de 6 de Setembro
Nos termos em que o direito à propriedade privada é reconhecido no ordenamento jurídico português, o âmbito das indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados deve ser objecto de diplomas específicos que regulem os diferentes aspectos da determinação do correspondente valor.As nacionalizações de empresas, de acções e outras partes do capital social das empresas privadas conferem aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados o direito a uma indemnização, que deverá ser calculada e liquidada segundo critérios económicos claramente definidos na lei.
A legislação específica em matéria de indemnizações por nacionalização surgiu inicialmente com o Decreto-Lei 528/76, de 7 de Julho, que veio estabelecer os critérios para o cálculo e pagamento das referidas indemnizações, em cumprimento do disposto nos diplomas que consagraram a nacionalização de diversos sectores da economia nacional.
No entanto, só posteriormente são consagrados os direitos de indemnização a atribuir aos ex-titulares de bens nacionalizados, através da Lei 80/77, de 26 de Outubro (alterada pelo Decreto-Lei 343/80, de 2 de Setembro, ratificado com alterações pela Lei 36/81, de 31 de Agosto), regulamentados em diplomas subsequentes quanto a metodologias e parâmetros a ter em conta no cálculo do valor a indemnizar.
Enquadraram-se neste âmbito as especificações técnicas constantes dos cadernos de encargos a que teriam de obedecer as entidades adjudicatárias da avaliação da situação patrimonial das empresas nacionalizadas - instituições de crédito, seguradoras e outras -, tarefa preparatória da determinação dos valores definitivos das acções ou partes de capital daquelas empresas.
A resolução de quaisquer litígios relativos à titularidade do direito a indemnização e à sua fixação, liquidação e efectivação podia ser feita com recurso a comissões arbitrais, conforme a Lei 80/77, de 26 de Outubro (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 343/80, de 2 de Setembro, ratificado pela Lei 36/81, de 31 de Agosto). As interpretações dos órgãos jurisdicionais quanto à natureza deste regime e os elementos constantes da fundamentação de algumas decisões apresentadas por comissões arbitrais, que têm vindo a ser constituídas ao abrigo do normativo citado e segundo as regras de funcionamento dispostas no Decreto-Lei 51/86, de 14 de Março, alertam para a necessidade de serem clarificadas, formalmente rectificadas e mesmo alteradas algumas disposições regulamentadoras desta matéria.
Pretende-se com o presente diploma alterar o regime jurídico do processo calculatório das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados, consignando, nomeadamente, o ajustamento de alguns critérios económicos e a extinção da figura das comissões arbitrais. Em substituição destas últimas cria-se outro tipo de órgãos com uma natureza jurídica mais consentânea com as funções consultivas que as comissões arbitrais têm vindo de facto a desempenhar.
Assim:
N uso da autorização legislativa concedida pela Lei 40/91, de 27 de Julho, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Cálculo do valor da indemnização
Artigo 1.º O cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas será apurado com base no valor do património líquido da respectiva empresa, no valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa, bem como no valor da efectiva rendibilidade da empresa.Art. 2.º O valor do património líquido de cada empresa será determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com as especificações técnicas aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.os 243/80, de 11 de Julho, e 40/82, de 10 de Março, e pela resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Agosto, quanto à avaliação patrimonial de empresas nacionalizadas, em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma.
Art. 3.º - 1 - O valor a atribuir às participações financeiras detidas pelas empresas nacionalizadas será o valor médio entre os resultados do balanço da participante e do balanço da participada, reconduzido este último à situação líquida da empresa.
2 - No caso de não ser possível obter os elementos necessários ao cálculo referido no número anterior, manter-se-á o valor já fixado.
Art. 4.º Tratando-se de empresas que, à data da nacionalização, fossem detentoras de concessões, serão consideradas, para efeito de valorização desses activos incorpóreos, as disposições legais ou contratuais respectivas, ao tempo em vigência, que previssem a entrega por parte do Estado de quaisquer compensações pecuniários por denúncia da situação contratual.
Art. 5.º - 1 - O valor de cotação das acções de cada sociedade anónima será o que resultar da média aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses títulos ao portador em cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a 1975.
2 - Quando as acções não hajam sido cotadas para cada um dos cinco anos referidos no número anterior, o valor de cotação não será considerado.
3 - Quando se trate de acções oferecidas à subscrição pública com pagamento de prémio de emissão e que não hajam sido admitidas à cotação na bolsa, poderá ser tomado em consideração, para efeito da determinação da componente C(índice 2), referida na fórmula constante da norma contida no artigo 7.º, o valor da emissão.
4 - Sempre que, no período referido no n.º 1, o valor nominal das acções haja sofrido alteração, serão introduzidas no cálculo adequadas ponderações, em ordem a que todos os termos da sucessão cronológica das cotações fiquem referidos a uma acção do valor nominal vigente à data da nacionalização.
5 - Quanto às empresas que hajam resultado de fusão operada nos últimos cinco anos anteriores a 1975, a falta de valores de cotação das respectivas acções para cada um dos anos anteriores àquele em que se operou a fusão será suprida pela média aritmética ponderada das cotações das empresas envolvidas, usando como pesos as percentagens dos respectivos capitais sociais na data da fusão, no capital total.
Art. 6.º - 1 - O valor da efectiva rendibilidade será aferido pela média aritmética simples dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos anteriores a 1975, acrescidos da correspondente dotação anual para amortizações e monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria 506/75, de 20 de Agosto, sendo que o mesmo período poderá ser reduzido até três anos no caso de indisponibilidade de elementos.
2 - A taxa calculatória a aplicar à média encontrada, nos termos do número anterior, para obtenção do valor de rendibilidade, será de 5%.
3 - Sempre que as empresas tenham tido duração inferior ao período de tempo considerado no n.º 1, será ainda aplicado o disposto nos números anteriores, recorrendo-se quer à anualização da aludida média quer à redução do período de referência da mesma, que no caso limite poderá corresponder a um único ano.
4 - Caso tenham sido verificadas fusões de empresas, aplicar-se-á, com as necessárias adaptações, o critério contemplado no n.º 5 do artigo 5.º Art. 7.º - 1 - Para o cálculo do valor da indemnização a atribuir por cada acção ou parte de capital adoptar-se-á à fórmula geral:
V = (alfa)1 C(índice 1) + (alfa)2 C(índice 2) + (alfa)3 C(índice 3) 2 - Aos símbolos mencionados no número precedente são atribuídos os seguintes significados:
V = valor da indemnização por acção, ou parte de capital quando se trate de empresas que não tenham revestido a forma de sociedade anónima;
C(índice 1) = valor que, para cada acção ou parte de capital, resulte do balanço especial nos termos do artigo 2.º;
C(índice 2) = valor de cotação determinado de acordo com o artigo 5.º;
C(índice 3) = valor de rendibilidade determinado nos termos do artigo 6.º;
(alfa)1, (alfa)2, (alfa)3 = coeficientes de ponderação fixados, respectivamente, em 60%, 20% e 20%.
3 - Sempre que não seja possível calcular C(índice 2) ou C(índice 3), o valor do coeficiente respectivo será repartido em partes iguais pelos restantes; caso se verifique, em simultâneo, a impossibilidade de cálculo dessas parcelas, (alfa)1 igualará a unidade.
CAPÍTULO II
Fixação do valor definitivo
Art. 8.º - 1 - Os valores de indemnização que se encontrem fixados à data de publicação do presente diploma serão desde logo alterados pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público (DGJCP), à luz dos critérios enunciados no capítulo I, independentemente de qualquer outra formalidade, mas sem prejuízo de solicitação aos titulares do direito à indemnização de qualquer elemento tido por necessário.2 - O Ministro das Finanças fixará, por despacho, o novo valor de indemnização resultante do estipulado no n.º 1, o qual substituirá o anteriormente atribuído.
3 - Nos termos dos números anteriores, a alteração ao valor de indemnização não poderá conduzir a um valor inferior ao anteriormente atribuído, pelo que nesse caso será este o fixado.
CAPÍTULO III
Comissões mistas
Art. 9.º - 1 - Com vista à reapreciação da aplicação casuística dos critérios legais estipulados no capítulo I, ou junção superveniente de elementos atinentes ao processo calculatório, os titulares do direito a indemnização poderão requerer, dentro do prazo de 60 dias a contar da data de publicação do despacho mencionado no n.º 2 do artigo 8.º, a revisão do cálculo desse mesmo valor e a constituição de uma comissão mista para a correspondente apreciação.2 - As comissões mistas, uma só por cada empresa nacionalizada, serão constituídas por três peritos, a saber:
a) Um, designado pelos titulares do direito a indemnização, a identificar, junto com declaração pessoal de aceitação do cargo, no requerimento referido no n.º 1;
b) Outro, designado pelo Governo e nomeado por despacho do Ministro das Finanças;
c) Um terceiro, que presidirá, escolhido por mútuo acordo entre os dois primeiros.
3 - Para a constituição das comissões mistas definidas nos termos dos números anteriores, será adoptado o seguinte procedimento:
a) A DGJCP informará a entidade que apresentar o primeiro requerimento, ou, no caso de simultaneidade, o titular de maior indemnização, para, dentro do prazo de 15 dias, promover, com as despesas a seu cargo, a publicação de anúncio no Diário da República, 3.ª série, e em dois dos jornais de grande circulação, um de Lisboa e outro do Porto, conforme modelo anexo a este diploma;
b) Qualquer titular de direito a indemnização respeitante à empresa referida no anúncio poderá indicar outro perito, por carta registada remetida à DGJCP no prazo de 15 dias a contar da publicação do anúncio no Diário da República, nos termos da alínea a) do número anterior;
c) No caso de serem designados diferentes peritos por diversos interessados, a escolha do que integrará a comissão será feita por sorteio público, a realizar pela DGJCP no 1.º dia útil cinco dias após a data limite derivada do anúncio no Diário da República;
d) No caso de sociedades por quotas, o anúncio será dispensado se os interessados juntarem declaração de todos os restantes sócios aceitando o perito designado.
4 - O perito designado pelo Governo tomará a iniciativa de se reunir com o perito designado pelos requerentes a fim de procederem à escolha do presidente da comissão mista, lavrando-se acta final da qual conste o resultado das diligências.
5 - A constituição das comissões mistas efectivar-se-á no prazo de 30 dias a contar da data de designação do perito referido na alínea a) do n.º 2.
6 - Os membros da comissão mista tomarão posse perante o director-geral da Junta do Crédito Público, devendo emitir parecer no prazo máximo de 60 dias.
7 - O apoio administrativo às comissões mistas é cometido à DGJCP.
8 - Com base no parecer elaborado pelas comissões mistas constituídas nos termos dos números anteriores, o Ministro das Finanças emitirá despacho definitivo quanto à fixação do valor da indemnização.
Art. 10.º - 1 - Os emolumentos devidos ao perito designado pelos requerentes, bem como os devidos ao perito presidente, serão satisfeitos pelos requerentes.
2 - Para garantia do pagamento dos emolumentos devidos ao perito presidente, os interessados deverão prestar caução no prazo de 15 dias a contar da data de entrega do requerimento referido no n.º 1 do artigo 9.º, sob pena de se suspender o processo de constituição da comissão.
3 - A caução referida no número anterior será prestada por depósito na Caixa Geral de Depósitos a favor do director-geral da Junta do Crédito Público, por garantia bancária ou seguro-caução, pelo montante de 500000$00, a qual apenas será utilizada pela DGJCP na falta de pagamento no prazo de 30 dias após entrega do parecer da comissão mista.
Art. 11.º - 1 - São extintas à data da entrada em vigor deste decreto-lei as comissões arbitrais constituídas ao abrigo do regime legal revogado pelo presente diploma.
2 - Os árbitros das comissões ora extintas serão empossados enquanto membros das correspondentes, e agora instituídas, comissões mistas, salvo oposição expressa dos titulares do direito a indemnização que indiquem novo representante no prazo de 15 dias a contar da data de publicação do presente diploma.
CAPÍTULO IV
Disposições revogatórias
Art. 12.º - 1 - São revogados pelo presente decreto-lei:a) Os artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei 528/76, de 7 de Julho;
b) Os artigos 14.º e 16.º da Lei 80/77, na redacção dada pelo Decreto-Lei 343/80, de 2 de Setembro;
c) A Portaria 786-A/77, de 23 de Dezembro;
d) O Decreto-Lei 206/78, de 24 de Julho;
e) A Portaria 610/78, de 7 de Outubro;
f) O Decreto-Lei 51/86, de 14 de Março;
g) A Portaria 497/86, de 8 de Setembro.
2 - Consideram-se ainda revogadas todas as disposições contidas em legislação complementar que contrariem o presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Agosto de 1991. - Joaquim Fernando Nogueira - José Oliveira Costa.
Promulgado em 22 de Agosto de 1991.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 27 de Agosto de 1991.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
ANEXO
Aviso para constituição das comissões mistas no âmbito das
indemnizações devidas por nacionalização - Decreto-Lei 332/91.
Avisam-se os ... (ex-sócios ou accionistas da mesma empresa), de ...
(denominação social de empresa), de que foi indicado ... (nome, profissão, morada) para servir de perito na comissão mista a constituir nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei 332/91, de 6 de Setembro.
De harmonia com o mesmo diploma, poderão ser indicados outros peritos pelos restantes ... (ex-sócios ou ex-accionistas) da referida empresa no prazo de 15 dias a contar da publicação deste anúncio no Diário da República, por carta registada, dirigida à Direcção-Geral da Junta do Crédito Público, Praça do Comércio, 1194 Lisboa Codex, acompanhada de prova da sua identidade, qualidade de titular de indemnização e declaração de aceitação por parte do perito.