de 30 de Julho
A primeira das intervenções previstas no Programa da Reforma Agrária, aprovado pelo Governo Provisório e publicado em anexo ao Decreto-Lei 203-C/75, de 15 de Abril, concretizada através do presente diploma, traduz-se na aplicação de medidas de nacionalização, de carácter global, em perímetros de aproveitamentos hidroagrícolas levados a efeito através de vultosos investimentos públicos.A partir dos anos cinquenta a hidráulica agrícola tornou-se, juntamente com o crédito, os subsídios, os preços e o povoamento florestal, um dos instrumentos fundamentais da política agrária fascista. Por esta época, e em resposta à crise do modelo tradicional de exploração latifundiária - crise determinada, essencialmente, pelo processo de industrialização e pela emigração -, a política de construção das grandes obras públicas de rega, centrando-se nas áreas de latifúndio, foi colocar a água à disposição dos grandes detentores de terra de sequeiro.
Uma tal política, em vez de apoiar um processo de conversão dos latifundiários em empresários capitalistas, como terão imaginado alguns ideólogos, teve como resultado uma separação ainda mais nítida, em termos sociais, entre a propriedade e a exploração capitalista da terra, fazendo contrapor, de um lado, uma camada poderosa de grandes proprietários fundiários e, de outro lado, várias camadas, muito diversificadas, de rendeiros, uma das quais constituída por grandes empresários capitalistas.
As medidas de nacionalização decretadas através deste diploma inserem-se na lógica de uma reforma agrária orientada pelo objectivo fundamental de abater o poder social e económico dos grandes agrários, libertando a terra, a água e a produção agrícola do seu contrôle para as submeter ao contrôle dos trabalhadores agrícolas e dos pequenos agricultores.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º São nacionalizados os prédios rústicos beneficiados, no todo ou em parte, pelos aproveitamentos hidroagrícolas de Caia, Campilhas, S. Domingos e Alto Sado, Divor, Loures, Idanha, Mira, Odivelas, Roxo, vale do Sado e vale do Sorraia, pertencentes a pessoas singulares, sociedades ou pessoas colectivas de direito privado, incluindo as de utilidade pública, que sejam proprietárias, no conjunto dos perímetros daqueles aproveitamentos, de uma área beneficiada que, mediante aplicação da tabela anexa ao Decreto-Lei 406-A/75, de 29 de Julho, se verifique corresponder a mais de 50000 pontos.
Art. 2.º Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, consideram-se extintos todos e quaisquer direitos, ónus reais e outros encargos que incidam sobre prédios nacionalizados.
Art. 3.º - 1. É garantido aos proprietários atingidos pelas medidas de nacionalização decretadas no artigo 1.º o direito de reservar, na zona nacionalizada, a propriedade de uma área de terra, a demarcar em função do ordenamento global de explorações a estabelecer, até ao limite equivalente a 50000 pontos, de harmonia com a tabela anexa a este diploma, desde que aqueles preencham cumulativamente os requisitos seguintes:
a) Explorem directamente a terra de que são proprietários;
b) Retirem exclusiva ou predominantemente da exploração agrícola directa os seus meios de subsistência e da sua família;
c) Não mantenham terras incultas ou subaproveitadas nem hajam incorrido em qualquer das situações previstas, como fundamento de intervenção, no Decreto-Lei n.º 660/74, de 25 de Novembro, e legislação complementar e tenham cumprido os deveres e obrigações estabelecidos no artigo 8.º, n.os 2 e 3, deste diploma.
2. O desaparecimento superveniente de qualquer dos requisitos exigidos no número anterior sujeitará a expropriação a área reservada.
3. Não gozam do direito de reserva as pessoas colectivas, quer se trate de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, fundações ou outras associações.
4. A propriedade resultante do exercício do direito de reserva só pode ser transmitida, por sucessão, a favor dos herdeiros legítimos ou, mediante negócio inter vivos, a favor do Estado.
5. É, contudo, proibida, sob pena de nulidade, a divisão do prédio rústico reservado.
Art. 4.º - 1. O direito de reserva previsto no artigo anterior caduca se não for exercido no prazo de vinte dias a contar da notificação, para o efeito, do proprietário ou de quem o represente, através de declaração escrita, dirigida ao Instituto de Reorganização Agrária.
2. Independentemente da notificação referida no número anterior, o direito de reserva caduca no prazo de trinta dias a contar da afixação de editais na sede da associação de regantes e beneficiários do aproveitamento hidroagrícola de que beneficiem os prédios nacionalizados.
3. A declaração de exercício do direito de reserva deverá ser acompanhada, sob pena de ineficácia, de uma outra em que o reservante declare quais os prédios, rústicos e urbanos, de que é proprietário, tomando em consideração o disposto nos artigos 13.º e 14.º deste diploma.
4. Tanto a notificação referida no n.º 1 deste artigo como a declaração de exercício do direito de reserva serão efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção.
Art. 5.º No ano agrícola subsequente à entrada em vigor do presente diploma poderá o Instituto de Reorganização Agrária tomar compulsivamente de arrendamento as áreas reservadas sem a consequência prevista no n.º 2 do artigo 3.º deste diploma.
Art. 6.º As regras a utilizar na fixação das indemnizações a atribuir aos proprietários e outros titulares de direitos ou ónus reais atingidos pela nacionalização serão definidas em decreto-lei a promulgar no prazo de cento e oitenta dias a contar da entrada em vigor deste diploma.
Art. 7.º - 1. São respeitados os direitos dos que, a qualquer título que não o de propriedade perfeita, explorem uma área dos prédios nacionalizados que, acrescida de todas as outras que a qualquer título também explorem, não exceda a pontuação referida no artigo 1.º 2. Aos que, a qualquer título que não o de propriedade perfeita, explorem uma área dos prédios nacionalizados que, acrescida de todas as outras que a qualquer título também explorem, exceda a pontuação referida no artigo 1.º, é garantido, com referência à sua posição contratual, um direito de reserva análogo ao atribuído aos proprietários e a exercer em idênticas condições de fundo e de processo.
Art. 8.º - 1. O Instituto de Reorganização Agrária entra imediatamente na posse das áreas nacionalizadas, independentemente de prévia fixação e pagamento das indemnizações devidas, com as limitações decorrentes dos números seguintes.
2. Os proprietários, arrendatários ou quaisquer outros empresários agrícolas afectados pelas medidas de nacionalização conservarão todos os poderes necessários à realização das operações agrícolas, de colheita, conservação, maneio de gado e outras necessárias ao bom aproveitamento da terra até ao termo da presente época agrícola, devendo assegurar os níveis normais de produtividade, de harmonia com as técnicas e usos socialmente aceites.
3. As práticas, por acção ou omissão, dolosas ou simplesmente negligentes, de proprietários, arrendatários e outros empresários agrícolas que afectem o bom aproveitamento da terra, infra-estruturas e equipamentos, ou conduzam à perda, diminuição ou destruição da produção, para além de outras sanções que por lei sejam aplicáveis, e da consequência prevista através da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do presente diploma, importarão, segundo a gravidade, redução ou eliminação da indemnização a que houver lugar, em termos a definir no diploma que regular a fixação e modo de pagamento das indemnizações.
Art. 9.º - 1. O Instituto de Reorganização Agrária poderá requisitar aos proprietários, arrendatários e demais atingidos pelas medidas estabelecidas neste diploma o equipamento mecânico e industrial, gado e outros componentes das respectivas explorações excedentários em relação à área que fiquem a cultivar, gozando, em qualquer caso, de direito de preferência, com eficácia real, em todas as alienações por aqueles efectuadas.
2. As indemnizações a que houver lugar por virtude de requisição serão reguladas no diploma referido no artigo 6.º Art. 10.º - 1. O Secretário de Estado da Estruturação Agrária nomeará, para cada perímetro, uma Comissão de Gestão Transitória, à qual competirá, designadamente, assegurar:
a) A actualização do cadastro do respectivo perímetro;
b) A demarcação das áreas reservadas, nos termos dos artigos 3.º, 4.º e 7.º;
c) O inventário de benfeitorias, equipamento, gado e outros bens existentes nas explorações situadas nas áreas nacionalizadas;
d) A fiscalização da actividade de proprietários, arrendatários, outros empresários agrícolas e seus comissários, em ordem a prevenir ou noticiar os comportamentos ilícitos referidos no artigo 8.º;
e) A auscultação dos trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores da região, a fim de, nas soluções a definir, serem tidos em conta os seus justos interesses, devendo, para o efeito, convocar assembleias de aldeia, freguesia e outras;
f) A realização de estudos e inquéritos com vista ao reordenamento global do perímetro;
g) A coordenação da exploração das áreas nacionalizadas enquanto nelas não forem instaladas novas unidades de produção;
h) A prática, em delegação do Instituto de Reorganização Agrária, de todos os actos, negócios jurídicos e operações relacionadas com a entrada na posse do Estado dos prédios nacionalizados, requisição de bens prevista neste diploma, reordenamento fundiário dos perímetros, arrendamento compulsivo de áreas reservadas e instalação de novas unidades de produção;
i) Quaisquer outras funções que lhes sejam cometidas por despacho ministerial.
2. As associações de regantes e beneficiários dos aproveitamentos hidroagrícolas abrangidos pelas presentes medidas passarão a ser dirigidas transitoriamente por comissões administrativas, a nomear por despacho do Secretário de Estado de Estruturação Agrária, e cujo presidente será um dos membros da respectiva Comissão de Gestão Transitória, ficando os membros dos actuais corpos gerentes obrigados a prestar-lhes todas as informações e elementos solicitados, sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada.
Art. 11.º Dos actos das Comissões de Gestão Transitória relativos à execução deste diploma de que resulte ofensa ilegítima aos direitos de proprietários, arrendatários e demais interessados caberá recurso, com efeito meramente devolutivo, para os Conselhos Regionais da Reforma Agrária e da decisão destes para o Ministro da Agricultura e Pescas.
Art. 12.º A organização e funcionamento das Comissões de Gestão Transitória serão regulados através de portaria.
Art. 13.º - 1. Para efeitos de aplicação das medidas estabelecidas neste diploma são declarados ineficazes todos os actos praticados desde 25 de Abril de 1974 que, por qualquer forma, impliquem diminuição da área do conjunto dos prédios rústicos de cada proprietário.
2. São declarados ineficazes os contratos de arrendamento ou quaisquer outros envolvendo cedência do uso da terra celebrados, em data posterior a 7 de Fevereiro de 1975, por proprietários ou outros empresários afectados pelas presentes medidas de nacionalização.
Art. 14.º Para os efeitos do presente diploma, os cônjuges não separados judicialmente de bens ou pessoas e bens, os comproprietários, a herança indivisa e outros patrimónios autónomos ou agrupamentos de facto semelhantes são tratados como um único proprietário ou arrendatário.
Art. 15.º Nas áreas nacionalizadas, as Comissões de Gestão Transitória promoverão a instalação progressiva de novas unidades de produção, tendo em conta a necessidade de preservar a capacidade e o nível produtivo dos perímetros e corresponder aos justos interesses dos trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores da região, de harmonia com programa a aprovar pelo Ministro da Agricultura e Pescas, depois de ouvidas as assembleias locais.
Art. 16.º As dúvidas surgidas na interpretação e execução do presente diploma, e designadamente na aplicação da tabela a ele anexa, serão resolvidas por portaria do Ministro da Agricultura e Pescas.
Art. 17.º As disposições do presente diploma poderão ser tornadas extensivas aos aproveitamentos hidroagrícolas do Alvor, Silves, Lagoa e Portimão, Paul de Magos e Salvaterra de Magos, através de simples portaria do Ministro da Agricultura e Pescas, a qual deverá conter, em anexo, a tabela de equivalências a aplicar.
Art. 18.º Este diploma entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Álvaro Cunhal - Joaquim Jorge Magalhães Mota - Francisco José Cruz Pereira de Moura - Mário Luís da Silva Murteira - José Joaquim Fragoso - Fernando Oliveira Baptista.
Promulgado em 29 de Julho de 1975.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.