de 5 de dezembro
O serviço público de transporte rodoviário de passageiros é prestado, na cidade de Lisboa, desde há várias décadas, pela Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A. (Carris, S. A.), tendo por base a concessão que lhe foi atribuída através do Decreto-Lei 688/73, de 21 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis 300/75, de 20 de junho e 485/88, de 30 de dezembro.
O contexto da prestação deste transporte público sofreu, entretanto, diversas alterações, entre as quais se destacam a nacionalização da empresa e a assunção, pelo Estado, de todas as situações jurídicas que a Câmara Municipal de Lisboa detinha em relação à Carris, S. A. - operadas através do Decreto-Lei 346/75, de 3 de julho -, a aprovação da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres (Lei 10/90, de 17 de março) e, mais recentemente, a evolução legislativa a nível europeu no sector dos transportes.
Neste particular, o Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, veio estabelecer um novo enquadramento para a prestação dos serviços públicos deste sector, apontando para um regime de concorrência regulada ao impor a abertura progressiva dos mercados do transporte público de passageiros a nível europeu, no respeito pelo princípio da reciprocidade e considerando todos os mercados nacionais de cada Estado-Membro, sendo irrelevante, na ótica do direito europeu, se os serviços públicos de transporte de passageiros são operados por entidades públicas ou privadas.
Por outro lado, e de acordo com as linhas de orientação prioritárias traçadas pelo Governo para o sector dos transportes, plasmadas no Programa do XIX Governo Constitucional e, em termos mais concretos, no Plano Estratégico dos Transportes para o horizonte 2011-2015 (PET), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2011, de 10 de novembro, têm vindo a ser implementadas medidas de reestruturação das empresas do sector dos transportes públicos terrestres, entre as quais se encontra a Carris, S. A., decorrendo também das referidas linhas de orientação prioritárias que a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos de transporte de passageiros deverá ser transferida, nos casos em que isso melhora as condições e a eficiência da referida prestação, mantendo o Estado o seu papel de regulador e coordenador estratégico, assegurando a qualidade e acessibilidade a todos os cidadãos do serviço público.
O Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas (PETI 3+), estabeleceu, em abril de 2014, o início da segunda fase das reformas preconizadas para este sector, prevendo também a abertura à iniciativa privada das atividades de operação e exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Neste contexto, e na sequência da implementação das diversas medidas de reestruturação desta empresa pública, importa proceder à criação de um quadro legal e contratual da prestação do serviço público pela Carris, S. A., que se revele mais consentâneo com a realidade atual da prestação dos serviços públicos de transporte de passageiros e a possibilidade de uma nova entidade vir a desempenhar atividades hoje prosseguidas por aquela empresa pública.
Com efeito, a concessão atribuída à Carris, S. A., assenta num quadro legal marcadamente obsoleto, que carece de manifesta atualização. Revela-se, por este motivo, adequado modificar o predito quadro legal, estipulando-se um regime jurídico geral para a concessão da Carris, S. A., que permita ir de encontro aos desideratos últimos do Governo de tornar a atividade prosseguida por esta empresa pública mais eficiente a vários níveis e, por conseguinte, financeiramente sustentável, bem como assegurar que o serviço público pela mesma prestado responde aos níveis de qualidade exigidos a um serviço com a importância do serviço de transporte público de passageiros na cidade de Lisboa.
O presente decreto-lei procede, deste modo, à atualização do quadro jurídico geral da concessão de serviço público atribuída à Carris, S. A., na qual o Estado detém a posição de concedente, criando as condições para que, posteriormente, se possa proceder às modificações contratuais que se afigurem necessárias, já em conformidade com as disposições normativas previstas no presente diploma, bem como dar início ao processo tendente ao envolvimento de uma nova entidade na prossecução de atividades hoje prosseguidas por aquela empresa pública.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A. (Carris, S. A.).
Artigo 2.º
Âmbito material e territorial da concessão
1 - A Carris, S. A., na qualidade de concessionária, mantém, em regime de exclusividade, a concessão de serviço público referida no artigo anterior.
2 - A concessão atribuída à Carris, S. A., tem por objeto a prestação de atividades e serviços que incidem, a título principal, no transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, utilizando-se, atualmente, autocarros, carros elétricos, ascensores mecânicos e um elevador.
3 - O objeto da concessão pode ainda compreender as seguintes atividades e serviços:
a) Exploração comercial, direta ou indireta, de estabelecimentos comerciais, escritórios, máquinas de venda de produtos e serviços de publicidade, utilizando para o efeito as respetivas instalações ou material circulante;
b) Prestação de serviços de consultadoria e de apoio técnico, no âmbito do sector dos transportes.
4 - A execução das atividades e serviços previstos no número anterior não dispensa o cumprimento das normas aplicáveis, designadamente em matéria de instalação comercial e, bem assim, em matéria ambiental.
5 - As atividades e serviços referidos no n.º 3 são acessórios do objeto principal da concessão e destinam-se a assegurar e complementar os fins sociais do serviço público e o equilíbrio comercial da exploração da concessionária.
6 - A concessionária pode, para o desenvolvimento das atividades e serviços acessórios previstos no presente artigo, criar outras sociedades, total ou parcialmente por si detidas, observados que sejam os procedimentos legais previstos para o efeito.
7 - A concessionária não pode desenvolver quaisquer atividades, nem prestar quaisquer serviços, que não estejam incluídos nos números anteriores, sem a prévia autorização do concedente.
8 - A área territorial abrangida pela concessão compreende, em regime de exclusividade, o território da cidade de Lisboa, podendo ainda a concessionária, desde que expressamente previsto no respetivo contrato de concessão, prestar serviços de transporte público rodoviário de passageiros de ligação entre a cidade de Lisboa e os municípios adjacentes.
Artigo 3.º
Prazo da concessão
O presente decreto-lei não prejudica a manutenção do prazo da concessão, o qual pode ser prorrogado nos termos da legislação nacional e europeia aplicável.
Artigo 4.º
Obrigações de serviço público
1 - O contrato de concessão deve definir expressamente as obrigações de serviço público a que a concessionária se encontra adstrita e a forma de cálculo das indemnizações compensatórias a atribuir eventualmente à concessionária, de acordo com o disposto na legislação nacional e europeia aplicável.
2 - As obrigações de serviço público a que se refere o número anterior impõem que seja necessariamente assegurado:
a) O funcionamento regular e contínuo do serviço concessionado, nas condições tarifárias definidas pelo concedente e de acordo com adequados padrões de qualidade;
b) Os direitos e a segurança dos passageiros;
c) A satisfação das necessidades das pessoas com mobilidade reduzida.
3 - O concedente pode impor à concessionária a realização de determinadas obrigações de serviço público, diversas daquelas que se encontrem estabelecidas no contrato de concessão, sem prejuízo do direito à reposição do equilíbrio financeiro nos termos previstos no mesmo contrato.
Artigo 5.º
Poderes gerais do concedente
Sem prejuízo do que se encontre previsto na lei e do que resulte do contrato de concessão, o Estado, na qualidade de concedente, detém os seguintes poderes gerais:
a) Estabelecer as tarifas mínimas e máximas pela utilização do serviço público;
b) Sequestrar ou resgatar a concessão;
c) Atribuir prestações económico-financeiras à concessionária;
d) Aplicar as sanções pecuniárias ou outras previstas no contrato de concessão;
e) Exigir a partilha equitativa do acréscimo de benefícios financeiros, nos termos do disposto no artigo 341.º do Código dos Contratos Públicos.
Artigo 6.º
Direitos e obrigações gerais da concessionária
1 - Sem prejuízo do que se encontre previsto na lei e do que resulte do contrato de concessão, constituem direitos da concessionária:
a) Explorar as atividades concedidas;
b) Auferir a remuneração prevista no contrato de concessão;
c) Obter, junto do concedente, toda a colaboração necessária ao cumprimento pontual e atempado das obrigações que para si decorram do contrato de concessão;
d) Elaborar e aplicar normas regulamentares no âmbito da atividade concessionada, designadamente em matéria de acesso, utilização e supervisão dos serviços.
2 - Sem prejuízo do que se encontre previsto na lei e do que resulte do contrato de concessão, a concessionária fica obrigada a:
a) Cumprir as leis nacionais e os normativos europeus vigentes, nomeadamente de índole laboral e ambiental, as ordens, injunções, comandos, diretivas e instruções que, nos termos da lei, lhe sejam dirigidos pelas autoridades competentes, bem como as determinações que, nos termos da lei ou do contrato de concessão, lhe sejam endereçadas pelo concedente;
b) Prestar os serviços concessionados, garantindo a sua adequada operabilidade, continuidade, disponibilidade, permanência, segurança e qualidade;
c) Permitir a fiscalização da concessão, nomeadamente facultando o acesso à respetiva documentação e instalações por parte do concedente;
d) Cumprir escrupulosamente as obrigações de serviço público a que se encontrar sujeita.
Artigo 7.º
Restrições à capacidade da concessionária
1 - A concessionária não pode, sem prévia e expressa autorização do concedente, tomar quaisquer decisões ou deliberações que tenham por conteúdo:
a) A alteração do seu objeto social;
b) A transformação, a fusão, a cisão ou a dissolução da sociedade;
c) O aumento ou redução do capital da sociedade;
d) A emissão de obrigações ou a contração de empréstimos, se a sua amortização ultrapassar o período da concessão;
e) O trespasse, a subconcessão ou qualquer outra forma de transmissão, no todo ou em parte, da exploração do serviço público concedido à execução de terceiros;
f) A alienação de qualquer bem imóvel afeto à exploração do serviço público.
2 - São nulos os atos praticados em violação do disposto no número anterior.
Artigo 8.º
Subconcessão
1 - A concessionária pode subconcessionar a atividade objeto da concessão, mediante autorização prévia do concedente.
2 - A escolha da subconcessionária pode incidir sobre uma entidade, de natureza pública ou privada, devendo ser realizada no estrito respeito pelas normas e princípios, nacionais e europeus, atinentes à contratação pública, designadamente, os princípios da igualdade, imparcialidade, concorrência, transparência e publicidade.
3 - No caso referido no n.º 1, a concessionária mantém os direitos e continua sujeita às obrigações e responsabilidades que para a mesma advenham do contrato de concessão.
4 - A atribuição da subconcessão tem, designadamente, por objetivos, conferir uma maior eficiência na prossecução das atividades da concessão, assegurando a minimização dos riscos e encargos para a concessionária e para o Estado.
5 - A concessionária, enquanto entidade adjudicante, pode agrupar-se com outra entidade adjudicante do sector dos transportes públicos, tendo em vista promover procedimentos de formação de um ou vários contratos, designadamente de contratos de subconcessão, cuja execução seja do interesse comum ou autónomo das entidades que compõem o agrupamento.
Artigo 9.º
Regime da concessão de serviço público
O regime geral da concessão de serviço público atribuída à Carris, S. A., tal como regulado pelo presente decreto-lei, não prejudica a aplicação, ao respetivo contrato de concessão, do Código dos Contratos Públicos.
Artigo 10.º
Direitos reais
O presente decreto-lei não afeta a manutenção dos direitos reais anteriormente constituídos a favor da Carris, S. A.
Artigo 11.º
Norma revogatória
Sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Carris, S. A., é revogado o Decreto-Lei 688/73, de 21 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis 300/75, de 20 de junho e 485/88, de 30 de dezembro.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de setembro de 2014. - Pedro Passos Coelho - Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque - António de Magalhães Pires de Lima - Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva - Luís Pedro Russo da Mota Soares.
Promulgado em 1 de dezembro de 2014.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 4 de dezembro de 2014.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.