de 17 de Março
Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 3, da Constituição, ouvidos os órgãos de governo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, nos termos do artigo 231.º, n.º 2, da Constituição, o seguinte:
LEI DE BASES DO SISTEMA DE TRANSPORTES TERRESTRES
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Conceito
O sistema de transportes terrestres compreende as infra-estruturas e os factores produtivos afectos às deslocações por via terrestre de pessoas e de mercadorias no âmbito do território português ou que nele tenham término ou parte do percurso e rege-se pela presente lei, seus decretos-leis de desenvolvimento e regulamentos.
Artigo 2.º
Objectivos e princípios gerais
1 - A organização e funcionamento do sistema de transportes terrestres tem por objectivos fundamentais assegurar a máxima contribuição para o desenvolvimento económico e promover o maior bem-estar da população, designadamente através:a) Da adequação permanente da oferta dos serviços de transporte às necessidades dos utentes, sob os aspectos quantitativos e qualitativos;
b) Da progressiva redução dos custos sociais e económicos do transporte.
2 - O prosseguimento dos objectivos enunciados no n.º 1 deve obedecer aos seguintes princípios básicos orientadores:
a) É garantida aos utentes a liberdade de escolha do meio de transporte, incluindo o recurso ao transporte por conta própria;
b) É assegurada aos utentes, em paridade de condições, igualdade de tratamento no acesso e fruição dos serviços de transporte;
c) Salvas as restrições determinadas por reconhecido interesse público, as actividades das empresas, públicas ou privadas, produtoras de serviços de transporte desenvolver-se-ão em regime de ampla e sã concorrência, liberdade de estabelecimento, autonomia de gestão e justa rentabilidade dos investimentos efectuados;
d) Os poderes públicos assegurarão às empresas de transporte uma justa igualdade de tratamento, equiparando, quanto possível, as suas condições concorrenciais de base, sem prejuízo das suas diferenças estruturais e das exigências do interesse público;
e) Às empresas que explorem actividades de transporte que sejam qualificadas de serviço público poderão ser impostas obrigações específicas, relativas à qualidade, quantidade e preço das respectivas prestações, alheias à prossecução dos seus interesses comerciais;
f) Os entes públicos competentes para o ordenamento dos transportes qualificados de serviço público deverão compensar os encargos suportados pelas empresas em decorrência das obrigações específicas que a esse título lhes imponham;
g) Serão objecto de adequados planeamento e coordenação os investimentos públicos nas infra-estruturas, em ordem a assegurar a sua máxima rendibilidade social.
3 - A organização e funcionamento do sistema de transportes deverão ter ainda em conta:
a) Os imperativos de defesa nacional e as necessidades de ordem estratégica;
b) As orientações das políticas de ordenamento do território e desenvolvimento regional, qualidade de vida e protecção do ambiente;
c) As necessidades dos demais sectores da actividade económica;
d) A economicidade do consumo de energia;
e) As necessidades de segurança da circulação e dos transportes.
4 - As obrigações de serviço público referidas nas alíneas e) e f) do n.º 2 compreendem a obrigação de explorar, a obrigação de transportar e a obrigação tarifária e só serão justificáveis nos termos e na medida necessários para garantir o funcionamento eficaz do sistema, de modo a adequar a oferta à procura existente e às necessidades da colectividade.
Artigo 3.º
Definições e classificações básicas
1 - Para efeitos da presente lei, seus decretos-leis de desenvolvimento e regulamentos, são adoptadas as definições básicas constantes dos números seguintes.
2 - Designam-se por transportes públicos, ou por conta de outrem, os efectuados por empresas habilitadas a explorar a actividade de prestação de serviços de transportes, com ou sem carácter de regularidade, e destinados a satisfazer, mediante remuneração, as necessidades dos utentes, e por transportes particulares, ou por conta própria, os efectuados por pessoas singulares ou colectivas para viabilizar a satisfação das suas necessidades ou complementar o exercício da sua actividade específica ou principal.
3 - Quanto ao objecto da deslocação, distinguem-se os transportes de pessoas, ou de passageiros, dos de mercadorias, ou de carga, e dos mistos.
4 - Quanto ao âmbito espacial da deslocação, consideram-se:
a) Transportes internacionais, os que, implicando atravessamento de fronteiras, se desenvolvam parcialmente em território português;
b) Transportes internos, os que se desenvolvam exclusivamente em território nacional, dentro dos quais se consideram as seguintes subcategorias:
1) Transportes interurbanos, os que visam satisfazer as necessidades de deslocação entre diferentes municípios não integrados numa mesma região metropolitana de transportes;
2) Transportes regionais, os transportes interurbanos que se realizam no interior de uma dada região, designadamente de uma região autónoma;
3) Transportes locais, os que visam satisfazer as necessidades de deslocação dentro de um município ou de uma região metropolitana de transportes;
4) Transportes urbanos, os que visam satisfazer as necessidades de deslocação em meio urbano, como tal se entendendo o que é abrangido pelos limites de uma área de transportes urbanos ou pelos de uma área urbana de uma região metropolitana de transportes.
5 - Considera-se área de transportes urbanos a que tenha sido qualificada e delimitada como área de um centro urbano, ou de um conjunto de aglomerados populacionais geograficamente contíguos, no plano director municipal ou, quando este não exista ou não esteja devidamente aprovado, por deliberação da assembleia municipal respectiva, ratificada pelos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Artigo 4.º
Contabilidade do sector
Com vista à instituição de uma contabilidade do sector, poderá ser imposta aos organismos e empresas que exerçam actividades relativas às infra-estruturas e à exploração de transportes integrados no sistema de transportes terrestres a elaboração de contas com obediência às normas a estabelecer para o efeito.
Artigo 5.º
Harmonização fiscal
1 - Com o objectivo de eliminar as disparidades de tratamento que sejam de molde a falsear substancialmente as condições de concorrência dos diversos modos, tipos e empresas de transporte, incluindo o particular, será reformulado o regime tributário específico a que estão sujeitos, em obediência às seguintes directrizes:a) Adoptar-se-á um sistema de contabilidade uniforme e permanente das despesas referentes a infra-estruturas de transportes ferroviários e rodovidários, como base para a tributação assente na imputação dos encargos com infra-estruturas;
b) As empresas que explorem transportes ferroviários utilizando a rede ferroviária nacional e os titulares de veículos de transporte rodoviário, público ou particular, ficarão sujeitos a um imposto pela utilização das respectivas infra-estruturas, em cuja base de cálculo se levarão em conta o desgaste daquelas que lhes seja imputável, bem como os custos externos associados a esses transportes suportados pela colectividade;
c) As receitas geradas pelo imposto referido na alínea anterior, bem como as demais receitas geradas pela utilização das infra-estruturas de transportes terrestres, serão, total ou parcialmente, afectas à cobertura dos encargos com a ampliação, modernização e conservação das suas redes.
2 - Para além do regime tributário específico previsto no número anterior, as empresas transportadoras apenas poderão ser sujeitas aos impostos que, em geral, onerem as dos restantes sectores económicos.
Artigo 6.º
Financiamento dos transportes em meio urbano
Nos termos a definir por lei podem ser lançados impostos e taxas visando garantir a manutenção e o desenvolvimento dos sistemas de transportes públicos de passageiros, em áreas urbanas e metropolitanas, revertendo as respectivas verbas para as entidades responsáveis pelo seu funcionamento.
Artigo 7.º
Normas jurídicas aplicáveis
1 - O planeamento, financiamento, gestão e controlo das infra-estruturas e da exploração do sistema de transportes terrestres regem-se pela presente lei e pelas demais normas legais e regulamentares aplicáveis, com salvaguarda das normas dos tratados e convenções internacionais vigentes na ordem interna portuguesa e das regras comunitárias aplicáveis.2 - Às entidades públicas a quem forem atribuídos o ordenamento e controlo dos vários modos e tipos de transportes terrestre compete, nos termos legais e regulamentares:
a) Aprovar regulamentos sobre os respectivos serviços e operações;
b) Fiscalizar os serviços e operações para assegurar a sua efectividade, qualidade e legalidade;
c) Aplicar sanções pela violação da lei e dos regulamentos vigentes, a definir nos diplomas de execução da presente lei.
Artigo 8.º
Fiscalização dos transportes terrestres
1 - A fiscalização do cumprimento das normas reguladoras dos transportes terrestres, bem como das actividades complementares e auxiliares dos transportes terrestres, será orientada e assegurada pelos serviços e organismos aos quais tal competência for atribuída pelos diplomas publicados em execução da presente lei.
2 - Os titulares e trabalhadores das empresas e actividades a que se refiram ou apliquem a presente lei e os diplomas que lhe derem execução, bem como quaisquer pessoas a quem os seus preceitos se aplicarem, são obrigados a facultar ao pessoal dos serviços e organismos referidos no número anterior, para efeitos de inspecção, o acesso aos seus veículos e instalações e o exame de quaisquer elementos da sua escrituração e documentação, desde que necessários para a fiscalização do cumprimento da legislação de transportes.
3 - A actividade fiscalizadora a que se referem os números anteriores será exercida por agentes que terão o estatuto de agentes da autoridade pública e poderão solicitar e obter o apoio necessário de quaisquer funcionários ou agentes de quaisquer serviços e organismos das administrações central, regional e local, especialmente das forças de segurança e fiscalização, de competência geral ou especializada.
Artigo 9.º
Medidas de emergência
O Governo e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas poderão, no âmbito das respectivas competências, promover, garantir, requisitar, proibir, suspender ou limitar, total ou parcialmente, pelo período de tempo estritamente necessário, a realização de certos tipos de serviços de transporte objecto da presente lei quando o justifiquem graves motivos de ordem e saúde públicas, segurança da circulação, preservação do ambiente, abastecimento de energia ou outros interesses públicos.
CAPÍTULO II
Transporte ferroviário
Artigo 10.º
Infra-estruturas: rede ferroviária nacional
1 - A rede ferroviária nacional, compreendendo as linhas e ramais de interesse público, que constituem bens do domínio público do Estado, será definida no Plano Ferroviário Nacional e abrangerá a rede principal e a rede complementar.
2 - A rede principal será composta:
a) Pelas linhas vocacionadas para a prestação de serviços de transportes de passageiros, nacionais e internacionais, de longo curso, grande velocidade e elevada qualidade;
b) Pelas linhas basicamente destinadas ao transporte de grandes volumes de tráfego de passageiros deslocando-se diariamente entre os locais de residência e os locais de trabalho.
3 - A rede ferroviária nacional será objecto de permanente actualização no âmbito da política geral de transportes, tendo em conta a procura actual e potencial do transporte ferroviário, o progresso técnico e os interesses públicos das regiões servidas, mediante:
a) A construção de novas linhas, troços de linha, ramais e variantes aos traçados existentes;
b) A modernização das linhas e ramais e demais instalações e equipamentos em serviço;
c) A desclassificação ou desactivação de linhas, troços de linha e ramais.
4 - A execução das medidas de actualização da rede ferroviária nacional referidas no número anterior basear-se-á em estudos técnicos, económicos, financeiros e de impacto ambiental adequados, que terão em conta a evolução previsível das necessidades de transporte de passageiros e de mercadorias e a forma de lhes dar satisfação, numa óptica multimodal, com um custo mínimo para a colectividade.
Artigo 11.º
Construção, conservação e vigilância de infra-estruturas
1 - A construção de novas linhas, troços de linha, ramais e variantes a integrar na rede ferroviária nacional, bem como a conservação e vigilância das infra-estruturas existentes, poderão ser feitas pelo Estado ou por entidade, actuando por sua concessão ou delegação.
2 - A integração na rede ferroviária nacional de novas linhas, troços de linha, ramais e variantes far-se-á por decreto do Governo, sob proposta dos Ministros das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e Finanças.
3 - O Estado compensará a entidade referida no n.º 1 pela totalidade dos encargos de construção, conservação e vigilância de infra-estruturas, de harmonia com as normas a aprovar pelo Governo.
Artigo 12.º Desclassificação de linhas, troços de linha e ramais 1 - Serão desclassificados da rede ferroviária nacional as linhas, troços de linha e ramais relativamente aos quais se conclua, com base nos estudos referidos no n.º 4 do artigo 10.º, que:
a) Os tráfegos actuais e potenciais não atingem os valores mínimos social e economicamente justificativos da manutenção do serviço público ferroviário;
b) As necessidades de transporte público respectivas podem ser satisfeitas, em condições mais económicas para a colectividade, por outros meios;
c) A desclassificação da linha, troço de linha ou ramal, tida em conta a sua articulação com a rede ferroviária nacional, não inviabilizará soluções necessárias à continuidade ou adequação do serviço nesta prestado;
d) Não são comportáveis os eventuais investimentos necessários à modernização do serviço e à segurança da circulação.
2 - Competirá à concessionária da exploração ferroviária propor a desclassificação das linhas, troços de linha e ramais, justificando-a, nos termos do número anterior.
3 - Sobre a proposta da concessionária referida no número anterior serão ouvidos os órgãos autárquicos e os demais organismos públicos eventualmente interessados na linha, troço de linha ou ramal a desclassificar.
4 - Poderão as autarquias interessadas associar-se ou constituir empresas a fim de manterem em exploração as linhas, troços de linha ou ramais desclassificados da rede ferroviária nacional, devendo, para tal efeito, declarar essa intenção nos pareceres que emitam ao abrigo do número anterior.
5 - A desclassificação de linhas ou ramais será, em cada caso, declarada por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ouvido o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes.
6 - A declaração de desclassificação implicará a cessação definitiva da exploração do serviço público de transporte ferroviário previsto no n.º 1 do artigo seguinte no prazo definido na resolução do Conselho de Ministros que a aprovar.
7 - A declaração de desclassificação definirá o destino a dar aos terrenos, imóveis e equipamentos da linha, troço de linha ou ramal desclassificados, bem como os prazos de eventual extinção dos condicionamentos, designadamente servidões, determinados pela sua existência, ou, no caso previsto no n.º 4, fixará as condições de utilização das infra-estruturas e equipamentos pela futura entidade exploradora.
Artigo 13.º
Exploração do transporte ferroviário
1 - A organização e exploração dos transportes na rede ferroviária constitui um serviço público, a assegurar em regime de concessão ou delegação.
2 - Em casos perfeitamente delimitados, designadamente por motivos de interesse regional ou local, ou por razões de especificidade tecnológica, a exploração de linhas e ramais poderá ser subdelegada pela concessionária, mediante contrato, em outras empresas ou entidades, nos termos a definir em regulamento.
3 - A exploração das linhas, troços de linha e ramais que não se integrem na rede ferroviária nacional poderá ser exercida nos termos do n.º 4 do artigo anterior ou por outras empresas ou entidades que se proponham efectuá-la, com sujeição às regras a definir em regulamento.
4 - O regime de exploração do serviço público de transporte ferroviário obedecerá aos seguintes princípios:
a) As obrigações de serviço público impostas à concessionária deverão assemelhar-se às que impendam sobre as demais empresas transportadoras;
b) A exploração ferroviária deverá concentrar-se nos tipos de serviço que constituam a vocação económica do caminho de ferro e nos itinerários cujo tráfego real ou potencial justifique a sua utilização, sem prejuízo das exigências do serviço público de transporte;
c) Os preços a cobrar dos utentes deverão ter em conta os custos de produção da concessionária e a situação do mercado de transportes, sendo estabelecidos pela concessionária, com excepção daqueles que o Governo entenda dever fixar;
d) O Estado atribuirá indemnizações compensatórias à concessionária, na medida em que esta, por imposição do interesse público e justiça social, tenha de manter equipamentos ou prestar serviços em condições ou a preços incompatíveis com uma gestão comercial equilibrada ou suportar encargos anormais a que não estejam sujeitas as demais empresas transportadoras;
e) A fim de integrar a exploração ferroviária no sistema de transportes, será estimulado e facilitado pelos poderes públicos o estabelecimento de formas de coordenação técnica e funcional do transporte ferroviário com os outros modos de transporte.
CAPÍTULO III
Transporte rodoviário
Artigo 14.º
Infra-estruturas: rede rodoviária
1 - A rede de estradas nacionais, que constituem bens do domínio público do Estado, é definida no Plano Rodoviário Nacional e inclui a rede fundamental - integrada pelos itinerários principais - e a rede complementar - integrada pelos itinerários complementares e outras estradas.2 - O Plano Rodoviário Nacional e as redes viárias regionais e municipais serão objecto de diplomas específicos.
3 - Os diplomas referidos no número anterior estabelecerão as normas disciplinadoras das categorias e características técnicas das estradas das redes nacional, regionais e municipais, as quais serão adaptadas à natureza e volume dos tráfegos previsíveis.
Artigo 15.º
Construção, conservação e exploração de infra-estruturas
1 - A construção, conservação e exploração da rede de estradas nacionais competem à administração central, salvo a excepção referida no n.º 3.
2 - A construção, conservação e exploração das redes viárias regionais e municipais competem às regiões e aos municípios em que se situarem.
3 - A construção e exploração de auto-estradas e de grandes obras de arte, nomeadamente pontes e túneis, integradas na rede de estradas nacionais poderá ser objecto de concessão, atribuída a empresa constituída expressamente para esse fim.
4 - Para o efeito do disposto no número anterior, o Governo definirá quais os lanços de auto-estrada ou as grandes obras de arte a incluir na concessão e bem assim os respectivos programas de construção.
5 - Em regra, deverão ser objecto de concessão os lanços de auto-estrada que correspondam a trajectos de longa distância, devendo ser excluídos os que, pela sua localização em áreas urbanas ou em acessos imediatos aos grandes centros urbanos, a portos ou a aeroportos, devam ser construídos pela administração central.
6 - As auto-estradas ou grandes obras de arte construídas por concessão serão exploradas em regime de portagem.
7 - O regime de concessão da construção, conservação e exploração das auto-estradas ou grandes obras de arte constará de legislação especial.
Artigo 16.º
Transportes particulares
É livre o acesso à realização de transportes rodoviários por conta própria, sujeitos apenas a normas a definir em regulamento, quanto a:a) Requisitos técnicos e de identificação dos veículos;
b) Meios de controlo do efectivo carácter particular dos transportes.
Artigo 17.º
Transportes públicos
1 - Os transportes públicos rodoviários poderão ser explorados em regime de transporte regular ou ocasional.2 - São transportes regulares os transportes públicos realizados segundo itinerários, paragens, frequências, horários e preços previamente definidos.
3 - São transportes ocasionais os transportes públicos realizados sem carácter de regularidade segundo itinerários, horários e preços livremente negociados ou estabelecidos caso por caso, e quer a capacidade global do veículo seja posta à disposição de um só utente, quer seja posta à disposição de uma pluralidade de utentes que o utilizem e remunerem por fracção da sua capacidade.
4 - Os veículos afectos à exploração dos transportes públicos estão sujeitos a licenciamento e deverão obedecer aos requisitos técnicos e de identificação.
Artigo 18.º
Transportes rodoviários internacionais
Os transportes rodoviários internacionais ficam sujeitos a legislação especial, bem como às convenções e normas internacionais que vinculam o Estado Português.
Artigo 19.º
Acesso à profissão de transportador
Terão acesso à profissão de transportador público rodoviário as empresas que:a) Pertençam a pessoas singulares de nacionalidade portuguesa, ou a pessoas colectivas constituídas e reguladas segundo a lei portuguesa, ou pessoas que gozem de direito a igualdade de tratamento com os Portugueses, de acordo com convenções ou normas internacionais que vinculem o Estado Português;
b) Reúnam condições de idoneidade, de capacidade financeira e de capacidade profissional, a definir em regulamento;
c) Estejam inscritas no registo nacional de transportadores rodoviários, a criar para o efeito, e sejam possuidoras do respectivo título ou títulos.
Artigo 20.º
Exploração de transportes regulares de passageiros urbanos e locais
1 - Os transportes regulares urbanos são um serviço público, explorado pelos municípios respectivos, através de empresas municipais, ou mediante contrato de concessão ou de prestação de serviços por eles outorgado, por empresas transportadoras devidamente habilitadas, nos termos do artigo anterior.
2 - Os transportes regulares locais são um serviço público explorado por empresas transportadoras devidamente habilitadas, nos termos do artigo anterior, mediante contrato de concessão ou de prestação de serviço celebrado com o respectivo município.
3 - O estabelecimento e exploração de transportes urbanos e locais deverão subordinar-se às regras gerais constantes de diploma a publicar, no qual poderão ser definidas as condições em que, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, dois municípios limítrofes poderão explorar, conceder ou contratar conjuntamente a exploração de transportes urbanos ou locais que se desenvolvam nas respectivas áreas e cuja exploração integrada considerem de interesse público.
4 - A regulamentação a que se refere o número anterior pode prever a exploração em regime de exclusivo ou a atribuição de preferências, mas deverá permitir a exploração, sujeita ou não ao regime de serviço público, e mediante autorização, de circuitos turísticos e outros serviços de transporte regular de passageiros qualitativamente diferenciados, em função quer de determinadas categorias de utilizadores, quer das características técnicas dos veículos ou da exploração dos serviços.
Artigo 21.º
Exploração de transportes regulares de passageiros interurbanos
1 - Os transportes regulares interurbanos serão explorados por livre iniciativa e por conta e risco de empresas transportadoras devidamente habilitadas, nos termos a definir em regulamento, em regime de autorização para cada linha, outorgada pelo Governo ou, no tocante aos transportes regionais, pelos órgãos competentes das regiões autónomas.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, sempre que as autoridades competentes considerem haver necessidades da procura de transporte regular interurbano ou regional não satisfeitas através das linhas da iniciativa das empresas transportadoras, poderão pôr a concurso a concessão ou a exploração em regime de prestação de serviço das linhas que convenha estabelecer, qualificando-as de serviço público.
3 - A outorga das autorizações referidas no n.º 1 poderá ser recusada com fundamento na falta, originária ou superveniente, de requisitos de acesso à profissão pelas empresas requerentes, bem como se as condições constantes do respectivo programa de exploração forem susceptíveis de:
a) Perturbarem gravemente a organização do mercado de transportes regulares;
b) Afectarem a exploração dos transportes urbanos e locais na respectiva zona de influência;
c) Configurarem concorrência desleal a outras empresas transportadoras já em operação.
Artigo 22.º
Exploração dos transportes ocasionais de passageiros
1 - Do regime de exploração de transportes ocasionais de passageiros constarão:
a) A distinção entre transportes em veículos ligeiros e em veículos pesados;
b) A possibilidade de afectação dos veículos de transporte ocasional a locais ou áreas geograficamente definidos.
2 - Competirá à administração central, quanto ao território do continente, e aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, quanto às respectivas regiões, a atribuição de licenças para veículos pesados destinados a transportes ocasionais de passageiros.
3 - Dentro dos condicionamentos a estabelecer pelo Governo, compete aos municípios a atribuição de licenças para veículos ligeiros destinados a transportes ocasionais de passageiros.
Artigo 23.º
Transportes destinados a viagens turísticas colectivas
1 - Os transportes de passageiros regulares e ocasionais especificamente destinados à realização de viagens turísticas colectivas poderão ser objecto de normas a definir em regulamentação especial referentes a:
a) As condições de acesso à sua organização e realização, que incluirão a satisfação de requisitos de acesso à profissão fixados nos termos do artigo 19.º;
b) A sujeição dos veículos a eles destinados a licenciamento e a especiais requisitos técnicos e de identificação;
c) As condições específicas da sua exploração, por forma a assegurar a sua adstrição às específicas necessidades da actividade turística.
2 - Considera-se viagem turística colectiva um complexo de serviços, que não poderá circunscrever-se à mera prestação de transporte e que cubra uma totalidade convencionada de necessidades dos turistas que a ela adiram, mediante um preço global prévia e individualmente fixado.
Artigo 24.º
Exploração dos transportes públicos de mercadorias
1 - O regime de exploração dos transportes públicos de mercadorias deverá salvaguardar a existência de concorrência e a segurança dos transportes, designadamente dos que se revistam de especial periculosidade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, poderão ser estabelecidos condicionamentos geográficos ou limitações quantitativas de acesso ao mercado.
Artigo 25.º
Tarifas e preços
1 - As tarifas dos transportes rodoviários regulares de passageiros que sejam explorados em regime de serviço público serão fixadas pelas respectivas autoridades concedentes.2 - Os preços dos restantes transportes regulares serão fixados livremente pelas empresas transportadoras.
3 - Poderá o Governo, caso a necessidade de salvaguardar a organização do mercado de transportes o justifique, definir limites máximos e mínimos dentro dos quais deverá ser feita a fixação das tarifas e preços dos transportes rodoviários regulares de passageiros pelas entidades referidas nos números anteriores.
4 - As tarifas dos transportes ocasionais de passageiros em veículos ligeiros serão fixadas nos termos a regulamentar.
5 - Os preços dos restantes transportes ocasionais, de passageiros e de mercadorias, serão contratados entre as empresas transportadoras e os utentes.
6 - Os preços, as tarifas e as condições de transporte prefixados e em vigor a cada momento deverão ser publicados e adequadamente divulgados.
CAPÍTULO IV
Transportes nas regiões metropolitanas
Artigo 26.º
Âmbito
1 - Os transportes por via terrestre e fluvial nas regiões metropolitanas de transportes ficam sujeitos ao regime especial do presente capítulo e em tudo o que não o contrarie às disposições legais e regulamentares genéricas em vigor.2 - Cada região metropolitana de transportes compreenderá uma área geográfica constituída pelo centro urbano principal, no qual se verificam intensas relações de transporte de pessoas entre os locais de residência e os diferentes locais da actividade económica, administrativa e cultural, e pelas zonas circunvizinhas, onde podem existir também aglomerados urbanos secundários, que com o centro urbano principal mantêm relações intensas de transporte, nomeadamente de passageiros em deslocação pendular diária entre os locais de residência e de trabalho.
3 - Para efeitos da presente lei, são regiões metropolitanas de transportes as de Lisboa e do Porto, cujos limites serão definidos por decreto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Artigo 27.º
Ordenamento e exploração dos transportes nas regiões metropolitanas
1 - Com vista a regular as bases de funcionamento do sistema de transportes em cada região metropolitana, será estabelecido um plano de transportes, devidamente articulado com os planos de urbanização e de ordenamento do território.
2 - O plano de transportes referido no número anterior definirá os investimentos e as medidas legais, regulamentares e administrativas reputadas necessárias para gerir o sistema de transportes, pela coordenação entre os diferentes modos e respectivas entidades exploradoras, tendo em vista:
a) Promover o desenvolvimento do sistema de transportes da respectiva região, por forma a satisfazer as necessidades de transporte existentes e previsíveis, segundo os diferentes segmentos da procura;
b) Proporcionar as condições para uma movimentação fluida e aos menores custos económico-sociais das pessoas e bens através dos aglomerados urbanos e das vias que estabelecem ligações entre eles;
c) Tornar mínimo o custo resultante para a colectividade do funcionamento do sistema;
d) Contribuir para a estruturação adequada da ocupação do espaço através de uma implantação diferenciada de infra-estruturas e serviços de transporte.
3 - O plano de transportes da região metropolitana abrangerá não só os meios de transporte público de superfície (ferroviário, rodoviário e fluvial) e subterrâneo (metropolitano), como também as condições de circulação e estacionamento dos veículos privados.
4 - Dentro de cada região metropolitana os transportes públicos regulares de passageiros serão organizados com base na coordenação e complementaridade dos diferentes meios.
5 - Em relação aos veículos de transporte de mercadorias e aos de transporte particular de passageiros, os planos de transportes deverão definir as condições de circulação e estacionamento, por forma que, sem prejuízo da função que devem desempenhar, sejam salvaguardadas a rapidez e a comodidade do transporte público de passageiros.
6 - Sem prejuízo da sua competência própria em matéria de ordenamento do trânsito no interior dos aglomerados urbanos, os municípios deverão promover as adaptações necessárias para implementar os planos de transportes.
7 - Os transportes públicos regulares de passageiros nas regiões metropolitanas de transportes são um serviço público e serão explorados por empresas que reúnam os requisitos de acesso à profissão definidos nos termos do artigo 19.º, em regime de concessão ou de prestação de serviços, podendo os que se desenvolvam nas áreas urbanas secundárias ser explorados pelos respectivos municípios, através de empresas municipais.
8 - A exploração de circuitos turísticos e outros transportes públicos regulares de passageiros, qualitativamente diferenciados, em função quer de determinadas categorias de utilizadores, quer das características técnicas dos veículos ou da exploração dos serviços, que poderão ser qualificados ou não como serviço público, poderá ser atribuída, mediante autorização, a empresas que reúnam os requisitos de acesso à profissão definidos nos termos do artigo 19.º 9 - O plano de transportes deverá prever o plano geral de financiamento dos investimentos nele previstos, compreendendo as fontes de financiamento, os montantes de despesas estimados e as entidades responsáveis pela obtenção e afectação dos recursos.
Artigo 28.º
Comissão metropolitana de transportes
1 - O Governo instituirá em cada região metropolitana de transportes um organismo público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, denominado comissão metropolitana de transportes, que terá por atribuições fundamentais:a) Promover a elaboração e a actualização permanente do plano de transportes da região, assegurando a sua fiscalização;
b) Coordenar a execução dos investimentos e das medidas previstas no plano, compatibilizando as actuações dos organismos públicos e das empresas transportadoras envolvidos e adoptando as medidas que em cada momento se revelem necessárias ou convenientes para aquele fim;
c) Realizar os investimentos que, a título excepcional, lhe venham a ser atribuídos nos termos do plano;
d) Arrecadar e gerir as receitas que lhe forem anualmente atribuídas;
e) Conceder, autorizar ou contratar a exploração de transportes regulares na região, nos termos dos n.os 7 e 8 do artigo anterior;
f) Desempenhar outras funções que lhe venham a ser atribuídas com vista à boa execução do plano de transportes.
2 - Cada comissão metropolitana de transportes terá como órgãos o conselho geral e o conselho executivo.
3 - Nos conselhos gerais das comissões metropolitanas de transportes terão obrigatoriamente assento:
a) Representantes dos organismos da administração central competentes nos domínios dos transportes, das respectivas infra-estruturas, do planeamento regional e do ordenamento do território;
b) Representantes das autarquias locais abrangidas;
c) Representantes das empresas transportadoras;
d) Representantes sindicais;
e) Representantes dos utentes.
4 - Os membros dos conselhos executivos serão designados pelo Governo, sendo pelo menos um dos seus elementos representante das autarquias integrantes do conselho geral.
5 - A composição, a organização, o modo de funcionamento e os meios de actuação das comissões metropolitanas de transportes e dos seus órgãos serão definidos em decreto-lei.
6 - As atribuições e competências das comissões metropolitanas de transportes poderão ser transferidas para entes públicos mistos que venham a ser constituídos com a participação de organismos da administração central e de municípios da respectiva região metropolitana de transportes.
CAPÍTULO V
Coordenação técnica
Artigo 29.º
Coordenação técnica
As administrações central e local e as empresas transportadoras deverão, no âmbito das suas competências, promover a coordenação técnica dos transportes terrestres e destes com os não terrestres, designadamente através:a) Da localização dos terminais e pontos de paragem dos transportes públicos e dos estacionamentos dos veículos, de modo a proporcionarem a maior eficácia, rapidez, segurança e comodidade dos enlaces e correspondências entre deslocações e meios e modos de transporte;
b) Da concepção e construção de centros de coordenação e de abrigos de passageiros que estabeleçam adequada localização e serviço dos terminais e paragens dos transportes públicos;
c) Da complementaridade técnica dos veículos e demais equipamentos afectos à exploração dos serviços de transporte;
d) Da adequada ponderação da função de transportes no planeamento da implantação de áreas ou projectos industriais, designadamente de empresas públicas ou participadas pelo Estado e outros entes públicos ou que sejam apoiados pelo Estado.
CAPÍTULO VI
Outros meios de transporte e actividades
Artigo 30.º
Outros meios de transporte
Os transportes terrestres com características técnicas especiais, designadamente por metropolitano, carro eléctrico, troleicarro, elevador, ascensor, tapete rolante, teleférico e conduta, bem como os transportes fluviais e ainda os que resultem da introdução de novas tecnologias, regular-se-ão, no que couber, pelos preceitos dos capítulos I, IV e V da presente lei, seus decretos-leis de desenvolvimento e normas regulamentares, bem como pelas normas que especificamente os regularem, podendo também ser submetidos, por analogia técnica, funcional ou económica, às disposições dos capítulos II ou III desta lei, seus decretos-leis de desenvolvimento e disposições regulamentares.
Artigo 31.º
Actividades auxiliares e complementares dos transportes
1 - Serão objecto de regulamentações especiais, tendo em vista assegurar a eficácia da sua coordenação com as actividades transportadoras e a harmonização, a organização e o funcionamento eficaz dos respectivos mercados, as actividades de:
a) Agente de transportes;
b) Empresas transitárias;
c) Aluguer de veículos automóveis de passageiros e de carga sem condutor;
d) Grupagem de cargas;
e) Recepção, armazenagem e distribuição de mercadorias.
2 - Em matéria de acesso às respectivas profissões, as actividades referidas no número anterior ficarão sujeitas aos princípios constantes do artigo 19.º
Artigo 32.º
Regulamentação e entrada em vigor
1 - No prazo de dois anos a contar da publicação da presente lei serão aprovados e publicados os diplomas legais e regulamentares necessários para sua execução, que deverão prever adequados regimes de transição, designadamente resguardando os direitos e interesses criados na vigência da legislação anterior.2 - A publicação dos diplomas referidos no número anterior condicionará a entrada em vigor das respectivas disposições da presente lei.
Artigo 33.º
Receitas
1 - Tendo por objectivo uma adequada e eficiente promoção da construção, conservação e exploração das infra-estruturas rodoviárias nacionais, e uma correcta gestão do acréscimo de receitas que para o efeito lhe é atribuído nos termos do artigo 5.º, o Governo dotará a Junta Autónoma de Estradas de maior autonomia administrativa, financeira e patrimonial.2 - Até à entrada em vigor do regime tributário específico dos transportes terrestres, nos termos previstos no artigo 5.º, serão anualmente inscritas no orçamento da Junta Autónoma de Estradas, como receitas próprias, pelo menos 80% das receitas dos impostos de camionagem, de circulação e de compensação, além das receitas das portagens e outras que por lei lhe couberem.
CAPÍTULO VII
Disposições transitórias
Artigo 34.º
Legislação revogada
1 - Fica revogada a Lei 2008, de 7 de Setembro de 1945.2 - Os diplomas legais e regulamentares publicados no quadro legislativo da Lei 2008 mantêm-se em vigor até à sua substituição pelos diplomas a publicar em execução da presente lei.
Artigo 35.º
Regulamentação da lei relativamente às regiões autónomas
A regulamentação prevista nesta lei terá em conta as situações específicas já existentes nas regiões autónomas.
Aprovada em 16 de Novembro de 1989.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 23 de Fevereiro de 1990.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 1 de Março de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.