à classificação das albufeiras de águas públicas, não só para subordinar o exercício das actividades secundárias às finalidades primordiais, mas também para garantir a consecução destas últimas, tendo em conta o presente e a evolução previsível.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. As albufeiras de águas públicas serão classificadas e terão zonas de protecção fixadas pelo Ministério das Obras Públicas, com o fim de harmonizar o seu aproveitamento secundário com as utilizações principais a que se destinaram ou com as que posteriormente forem determinadas pelo Governo.
2. As actividades compreendidas no aproveitamento secundário das albufeiras de águas públicas terão de ser compatíveis com os fins determinantes da sua criação, iniciais ou sucessivos, e com o regime de exploração, variação do nível da água e outras circunstâncias atendíveis.
3. A Secretaria de Estado da Informação e Turismo será ouvida sobre o interesse das actividades recreativas que o Ministério das Obras Públicas considere compatíveis com as finalidades principais atribuídas às albufeiras de águas públicas.
4. As entidades concessionárias, as associações de regantes e beneficiários e outros organismos interessados na exploração das albufeiras de águas públicas prestarão à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos toda a colaboração necessária para o cumprimento do disposto neste diploma.
Art. 2.º - 1. Os projectos das albufeiras de águas públicas a estabelecer pelo Estado ou por outras entidades devem indicar:
a) Os limites das zonas de protecção e os condicionalismos a observar na construção de edifícios, no estabelecimento de indústrias e no exercício de actividades nessas zonas;
b) As utilizações secundárias compatíveis com as finalidades principais das albufeiras e as condições em que podem ser exercidas.
2. A Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, com a colaboração das entidades interessadas, promoverá a elaboração de propostas respeitantes ao disposto nas alíneas a) e b) do número anterior, dentro do prazo de um ano, em relação às albufeiras de águas públicas existentes ou em vias de formação.
3. A aprovação, por despacho do Ministro das Obras Públicas, dos projectos ou propostas referidos no presente artigo torna obrigatória a observância dos condicionalismos estabelecidos e importa a declaração de utilidade pública para as expropriações que se tornarem necessárias.
Art. 3.º - 1. As zonas de protecção das albufeiras de águas públicas terão uma largura variável até 500 m, consoante a sua disposição topográfica, possibilidades de utilização, grau de defesa a impor e outras razões atendíveis, podendo os limites sofrer futoros ajustamentos, de harmonia com a evolução das circunstâncias iniciais.
2. A construção de edifícios e outras utilizações das zonas de protecção que possam interferir com os aproveitamentos principais e secundários das albufeiras ficarão sujeitas às condições estabelecidas pelo Ministério das Obras Públicas e à sua fiscalização.
3. No caso de construções anteriores ao presente diploma que prejudiquem gravemente as finalidades principais das albufeiras de águas públicas, poderá o Ministério das Obras Públicas proceder à sua expropriação por utilidade pública, ou autorizar a entidade interessada a efectuá-la, nos termos legais.
4. Mediante o pagamento das indemnizações pelos prejuízos causados, a determinar pelo processo das expropriações por utilidade pública, o Ministério das Obras Públicas poderá suspender quaisquer actividades anteriormente exercidas nas zonas de protecção, ou fora delas, que não sejam compatíveis com as finalidades principais das albufeiras de águas públicas, ou autorizar as entidades interessadas a mandar suspendê-las.
Art. 4.º - 1. Nas zonas de protecção das albufeiras de águas públicas tendo por finalidade essencial ou dominante o abastecimento de povoações, e nas próprias albufeiras, pode o Ministério das Obras Públicas proibir a realização de quaisquer construções ou actividades, incluindo as recreativas.
2. As zonas referidas no número anterior poderão ser objecto de um ordenamento territorial, no qual serão especificados os locais de proibição ou de condicionamento da construção habitacional, industrial ou recreativa, quando a totalidade das zonas não for abrangida pela proibição.
3. Os proprietários dos terrenos das zonas a que se referem os números anteriores poderão ser indemnizados pelos prejuízos causados, a determinar pelo processo das expropriações por utilidade pública.
Art. 5.º - 1. O Ministério das Obras Públicas poderá outorgar concessões e dar autorizações para o aproveitamento recreativo das albufeiras de águas públicas, normalmente mediante o pagamento de taxas, que reverterão, em partes iguais, para o Estado e para a entidade a que pertença a exploração da albufeira.
2. As concessões e autorizações serão subordinadas à utilização principal da albufeira e não envolvem qualquer compromisso quanto à manutenção dos níveis de água.
3. Quando, por razões de interesse público, for necessário alterar a capacidade de armazenamento da albufeira em termos de impossibilitar o uso da concessão ou autorização, serão estas consideradas caducas, sem direito a indemnização.
4. Sem prejuízo da jurisdição sobre as zonas de protecção das albufeiras de águas públicas que pertença às câmaras municipais e a serviços do Estado, compete à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos a fiscalização das concessões ou autorizações referidas no n.º 1 deste artigo e do funcionamento e utilização das instalações delas resultantes.
Art. 6.º Os titulares dos interesses ofendidos pelas actividades exercidas nas albufeiras ou nas suas zonas de protecção serão indemnizados, nos termos da lei, pelos agentes daquelas actividades ou pelos seus representantes.
Art. 7.º As contravenções ao disposto no presente diploma serão punidas com multas de 100$00 a 100000$00, elevadas ao dobro em caso de reincidência, e aplicadas pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Art. 8.º Os regulamentos necessários para a execução do presente diploma serão aprovados por decreto.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - Rui Alves da Silva Sanches.
Promulgado em 11 de Novembro de 1971.
Publique-se.
O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.
Para ser presente à Assembleia Nacional.