de 29 de Agosto
Nos termos do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, e coerentemente com a autonomia administrativa, financeira e patrimonial de que gozam, as empresas públicas devem ser económica e financeiramente equilibradas. Os subsídios de que eventualmente beneficiem, nos termos do n.º 2 do artigo 20.º do citado decreto-lei, só poderão ser concedidos como contrapartida de especiais encargos de ordem social ou outros que o Estado lhes imponha, e na justa medida destes, e não para cobertura de deficits decorrentes de ineficiências internas.Tal como aconteceu com grande número de empresas privadas, também em empresas públicas se verificou a deterioração da sua situação financeira, em consequência das alterações da respectiva estrutura de custos, dos problemas laborais e das perturbações de produção verificadas nos últimos anos, tornando-se urgente, por isso, tomar medidas que assegurem o indispensável saneamento destas empresas.
Atendendo à sua natureza peculiar, mas procurando tirar proveito do paralelismo com as empresas privadas às quais se aplica o Decreto-Lei 124/77, de 1 de Abril, com vista à celebração de contratos de viabilização, e no estrito respeito da autonomia das empresas públicas, considerou-se vantajoso realizar o saneamento destas através de instrumentos jurídicos de base convencional em que se fixem as metas de produção e rentabilidade a atingir no curto e no médio prazo, em particular no que respeita ao volume de emprego, à remuneração do trabalho e do capital investido, ao autofinanciamento, aos preços de venda ou às tarifas, bem como a outros pontos específicos de cada empresa que importe considerar.
Nestes termos:
O Governo decreta, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. Entre o Estado e as empresas públicas que se encontrem em alguma das situações referidas no artigo 2.º poderão ser celebrados acordos para o reequilíbrio económico-financeiro das mesmas empresas.
2. Os acordos poderão ser celebrados conjuntamente com grupos de empresas públicas, definindo-se com precisão a responsabilidade de cada uma nas obrigações estabelecidas e a sua parte na realização das metas e dos objectivos parciais e globais convencionados.
3. Os acordos constituirão instrumentos básicos de gestão das empresas públicas que os outorgarem, com vista ao restabelecimento ou consolidação do seu equilíbrio económico-financeiro.
Art. 2.º Deverão propor a celebração de acordos de saneamento económico-financeiro, ouvidos os respectivos trabalhadores, as empresas públicas ou os grupos de empresas públicas que se encontrem em alguma das seguintes situações:
a) Apresentarem deficits de exploração, efectivos ou previsionais, em três exercícios sucessivos;
b) Evidenciarem prejuízos acumulados, já verificados ou previsionais, que ultrapassem dois terços da soma do capital estatutário com as reservas constituídas;
c) Apresentarem um resultado negativo no último exercício ou previsto para o ano em curso que, só por si, ultrapasse metade da soma do capital estatutário com as reservas constituídas;
d) Terem sido declaradas em situação económica difícil, nos termos do Decreto-Lei 353-H/77.
Art. 3.º Nos acordos, as empresas públicas ficarão obrigadas ao cumprimento de metas e objectivos específicos de equilíbrio financeiro, de produtividade e de rentabilidade; em contrapartida, o Estado garantirá a concessão de benefícios determinados, de entre os previstos neste decreto-lei.
Art. 4.º - 1. Os objectivos e metas finais deverão, sempre que possível, ser decompostos em objectivos e metas anuais ou parcelares claramente definidos, e terão em vista a optimização dos recursos disponíveis e dos ratios de eficiência técnico-económica.
2. Estes objectivos e metas devem ser expressos, sempre que possível, em:
a) Unidades físicas, se estas tiverem significado e após as conversões necessárias, quando coexistam produções múltiplas, e preços actuais de venda, tratando-se de produções, vendas para o mercado interno, exportações e investimento;
b) Número de trabalhadores, horas anuais e trabalho e massa salarial.
3. Para o estabelecimento de medidas de saneamento financeiro, nível de endividamento ou outros objectivos não especificados no número anterior, devem considerar-se os indicadores de gestão recomendados pelo Governo.
Art. 5.º - 1. Nos acordos, o Estado garantirá às empresas algum ou alguns dos seguintes benefícios:
a) Consolidação do passivo, nos termos do artigo 9.º;
b) Conversão de dívidas a curto prazo em passivo a médio ou longo prazos;
c) Financiamento a médio e longo prazos, em condições mais favoráveis de prazo e juro, para a aquisição de bens de equipamentos nacionais, previstos no acordo, ou para recomposição do fundo de maneio permanente;
d) Apoio no lançamento de empréstimos por obrigações ou na colocação de outros valores mobiliários;
e) Aumento de capital estatutário, para financiamento de novos investimentos ou para correcção da estrutura financeira da empresa;
f) Comparticipação, até ao limite de 50%, no custo do estudo referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º e nas despesas da valorização profissional dos trabalhadores, podendo a parte não comparticipada ser objecto de financiamento, a taxa subsidiada, durante a vigência do acordo;
g) Comparticipação, até ao limite de 30%, no custo dos estudos, projectos e outras acções de reorganização, promoção de mercados, racionalização de produção ou investigação científica e tecnológica, conducente à produção de inovações socialmente úteis, podendo a parte não comparticipada ser objecto de financiamento, a taxa subsidiada, durante a vigência do acordo;
h) A concessão de um subsídio por trabalhador, durante um certo período, caso a empresa tenha sido previamente declarada em situação económica difícil, e enquanto se mantiver nessa situação, e faça prova de lhe ser impossível pagar os salários mínimos em vigor; esse subsídio cobrirá metade da diferença entre os salários que a empresa possa efectivamente pagar e os mínimos referidos, sendo a outra metade suportada pelos trabalhadores;
i) Benefícios fiscais previstos na lei;
j) Outros subsídios que se justifiquem, face à situação e à especialidade da empresa.
2. As espécies de benefícios a conceder, bem como a sua medida e as condições de que depender a sua efectivação, serão rigorosamente fixadas no acordo, graduando-se os benefícios em função das metas e obrigações da empresa.
Art. 6.º - 1. Os acordos terão duração adequada aos objectivos, metas e benefícios que forem convencionados, podendo ser revistos em qualquer altura, por sugestão de uma das partes.
2. Os acordos cujo prazo ultrapasse cinco anos estabelecerão obrigatoriamente termos e condições para a sua revisão.
Art. 7.º - 1. As propostas de acordo deverão ser remetidas ao Ministério da Tutela, com envio simultâneo de cópias aos Ministérios do Plano e Coordenação Económica e das Finanças, no prazo de cento e vinte dias, a contar da data em que se verifique alguma das situações previstas no artigo 2.º 2. As empresas públicas que já se encontrem em alguma das referidas situações à data da entrada em vigor deste decreto-lei deverão apresentar a proposta de acordo no prazo de noventa dias, a contar desta data.
Art. 8.º - 1. As propostas de acordo deverão ser instruídas com os seguintes elementos:
a) Estudo económico e financeiro devidamente fundamentado, discriminando os elementos de exploração por produtos ou serviços e centros de produção, de forma a permitir avaliar os custos sociais envolvidos ou determinados por razões de serviço público de interesse nacional;
b) Plano pormenorizado do saneamento financeiro, documentado com os cálculos feitos para a reavaliação do activo, quando proposta, planos de consolidação do passivo e de novos empréstimos, com indicação de prazos de amortização, bem como proposta de aumento de capital, quando for caso disso, e de subsídio do Orçamento Geral do Estado ou outros que se justifiquem nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 5.º;
c) Planos ou projectos de investimento para o período de vigência do acordo;
d) Orçamentos da exploração respeitantes, pelo menos, aos primeiros cinco anos de vigência, incluindo orçamentos de produção e vendas, balanços e contas de resultados previsionais e análise de origem e aplicação de fundos;
e) Enumeração dos benefícios fiscais ou outros pretendidos;
f) Pareceres que, sob o conteúdo da proposta, tenham sido emitidos pelos representantes dos trabalhadores;
g) Quaisquer outros elementos julgados úteis para apreciação do processo.
Art. 9.º - 1. Uma fracção do passivo das empresas será consolidada, nomeadamente através de juros bonificados e de garantias de pagamento, nos termos que vierem a ser acordados.
2. O prazo de consolidação não poderá exceder dez anos, admitindo-se um período de deferimento máximo de três anos, durante o qual apenas haverá lugar ao pagamento dos juros devidos.
3. Serão integrados no montante consolidado, referido no n.º 1, pela ordem a seguir indicada e começando por preencher a parte bonificada e garantida da consolidação;
a) As dívidas contraídas directamente pela empresa junto de instituições de crédito nacionais;
b) As dívidas contraídas pela empresa junto dos credores nacionais não bancários, desde que estes hajam recorrido ao desconto dos seus créditos nas mesmas instituições;
c) Outras dívidas da empresa cuja consolidação se mostre necessária.
4. O montante da consolidação será rateado, se for caso disso, entre os débitos referidos nas alíneas a) e b) do número anterior.
5. A consolidação das dívidas referidas na alínea c) do n.º 3 obedecerá a moldes adequados às circunstâncias, sendo assegurada a mobilização dos créditos consolidados pelo sistema bancário.
Art. 10.º - 1. Com vista à consolidação do passivo, as empresas iniciarão com os credores, desde logo e em simultâneo com as outras diligências para a organização da proposta, as negociações tendentes ao estabelecimento de um protocolo de amortização.
2. As negociações serão conduzidas, por parte das instituições de crédito nacionais, pelo banco maior credor.
3. As propostas de acordo serão sempre acompanhadas dos protocolos referidos no n.º 1, ou da exposição detalhada das posições assumidas pelos diversos interessados.
Art. 11.º - 1. Também em simultâneo com as outras diligências para a organização do processo, as empresas iniciarão negociações tendentes ao estabelecimento de acordos colectivos de trabalho ou à alteração, se necessário, do regime de contratação colectiva que estiver em vigor.
2. Estas negociações visarão compatibilizar o regime laboral com as metas e os objectivos do acordo a propor, quer no respeitante aos direitos e obrigações nele previstos, quer no respeitante ao condicionalismo das alterações futuras, que ficarão sempre subordinadas ao cumprimento dos objectivos e metas do acordo.
3. Se a empresa tiver sido declarada em situação económica difícil, as negociações terão de respeitar as medidas administrativas que, em matéria laboral, tenham sido aplicadas, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei 353-I/77, de 29 de Agosto.
4. O regime laboral que venha a ser fixado em consequência das negociações referidas nos n.os 1 e 2 só poderá ser alterado, no todo ou em parte, durante a vigência do acordo, mediante aprovação do Ministro da Tutela, fundada em informação escrita no conselho de gerência da empresa de que as alterações propostas não obstam nem prejudicam a realização dos objectivos e metas do acordo.
Art. 12.º - 1. Recebida a proposta do acordo e por despacho conjunto dos Ministros do Plano e Coordenação Económica, das Finanças e da Tutela, será nomeada uma comissão constituída por representantes de cada um daqueles Ministérios e da empresa ou do grupo de empresas proponente e que funcionará no âmbito do Ministério do Plano e Coordenação Económica.
2. À comissão incumbirá a apreciação da proposta, podendo solicitar às empresa proponentes ou a quaisquer entidades os elementos que julgar convenientes.
3. A comissão contactará as entidades interessadas no acordo, designadamente as instituições de crédito nacionais, por intermédio do banco maior credor, no sentido de se ultimarem as negociações que ainda se encontrarem em curso.
4. A comissão apresentará o relatório final, devidamente fundamentado e instruído, no prazo de trinta dias, a contar da nomeação.
Art. 13.º - 1. Nos dez dias subsequentes à apresentação do relatório será proferida decisão final, nos termos seguintes:
a) Se for contrária à celebração do acordo, por despacho conjunto dos Ministros indicados no artigo 12.º, n.º 1;
b) Se for favorável, mediante a assinatura de um instrumento de «Acordo de Saneamento Económico-Financeiro de ...» por parte dos referidos Ministros e de um representante da empresa proponente, com poderes bastantes para esse acto.
2. O instrumento referido na alínea b) do n.º 1 será publicado na 2.ª série do Diário da República, produzindo desde logo os seus efeitos em relação a todos os interessados.
Art. 14.º O incumprimento por parte das empresas públicas de qualquer das obrigações previstas neste decreto-lei e nos acordos que vierem a ser celebrados em sua execução fará incorrer os respectivos gestores em responsabilidade disciplinar e poderá determinar a aplicação às empresas pelo Governo das medidas administrativas que forem julgadas convenientes.
Art. 15.º - 1. O efectivo direito aos benefícios, em especial aos de natureza financeira e fiscal, dependerá sempre da consecução pelas empresas dos objectivos e metas acordados, salvo motivos excepcionais e alheios à responsabilidade das empresas.
2. Caberá às empresas o ónus de provarem a efectiva consecução dos objectivos e metas e, eventualmente, os motivos excepcionais referidos no número anterior.
Art. 16.º A cobertura de eventuais prejuízos que resultem dos acordos, designadamente da garantia de pagamento e da bonificação de juro, a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º, será feita através do Orçamento Geral do Estado.
Art. 17.º - 1. Os acordos deverão estabelecer um regime de natureza arbitral para o esclarecimento de dúvidas ou resolução de diferendos que surjam na sua interpretação ou execução.
2. Se, por qualquer motivo, não for possível obter decisão de acordo com esse regime, as dúvidas ou os diferendos serão solucionados por resolução do Conselho de Ministros.
Art. 18.º Com as necessárias adaptações, os princípios instituídos pelo Decreto-Lei 124/77, de 1 de Abril, serão aplicados subsidiariamente à matéria regulada neste diploma.
Art. 19.º Os acordos celebrados serão revistos em função do que a lei vier a estatuir em matéria dos benefícios fiscais a conceder às empresas que celebrarem os acordos a que se refere este diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares - António Francisco Barroso de Sousa Gomes - Henrique Medina Carreira.
Promulgado em 29 de Agosto de 1977.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.