de 29 de Maio
1. São ainda relativamente tímidos, salvo no campo das estruturas orgânicas, os avanços conseguidos na construção de um sistema de segurança social, quer em termos teóricos ou programáticos, quer, sobretudo, no campo normativo ou regulamentar das prestações.O gradual enquadramento e desenvolvimento, numa perspectiva de segurança social, dos vários regimes de protecção social é necessariamente fecundo de consequências, já que determina não apenas uma mudança quantitativa, mas uma alteração qualitativa e da própria natureza das prestações.
Para assegurar o desenvolvimento dos sistemas de protecção social, torna-se necessário corrigir no interior dos vários regimes os obstáculos que se opõem a essa evolução, nomeadamente quanto às repercussões que regimes ou esquemas de natureza não contributiva e universalizante provocam inevitavelmente nos regimes de tipo contributivo.
Por outro lado, parece evidente que não é um puro jogo intelectual, mas uma preocupação de tornar pensável e possível a eficácia das prestações, que leva à definição da estrutura orgânica da segurança social com base nas áreas funcionais de actuação, ou seja, nos destinatários ou utentes do sistema.
Importa, pois, que as próprias modalidades de resposta social se ajustem gradualmente a essa perspectiva, ou melhor, importa que se torne harmónica a sistematização das respostas sociais e a estrutura orgânica que deve contribuir para a sua definição.
Aliás, pelo menos no plano lógico, se não no plano pragmático, a mudança conceptual das prestações deveria ser anterior à reforma orgânica.
2. Tendo presente, pois, uma perspectiva de conjunto, que se quer realista, da protecção social vigente, inicia-se uma revisão e valorização das prestações sociais em favor da infância e juventude e da família.
No presente decreto-lei, que será completado por um decreto regulamentar em que se tornam mais evidentes as concretizações de alguns princípios, incluem-se medidas em relação às prestações dos esquemas contributivos, embora deixando para outro diploma, a publicar oportunamente, o que diz respeito ao subsídio por morte e às pensões de sobrevivência, prestações tipicamente familiares, bem como o que diz respeito às pensões de invalidez e velhice, respostas típicas das áreas funcionais da invalidez e reabilitação e da população idosa, respectivamente.
Em outro diploma se definirá o esquema de prestações de segurança social para cidadãos residentes não abrangidos por regimes contributivos, que comportará, por sua vez, um diploma regulamentar relativo à pensão social de invalidez e de velhice, bem como ao equipamento social.
3. O âmbito de aplicação do abono de família, considerado basicamente uma prestação de infância e joventude, é alargado aos descendentes e equiparados de toda a população trabalhadora.
A mudança de natureza e de âmbito das prestações obriga a ultrapassar, no interior dos próprios regimes ditos contributivos, os condicionalismos habitualmente referidos como prazos de garantia ou vínculos de profissionalidade, bem como a condição de pagamento, que era a própria ligação à manutenção da relação de trabalho, sem prejuízo das situações de interrupção de contribuições.
Ao mesmo tempo, generaliza-se o abono complementar a crianças e jovens deficientes, independentemente de condição de recursos, dada a especificidade da sua natureza e a situação concreta dos destinatários.
A preocupação de eliminar qualquer situação de perda de direito e, sobretudo, a de articular entre si os vários regimes de protecção social levam a manter a designação de subsídio mensal vitalício para a prestação atribuível a deficientes com mais de 24 anos. Fica a constituir um escalão intermédio de resposta, quer em relação ao quantitativo, igual ao valor mais alto do abono complementar, mas inferior à pensão social, quer em relação ao nível sócio-económico dos destinatários, já que depende de condição de recursos, ao contrário do abono complementar, mas definida em moldes menos exigentes do que a pensão social.
4. Por outro lado, generaliza-se o subsídio de aleitação.
Simultaneamente, não só elimina a incorrecção que sempre resulta dos regimes de reembolso de despesas, desfavoráveis para os grupos sociais de mais fracos recursos, como deixa o regime de ser passível da crítica de funcionar como um incentivo à aleitação artificial, em prejuízo da aleitação materna, a qual é a recomendável sob todos os pontos de vista.
A norma programática de articulação com os serviços de saúde representa, com o conjunto das outras medidas, a eliminação do falso proteccionismo ou paternalismo, em benefício da simplificação e da correcção social das medidas.
5. Aproveita-se a ocasião para institucionalizar o subsídio pela frequência de estabelecimentos de educação especial.
Embora com este título, o seu conteúdo é ainda mais amplo, visto que não corresponde apenas à situação típica do deficiente que frequenta ou está em condições de frequentar estabelecimentos de reeducação pedagógica, mas a situações atípicas de apoio pedagógico e terapêutico, domiciliário.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
ARTIGO 1.º
(Âmbito quanto às prestações)
A protecção à infância e juventude e à família concretiza-se, nomeadamente, pela concessão, entre outras, das seguintes prestações pecuniárias: abono de família, abono complementar a crianças e jovens deficientes, subsídio mensal vitalício e subsídios de nascimento, de aleitação, por frequência de estabelecimentos de educação especial, de casamento e de funeral.
ARTIGO 2.º
(Âmbito quanto às pessoas)
1 - Ficam compreendidos no âmbito do presente diploma:a) Os trabalhadores abrangidos pela Previdência, no activo, ou pensionistas ou na situação de desemprego;
b) Os trabalhadores civis ou militares, no activo ou aposentados, da Administração Central, Local ou Regional e dos institutos públicos nas modalidades de serviços públicos personalizados e de fundos públicos.
2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se abrangidos pela Previdência os trabalhadores a quem se aplique algum dos regimes a seguir indicados:
a) Regime geral de previdência e abono de família;
b) Regime de previdência dos trabalhadores independentes;
c) Regime de previdência de grupos especiais de trabalhadores;
d) Regime da continuação facultativa de pagamento de contribuições;
e) Regimes especiais de previdência e abono de família dos rurais, incluindo o regime transitório previsto no n.º 2 do artigo 90.º do Decreto 445/70, de 23 de Setembro, e legislação complementar;
f) Regime de protecção dos desalojados.
ARTIGO 3.º
(Condições de atribuição das prestações)
1 - As prestações previstas neste diploma são atribuídas independentemente da verificação de prazos de garantia ou de períodos mínimos de prestação de trabalho em relação aos trabalhadores referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior com inscrição na Previdência não interrompida.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se interrompida a inscrição decorridos doze meses consecutivos sem entrada de contribuições.
CAPÍTULO II
Das prestações
ARTIGO 4.º
(Abono de família)
1 - O abono de família é atribuído mensalmente aos descendentes e equiparados do trabalhador ou do cônjuge, nas condições a definir em regulamento e nos termos das normas em vigor, designadamente:a) As constantes dos artigos 3.º a 7.º, 10.º a 24.º e 36.º a 42.º do Decreto-Lei 197/77, de 17 de Maio, para os trabalhadores referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e nas alíneas a), b), e) e d) do n.º 2 do mesmo artigo;
b) As constantes do Decreto 49216, de 30 de Agosto de 1969, e legislação complementar, para os trabalhadores referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º do presente diploma.
2 - O abono de família relativamente aos descendentes ou equiparados considerados deficientes nos termos do artigo 5.º mantém-se até aos 24 anos e, após essa idade, sempre que os seus titulares não satisfaçam os requisitos de atribuição do subsídio mensal vitalício nem da pensão social.
ARTIGO 5.º
(Abono complementar a crianças e jovens deficientes)
O abono complementar a crianças e jovens deficientes é concedido até aos 24 anos aos descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge que, por razões de lesão, deformidade ou doença, congénita ou adquirida, estejam em alguma das situações seguintes:
a) Necessitem de atendimento individualizado específico de natureza pedagógica ou terapêutica;
b) Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos de educação especial;
c) Possuam uma redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que os impossibilite de prover normalmente à sua subsistência ao atingirem a idade de exercício de actividade profissional.
ARTIGO 6.º
(Subsídio mensal vitalício)
1 - O subsídio mensal vitalício é atribuído em relação a descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge com idade superior a 24 anos que se encontrem nalguma das situações previstas no artigo 5.º e não estejam em condições de beneficiar da pensão social ou de invalidez.2 - Constarão de regulamento o quantitativo do subsídio mensal vitalício e os requisitos da sua atribuição, designadamente os referentes à condição de recursos.
ARTIGO 7.º
(Subsídio de nascimento)
O subsídio de nascimento será atribuído por cada filho nascido com vida.
ARTIGO 8.º
(Subsídio de aleitação)
1 - O subsídio de aleitação será atribuído, independentemente da amamentação materna, total ou parcial, apenas em prestações pecuniárias mensais, nos primeiros dez meses de vida da criança.2 - As instituições e serviços responsáveis pela atribuição do subsídio de aleitação devem cooperar com os competentes serviços de saúde na definição das normas e na criação das condições que facilitem ou proporcionem o máximo de informação e orientação sobre vantagens da aleitação materna no normal desenvolvimento da criança.
ARTIGO 9.º
(Subsídio pela frequência de estabelecimento de educação especial)
1 - A compensação de encargos com a frequência, pelos descendentes ou equiparados, de estabelecimentos de educação especial que impliquem pagamento de mensalidades é realizada mediante a concessão de subsídios em regime de comparticipação de despesas, nos montantes e condições a fixar em regulamento próprio.
2 - Os valores a tomar em conta para a comparticipação referida no n.º 1 serão as mensalidades fixadas para os estabelecimentos de educação especial por despacho conjunto dos Ministros da Educação e Ciência e dos Assuntos Sociais.
3 - É equivalente à frequência de estabelecimento de educação especial, em condições e nos valores de comparticipação a definir igualmente em regulamento, o apoio domiciliário de natureza docente e terapêutica prestado mediante prescrição médica a crianças e jovens cuja deficiência imponha ou aconselhe esse tipo de orientação.
ARTIGO 10.º
(Descendentes nascituros)
No caso de falecimento do trabalhador ou do cônjuge, os seus descendentes, ainda que nascituros, têm direito às prestações previstas nos artigos 4.º a 9.º e 12.º deste diploma sempre que esse direito não lhes seja reconhecido como familiares de outros trabalhadores.
ARTIGO 11.º
(Subsídio de casamento)
A cada um dos cônjuges trabalhadores abrangidos pelo presente diploma é atribuído um subsídio por ocasião do seu casamento.
ARTIGO 12.º
(Subsídio de funeral)
1 - O subsídio de funeral é atribuído por uma só vez pelo falecimento:a) Dos descendentes ou equiparados com direito a abono de família, incluindo os descendentes falecidos no primeiro mês de vida;
b) Dos descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge a cargo dos mesmos;
c) Do cônjuge;
d) Do próprio trabalhador.
2 - O subsídio de funeral é igualmente atribuído tratando-se de fetos ou nados-mortos.
3 - Quando, nos termos do n.º 1, se reúnam na mesma pessoa as qualidades de pensionista, ainda que de sobrevivência, ou de cônjuge e de familiar ou equiparado com direito a abono de família, o subsídio de funeral será atribuído unicamente em função da qualidade de pensionista ou, se esta não se verificar, da qualidade de cônjuge.
ARTIGO 13.º
(Ascendentes ou equiparados para efeitos de subsídio de funeral)
1 - Os ascendentes e equiparados consideram-se a cargo do trabalhador quando não tenham rendimentos próprios superiores ao limite fixado em regulamento.
2 - Consideram-se rendimentos próprios os proventos, incluindo retribuições, rendas, pensões e equivalentes, que concorram na economia individual do ascendente ou equiparado ou, se este for casado, na economia do casal.
3 - Para os efeitos do disposto no artigo anterior, são equiparados a ascendentes do trabalhador ou do cônjuge:
a) Os adoptantes de um e de outro e, bem assim, os dos seus ascendentes;
b) Os afins compreendidos na linha recta ascendente.
ARTIGO 14.º
(Remissão)
Às prestações previstas nos artigos 5.º a 13.º deste diploma são aplicáveis os artigos 33.º a 42.º do Decreto-Lei 197/77, de 17 de Maio.
CAPÍTULO III
Disposições finais
ARTIGO 15.º
(Subsistência de direitos)
O disposto no presente decreto-lei não prejudica a subsistência de direitos a prestações que, à data da entrada em vigor deste diploma, estejam a ser atribuídas, sempre que não se verifique a sua substituição por regime mais favorável.
ARTIGO 16.º
(Diplomas regulamentares)
Os montantes e demais requisitos e condições de atribuição das prestações previstas neste decreto-lei serão estabelecidos em diploma regulamentar.
ARTIGO 17.º
(Interpretação e integração)
A resolução das dúvidas suscitadas pela aplicação deste diploma e a integração dos casos omissos serão objecto de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais e do membro do Governo que superintender na função pública.
ARTIGO 18.º
(Norma revogatória)
Ficam revogados a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei:a) Os artigos 1.º e 2.º, n.º 4 do artigo 6.º, artigos 8.º e 9.º, n.os 1 e 3 do artigo 12.º e artigos 25.º a 32.º do Decreto-Lei 197/77, de 17 de Maio, salvo o disposto no artigo 15.º do presente diploma;
b) O artigo 10.º do Decreto-Lei 217/74, de 27 de Maio.
ARTIGO 19.º
(Revisão)
Com vista à reformulação global num único instrumento normativo dos regimes de prestações à infância e juventude e à família, será publicado diploma adequado no prazo de cento e oitenta dias.
ARTIGO 20.º
(Entrada em vigor)
Este diploma entra em vigor em 1 de Junho de 1980.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Abril de 1980. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Promulgado em 21 de Maio de 1980.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.