de 1 de Março
Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.°, alínea d), e 169.°, n.° 3, da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.°
Funções e objecto
1 - Os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração.2 - Os inquéritos parlamentares podem ter por objecto qualquer matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República.
3 - Os inquéritos parlamentares serão realizados através de comissões eventuais da Assembleia especialmente constituídas para cada caso, nos termos do Regimento.
Artigo 2.°
Iniciativa
1 - Os inquéritos parlamentares são efectuados:a) Mediante deliberação expressa do Plenário tomada até ao 15.° dia posterior à publicação do respectivo projecto ou proposta de resolução no Diário da Assembleia da República ou à sua distribuição em folhas avulsas;
b) A requerimento de um quinto dos Deputados em efectividade de funções até ao limite de um por Deputado e por sessão legislativa;
2 - A iniciativa dos inquéritos previstos na alínea a) do n.° 1 compete:
a) Aos grupos parlamentares e Deputados de partidos não constituídos em grupo parlamentar;
b) Às comissões;
c) A um décimo do número de Deputados, pelo menos;
d) Ao Governo, através do Primeiro-Ministro.
Artigo 3.°
Requisitos formais
1 - Os projectos ou propostas de resolução tendentes à realização de um inquérito indicarão o seu objecto e os seus fundamentos, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente.2 - Da não admissão de um projecto ou proposta de resolução apresentado nos termos da presente lei cabe sempre recurso para o Plenário, nos termos do Regimento.
Artigo 4.°
Constituição obrigatória da comissão de inquérito
1 - As comissões parlamentares de inquérito requeridas ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° são obrigatoriamente constituídas.
2 - O referido requerimento, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, deve indicar o seu objecto e fundamentos.
3 - O Presidente verificará a existência formal das condições previstas no número anterior e o número e identidade dos Deputados subscritores, notificando de imediato o primeiro subscritor para suprir a falta ou faltas correspondentes, caso se verifique alguma omissão ou erro no cumprimento daquelas formalidades.
4 - Recebido o requerimento ou verificado o suprimento referido no número anterior, o Presidente toma as providências necessárias para definir a composição da comissão de inquérito até ao 8.° dia posterior à publicação do requerimento no Diário da Assembleia da República.
5 - Dentro do prazo referido no número anterior, o Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, agendará um debate sobre a matéria do inquérito, desde que solicitado pelos requerentes da constituição da comissão ou por um grupo parlamentar.
Artigo 5.°
Informação ao Procurador-Geral da República
1 - O Presidente da Assembleia da República comunicará ao Procurador-Geral da República o conteúdo da resolução ou a parte dispositiva do requerimento que determine a realização de um inquérito;
2 - O Procurador-Geral da República informará a Assembleia da República se sobre o mesmo objecto se encontra em curso algum processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado, suspendendo-se neste caso o processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial.
Artigo 6.°
Funcionamento da comissão
1 - Compete ao Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, fixar o número de membros da comissão, dar-lhes posse, determinar o prazo da realização do inquérito previsto na alínea b) do artigo 2.° e do previsto na alínea a) da mesma disposição, quando a respectiva resolução o não tenha feito, e autorizar a sua prorrogação até ao limite máximo de tempo referido no artigo 11.° 2 - Os membros da comissão tomam posse perante o Presidente da Assembleia da República até ao 15.° dia posterior à publicação no Diário da Assembleia da República da resolução ou do requerimento que determine a realização do inquérito.3 - A comissão inicia os seus trabalhos imediatamente após a posse conferida pelo Presidente da Assembleia da República, logo que preenchida uma das seguintes condições:
a) Estar indicada mais de metade dos membros da comissão, representando no mínimo dois grupos parlamentares, um dos quais deve ser obrigatoriamente de partido sem representação no Governo;
b) Não estar indicada a maioria do número de Deputados da comissão, desde que apenas falte a indicação dos Deputados pertencentes a um grupo parlamentar.
Artigo 7.°
Publicação
A resolução e a parte dispositiva do requerimento previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 2.° que determinarem a realização de um inquérito serão publicadas no Diário da República.
Artigo 8.°
Repetição de objecto
Durante o período de cada sessão legislativa não é permitida a constituição de novas comissões de inquérito que tenham o mesmo objecto que dera lugar à constituição de outra comissão que está em exercício de funções ou que as tenha terminado no período referido, salvo se surgirem factos novos.
Artigo 9.°
Reuniões das comissões
1 - As reuniões das comissões podem ter lugar em qualquer dia da semana e durante as férias, sem dependência de autorização prévia do Plenário.2 - O presidente da comissão dará conhecimento prévio ao Presidente da Assembleia, em tempo útil, para que tome as providência necessárias à realização das reuniões previstas no número anterior.
Artigo 10.°
Constituição do grupo de trabalho e designação de relatores
1 - A comissão pode orientar-se por um questionário indicativo formulado inicialmente.
2 - As comissões de inquérito devem designar relator ou relatores numa das cinco primeiras reuniões e podem deliberar sobre criação de um grupo de trabalho constituído por quatro Deputados representantes dos quatro maiores grupos parlamentares.
3 - O relator será um dos referidos representantes.
4 - O grupo de trabalho será presidido pelo presidente da comissão ou por quem este designar.
5 - O trabalho produzido pelo referido grupo é instrumental e acessório da comissão.
Artigo 11.°
Duração do inquérito
1 - O tempo máximo para a realização de um inquérito é de 180 dias, findo o qual a comissão se extingue, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - A requerimento fundamentado da comissão, o Plenário pode conceder ainda um prazo adicional de 30 dias, apenas para efeito da elaboração, discussão e votação do relatório final e, eventualmente, de projecto de resolução.
3 - Quando a comissão não tiver aprovado um relatório conclusivo das investigações efectuadas, o presidente da comissão enviará ao Presidente da Assembleia da República uma informação relatando as diligências realizadas e as razões da inconclusividade dos trabalhos.
Artigo 12.°
Dos Deputados
1 - Os Deputados membros da comissão de inquérito só podem ser substituídos em virtude de perda ou suspensão do mandato ou em caso de escusa justificada.2 - As faltas dos membros da comissão às reuniões são comunicadas ao Presidente da Assembleia da República, com a informação de terem sido ou não justificadas.
3 - O Presidente da Assembleia anunciará no Plenário seguinte as faltas injustificadas.
4 - O Deputado que violar o dever de sigilo em relação aos trabalhos da comissão de inquérito ou faltar sem justificação a mais de quatro reuniões perde a qualidade de membro da comissão.
5 - No caso de haver violação de sigilo, a comissão de inquérito deve promover uma investigação sumária e deliberar, por maioria qualificada de dois terços, sobre a sua verificação e a identidade do seu autor.
6 - O Presidente da Assembleia da República deverá ser informado do conteúdo da deliberação prevista no número anterior, quando dela resulte o reconhecimento da existência da respectiva violação e a identidade do seu autor, para declarar a perda, por parte deste, da qualidade de membro da respectiva comissão e dar conta desta sua decisão ao Plenário.
Artigo 13.°
1 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias.2 - As comissões têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais.
3 - A comissão de inquérito ou a sua mesa, quando aquela não esteja reunida, pode, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito aos órgãos do Governo e da Administração ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.
4 - A prestação das informações e dos documentos referidos no número anterior tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deverá ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena das sanções previstas no artigo 19.°, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência.
5 - O pedido referido no n.° 3 deverá indicar esta lei e transcrever o n.° 4 deste artigo e o n.° 1 do artigo 19.° 6 - No decorrer do inquérito só será admitida a recusa de fornecimento de documentos ou da prestação de depoimentos com o fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça, nos termos da legislação respectiva.
Artigo 14.°
Local de funcionamento e modo de actuação
1 - As comissões parlamentares de inquérito funcionam na sede da Assembleia da República, podendo, contudo, funcionar ou efectuar diligências, sempre que necessário, em qualquer ponto do território nacional.
2 - As reuniões, diligências e inquirições realizadas serão sempre gravadas, salvo se, por motivo fundado, a comissão deliberar noutro sentido.
3 - Quando não se verifique a gravação prevista no número anterior, as diligências realizadas e os depoimentos ou declarações obtidos constarão de acta especialmente elaborada para traduzir, pormenorizadamente, aquelas diligências e ser-lhe-ão anexos os depoimentos e declarações referidos, depois de assinados pelos seus autores.
Artigo 15.°
Publicidade dos trabalhos
1 - As reuniões e diligências efectuadas pelas comissões de inquérito são públicas nos casos previstos no n.° 2 e quando a comissão assim o deliberar.2 - São públicas:
a) As reuniões iniciais de tomada de posse, eleição da mesa, aprovação do regulamento e definição de objectivos, designadamente através da elaboração do questionário;
b) A reunião final de votação e declarações de voto em relação ao relatório e, eventualmente, ao projecto de resolução;
c) As reuniões relativamente às quais os depoentes manifestem interesse na sua publicidade, desde que a comissão reconheça que aquela não prejudicará os objectivos do inquérito e a eficácia dos seus trabalhos;
3 - Só o presidente da comissão, ouvida esta, pode prestar declarações públicas relativas à matéria reservada do inquérito.
4 - As actas das comissões, assim como todos os documentos na sua posse, podem ser consultados após a aprovação do relatório final, nas seguintes condições:
a) Não revelem matéria sujeita a segredo de Estado, a segredo de justiça ou sujeita a sigilo por razões da reserva de intimidade das pessoas;
b) Não ponham em perigo o segredo das fontes de informação constantes do inquérito, a menos que haja autorização dos interessados;
5 - A transcrição dos depoimentos prestados perante as comissões de inquérito só pode ser consultada ou publicada com autorização dos seus autores e do Plenário.
Artigo 16.°
Convocação de pessoas e contratação de peritos
1 - As comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito.
2 - As convocações serão assinadas pelo presidente da comissão ou, a solicitação deste, pelo Presidente da Assembleia da República e deverão conter as indicações seguintes:
a) O objecto do inquérito;
b) O local, o dia e a hora do depoimento;
c) As sanções previstas no artigo 19.° da presente lei;
3 - A convocação será feita para qualquer ponto do território, sob qualquer das formas previstas no Código de Processo Penal, devendo, no caso de funcionários e agentes do Estado ou de outras entidades públicas, ser efectuada através do respectivo superior hierárquico.
4 - As comissões podem requisitar e contratar especialistas para as coadjuvar nos seus trabalhos mediante autorização prévia do Presidente da Assembleia da República.
Artigo 17.°
Depoimentos
1 - A falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão parlamentar de inquérito só se terão por justificadas nos termos gerais da lei processual penal.2 - A obrigação de comparecer perante a comissão tem precedência sobre qualquer acto ou diligência oficial.
3 - Não é admitida, em caso algum, a recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado e de outras entidades públicas, podendo, contudo, estes requerer a alteração da data da convocação, por imperiosa necessidade de serviço, contanto que assim não fique frustrada a realização do inquérito.
4 - A forma dos depoimentos rege-se pelas normas aplicáveis do Código de Processo Penal sobre prova testemunhal.
Artigo 18.° Encargos
1 - Ninguém pode ser prejudicado no seu trabalho ou emprego por virtude da obrigação de depor perante a comissão parlamentar de inquérito, considerando-se justificadas todas as faltas de comparência resultantes do respectivo cumprimento.2 - As despesas de deslocação, bem como a eventual indemnização que, a pedido do convocado, for fixada pelo presidente da comissão, serão pagas por conta do orçamento da Assembleia da República.
Artigo 19.°
Sanções criminais
1 - Fora dos casos previstos no artigo 17.°, a falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituem crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no Código Penal.2 - Verificado qualquer dos factos previstos no número anterior, o presidente da comissão, ouvida esta, comunicá-lo-á ao Presidente da Assembleia, com os elementos indispensáveis à instrução do processo, para efeito de participação à Procuradoria-Geral da República.
Artigo 20.°
Relatório
1 - O relatório final referirá, obrigatoriamente:a) O questionário, se o houver;
b) As diligências efectuadas pela comissão;
c) As conclusões do inquérito e os respectivos fundamentos;
d) O sentido de voto de cada membro da comissão, assim como as declarações de voto escritas;
2 - A comissão poderá propor ao Plenário ou à Comissão Permanente a elaboração de relatórios separados, se entender que o objecto do inquérito é susceptível de investigação parcelar, devendo os respectivos relatórios ser tidos em consideração no relatório final.
3 - O relatório será publicado no Diário da Assembleia da República.
Artigo 21.°
Debate e resolução
1 - Até 30 dias após a publicação do relatório o Presidente da Assembleia da República inclui a sua apreciação na ordem do dia.2 - Juntamente com o relatório, a comissão parlamentar de inquérito pode apresentar um projecto de resolução.
3 - Apresentado ao Plenário o relatório, será aberto um debate.
4 - O debate é introduzido por uma breve exposição do presidente da comissão e do relator ou relatores designados e será regulado nos termos do Regimento.
5 - O Plenário pode deliberar sobre a publicação integral ou parcial das actas da comissão.
6 - Juntamente com o relatório, o Plenário aprecia os projectos de resolução que lhe sejam apresentados.
7 - O relatório não será objecto de votação no Plenário.
Artigo 22.°
Norma revogatória
É revogada a Lei n.° 43/77, de 18 de Junho.
Aprovada em 5 de Janeiro de 1993.
O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.Promulgada em Setúbal em 5 de Fevereiro de 1993.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 13 de Fevereiro de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva