Decreto-Lei 517/85
de 31 de Dezembro
Considerando que a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia implica, em relação à vinicultura, profundo esforço de aproximação e compatibilização, não só das regras respeitantes directamente à organização e funcionamento do mercado nacional com as regras que regem o respectivo mercado comunitário, mas também do conjunto da regulamentação específica aplicável a todo o sector, desde a plantação da vinha até à classificação, designações, características e apresentação dos seus produtos ao consumidor;
Considerando que a acção geral a desenvolver deverá orientar-se no sentido do integral aproveitamento das potencialidades do País quanto aos produtos vínicos com maiores possibilidades de aceitação e expansão nos mercados externos, contribuindo ao mesmo tempo para a modernização e desenvolvimento do sector vitivinícola no contexto agrícola nacional;
Considerando-se, para este efeito, conveniente que a aplicação de medidas directamente resultantes da adesão decorra de forma gradual para permitir uma progressiva e harmoniosa abertura da economia nacional aos mercados europeus;
Considerando a necessidade de responsabilização das organizações representativas do sector através de uma participação regular e institucionalizada;
Considerando ainda o disposto no Acto Relativo à Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias no que respeita à primeira etapa do regime de transição previsto para o sector do vinho e, em particular, o regime de importação, conforme resulta do seu artigo 270.º, para as trocas intracomunitárias, e do seu artigo 277.º, para as trocas com países terceiros;
Considerando, finalmente, conveniente, na construção do regime agora estabelecido, a manutenção de algumas das regras de funcionamento do mercado vitivinícola que têm vindo a ser praticadas, designadamente as que prosseguem objectivos comuns aos agora fixados e que são compatíveis com o Acto de Adesão:
Ouvidos os Governos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e no uso da autorização conferida pela alínea f) do artigo 30.º da Lei 2-B/85, de 28 de Fevereiro, o Governo decreta, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
(Transição por etapas)
A aplicação a Portugal da regulamentação comunitária relativa ao sector vitivinícola e, em particular, a organização comum do respectivo mercado efectuar-se-á de acordo com a transição por etapas, com regras e objectivos gerais e específicos constantes do Acto de Adesão.
Artigo 2.º
(Revisão da regulamentação portuguesa)
1 - Para além de outras incidências resultantes da organização do mercado que constam deste diploma, a regulamentação vitivinícola portuguesa será adaptada progressivamente aos princípios da regulamentação comunitária.
2 - Esta adaptação respeitará uma clara distinção entre os chamados vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas (VQPRD) e os restantes produtos, em particular os vinhos de mesa.
TÍTULO II
Organização do mercado
Artigo 3.º
(Âmbito de aplicação)
São abrangidos pela organização do mercado vitivinícola os seguintes produtos:
(ver documento original)
Artigo 4.º
(Objectivos)
A organização do mercado abrangida por este diploma visa proporcionar a sua transição equilibrada no âmbito do processo de integração na correspondente organização comum, nos termos do Acto de Adesão, durante a primeira etapa, em função de certos objectivos gerais, completados, conforme o disposto no seu artigo 333.º, por objectivos específicos, entre os quais, para além da liberalização do comércio interno com reflexos no funcionamento das regiões demarcadas, são de destacar os seguintes:
a) Instauração progressiva do regime e da fiscalização das plantações semelhantes aos da Comunidade que permitam uma efectiva disciplina de plantação;
b) Realização de um projecto de ampelografia e de sinonímia antecedendo a organização de um sistema de inquéritos estatísticos sobre as superfícies vitícolas e a realização de trabalhos específicos de cadastro vitícola;
c) Criação ou transferência de centros de destilação em número e capacidade suficientes, de modo a permitir o cumprimento das prestações vínicas;
d) Adaptação progressiva do sistema de preços português ao sistema de preços comunitário;
e) Proibição da irrigação dos vinhedos de uva de vinho, bem como de qualquer nova plantação em superfícies irrigadas;
f) Execução, no âmbito do regime das plantações, do plano de reestruturação e de reconversão dos vinhedos portugueses que corresponda aos objectivos da política comum em matéria vitivinícola.
Artigo 5.º
(Meios)
1 - Para a prossecução dos objectivos referidos no artigo anterior são previstos os seguintes mecanismos:
a) Regras relativas à disciplina da produção e ao controle do desenvolvimento do potencial vitícola, às práticas enológicas e à apresentação dos produtos ao consumo;
b) Organizações de produtores;
c) Regime de preços;
d) Regime de intervenções;
e) Mercados representativos para a recolha de cotações;
f) Regime de importação e exportação;
g) Mecanismos especiais.
2 - Paralelamente ao estabelecimento dos mecanismos referidos, e para prossecução dos mesmos objectivos, será implementado progressivamente o regime das prestações vínicas a que se refere o artigo 13.º e promovidas as medidas a que se referem os artigos 14.º e seguintes.
Artigo 6.º
(Regras de disciplina)
Na organização do mercado é aplicável, tanto no que se refere às regras relativas à disciplina da produção e ao controle do desenvolvimento do potencial vitícola, como às práticas enológicas, classificação, designações, características e apresentação dos produtos ao consumo, a legislação nacional, com as adaptações que entretanto vierem a ser feitas, consideradas as derrogações e alterações constantes do Acto de Adesão a que se referem os artigos 334.º, 335.º e 336.º
Artigo 7.º
(Organizações de produtores)
Serão estabelecidas medidas específicas de encorajamento tendentes à formação e desenvolvimento de agrupamentos de produtores.
Artigo 8.º
(Regime de preços)
1 - São fixados, por cada tipo de vinho de mesa a considerar, um preço de orientação e, quando as condições do mercado o justifiquem, preços de intervenção, para vigorarem durante a campanha que terá início no dia 1 de Setembro.
2 - O preço de orientação é entendido como um preço à produção, cujo nível representa o valor máximo que se pretende que os preços de mercado devam atingir e será fixado tendo em conta:
a) A média dos preços de mercado constatados nas duas campanhas precedentes e o seu desenvolvimento durante a campanha em curso;
b) A previsão de colheita e de escoamento dos produtos;
c) A aproximação aos preços correspondentes comunitários nos termos constantes do Acto de Adesão.
3 - Os preços de intervenção correspondem aos preços a que o organismo competente deverá intervir nas operações de regularização do mercado e o seu nível, estabelecido numa percentagem em relação aos preços de orientação, deverá corresponder ao valor mínimo a atingir pelos preços de mercado.
4 - Os preços de orientação e de intervenção serão fixados por portaria dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio, da concorrência e dos preços, devendo o preço de orientação ser fixado antes do início da campanha.
5 - Na fixação dos preços para os diferentes tipos de vinho visar-se-á o seu alinhamento de maneira gradual com a estrutura dos preços comunitários, tendo em conta as particularidades das zonas vitícolas a estabelecer para o País.
Artigo 9.º
(Regime de intervenção)
1 - As medidas de intervenção que, em resultado do balanço da produção e escoamento, se entenda de aplicar ao sector visam evitar uma baixa inaceitável dos preços de mercado e poderão assumir as seguintes formas:
a) Compras pelo organismo de intervenção;
b) Ajudas à armazenagem privada de vinhos e mostos.
2 - Os produtos retirados do mercado nas operações de compra pelo organismo de intervenção serão objecto de destilação, revestindo a forma de destilação preventiva ou de garantia.
3 - Serão ainda abrangidos pela destilação com carácter obrigatório os produtos que não satisfaçam as características legais.
4 - As ajudas à armazenagem privada serão concedidas em função das circunstâncias de médio ou longo termo.
5 - Em portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio, da concorrência e dos preços serão definidos, relativamente a cada campanha, os termos de aplicação das medidas referidas nos números anteriores.
Artigo 10.º
(Mercados representativos)
Em relação aos diferentes tipos de vinho de mesa a considerar serão definidos os mercados representativos para recolha regular das cotações por despacho do ministro com competência na área da agricultura.
Artigo 11.º
(Regime de importação e exportação)
1 - Sempre que não sejam aplicadas restrições quantitativas, toda a importação dos produtos a que se refere o presente diploma está sujeita à apresentação, na estância aduaneira respectiva, de um documento de importação, que é requerido, nos termos legais, pelo interessado à entidade competente ou, na falta deste, do duplicado do requerimento.
2 - Sempre que sejam aplicadas restrições quantitativas nos termos do n.º 9 deste artigo, a importação dos produtos fica condicionada à apresentação, na estância aduaneira competente, do documento de importação exigido pela legislação em vigor.
3 - À importação são aplicáveis os direitos aduaneiros que ao caso couberem, de acordo com o disposto nos artigos 268.º e 278.º do Acto de Adesão, conforme se trate, respectivamente, de produtos procedentes da Comunidade Económica Europeia, na sua composição até 31 de Dezembro de 1985, ou de países terceiros.
4 - A importação dos produtos abrangidos por este diploma provenientes de países terceiros é aplicável a regulamentação comunitária nos termos do disposto no artigo 277.º do Acto de Adesão.
5 - Serão fixados, antes do início da campanha, por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio, da concorrência e dos preços, preços de referência para os produtos da subposição 22.05 da Pauta Aduaneira.
6 - Os preços de referência a que se alude no número anterior, diferentes conforme o tipo e espécie do produto e forma de embalagem, serão fixados em «% vol. hectolitro», tendo em conta:
Os preços de orientação fixados para o país, acrescidos dos encargos para a colocação dos produtos no mercado;
Os preços de mercado em Portugal para os diferentes vinhos e tipos comerciais;
Os preços de referência da Comunidade Económica Europeia.
7 - Nos casos em que o preço de oferta franco-fronteira dos produtos importados da Comunidade Económica Europeia, na sua composição até 31 de Dezembro de 1985, acrescidos dos direitos aduaneiros a cobrar, for inferior ao preço de referência estabelecido, será cobrado um direito compensador, com respeito do princípio da preferência comunitária, e em termos a definir por portaria dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio, da concorrência e dos preços.
8 - A consideração do preço de oferta franco-fronteira para os efeitos referidos no número anterior está subordinada a um processo de consulta prévia à Comissão das Comunidades Europeias.
9 - No propósito de evitar perturbações no mercado interno, poderão ser aplicadas, nos termos dos artigos 269.º e 280.º do Acto de Adesão, restrições quantitativas à importação proveniente, respectivamente, da Comunidade ou de países terceiros relativamente aos vinhos a que se referem os anexos XXIII e XXVI.
10 - As exportações dos produtos a que se refere o presente diploma deverão ser acompanhadas de um certificado de origem.
11 - Na medida em que o nível dos preços praticados no comércio internacional o aconselharem, poderão ser concedidas restituições à exportação, em condições a definir por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças, da agricultura, do comércio e da concorrência e de acordo com o disposto nos artigos 271.º e 283.º do Acto de Adesão, conforme se trate de exportações para os Estados Membros da Comunidade, na sua composição até 31 de Dezembro de 1985, ou para países terceiros.
12 - Em relação às trocas comerciais com a Espanha, o regime aplicável será adoptado considerada a declaração comum anexa ao Acto de Adesão.
Artigo 12.º
(Mecanismos especiais)
Poderão ser aplicadas medidas de salvaguarda aos produtos abrangidos por este diploma nas condições e com base em critérios comparáveis aos existentes na organização comum de mercado do vinho, conforme o disposto nos artigos 274.º e 281.º do Acto de Adesão.
Artigo 13.º
(Prestações vínicas)
1 - No sentido de assegurar a qualidade dos produtos vínicos, será instituído progressivamente, em termos a definir por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças e da agricultura, o regime das prestações vínicas, retirando obrigatoriamente do mercado para destilação uma parte da produção de cada vinicultor.
2 - Com vista à execução das prestações vínicas serão adoptadas medidas específicas para a criação dos centros de destilação necessários.
3 - Logo que esteja assegurada a execução das prestações vínicas será extinta a taxa instituída pelo Decreto-Lei 47470, de 31 de Dezembro de 1966.
TÍTULO III
Gestão do mercado
Artigo 14.º
(Adaptações a efectuar)
Sem prejuízo da reestruturação geral a efectuar, abrangendo não só os organismos e serviços com acção directa no sector vitivinícola, mas também em face da criação de novas estruturas orgânicas especializadas para o desenvolvimento da organização comum dos mercados agrícolas, são promovidas por este diploma, de acordo com o previsto no Acto de Adesão, as adaptações e outras medidas a que se referem os artigos seguintes, com referência aos objectivos específicos do mercado constantes do artigo 4.º deste diploma.
Artigo 15.º
(Gestão técnico-económica do mercado)
1 - À Junta Nacional do Vinho, ou ao organismo que vier a integrar as suas actuais funções, compete zelar pelo cumprimento das obrigações decorrentes do presente diploma, sem prejuízo do exercício das competências já atribuídas pela legislação em vigor sobre matérias específicas que respeitam ao funcionamento do mercado do vinho, assegurando a participação dos organismos das regiões demarcadas e das organizações profissionais.
2 - As competências inerentes à aplicação do regime de intervenção previsto neste diploma poderão ser exercidas, nas áreas das Regiões Demarcadas do Douro, dos Vinhos Verdes e do Dão, pelos respectivos organismos regionais, mediante autorização da entidade responsável pela gestão do mercado vitivinícola.
3 - A Junta Nacional do Vinho exercerá ainda a acção geral de disciplina relativa aos produtos abrangidos pela organização do mercado vitivinícola, excluídos os vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas (VQPRD), sem prejuízo de, nas Regiões do Douro, dos Vinhos Verdes e do Dão, a acção a efectuar ser executada directamente pelos respectivos organismos vinícolas regionais, por delegação da mesma Junta.
Artigo 16.º
(Acções em relação à vinha)
1 - Ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária (IGEF), ou ao organismo ao qual futuramente vier a ser atribuída a competência em matéria de condicionamento do plantio e cultura da vinha e do cadastro vitícola, compete efectuar as acções de carácter técnico relativamente à vinha a que se referem as alíneas a), b), e) e f) do artigo 4.º deste diploma, tomando em consideração o disposto nos números seguintes.
2 - A organização do sistema de inquéritos estatísticos de base e periódicos sobre as superfícies vitícolas, na acepção da regulamentação comunitária a que se alude na alínea b) do referido artigo 4.º, será efectuada em termos a definir por despacho dos ministros com competência nas áreas das finanças e da agricultura.
3 - O plano de reestruturação e reconversão dos vinhedos portugueses corresponde aos objectivos da política comum em matéria vitivinícola a que se alude na alínea f) do já referido artigo 4.º e será elaborado em ligação com os serviços da Comissão da Comunidade Económica Europeia.
Artigo 17.º
(Acção em favor dos VQPRD)
A acção de coordenação relativamente aos chamados vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas (VQPRD) e a acção de carácter geral a desenvolver em seu favor incumbirá a um organismo especializado, a criar.
TÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 18.º
(Revisão de regulamentação dos vinhos licorosos)
Em face do disposto no Acto de Adesão em relação aos vinhos licorosos, proceder-se-á, com a maior urgência, à necessária adaptação da regulamentação geral portuguesa aplicável a estes vinhos.
Artigo 19.º
(Aplicação às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores)
A aplicação deste diploma às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores será feita tendo em consideração as particularidades destas Regiões, nomeadamente do ponto de vista da sua organização político-administrativa, sem prejuízo do disposto no Acto de Adesão.
Artigo 20.º
(Vigência da organização do mercado)
A organização do mercado prevista neste diploma é aplicável até ao final da primeira etapa do período transitório.
Artigo 21.º
(Revogação)
Os produtos a que se referem as posições pautais constantes do artigo 3.º deste diploma são suprimidos dos anexos I e II do Decreto-Lei 115-G/85, de 18 de Abril, a partir de 1 de Março de 1986.
Artigo 22.º
(Entrada em vigor)
Este decreto-lei entra em vigor a 31 de Dezembro de 1985.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de Dezembro de 1985. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - Fernando Augusto dos Santos Martins.
Promulgado em 31 de Dezembro de 1985.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 31 de Dezembro de 1985.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.