de 17 de Agosto
1. À semelhança do que vem sucedendo em outros países, em que as políticas de defesa do consumidor constituem objecto de profunda atenção e preocupação dos poderes públicos, está o Governo empenhado em definir e sistematizar neste campo certo número de princípios, alguns já expressos ou implícitos na legislação portuguesa, mas, de qualquer modo, carecidos de generalização que lhes confira maiores eficácia e alcance.2. Nos sistemas de economia de mercado, as escolhas efectuadas pelos consumidores deveriam, em princípio, ditar as decisões dos agentes económicos. A realidade é, porém, diferente: o poder económico pertence de facto, e em escala crescente, aos sectores da produção e da distribuição de bens e serviços, face aos quais o consumidor, dotado de fraco pendor associativo, constitui objecto de manipulação fácil.
Compreende-se assim que a regra segundo a qual é o consumidor quem, através das suas preferências, determina as decisões da produção, tenha cada vez menos validade, dada a subtileza e a importância das técnicas publicitárias e promocionais postas ao serviço desta última.
3. Se bem que as medidas adoptadas pelos Governos no quadro da política de concorrência contribuam para diminuir a opacidade dos mercados e melhorar as condições em que são satisfeitas as necessidades dos consumidores, tais medidas mostram-se, só por si, insuficientes para restabelecer o equilíbrio em benefício dos primeiros. A experiência revela, assim, a necessidade de uma acção correctiva mais directa, dirigida à protecção, informação e educação do consumidor, com vista ao reforço da sua posição de sujeito económico, em função do qual se orienta a produção.
4. As políticas de defesa do consumidor, tal como surgem estruturadas nas ordens jurídicas estrangeiras e na própria prática nacional, acusam a existência de uma variada gama de medidas e soluções, a traduzir a complexidade e a multiplicidade dos campos - protecção física e sanitária, transparência dos mercados, liberdade e escolha, política de qualidade, defesa contra pressões excessivas ou dolosas da oferta - em que tal política tem de desenvolver-se.
Pela sua generalidade e importância, merecem especial referência as medidas que asseguram a qualidade, a salubridade e a segurança dos artigos de consumo; que consagram regras sobre rotulagem dos produtos; que estimulam a constituição e a expansão das associações de consumidores; que regulamentam os testes ou ensaios comparativos de produtos e a publicação dos respectivos resultados; que organizam serviços consultivos para informação dos consumidores; que reagem contra métodos agressivos de venda; que reprimem a publicidade dolosa; e que disciplinam o crédito ao consumo.
5. De entre as várias medidas que, no quadro geral da política de defesa do consumidor, visam marcadamente a sua informação, a rotulagem dos produtos é aquela que, na generalidade dos países, recebe tratamento legislativo mais pormenorizado. É, de resto, perfeitamente compreensível que assim seja, dada a função directa e imediata do rótulo como elemento precioso de elucidação do consumidor acerca da natureza e atributos do produto. Uma informação clara e objectiva expressa nas embalagens permitirá ao consumidor realizar opções conscientes de compra, armazenar o produto nas condições de ambiente mais recomendáveis e consumi-lo dentro do período de tempo adequado.
6. Ocupa-se o presente diploma da rotulagem de géneros alimentícios pré-embalados - matéria em que a ordem jurídica portuguesa revela, aliás, uma tradição relativamente vasta, ainda que concretizada em diplomas legais dispersos. Duas preocupações fundamentais presidiram à redacção do articulado: harmonizar o texto com as disposições constantes da Norma Geral Internacional Recomendada para a Rotulagem dos Géneros Alimentícios Pré-Embalados, elaborada pela Comissão mista F. A. O./O. M. S. do Codex Alimentarius e, em perfeita coincidência de intenções, restringir a obrigatoriedade ou a proibição do emprego de indicações ao mínimo indispensável à defesa do consumidor, de modo que as entidades comerciais responsáveis não experimentem dificuldades no cumprimento das exigências estabelecidas no diploma.
7. No que respeita a indicações cuja obrigatoriedade se encontra prevista - embora dependendo de portaria do Secretário de Estado do Comércio -, importa assinalar que apenas três se apresentam com vocação para abranger todo e qualquer género alimentício pré-embalado: o nome do produto, o conteúdo líquido e o nome e morada do produtor, embalador, importador, armazenista ou retalhista. As restantes indicações previstas no articulado - tipo ou classe de produto, relação dos ingredientes, país de origem, prazo de validade, instruções necessárias para o armazenamento, instruções para consumo imediato, tratamento por radiações ionizantes e quaisquer outras apenas se tornarão obrigatórias em certos casos, a definir em portaria.
Relativamente a indicações facultativas, resulta do diploma a liberdade de aposição de quaisquer menções ou imagens, desde que não contradigam as obrigatórias nem sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro. As excepções a tal regra traduzem-se na existência, aliás de carácter excepcional e aplicáveis em muito poucos casos, de certas indicações proibidas ou condicionadas a autorização das entidades competentes.
Consagra o diploma um regime de plena responsabilização das entidades comerciais pelos rótulos que utilizem, o que quer dizer que, exceptuado o caso acima referido de indicações facultativas condicionadas a autorização, as embalagens não carecem de licenciamento prévio à comercialização dos géneros alimentícios que contenham.
Prevenindo, porém, a eventualidade de, em relação a certos produtos, o sistema instituído não se mostrar suficiente para uma adequada defesa dos interesses do consumidor, confere-se ao Secretário de Estado do Comércio a faculdade de sujeitar certas embalagens a um regime de autorização.
8. A extraordinária amplitude que nos nossos dias assume a comercialização dos géneros alimentícios em embalagens impede que as regras de protecção do consumidor constantes do presente diploma sejam imediata e incondicionalmente postas em prática. Essa a razão por que se concede o prazo de um ano - contado a partir da publicação da já citada portaria - para o escoamento das actuais embalagens que, por qualquer motivo, estejam em desacordo com as disposições estabelecidas.
9. Por último, interessa referir que, embora o diploma respeite fundamentalmente a rotulagem, se aproveitou a oportunidade para conferir ao Secretário de Estado do Comércio poderes para disciplinar a publicidade dos géneros alimentícios pré-embalados, de forma que a mesma venha a ser corrigida nos aspectos abusivos de que com frequência se reveste.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida, pela 1.ª parte do 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º O disposto no presente diploma é aplicável aos rótulos dos géneros alimentícios pré - embalados, nacionais ou estrangeiros, vendidos ou expostos à venda ao público no mercado interno do continente e ilhas adjacentes.
Art. 2.º Para efeitos deste decreto-lei e das portarias publicadas em virtude do que nele se dispõe, entende-se por:
a) «Rótulo», toda a forma, marca, imagem ou outra indicação descritiva escrita, impressa, puncionada, aposta, gravada ou aplicada na embalagem de um género alimentício ou a ela junta;
b) « Géneros alimentícios», todas as substâncias ou preparados usados como alimento ou bebida humana, com excepção dos que possuam propriedades medicamentosas, bem como as substâncias utilizadas na preparação ou composição dos alimentos ou bebidas humanas, incluindo os simples condimentos;
c) «Embalagem», todo o continente de um género alimentício que com ele é solidàriamente comercializado, envolvendo-o total ou parcialmente;
d) «Pré-embalado», o qualificativo dado a um género alimentício cujo acondicionamento ou embalagem se efectuou prèviamente o acto da sua exposição à venda ao público;
e) «Entidade comercial responsável», o produtor, embalador, importador, armazenista ou retalhista cujo nome, firma ou denominação social, bem como o domicílio ou lugar onde estejam estabelecidos figurem no rótulo ou, no caso de falta ilegal dessas menções, aquela entidade que lançou o género alimentício já pré-embalado no mercado interno do continente e ilhas adjacentes.
Art. 3.º - 1. O rótulo não pode mencionar, descrever ou apresentar o género alimentício de maneira falsa, enganadora, ilusória ou, de um modo geral, susceptível de criar, sob qualquer aspecto, uma impressão errónea quanto à sua natureza, composição, qualidade ou quantidade, nem contradizer as indicações obrigatórias.
2. Os géneros alimentícios pré-embalados não podem ser descritos ou apresentados por meio de palavras, imagens ou outras formas descritivas que se refiram ou façam alusão directa ou indirecta a outro produto de qualquer maneira capaz de induzir o consumidor a supor que tais géneros são semelhantes a outros.
3. Sem prejuízo do disposto na lei para as águas minerais a de mesa, é proibido inscrever nos rótulos:
a) Quaisquer alusões a propriedades preventivas ou curativas de doenças;
b) Os qualificativos «fortificante», «revigorante», «vivificante», «reconstituinte», «tónico» e outros similares alusivos a propriedades especiais do género alimentício.
Art. 4.º - 1. Carece de autorização da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e industriais o uso das expressões «puro» e «natural».
2. Carece de autorização da Direcção-Geral de Saúde o uso das expressões indicativas da presença de nutrientes, tais como vitaminas, ácidos aminados ou oligoelementos, naturalmente existentes no género alimentício ou a ele adicionados.
Art. 5.º Sem prejuízo da inclusão de outras indicações exigidas por lei geral ou especial, os rótulos devem mencionar, nos casos e nos termos que vierem a ser estabelecidos em portaria do Secretário de Estado do Comércio:
a) O nome do género alimentício;
b) O seu tipo ou classe;
c) A relação dos ingredientes;
d) O conteúdo líquido;
e) O nome, firma ou denominação social, bem como o domicílio ou lugar onde está estabelecido o produtor, embalador, importador, armazenista ou retalhista;
f) O país de origem;
g) O prazo de validade h) As instruções necessárias para o armazenamento;
i) As instruções para consumo imediato;
j) O tratamento por radiações ionizantes;
1) Quaisquer outras indicações.
Art. 6.º Por portaria do Secretário de Estado do Comércio poderão ser adoptadas as seguintes medidas:
a) Proibição ou condicionamento a autorização da inclusão nos rótulos de outras expressões ou alusões para além das previstas no n.º 3 do artigo 3.º e no artigo 4.º;
b) Admissão de uma margem de tolerância entre o conteúdo líquido indicado no rótulo e a quantidade real do género o alimentício contido na embalagem;
c) Sujeição dos rótulos de todos ou de alguns géneros alimentícios pré-embalados a autorização de entidades competentes, para além dos casos em que tal obrigatoriedade esteja já estabelecida na lei;
d) Regulamentação da publicidade dos géneros alimentícios pré-embalados.
Art. 7.º - 1. A falta e a inexacta indicação do conteúdo líquido ou do prazo de validade, quando obrigatória, são equiparadas às infracções previstas, respectivamente, no n.º 1 do artigo 26.º e nas alíneas a) ou c) do n.º 1 do artigo 18.º, ambos do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957, sujeitando as entidades comerciais responsáveis às penas correspondentes.
2. As restantes infracções ao presente diploma ou às portarias publicadas em virtude do que nele se dispõe sujeitam as entidades comerciais responsáveis à pena da multa de 2000$00 a 30000$00, se outra pena mais grave lhes não couber por força de lei geral ou especial.
3. As regras de competência e do processo são as previstas no capítulo II do Decreto-Lei 41204.
Art. 8.º - 1. É concedido o prazo de um ano, contado da data da publicação da portaria a que se refere o artigo 5.º, para cessar a utilização das embalagens portadoras de rótulos que omitam indicações obrigatórias ou que incluam expressões ou alusões proibidas ou condicionadas a autorização, nos termos do artigo 4.º 2. Por portaria do Secretário de Estado do Comércio pode ser prorrogado o prazo referido no número precedente, em relação às embalagens de todos ou alguns dos géneros alimentícios.
3. É aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo precedente aos que venderem ou expuseram à venda ao público, para além do prazo estabelecido no presente artigo, géneros alimentícios contidos nas embalagens nele referidas e adquiridos durante esse prazo ou anteriormente.
Art. 9.º As dúvidas que surjam na aplicação do presente diploma serão esclarecidas por despacho do Secretário de Estado do Comércio.
Visto a aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - João Augusto Dias Rosas.
Promulgado em 10 de Agosto de 1972.
Publique-se.O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.