de 3 de Fevereiro
1. Visa o presente diploma dar cumprimento ao Programa do Governo, o qual, de entre as principais medidas a adoptar em sede de Administração Pública e modernização administrativa, prevê expressamente a regulamentação do direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública.Acresce que importa respeitar o compromisso internacionalmente assumido pelo Estado Português ao ratificar, através da Lei 17/80, de 15 de Julho, a Convenção n.º 151 da Organização Internacional do Trabalho.
2. O Governo entende que a regulamentação do direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública relativamente à fixação das suas condições de trabalho é do interesse da própria Administração Pública, além de constituir, por outro lado, uma aspiração das associações sindicais.
3. Em cumprimento da deliberação do Conselho de Ministros, foi remetido às associações sindicais, para discussão publica durante um mês, o projecto de decreto-lei que esteve na base do presente diploma, tendo-se, inclusive, procedido à difusão junto daquelas associações de uma publicação avulsa da Secretaria de Estado da Administração Pública contendo, além do mencionado projecto, impresso apropriado à respectiva apreciação. Visou o Governo seguir assim um método de discussão pública paralelo ao consagrado na Lei 16/79, de 26 de Maio, a qual, porque o direito da função pública é um ramo do direito administrativo, não é aplicável nem é, por natureza, susceptível de aplicar em sede de regime da função pública.
O número de apreciações recebidas na Secretaria de Estado da Administração Pública foi de cerca de 50.
A maioria das críticas reveste-se de carácter genérico, adoptando em muitos casos formulações praticamente coincidentes. Aliás, muitas dessas críticas são produzidas por associações sindicais que não representam, de facto, os interesses dos trabalhadores da Administração Pública.
As críticas e sugestões dirigidas concretamente a preceitos do projecto de diploma foram ponderadas, tendo algumas sido acolhidas e outras tomadas parcialmente em consideração. Foram acolhidas as sugestões seguintes: o dever de responder aos pedidos de reunião das partes; a afirmação da bilateralidade da regra de que as consultas não suspendem ou interrompem a marcha do processo de negociação; a formulação mais detalhada do direito à informação; a negociação das regalias da acção social; a obrigação de fundamentar as propostas e contrapropostas; a calendarização prévia de cada processo negocial e a elaboração de actas das reuniões. Foram tomadas parcialmente em consideração: além de sugestões respeitantes à participação na gestão de instituições de segurança social e de outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores e a participação no controle de execução dos planos económico-sociais, determinadas observações, de natureza formal, ao objecto da negociação colectiva e, de natureza substancial, quanto aos serviços competentes para representar a Administração Pública.
A questão da negociação da massa salarial foi solucionada. A sua negociação far-se-á indirectamente, mediante a negociação das variações percentuais dos quantitativos respeitantes às matérias que lhe respeitam.
Finalmente regulou-se ainda o modo de resolução de conflitos colectivos suscitados na pendência de processo de negociação. Verificando-se tal situação poderá recorrer-se a um processo de negociação suplementar, o qual consiste numa tentativa de conciliação. Sublinha-se a propósito que a idoneidade deste método, face à Convenção n.º 151 da OIT inicialmente citada, não é contestável. Diz expressamente a primeira parte do artigo 8.º da Convenção que «a resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho será procurada de maneira adequada às condições nacionais, através da negociação entre as partes interessadas ...».
4. O sistema adoptado - misto de negociação colectiva e de participação - é portador de virtualidades que permitem o desenvolvimento de uma prática negocial equilibrada.
5. Nos termos constitucionais, foram ouvidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, as quais não manifestaram qualquer objecção.
Assim:
Usando da autorização conferida pela Lei 10/83, de 13 de Agosto, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Objecto do diploma)
1 - O presente diploma tem por objecto a regulamentação do direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública.2 - O direito de negociação abrange a negociação colectiva e a participação na fixação das condições de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública.
Artigo 2.º
(Legitimidade)
Os direitos de negociação colectiva e de participação apenas poderão ser exercidos através das associações sindicais que, nos termos dos respectivos estatutos, representem interesses de trabalhadores da Administração Pública e se encontrem devidamente registadas.
Artigo 3.º
(Princípios)
1 - A Administração e as associações sindicais respeitam os princípios da boa-fé, nomeadamente respondendo com a máxima brevidade quer aos pedidos de reunião solicitados quer às propostas mútuas, fazendo-se representar nas reuniões destinadas à prevenção ou resolução de conflitos.2 - As consultas dos representantes da Administração e dos trabalhadores aos seus representados não suspendem ou interrompem a marcha do processo de negociação.
3 - Cada uma das partes poderá solicitar à outra as informações consideradas necessárias ao exercício adequado dos direitos de negociação colectiva e de participação, designadamente os estudos e elementos de ordem técnica ou estatística, não classificados, que sejam tidos como indispensáveis à fundamentação das propostas e das contrapropostas.
Artigo 4.º
(Cláusula de salvaguarda)
A Administração e as associações sindicais estão limitadas pelo princípio da prossecução do interesse público e devem assegurar a apreciação, discussão e resolução das questões colocadas numa perspectiva global e comum a todos os serviços e organismos e aos trabalhadores da Administração Pública no seu conjunto, visando a dignificação da função pública e a melhoria das condições sócio-económicas dos mesmos trabalhadores.
Artigo 5.º
(Direito de negociação colectiva)
1 - É reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública o direito de negociação colectiva das respectivas condições de trabalho.2 - Considera-se negociação colectiva a apreciação e discussão, entre as associações sindicais e a Administração, das matérias relativas às condições de trabalho, com vista à obtenção de uma solução consensual.
3 - O acordo obtido vale como recomendação e não tem a natureza de convenção colectiva, contrato ou acordo colectivo, nem produz, por si só, quaisquer efeitos jurídicos.
4 - O acordo entre as entidades competentes da Administração e as associações sindicais só produzirá efeitos com a adopção pelo Governo e mediante a integração dos respectivos resultados nas leis ou regulamentos adequados.
Artigo 6.º
(Objecto de negociação colectiva)
1 - Serão objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração:a) Dos vencimentos e das demais prestações de carácter remuneratório;
b) Das pensões de aposentação ou de reforma;
c) Das regalias da acção social e da acção social complementar.
2 - A massa salarial será negociada mediante a negociação das variações percentuais dos quantitativos respeitantes às referidas matérias.
Artigo 7.º
(Processo de negociação)
1 - A negociação inicia-se com a apresentação, por uma das partes, de uma proposta fundamentada sobre qualquer das matérias previstas no artigo anterior que a outra parte aceite como base para negociação, devendo seguidamente proceder-se à calendarização das negociações.2 - As partes devem fundamentar as suas propostas e contrapropostas, impendendo sobre elas o dever de tentar atingir, em prazo adequado, uma solução consensual, bem como o dever de obstar à verificação de conflitos.
3 - Das reuniões havidas deverão ser elaboradas actas, subscritas pelas partes.
4 - O consenso obtido revestirá a natureza de recomendação.
5 - Os serviços competentes de Administração Pública relatarão, além do acordado, os pontos relativamente aos quais se não tenha, eventualmente, obtido consenso e apresentarão também uma justificação dos respectivos motivos de dissentimento.
Artigo 8.º
(Resolução de conflitos)
1 - A resolução de conflitos colectivos suscitados na pendência de processo de negociação poderá fazer-se, a pedido das associações sindicais, em negociação suplementar.2 - A abertura de negociação suplementar depende da anuência do Governo à respectiva fundamentação, não excederá o prazo de 20 dias e consiste na tentativa de obtenção de acordo.
3 - O consenso obtido em negociação suplementar revestirá a natureza de recomendação.
Artigo 9.º
(Direito de participação)
1 - É reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública o direito de participarem, através das suas associações sindicais:a) Na elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública;
b) Na gestão das instituições de segurança social e de outras organizações que visem satisfazer o interesse dos trabalhadores;
c) No controle de execução dos planos económico-sociais.
2 - A participação a que se refere a alínea a) do número anterior tem a natureza de consulta, podendo para o efeito constituir-se comissões técnicas especializadas, considerando-se abrangidas por essa disposição, além das matérias da competência do Governo, aquelas para que este tenha solicitado autorização legislativa.
3 - A participação a que se refere a alínea b) do n.º 1 abrange o direito de ser informado sobre a gestão daquelas instituições pelos respectivos órgãos e no de lhes fazer recomendações visando a melhoria dos serviços prestados, regendo-se, quanto ao mais, pelo disposto na lei geral.
4 - A participação no controle de execução dos planos económico-sociais faz-se de acordo com o disposto na lei geral.
Artigo 10.º
(Excepções)
O presente diploma não é aplicável às Forças Armadas e militarizadas.
Artigo 11.º
(Casos especiais)
Sem prejuízo dos direitos reconhecidos no presente diploma, ao pessoal dirigente ou equiparado, ao pessoal com funções de representação externa do Estado, bem como ao que desempenhe funções de natureza altamente confidencial será aplicado, em cada caso, o processo adequado à natureza das respectivas funções.
Artigo 12.º
(Matérias excluídas)
A estrutura, atribuições, competências, política de recursos humanos, gestão e funcionamento da Administração Pública não podem ser objecto de negociação ou participação.
Artigo 13.º
(Informação sobre política salarial)
As associações sindicais poderão enviar ao Governo, até ao fim do 1.º semestre de cada ano, a respectiva posição sobre os critérios que entendam dever orientar a política salarial a prosseguir no ano seguinte.
Artigo 14.º
(Serviços competentes da Administração Pública)
1 - Compete à Direcção-Geral da Administração e da Função Pública assegurar o estabelecimento de relações com as associações sindicais dos trabalhadores da Administração Pública e a condução do processo de negociação colectiva e de participação na elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública.
2 - Tratando-se de matérias com incidência em sectores restritos da Administração Pública ou respeitantes a grupos ou categorias especiais de trabalhadores, a abertura do processo referido no número anterior será obrigatoriamente precedida de contactos entre as entidades competentes do respectivo departamento governamental e a Direcção-Geral da Administração e da Função Pública, cabendo àquelas entidades a condução do processo e a esta Direcção-Geral a sua coordenação.
3 - Tratando-se de matérias de conteúdo económico ou financeiro o Ministério das Finanças e do Plano far-se-á representar adequadamente junto da referida Direcção-Geral.
4 - A competência conferida à Direcção-Geral da Administração e da Função Pública pelo presente artigo deve entender-se sem prejuízo de eventual reestruturação e reorganização dos serviços da Secretaria de Estado da Administração Pública.
Artigo 15.º
(Representantes das associações sindicais)
1 - Consideram-se representantes legítimos das associações sindicais:
a) Os membros das respectivas direcções portadores de credencial com poderes bastantes para negociar e participar;
b) Os portadores de mandato escrito conferido pelas direcções das associações sindicais do qual constem expressamente poderes para negociar e participar.
2 - A revogação do mandato só é eficaz após comunicação aos serviços competentes da Administração Pública.
Artigo 16.º
(Transcrição oficiosa do registo das associações sindicais)
A Direcção-Geral da Administração e da Função Pública, da Secretaria de Estado da Administração Pública, deverá requerer ao Ministério do Trabalho e Segurança Social a transcrição oficiosa do registo das associações sindicais que representem interesses dos trabalhadores da Administração Pública e comunicá-la às regiões autónomas.
Artigo 17.º
(Aplicação à administração regional autónoma)
O presente diploma aplica-se a todo o território nacional, sem prejuízo de as regiões autónomas poderem regulamentar a matéria regulada no artigo 14.º
Artigo 18.º
(Remissão)
Estão abrangidos pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º as obras e serviços sociais, a ADSE e a Caixa Nacional de Previdência.
Artigo 19.º
(Entrada em vigor)
O presente decreto-lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de Novembro de 1983. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - António de Almeida Santos - Ernâni Rodrigues Lopes - Amândio Anes de Azevedo.
Promulgado em 29 de Dezembro de 1983.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 29 de Dezembro de 1983.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.