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Acórdão 620/2007, de 14 de Janeiro

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Sumário

Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] da norma do art. 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais judiciais (e, consequencialmente, das normas dos arts. 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2), por violação do art. 215.º, n.º 1, da Constituição, e considera prejudicada a apreciação das normas constantes dos arts. 80.º, n.º 1, alíneas a) e c), 101.º, n.os 1 e 2, e 112.º, n.º 1. Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do art. 36.º, n.º 3, interpretada conjugadamente com os subsequentes n.os 4 e 5 (e, a título consequente, da norma do art. 94.º, n.º 2), por violação do art. 59.º, n.º 1, al. a), conjugado com o art. 18.º, n.º 2, da Constituição, e, na parte em que essa norma permite a adopção de uma medida cautelar administrativa no momento da instauração de um processo jurisdicional de responsabilidade financeira, também por violação da reserva de jurisdição prevista no art. 202.º da Constituição. Não se pronuncia pela inconstitucionalidade das restantes normas consideradas. ( Proc. nº 1130/2007 )

Texto do documento

Acórdão 620/2007

Processo 1130/2007

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 57.º da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição da República das seguintes normas do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, recebido na Presidência da República no dia 21 de Novembro de 2007 para ser promulgado como lei:

Norma constante do n.º 3 do artigo 2.º e, a título consequente, normas do n.º 2 do artigo 10.º e do n.º 2 do artigo 68.º;

Normas constantes do proémio do n.º 1 do artigo 80.º, assim como das respectivas alíneas a) e c), do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e das suas alíneas a) e b), bem como do n.º 2 do mesmo preceito, e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º, assim como das respectivas alíneas a), b) e c);

Normas constantes da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 35.º;

Norma constante do n.º 3 do artigo 36.º, bem como, a título consequente, as normas previstas nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em reenvio para o n.º 3 do artigo 36.º, a norma constante do n.º 2 do artigo 94.º;

Norma constante do n.º 2 do artigo 54.º;

Norma constante do n.º 1 do artigo 55.º, conjugada com as demais normas do mesmo preceito;

Norma constante do n.º 8 do artigo 56.º;

Norma constante do n.º 3 do artigo 68.º e norma prevista no n.º 5 do mesmo artigo.

Fundamentou o seu pedido nas seguintes ordens de considerações:

«1.º As normas que são objecto do presente pedido de fiscalização da constitucionalidade integram o decreto aprovado pela Assembleia da República que 'estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas', o qual revoga, em bloco, toda a legislação vigente sobre a mesma matéria, nela se encontrando incluída legislação de bases, como é o caso do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, que estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão do pessoal da função pública.

2.º O decreto sindicado, pese o facto de incidir no âmbito de uma matéria relativamente à qual a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP prevê a edição de legislação de bases, não se autoqualifica como um acto legislativo dessa natureza, embora contenha no seu preceituado, a par de uma normação maioritária de tipo comum, diversos princípios gerais e comandos paramétricos sobre outras leis, susceptíveis de serem identificados como bases gerais, pelo que, em razão do valor heterogéneo das disposições que o integram, o mesmo acto é passível de ser qualificado como uma lei 'mista'.

I - Aplicação do diploma aos magistrados dos tribunais judiciais

3.º A norma constante do n.º 3 do artigo 2.º do decreto, a qual dispõe sobre o seu âmbito subjectivo de aplicação, determina expressamente que 'sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, a presente lei é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público'.

4.º O n.º 1 do artigo 215.º da CRP determina que os juízes dos tribunais judiciais 'formam um corpo único e regem-se por um só estatuto', do que decorre:

a) Que a mesma categoria de juízes possui uma especificidade estatutária própria em face dos restantes juízes, bem como em relação ao Ministério Público e aos funcionários públicos em geral;

b) Que sendo os tribunais judiciais órgãos de soberania (n.º 1 do artigo 110.º da CRP) e os juízes titulares dos mesmos órgãos (n.º 1 do artigo 215.º da CRP), impõe-se que o conteúdo nuclear e funcional do seu estatuto conste necessariamente de lei aprovada pela Assembleia da República ao abrigo da sua reserva absoluta de competência legislativa [alínea m) do artigo 164.º da Constituição].

5.º Não deixa de ser legítimo inferir, no plano lógico e no teleológico, sob pena de incongruência, que se a norma do n.º 3 do artigo 2.º do decreto coloca os juízes dos tribunais judiciais no âmbito subjectivo de aplicação desse mesmo diploma é porque se propõe dispor utilmente sobre o estatuto dos mesmos juízes, matéria que figura no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

6.º Ora, quanto ao sentido dessa incidência normativa, não tendo a disposição constante do n.º 3 do artigo 2.º do decreto que salvaguarda a vigência de leis especiais qualquer intenção derrogatória do EMJ pelo diploma sub iuditio, restará circunscrever a aplicação útil e possível do referido decreto aos magistrados a apenas dois tipos de relações jurídico-normativas, a saber:

a) A sua aplicação como legislação supletiva em relação ao EMJ;

b) A aplicação paramétrica de alguns dos seus princípios ou bases gerais ao conteúdo do EMJ, quando tal decorra do decreto.

7.º Abordando a hipótese da supletividade configurada na alínea a) do número anterior, resulta da Constituição que os juízes dos tribunais judiciais são titulares de órgãos de soberania, cuja independência funcional e orgânica é, por seu turno, predicada pelas garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade dos mesmos magistrados, pelo que caberá em exclusivo ao respectivo estatuto - ao qual o artigo 215.º da CRP impõe um conteúdo necessariamente especial - determinar qual a legislação supletiva que lhe será aplicável e qual o âmbito dessa aplicação.

8.º Verifica-se, por conseguinte, à luz dessa especialidade estatutária conformada por força de uma imposição constitucional, que:

a) Uma realidade será o EMJ, como lei especial constitucionalmente qualificada e integrada na reserva absoluta de competência legiferante da Assembleia da República, definir qual a legislação supletiva que se lhe aplica;

b) Outra, bem diferente, será uma lei integrada na reserva relativa de competência da mesma Assembleia, assim como na esfera concorrencial desta com o Governo e tendo por objecto o estabelecimento dos regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da função pública, impor-se ao EMJ como legislação subsidiária.

9.º A solução contida no decreto que se encontra em apreciação é precisamente a inversa da solução constitucionalmente exigível e que consta da alínea a) do número anterior deste pedido, dado que do n.º 3 do artigo 2.º do decreto (conjugado com outras disposições, como a do artigo 101.º), se retira uma imposição de aplicação aos juízes, dos regimes dos trabalhadores que exercem funções públicas, mesmo na eventual qualidade de legislação supletiva, invertendo-se a regra decorrente do n.º 1 do artigo 215.º da CRP que reserva ao estatuto único dos magistrados judiciais a regulação de todo o regime legal que lhes é funcionalmente aplicável, nele compreendida a determinação da legislação subsidiária.

10.º Por consequência, o facto de o n.º 3 do artigo 2.º do decreto deslocar a determinação de legislação subsidiária virtualmente aplicável ao EMJ, do estatuto para os regimes de vinculação, carreiras e remunerações da função pública, não deixa de poder ter como efeito a sua inconstitucionalidade, bem como a inconstitucionalidade consequente de outras normas do diploma aplicáveis aos juízes como o n.º 2 do artigo 10.º e o n.º 2 do artigo 68.º, dado que:

a) O alargamento do âmbito material da legislação subsidiária aplicável aos juízes, em relação àquele que se encontra presentemente consagrado circunscritamente no n.º 2 do artigo 10.º-A, no artigo 32.º, no artigo 69.º e no artigo 131.º do EMJ, altera, por força de uma ampliação operada por lei geral, a previsão mais restrita do direito supletivo fixada por essas normas estatutárias, o que envolve a sua inconstitucionalidade fundada em violação da especialidade qualificada do EMJ, garantida pelo n.º 1 do artigo 215.º da CRP, da qual decorre que seja apenas o estatuto a identificar a respectiva legislação subsidiária;

b) A assimilação ou equiparação, mesmo parcial, do cargo dos juízes - titulares de órgãos de soberania cujo exercício de funções é garantido pelos princípios constitucionais da independência, inamovibilidade e irresponsabilidade - ao estatuto qualitativamente diverso dos trabalhadores da função pública, o qual supõe uma relação de hierarquia e dependência funcional com a tutela do Governo (artigo 182.º da CRP) e a aplicação dos regimes relativos às relações de emprego e trabalho subordinado, suscita a questão da inconstitucionalidade da norma sindicada, por ofensa aos princípios constantes do artigo 203.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 216.º da CRP.

11.º Abordando agora as relações de parametricidade a que se refere a alínea b) do n.º 6.º do pedido, cumpre identificar, pelo menos, três disposições normativas legais sobre a normação constantes do decreto que se afiguram susceptíveis de definição como legislação de bases e que vertem comandos vinculativos sobre diversas leis especiais, das quais o EMJ não se encontra excluído, como será o caso:

a) Da norma que declara a prevalência do próprio decreto e de leis que o regulamentem sobre 'leis especiais aplicáveis a carreiras especiais' e que emerge da conjugação do proémio do n.º 1 do artigo 80.º do decreto e das suas alíneas a) e c) com o n.º 2 do artigo 10.º, dela resultando a exigência de conformidade do EMJ com princípios estruturantes do diploma em matéria de nomeação;

b) Do disposto no n.º 1 do artigo 101.º, que prescreve a obrigatoriedade de revisão das leis que aprovam regimes especiais e corpos especiais no prazo de 180 dias, tendo por fim a observância dos princípios e objectivos fixados nas correspondentes alíneas, bem como no n.º 2, não se encontrando excepcionadas as leis especiais que aprovam o estatuto dos juízes e dos magistrados do Ministério Público;

c) A norma constante do n.º 1 do artigo 112.º do decreto, na medida em que impõe, também sem excepcionar o EMJ, a revisão de toda a legislação especial em matéria de suplementos remuneratórios, no prazo de 180 dias, bem como a sua necessária subordinação a um conjunto de princípios gerais previstos nas correspondentes alíneas.

12.º Em face do exposto no número anterior, considera-se que:

a) Tendo o decreto sido emitido numa matéria que prevê a existência de bases gerais integradas na reserva relativa de competência da Assembleia da República [alínea t) do artigo 165.º da CRP];

b) Tendo as normas constantes dos artigos 80.º, 101.º e 112.º do decreto, conjugados com o n.º 3 do artigo 2.º do mesmo diploma, fixado princípios directivos, regimes gerais ou bases aplicáveis às leis especiais, nelas incluídas as que aprovam os estatutos dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público;

c) Constituindo o EMJ, na sua qualidade de estatuto único dos juízes dos tribunais judiciais, uma lei dotada de especialidade constitucionalmente qualificada, integrando-se a competência para a respectiva emissão na reserva absoluta da Assembleia da República e a isso acrescendo uma 'reserva de densificação total' [alínea m) do artigo 164.º];

d) Impondo o fim constitucional da reserva de lei prevista na alínea m) do artigo 164.º da CRP que o correspondente objecto nuclear que requeira normação primária seja consumido integralmente por lei comum da Assembleia da República, do que resulta, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a proibição da emissão de princípios vinculantes ou bases gerais no seu âmbito material (as quais pressuporiam, indevidamente, a emissão inconstitucional de decretos-leis e decretos legislativos regionais de desenvolvimento).

Importará concluir que: as normas constantes do proémio do n.º 1 do artigo 80.º, assim como das respectivas alíneas a) e c); do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e das suas alíneas a) e b), bem como do n.º 2 do mesmo preceito, e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º, assim como das respectivas alíneas a), b) e c) podem enfermar de inconstitucionalidade, na medida em que se apliquem, na qualidade de bases gerais, ao EMJ, por violação do fim constitucional inerente a um domínio da reserva absoluta que exige densificação total por lei da Assembleia da República aprovada ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP.

II - A desigualdade entre pessoas individuais e colectivas na celebração de

contratos de tarefa e de avença pela Administração Pública

13.º As normas previstas na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 35.º do decreto que definem os pressupostos de celebração com a Administração Pública de contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e de avença, determinam que:

a) Por regra, a correspondente actividade deva ser realizada por uma pessoa colectiva, fixando-se um critério geral de precedência favorável às pessoas colectivas e em detrimento das pessoas individuais;

b) Essa regra geral apenas possa ser derrogada em situações excepcionais, mormente no caso de se mostrar 'impossível' a prestação do serviço por pessoa colectiva ou de se verificar 'inconveniência' nessa contratação;

c) A excepcionalidade da permissão de contratação de pessoas individuais deva ser reforçada pela obrigatoriedade de sujeição a autorização prévia, a conceder através de acto discricionário do responsável do Governo para a área das finanças.

14.º Estima-se, por conseguinte, que as normas constantes da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 35.º se mostram susceptíveis de vulnerar o princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP, na medida em que, estribadas infundadamente em critérios puramente subjectivos e sem amparo em fim de relevo constitucional atendível ou numa ponderação ancorada em critérios objectivos, discriminam negativamente as pessoas individuais em relação às pessoas colectivas, no que tange aos pressupostos de celebração de contratos de prestação de serviços com a Administração Pública.

III - A retenção cautelar automática de metade da remuneração base de

funcionário indiciado responsável pela celebração de contrato de prestação de

serviços inválido.

15.º No caso de os contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e de avença, violarem os critérios constantes dos n.os 2 e 4 do artigo 35.º do decreto, verifica-se que:

a) A norma do n.º 1 do artigo 36.º do mesmo diploma comina para tais contratos a sanção da nulidade e a norma constante do n.º 2 do mesmo preceito faz incorrer o funcionário responsável pela sua celebração em responsabilidade civil, financeira e disciplinar;

b) O n.º 3 do artigo 36.º determina um mecanismo cautelar, nos termos do qual a mera instauração de um procedimento administrativo para averiguar a eventual invalidade da referida contratação ou de um processo jurisdicional tendente a apreciar a existência de uma situação dessa natureza e a efectivar a consequente responsabilidade financeira terá como efeito automático a cativação, pelas unidades orgânicas competentes, de metade da remuneração do trabalhador responsável por essa contratação.

16.º O direito a um salário equitativo e a correspondente garantia de protecção configuram posições jurídicas activas, cujo 'núcleo essencial', de acordo com a jurisprudência constitucional assume natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, dado configurar-se como uma condição necessária a uma existência condigna (artigo 1.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP), pelo que a cativação - automática e prévia a qualquer decisão definitiva quanto à existência de ilicitude - de metade do salário do funcionário indiciado, prevista no n.º 3 do artigo 36.º do decreto, restringe o direito fundamental ao salário dos trabalhadores que exercem funções públicas, devendo, nesta medida, sujeitar-se, na qualidade de norma restritiva, aos limites de proporcionalidade previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.

17.º Em face do exposto, a norma ínsita no n.º 3 do artigo 36.º do decreto pode enfermar de inconstitucionalidade material, com fundamento em violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, conjugada com os n.os 2 e 3 do artigo 18.º, da CRP, dado que:

a) Restringe de forma desnecessária, desadequada e irrazoável o direito ao salário dos trabalhadores da função pública indiciados pela celebração de contrato de prestação de serviços eventualmente ilegal, já que, sem fundamento em interesse público de relevo constitucional que o justifique, impõe a adopção automática de uma medida cautelar excessiva, a qual implica a cativação por tempo indefinido de metade do valor do seu salário, antes mesmo de ser verificada a invalidade do contrato de prestação de serviços celebrado e de ser apurada a existência de responsabilidade financeira;

b) Restringe para além do constitucionalmente admissível o direito do trabalhador indiciado à retribuição, já que o automatismo decorrente da cativação 'cega' e por tempo indefinido de metade do seu vencimento pode implicar uma lesão ao direito a uma existência pessoal e familiar condigna, depreciando-se o conteúdo fundamental da norma constitucional que garante a protecção do salário.

Neste sentido, podem ainda enfermar de inconstitucionalidade, a título consequente, as normas previstas nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em reenvio para o n.º 3 do artigo 36.º, a norma constante do n.º 2 do artigo 94.º

IV - O desenvolvimento de princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos

mediante portaria

18.º A norma do n.º 1 do artigo 54.º do decreto não regula directamente a tramitação do 'procedimento concursal' relativo ao recrutamento dos trabalhadores, limitando-se a fixar nas correspondentes alíneas, 'princípios' que devem ser obedecidos pelas normas que vierem a aprovar essa tramitação, normas essas que, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, devem assumir a forma de portaria.

19.º Existem fundadas dúvidas sobre a conformidade da norma prevista no n.º 2 do artigo 54.º do decreto com as normas constitucionais constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 112.º, da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º e, ainda, da alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, já que se pode ter como violada a reserva de desenvolvimento de bases gerais por acto legislativo, dada a circunstância de:

a) O decreto sub iuditio, nos termos já expostos no n.º 2.º deste pedido, ter sido emitido no âmbito de uma matéria cujas correspondentes bases gerais se encontram inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República;

b) Essas normas de princípios, como as previstas no n.º 2 do artigo 54.º, deverem, na medida em que o decreto fixe normas sobre a normação legal ou enuncie princípios jurídicos a acatar por outras normas, ser presuntivamente qualificadas como princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos;

c) As bases gerais suporem uma reserva de desenvolvimento feita por acto legislativo, não consentindo que um regulamento administrativo as concretize directamente com prescindência de imediação legal e, por maioria de razão, quando o referido regulamento for uma norma de mera execução, como uma portaria;

d) O preceito sindicado autorizar indevidamente uma portaria a desenvolver princípios ou bases gerais de um regime jurídico, prescindindo da interposição necessária de norma legal imposta pela natureza das bases gerais cujo desenvolvimento é cometido em abstracto, à competência legislativa do Governo e das regiões autónomas.

V - Determinação do posicionamento remuneratório de candidatos a

recrutamento para a função pública em procedimento concursal

20.º Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 55.º do decreto que 'Quando esteja em causa o posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objecto de negociação com a entidade empregadora'.

21.º A norma referida no número anterior admite, ou autoriza implicitamente, sem acautelar a fixação de limites tangíveis, que uma decisão discricionária do empregador público possa, mediante acordo resultante de processo negocial, preencher uma vaga aberta para um posto de trabalho relativo a uma dada categoria profissional através de um candidato que, cumulativamente:

a) Possa auferir uma remuneração mais elevada que a dos trabalhadores mais antigos integrados na mesma categoria que se encontrem em exercício de funções;

b) Seja oriundo de sector externo à Administração Pública e seja titular de menores habilitações literárias que os trabalhadores integrados na mesma categoria profissional e que desempenhem idêntica função.

22.º Considera-se, por conseguinte, que a norma constante do n.º 1 do artigo 55.º, conjugada com as demais normas do mesmo preceito, poderá afrontar o disposto no artigo 13.º na sua projecção sobre a alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, ambos da CRP, da qual decorre o princípio salarial de que 'para trabalho igual deve ser assegurado salário igual', uma vez que, sem introduzir qualquer salvaguarda e sem outro critério que não seja a negociação salarial com o candidato a um posto de trabalho, habilita o empregador a acordar discricionariamente com o mesmo candidato um vencimento superior ao de outros funcionários mais antigos e com iguais ou superiores habilitações literárias que exerçam funções idênticas em igual categoria.

VI - Fixação mediante portaria de critérios específicos ou excepcionais

condicionantes do acesso dos cidadãos à função pública

23.º Dispõe o n.º 1 do artigo 56.º do decreto que o dirigente máximo da entidade empregadora pública pode optar pelo recurso a diplomados pelo curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP), tendo em vista o recrutamento para postos de trabalho relativos ao exercício de funções públicas e em alternativa ao procedimento concursal, defluindo dessa disposição, bem como dos n.os 2, 3, 5 (com remissão para os n.os 4 a 7 do artigo 6.º) e 6 do mesmo artigo 56.º, que os diplomados pelo CEAGP podem ingressar directamente na função pública, sem se terem de submeter a concurso.

24.º Verifica-se, no entanto, que o n.º 8 do mesmo artigo prevê que o 'CEAGP é regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública'.

25.º Considerando que, à luz do n.º 2 do artigo 47.º da CRP, as disposições normativas (gerais, especiais ou excepcionais) que regulem o direito de liberdade dos cidadãos ao acesso à função pública integram a reserva de lei, entende-se que o n.º 8 do artigo 56.º do diploma em análise, ao permitir que assumam natureza regulamentar normas que condicionam o ingresso directo de cidadãos à função pública (não através de concurso mas por meio da obtenção de diploma do curso de Estudos Avançados em Gestão Pública - CEAGP), pode violar o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, conjugado com o mencionado n.º 2 do artigo 47.º, da Constituição.

26.º Mesmo no contexto de uma interpretação alternativa à que foi exposta no número anterior e que considere que a regulamentação do CEAPG não integra a reserva de lei, entende-se, ainda assim, que existem dúvidas pertinentes sobre a constitucionalidade da norma do n.º 8 do artigo 56.º do decreto, desta feita com fundamento em violação do n.º 6 do artigo 112.º da CRP, conjugado com o n.º 7 do mesmo artigo, já que a disciplina primária de uma matéria desta natureza exigiria um regulamento independente e o mesmo nunca poderá assumir a forma de portaria.

VII - Fixação dos níveis máximo e mínimo de remuneração admitidos no quadro

das relações de emprego público, em portaria de conteúdo inovatório

27.º Nos termos do n.º 1 do artigo 68.º do decreto sindicado, 'a tabela remuneratória única contém a totalidade dos níveis remuneratórios susceptíveis de ser utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público'; e, por força do n.º 1 do artigo 69.º do mesmo decreto, 'a identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias, bem como aos cargos exercidos em comissão de serviço, é efectuada por decreto regulamentar'.

28.º Sucede, porém, que a definição do 'número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um é fixado em portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças' (n.º 3 do artigo 68.º do decreto), do que resulta que essa portaria:

a) Estabelecerá quer o nível máximo de remuneração admitido no quadro das relações de emprego público, quer o nível mínimo a praticar nesse mesmo âmbito;

b) Determinará a amplitude do leque salarial observado nas relações de emprego público;

c) Fixará, ainda, a «proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis' (n.º 5 do artigo 68.º), que irá funcionar como limite à própria negociação colectiva anual (conforme estatui este preceito, as alterações decorrentes da negociação colectiva terão de preservar tal proporcionalidade relativa). Ora, 29.º Do decreto não resultam quaisquer directrizes ou critérios relativamente a estes aspectos fundamentais: patamares retributivos máximo e mínimo, amplitude da escala salarial, proporcionalidade entre níveis remuneratórios, o que significa que serão remetidas para a portaria, a que se refere o n.º 3 do artigo 68.º do diploma, as decisões de normação primárias no tocante a estas dimensões fundamentais para a vertebração da escala salarial aplicável às relações de emprego público.

30.º Considera-se, por conseguinte, que a norma do n.º 3 do artigo 68.º pode enfermar de inconstitucionalidade:

a) Por violação do princípio da tipicidade da lei prevista no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, conjugado com os n.os 6 e 7 do mesmo preceito, atento o facto de aos regulamentos estar vedada a fixação de opções primárias e juízos de valor inovatórios próprios dos critérios de decisão legislativos;

b) Por violação das normas constantes dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição que determinam que os regulamentos relativamente aos quais a lei se limita a determinar a competência subjectiva e objectiva da sua emissão devem assumir a forma de decreto regulamentar, caso não proceda a interpretação referida na alínea anterior deste número;

c) Por violação das normas constantes dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da CRP na medida em que a conjugação do n.º 1 do artigo 68.º com o n.º 1 do artigo 69.º subverte parcialmente a relação hierárquica ou de precedência entre decreto regulamentar e portaria, dado que a fixação em concreto dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias a constar de decreto regulamentar está limitada e pode ser alterada pela portaria que define a tabela remuneratória única.

31.º Para além do exposto nos números precedentes, verifica-se que consta dessa portaria o estabelecimento dos nexos de proporcionalidade entre os diversos níveis remuneratórios que irão funcionar como limite à própria negociação colectiva anual;

ora, a norma do n.º 5 do artigo 68.º do diploma ao remeter para portaria o estabelecimento de parâmetros limitadores da acção da autonomia colectiva, pode ficar ferida de inconstitucionalidade, por violação do que prescreve o n.º 4 do artigo 56.º da Constituição, que consagra, nesta matéria, uma reserva de lei.» Em conclusão, com base nos indicados fundamentos, solicita que se aprecie a constitucionalidade:

a) Da norma constante no n.º 3 do artigo 2.º e, a título consequente, as normas do n.º 2 do artigo 10.º e do n.º 2 do artigo 68.º, por provável violação do disposto no n.º 1 do artigo 215.º, no artigo 203.º e nos n.os 1 e 3 do artigo 216.º da CRP;

b) Das normas paramétricas constantes do proémio do n.º 1 do artigo 80.º, assim como as respectivas alíneas a) e c), do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e as respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo preceito e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º, bem como as respectivas alíneas a), b) e c), na medida em que incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com fundamento em eventual inobservância da reserva de densificação operada por lei parlamentar emitida ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP;

c) Das normas constantes na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 35.º por possível violação do artigo 13.º da CRP;

d) Da norma constante no n.º 3 do artigo 36.º, bem como, a título consequente, as normas previstas nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em reenvio para o n.º 3 do artigo 36.º, a norma constante do n.º 2 do artigo 94.º, por eventual desconformidade com as normas constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, conjugada com os n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP;

f) Da norma do n.º 2 do artigo 54.º por suspeita de desconformidade com os n.os 2 e 3 do artigo 112.º, a alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º e ainda a alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP;

g) Da norma constante do n.º 1 do artigo 55.º, conjugada com as demais normas do mesmo preceito, por possível afronta ao disposto no artigo 13.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP;

h) Da norma constante no n.º 8 do artigo 56.º por provável desconformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 47.º, da Constituição ou, em interpretação alternativa, com o n.º 6 do artigo 112.º da CRP, conjugado com o n.º 7 do mesmo artigo;

i) Da norma constante do n.º 3 do artigo 68.º por eventual desconformidade com o disposto nos n.os 5, 6 e 7 do artigo 112.º da CRP e da norma prevista no n.º 5 do artigo 68.º, conjugada com o n.º 3 do mesmo preceito, por violação do n.º 4 do artigo 56.º da CRP.

Em anexo ao pedido foi remetido um parecer da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República.

Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, juntando cópia do Diário da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao Decreto da Assembleia da República n.º 173/X.

O Governo, através do Primeiro-Ministro, invocando a qualidade de parte interessada, remeteu ainda ao Presidente do Tribunal Constitucional um parecer jurídico sobre o objecto do pedido, que foi junto aos autos.

Elaborado o memorando a que alude o artigo 58.º da LTC e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.

II - Fundamentação

A aplicação do diploma aos magistrados dos tribunais judiciais

2 - Suscita-se, em primeiro lugar, a questão da possível inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X (a título consequente, das normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2), por violação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da CRP, na medida em que essa disposição impõe a aplicação do regime geral da função pública, constante desse diploma, como direito subsidiário, relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, e, bem assim, a questão da sua inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da CRP, enquanto permite que certos princípios ou bases gerais da função pública, enunciados nesse diploma, se tornem aplicáveis aos juízes, em termos de gerar uma situação de assimilação ou equiparação, ainda que parcial, destes ao estatuto dos trabalhadores da Administração Pública.

Num segundo momento, mas com referência ainda à mesma temática, vem ainda colocada a questão da inconstitucionalidade das normas paramétricas constantes do proémio do n.º 1 do artigo 80.º e as respectivas alíneas a) e c), do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e as respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo preceito e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º e as respectivas alíneas a), b) e c), na parte em que incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com fundamento em eventual inobservância da reserva de densificação operada por lei parlamentar emitida ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP, tendo em conta que esse Estatuto constitui reserva absoluta da Assembleia da República e o Decreto 173/X poderá considerar-se como emitido no uso da competência legislativa de reserva relativa, por aplicação do artigo 165.º, alínea t), da CRP.

Importa, em todo o caso, começar por efectuar uma precisão quanto ao objecto do pedido.

O pedido de apreciação de conformidade constitucional, quanto ao primeiro aspecto considerado, suscita a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 3, do decreto e, consequentemente, das normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2, sem efectuar qualquer diferenciação relativamente aos seus diversos segmentos normativos, sendo que aquela primeira disposição alude à aplicação do regime de vínculos, carreiras e remunerações, a título subsidiário, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público.

A causa de pedir assenta, no entanto, em dois tipos de fundamentos a que correspondem também distintos campos aplicativos: a) em violação da especialidade qualificada do Estatuto dos Magistrados Judiciais, garantida pelo n.º 1 do artigo 215.º da Constituição; b) em violação dos princípios constantes do artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da Constituição.

Se aquele primeiro fundamento se torna apenas aplicável aos juízes dos tribunais judiciais, por serem os destinatários, numa interpretação literal, do comando constante do artigo 215.º, n.º 1, o segundo fundamento é já susceptível de extensão aos juízes das restantes ordens de jurisdição, dada a vocação genérica das disposições dos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, que, referindo-se aos tribunais (sem distinguir quanto à sua ordem ou categoria) e às garantias dos juízes (sem circunscrever o seu âmbito de aplicação), permitem envolver todos os magistrados judiciais.

O pedido parece, no entanto, pretender circunscrever a questão aos juízes dos tribunais judiciais, não só pelas diversas referências que são feitas a essa categoria de juízes, como também pela alusão, em várias ocasiões, ao carácter supletivo do regime de vínculos, carreiras e remunerações em relação ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.

É também o que se depreende do n.º 10 do pedido que, a título de conclusão, especifica, nas suas alíneas a) e b), os fundamentos de inconstitucionalidade - a violação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição e a ofensa das garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade constantes dos artigos 203.º e 216.º, n.os 2 e 3 - , mas subordinando-os ao exposto no proémio desse número, em que se indica como facto genético da desconformidade constitucional a circunstância de o n.º 3 do artigo 2.º do decreto deslocar a determinação de legislação subsidiária virtualmente aplicável ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, desse Estatuto para os regimes de vinculação, carreiras e remunerações da função pública.

O Tribunal entende, por conseguinte, que o pedido se refere aos juízes dos tribunais judiciais, ficando excluída a possibilidade de se apreciar os segmentos normativos dessa disposição referentes aos juízes das restantes ordens de jurisdição e aos magistrados do Ministério Público, relativamente aos quais não vem identificada qualquer questão de constitucionalidade.

O diploma que está em causa pretende regular os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e complementarmente definir o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público. Com esse objectivo, o diploma condensa um amplo conjunto de matérias que interessam à função pública, regulamentando aspectos atinentes à constituição e cessação da relação jurídica de emprego, incompatibilidades e acumulações, estruturação das carreiras, recrutamento de pessoal e sistema remuneratório, operando entretanto a revogação de múltiplos diplomas legais que instituem, nesse âmbito, quer os princípios e as bases gerais do regime jurídico e os respectivos decretos-leis de desenvolvimento, quer diversos outros regimes parcelares específicos.

O diploma assume-se, por outro lado, como um acto legislativo compósito, porquanto inclui princípios gerais e normas concretizadoras desses princípios e outras disposições de mera remissão para diplomas regulamentares.

O Decreto 173/X é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como, com as necessárias adaptações, aos serviços das administrações regionais e autárquicas, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e de outros órgãos independentes (artigo 3.º).

No que se refere ao respectivo «Âmbito de aplicação subjectivo», a lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções, e aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo (artigo 2.º, n.os 1 e 2).

O n.º 3 do mesmo artigo 2.º - que aqui está particularmente em foco - estende esse âmbito de aplicação aos magistrados judiciais e do Ministério Público, nos seguintes termos:

«Sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, a presente lei é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público.» Outras disposições do diploma fazem expressa menção aos magistrados judiciais, como é o caso dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2. O primeiro desses preceitos, referindo-se às modalidades de constituição da relação jurídica de emprego, e mais especificamente ao âmbito da nomeação, estipula o seguinte: «[s]em prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, são ainda nomeados os juízes de qualquer jurisdição e os magistrados do Ministério Público»; o segundo, inserindo-se na matéria referente ao regime remuneratório, sob a epígrafe «tabela remuneratória única», exclui da aplicação da referida tabela os magistrados, ao estatuir: «[n]a fixação da remuneração base dos juízes de qualquer jurisdição e dos magistrados do Ministério Público não são utilizados os níveis remuneratórios contidos na tabela referida no número anterior».

A ressalva contida no segmento inicial do n.º 3 do artigo 2.º - como importa começar por fazer notar - não pode deixar de entender-se como reportada, por um lado, às normas constitucionais que estabelecem os princípios gerais relativos ao exercício da função jurisdicional, à organização dos tribunais e ao estatuto profissional dos magistrados (artigos 202.º e seguintes da CRP) e, por outro, ao Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho, com as suas sucessivas alterações).

Ao estender o âmbito subjectivo da sua aplicação, ainda que com a já apontada ressalva do estabelecido na Constituição e em leis especiais, aos juízes de qualquer jurisdição, o diploma parece pretender erigir-se em direito subsidiário relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Nesse sentido aponta, também, a circunstância de a extensão de regime se efectuar com as necessárias adaptações, como aí se consigna, o que revela que os princípios e critérios legais que estão definidos em geral para os trabalhadores da Administração Pública poderão não ser aplicáveis aos magistrados judiciais por contrariarem o regime privativo decorrente do texto constitucional ou das correspondentes disposições estatutárias e, a serem-no, poderão ter de ser ajustados à especificidade própria do exercício do cargo.

O propósito de incorporar os magistrados judiciais no regime da função pública, ainda que a título de lei subsidiária, é também evidenciado pela referida norma do artigo 68.º, n.º 2, por argumento a contrario sensu, visto que a exclusão dos juízes da tabela remuneratória prevista nesse preceito tem pressuposta a ideia de que para outros casos não excepcionados, e na ausência de um regime próprio, vigorará o estabelecido, em geral, no novo regime jurídico de vínculos, carreiras e remunerações.

E assim se compreende que a lei não tenha deixado de explicitar que a relação jurídica de emprego se constitui, também em relação aos juízes, através de acto de nomeação (artigo 10.º, n.º 2).

Deve dizer-se que não é esse o modelo do regime actual.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais define as condições de exercício de funções dos juízes, bem como os deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, estabelece regras sobre o provimento no cargo e a progressão na carreira, bem como sobre a aposentação e a cessação de funções, regula o respectivo procedimento disciplinar e providencia sobre aspectos de organização do Conselho Superior da Magistratura, enquanto órgão superior de gestão da magistratura judicial. Tratando-se de um regime específico, contempla, em todo o caso, diversas disposições subsidiárias, como são as dos artigos 10.º-A, 32.º, 69.º e 131.º, que mandam aplicar aos magistrados judiciais, em tudo o que não estiver regulado no Estatuto, o disposto na lei geral sobre o regime do bolseiro, ou sobre o regime da função pública em matéria dos deveres, incompatibilidades e direitos, ou ainda em matéria de aposentação ou direito disciplinar.

Instituindo agora o decreto uma regra genérica de aplicação supletiva aos juízes de qualquer jurisdição, do regime de vínculos, carreiras e remunerações da função pública, deverá entender-se que, a par de todas aquelas disposições de direito subsidiário que estavam directamente previstas no Estatuto, passa a subsistir disposição avulsa que define o direito subsidiariamente aplicável no âmbito daquela disciplina jurídica.

A dúvida que vem colocada diz respeito a saber se a alteração legislativa prevista não inverte o regime constitucionalmente exigível que decorre do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da lei fundamental, ou numa outra perspectiva, se não é susceptível de induzir uma equiparação dos juízes aos trabalhadores da Administração Pública em termos que possam pôr em causa os princípios de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade que constituem garantias do exercício da actividade jurisdicional, tal como previsto nos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da Constituição.

A objecção parece ser, pelo menos, em parte, procedente.

O capítulo iii do título v da Constituição, dedicado aos tribunais, referindo-se primacialmente aos juízes dos tribunais judiciais (artigo 215.º), inclui também normas que se reportam a todos os juízes (artigo 216.º) e normas que especificamente visam os juízes dos restantes tribunais (artigo 217.º, n.os 2 e 3).

De acordo com o que dispõe o artigo 215.º da Constituição, «[o]s juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto» (n.º 1), remetendo-se para a lei o estabelecimento dos requisitos e das regras de recrutamento dos juízes de tribunais judiciais de 1.ª instância (n.º 2).

Os n.os 3 e 4 estabelecem critérios constitucionais para o acesso dos juízes aos tribunais superiores (n.os 3 e 4). Outras disposições regem sobre garantias e incompatibilidades (artigo 216.º) e, além de confiarem a competência para a direcção e gestão das magistraturas a órgãos constitucionais autónomos (Conselho Superior da Magistratura e Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - artigo 217.º, n.os 1 e 2), remetem para a lei a definição de regras próprias sobre a colocação, transferência, promoção e exercício da acção disciplinar dos juízes de qualquer jurisdição, sempre com a «salvaguarda das garantias previstas na Constituição» (artigo 217.º, n.º 3).

Estas disposições, especificamente atinentes ao estatuto dos juízes, não podem deixar de ser interpretadas conjugadamente com os princípios plasmados nos precedentes capítulos do mesmo título, e especialmente com os do capítulo i que se referem ao funcionamento dos tribunais e ao exercício da função jurisdicional.

O artigo 202.º, sob a epígrafe «função jurisdicional», no seu n.º 1, define os tribunais como os «órgãos de soberania com competência para administrar a justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados.

O entendimento geral é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais. Nesse sentido, poderá apenas discutir-se o âmbito de delimitação dessa reserva, quer por efeito das dificuldades que possa suscitar, em cada caso concreto, a distinção entre função administrativa e função jurisdicional, quer por via da maior ou menor latitude que se possa atribuir ao conceito (sobre os diferentes níveis ou graus de reserva, cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 7.ª ed., pp.

668-670; Vieira de Andrade, «A reserva do juiz e a intervenção ministerial em matéria de fixação das indemnizações por nacionalizações», in Scientia ivridica, t. XLVII, n.os 274/276, Julho/Dezembro, 1998, p. 224; Paulo Rangel, Reserva de Jurisdição. Sentido Dogmático e Sentido Jurisprudencial, Porto, 1997, pp. 59-66; Joaquim Pedro Cardoso da Costa, O Princípio da Reserva do Juiz Face à Administração Pública na Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra, 1994 (policopiado), pp. 34-35.

A existência de uma reserva de jurisdição é a necessária decorrência da aplicação dos princípios da separação e interdependência de poderes: sendo a competência dos órgãos de soberania definida na Constituição e devendo estes observar a separação e a interdependência nela estabelecidas (artigos 110.º, n.º 2, e 111.º, n.º 1), haverá de concluir-se que a atribuição constitucional de determinada competência a um certo órgão de soberania exclui a possibilidade de ela poder vir a ser legalmente atribuída a qualquer outro, salvo explícita ou implícita autorização constitucional (neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 71/84, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de Janeiro de 1985).

Por outro lado, a reserva de jurisdição concretiza-se através de uma reserva do juiz, no sentido de que, dentro dos tribunais, só os juízes poderão ser chamados a praticar os actos materialmente jurisdicionais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª ed. revista, p. 792; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. iii, Coimbra, 2007, p. 32. Assim se compreende que o Tribunal Constitucional tenha declarado a inconstitucionalidade de normas atributivas de competência jurisdicional a agentes que, ainda que inseridos na estrutura judiciária, não tenham a qualidade de juiz (Acórdãos n.os 182/90 e 247/90, que se pronunciaram sobre a competência dos secretários judiciais para proferir decisões relativas a custas); e, noutros casos, tenha concluído pela constitucionalidade da solução legislativa apenas por considerar que a função judiciária atribuída a quem não tem o estatuto de juiz não integrava o conceito de acto jurisdicional (assim, nos Acórdãos n.os 67/2006 e 144/2006, que abordaram a questão da atribuição ao Ministério Público do poder de decidir, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo).

Um outro princípio inerente à reserva de jurisdição consubstancia-se na exigência de que o órgão jurisdicional ao qual possa ser atribuída a função de julgar se encontre rodeado das necessárias garantias de independência e imparcialidade.

A esse propósito, escreveu-se no já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 71/84:

«[P]ara que determinado órgão possa ser qualificado como tribunal não basta, nem pode bastar, que lhe haja sido cometida uma competência materialmente incluída na função jurisdicional. É que se assim fosse, esvaziar-se-ia completamente de conteúdo a referida reserva da função jurisdicional aos tribunais, na medida em que todo e qualquer órgão se converteria em tribunal pela mera atribuição de uma competência materialmente jurisdicional.

Para que um determinado órgão possa ser qualificado como tribunal é necessário, antes de mais, que ele seja 'independente', como o exige o artigo 208.º da Constituição (o actual artigo 203.º).» Por isso, há-de concluir-se, como também se refere no Acórdão 171/92 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992), «que tribunais hão-de ser visualizados como sendo só aqueles órgãos de soberania que, exercendo funções jurisdicionais, sejam suportados por juízes que desfrutem totalmente de independência funcional e estatutária, não bastando, pois, a mera atribuição de poderes às entidades da Administração para, na resolução dos assinalados casos concretos, poderem decidir sem sujeição a ordens ou instruções».

É esse o postulado que decorre do artigo 203.º da Constituição, segundo o qual «[o]s tribunais são independentes e apenas estão subordinados à lei».

A independência dos tribunais é descrita como uma independência objectiva, que deriva da própria essência da actividade jurisdicional, e tem como pressuposto a subordinação do juiz à lei; mas também como uma independência subjectiva, esta caracterizada por uma autonomia dos tribunais em relação aos outros poderes do Estado e em relação aos outros contitulares do poder jurisdicional - isso sem prejuízo das relações de hierarquia e supra-ordenação ditadas pela existência de diferentes categorias de tribunais em cada ordem de jurisdição (Paulo Rangel, ob. cit., pp.

44-45).

No entanto, a independência dos tribunais conclama (ou, por outras palavras, pressupõe e exige) a independência dos juízes, conforme se afirmou nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 135/88 e 393/89 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Setembro de 1988 e de 14 de Setembro de 1989, respectivamente). Por essa mesma razão se diz que a garantia essencial da independência dos tribunais é a independência dos juízes, que por isso se considera necessariamente abrangida pela protecção constitucional que resulta da norma do artigo 203.º (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 794).

É essa a ideia que é expressa por Oliveira Ascensão no seguinte excerto («A reserva constitucional de jurisdição», O Direito, ano 123.º, 1991, ii-iii (Abril-Setembro), p. 467):

«[A] independência dos tribunais, expressa pelo artigo 206.º da Constituição [actual artigo 203.º], procura assegurar que esse corpo especializado não fique sujeito à pressão de quaisquer outras forças, políticas antes de mais.

Mas a descrição do órgão a quem está constitucionalmente confiada a jurisdição é incompleta enquanto não tivermos em atenção a figura do juiz [-]. Não é só a magistratura que é independente; cada juiz é dentro dela independente, no âmbito da sua competência. Neste sentido se diz que cada juiz é titular da totalidade da jurisdição.» Como se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/88, há pouco citado, a independência do juiz é sobretudo um dever ético-social que lhe exigirá manter-se alheio e acima das influências exteriores e que, nessa medida, se traduzirá numa forma de «independência vocacional» (explicitando este aspecto, Castro Mendes, «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição [actual artigo 203.º]», in Estudos sobre a Constituição, Lisboa, 1979, pp. 654 e seguintes). No entanto, deverá existir um quadro legal que promova e facilite essa independência. É nessa mesma linha de entendimento que se declara, no Acórdão 52/92, que «[a] independência e imparcialidade da jurisdição exigem garantias orgânicas, estatutárias e processuais» (sufragando este ponto de vista, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. iii, p. 42).

As garantias orgânicas e estatutárias de que se fala são justamente aquelas que vêm mencionadas nos artigos 215.º a 218.º da Constituição, a que já se fez referência, e traduzem-se essencialmente na unicidade orgânica e estatutária dos juízes (artigo 215.º, n.º 1), nas garantias de inamovibilidade e irresponsabilidade (artigo 216.º, n.os 1 e 2) e no princípio do autogoverno da magistratura, este traduzido na exigência de que a nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, bem como o exercício da acção disciplinar, sejam efectuados por um órgão autónomo não dependente do poder executivo (artigos 217.º e 218.º) (sobre a verdadeira razão de ser da existência do Conselho Superior da Magistratura, centrada não na protecção de raiz corporativa dos magistrados judiciais mas no apontado objectivo de assim se contribuir para o reforço da independência dos tribunais, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 279/98).

Refira-se ainda que a garantia de imparcialidade (expressamente mencionada na lei fundamental em relação aos juízes do Tribunal Constitucional - artigo 222.º, n.º 5 - , mas que deve considerar-se implicitamente aplicável a todos os juízes, como decorrência do princípio da independência dos tribunais) exige também, em relação aos magistrados judiciais a imposição de certas limitações de natureza profissional, como sejam as incompatibilidades para o exercício de outras actividades (artigo 216.º, n.os 3, 4 e 5) e certo tipo de impedimentos estatutários (artigo 7.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais) ou processuais (artigos 39.º e seguintes do Código de Processo Penal e 122.º e seguintes do Código de Processo Civil).

Por tudo, e em suma, como é sublinhado por Paulo Rangel, a reserva de jurisdição, tal como está consagrada nos artigos 202.º e 203.º da Constituição e nos preceitos subsequentes que regulam o estatuto dos juízes (artigos 215.º a 218.º), pressupõe a necessária convergência entre a dimensão material e a dimensão organizatória da jurisdição e postula a eliminação das reminiscências da caracterização da função judicial como função pública e a plena assunção dos juízes como titulares de órgãos de soberania (Repensar o Poder Judicial. Fundamentos e Fragmentos, Porto, 2001, pp. 175 e 299).

É em ordem a garantir a independência dos juízes, por tudo o que se deixou dito, que a Constituição consagra um conjunto de garantias e de limitação de direitos relativamente ao regime de exercício de funções dos magistrados judiciais, que constitui o verdadeiro estatuto do juiz, e que foi desenvolvido, no plano do direito ordinário, pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho, com as suas ulteriores alterações.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais dá concretização prática ao princípio da unidade da magistratura judicial, nas suas vertentes de unidade orgânica e estatutária, que decorre directamente do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição (e a que o artigo 1.º do Estatuto também alude), e que pressupõe que a estrutura judiciária se encontre autonomizada do ponto de vista organizativo (corpo único) e funcional (um só estatuto). A unidade orgânica e estatutária, encontrando-se circunscrita, nos termos da referida disposição constitucional, aos juízes dos tribunais judiciais, quer significar não apenas a separação orgânica e funcional entre as diversas magistraturas judiciais e entre estas e a magistratura do Ministério Público, mas também a existência de uma especificidade estatutária em relação aos titulares de outros órgãos de soberania, aos juízes das restantes ordens de jurisdição, aos magistrados do Ministério Público e aos demais trabalhadores do Estado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., cit., p. 821).

Todo e qualquer trabalhador da Administração Pública tem a sua posição profissional fixada através de um conjunto determinável de disposições legais ou regulamentares que, ainda que provenientes de diversos complexos normativos, definem o elenco de direitos e deveres que, em cada momento, lhes são aplicáveis, e que corresponde à sua situação estatutária (sobre a caracterização da situação estatutária dos funcionários, Prosper Weil, Direito Administrativo, Coimbra, 1977, pp. 69-70).

O legislador constitucional, porém, ao prescrever que «[o]s juízes do tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto», não pode ter tido a mera intencionalidade de declarar que os juízes, como qualquer funcionário ou agente administrativo, estão igualmente subordinados a um conjunto de direitos e deveres funcionais, regulados por normas de carácter geral e abstracto que conformam o conteúdo da respectiva relação jurídica de emprego público.

A razão de ser do preceito radica antes na necessidade de dar cobertura à garantia de independência dos juízes, em função da sua qualidade de titular de órgão de soberania encarregado de exercer a função jurisdicional.

O estatuto subjectivo dos magistrados está, pois, indissociavelmente ligado à reserva de jurisdição e constitui um princípio constitucional material concretizador do Estado de direito, na medida em que se destina a garantir a independência e imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional (sobre este aspecto, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., pp. 667-668; Paulo Rangel, Reserva de Jurisdição, cit., p. 48).

A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe duas características essenciais: a) um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional.

Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, em cumprimento do apontado critério constitucional, a determinar qual seja a legislação supletiva e o respectivo âmbito de aplicação. Isso pela linear razão de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que tenham sido fixadas.

O que conduz a concluir que o Decreto 173/X, ao ditar o regime subsidiário aplicável aos magistrados judiciais, interfere em matéria estatutária dos juízes e é susceptível de violar o disposto no citado artigo 215.º, n.º 1, da CRP.

Ao determinar que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos juízes de qualquer jurisdição, sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto 173/X opera uma tendencial equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração, por efeito da assimilação do seu estatuto pelo regime geral da função pública através de uma genérica aplicação subsidiária do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações.

Isso porque, ao assumir-se como direito subsidiário em relação ao regime de vínculos, carreiras e remunerações aplicável aos juízes dos tribunais judiciais, o Decreto 173/X passa a reportar o Estatuto dos Magistrados Judiciais como mera lei especial, avocando a função complementar ou integrativa dos espaços omissos ou lacunares que o Estatuto contenha quanto a essa matéria. Em termos tais que a eventual utilização de idêntica técnica legislativa em relação a outras disciplinas jurídicas sectoriais da função pública abre caminho a que o Estatuto passe a intervir simplesmente como normação especial em relação ao regime geral da função pública.

É certo que, face ao princípio constante do artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil e à ressalva contida no segmento inicial do artigo 2.º, n.º 3, do decreto, o regime decorrente desse diploma, enquanto lei geral, não revoga as regras estatutárias que, dentro do mesmo âmbito de aplicação, definam a situação jurídica dos juízes. Mas não deixa de se estabelecer um critério de especialidade entre os dois diplomas, de tal modo que tudo está em determinar, perante uma situação concreta, qual é o bloco normativo directamente aplicável - o Estatuto ou a lei geral - , com a consequente introdução de uma dualidade estatutária.

Tudo o que vem de referir-se conduz a concluir que o decreto opera uma quebra no estatuto subjectivo dos juízes em relação a dois momentos essenciais: estes deixam de dispor de um estatuto único, que congregue todas as disposições que regulem a respectiva situação funcional, visto que as fontes normativas directas passam a ser, de um lado, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, como lei especial, e, de outro, a lei comum da função pública, como direito subsidiário; deixam ainda de dispor de um estatuto específico, no ponto em que o Estatuto dos Magistrados Judiciais passa a constituir mera lei especial que apenas se aplica quando deva prevalecer sobre uma lei geral da função pública.

Embora se não possa afirmar que ocorre, por este meio, uma afronta directa às garantias constitucionais dos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, fica, em todo o caso, posta em causa a unidade e especificidade estatutária dos juízes dos tribunais judiciais, que o artigo 215.º, n.º 1, da Constituição pretendeu consagrar, pelo que se entende estar verificada a inconstitucionalidade material do citado artigo 2.º, n.º 3, do decreto 173-X, por violação desse preceito constitucional.

A mesma ordem de razões leva a que se considerem como inconstitucionais também as normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2, do decreto, a que já antes se fez referência.

Essas disposições, determinando que a relação jurídica de emprego público, relativamente aos juízes dos tribunais judiciais, se constitui através de nomeação, e que, quanto a eles, se não aplicam os níveis remuneratórios constantes da tabela remuneratória única, acabam por incidir sobre matéria estatutária, tornando-se directamente aplicáveis aos juízes dessa categoria, relevando, também em relação a tais disposições, a violação do princípio da unidade e especificidade estatutária.

Ainda com referência à aplicação, aos magistrados judiciais, do regime de vínculos, carreiras e remunerações, o pedido suscita também a inconstitucionalidade das normas paramétricas constantes do proémio do n.º 1 do artigo 80.º, assim como as respectivas alíneas a) e c), do proémio do n.º 1 do artigo 101.º e as respectivas alíneas a) e b) e o n.º 2 do mesmo preceito e do proémio do n.º 1 do artigo 112.º, bem como as respectivas alíneas a), b) e c), na medida em que incidam sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com fundamento em eventual inobservância da reserva de densificação operada por lei parlamentar emitida ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP.

A arguição assenta no entendimento de que o Estatuto dos Magistrados Judiciais constitui reserva absoluta da Assembleia da República, pelo que seriam organicamente inconstitucionais as normas legais de bases que, tendo sido emitidas no uso de competência legislativa de reserva relativa, venham a dispor sobre o objecto do mesmo Estatuto, sobretudo no ponto em que permitem que o desenvolvimento legislativo dessas normas possa ser efectuado pelo Governo, no uso da competência legislativa prevista no artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

E seria esse o caso do decreto 173-X, que, incidindo sobre as bases e âmbito da função pública, foi produzido, ao menos de um ponto de vista material, ao abrigo do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da Constituição.

No entanto, a conclusão a que anteriormente se chegou no sentido da inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 3, do decreto, impede que esse conjunto de normas (ainda que pudesse ser aplicável, na economia do diploma, aos juízes do tribunais judiciais) possa constituir direito subsidiário relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, afastando consequentemente o risco de violação de reserva de lei, por via do ulterior desenvolvimento legislativo que venha a ser efectuado através de decreto-lei.

Esta questão surge, nestes termos, prejudicada, pelo que dela não há que conhecer.

Desigualdade entre pessoas individuais e colectivas na celebração de contratos de tarefa e de avença pela Administração Pública 3 - Vem ainda invocada a possível inconstitucionalidade das normas previstas na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 35.º do decreto, no ponto em que, ao definirem os pressupostos de celebração com a Administração Pública de contratos de prestação de serviços, nas modalidades de tarefa e de avença, impõem que a) a correspondente actividade deva ser realizada, por regra, por uma pessoa colectiva e que b) só em situações excepcionais possa ser atribuída a uma pessoa singular, caso em que, ainda assim, a contratação fica dependente de autorização prévia do membro do Governo responsável para a área das finanças.

O pedido fundamenta-se na violação do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP, na medida em que, estribadas infundadamente em critérios puramente subjectivos e sem amparo em fim de relevo constitucional atendível, discriminam negativamente as pessoas individuais em relação às pessoas colectivas, no que tange aos pressupostos de celebração de contratos de prestação de serviços com a Administração Pública.

A norma, que define o «âmbito dos contratos de prestação de serviços», é do seguinte teor:

«1 - Os órgãos e serviços a que a presente lei é aplicável podem celebrar contratos de prestação de serviços, nas modalidades de contratos de tarefa e de avença, nos termos previstos no presente capítulo.

2 - A celebração de contratos de tarefa e de avença apenas pode ter lugar quando, cumulativamente:

a) Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público;

b) O trabalho seja realizado, em regra, por uma pessoa colectiva;

c) Seja observado o regime legal da aquisição de serviços;

d) O contratado comprove ter regularizadas as suas obrigações fiscais e com a segurança social.

3 - Considera-se trabalho não subordinado o que, sendo prestado com autonomia, não se encontra sujeito à disciplina e à direcção do órgão ou serviço contratante nem impõe o cumprimento de horário de trabalho.

4 - Excepcionalmente, quando se comprove ser impossível ou inconveniente, no caso, observar o disposto na alínea b) do n.º 2, o membro do Governo responsável pela área das finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de avença com pessoas singulares.

5 - O contrato de tarefa tem como objecto a execução de trabalhos específicos, de natureza excepcional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido.

6 - O contrato de avença tem como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.» Como bem se vê, procurando delimitar os casos em que é admissível a contratação de prestação de serviços, por parte da Administração, a norma, para além de convocar requisitos ligados ao próprio regime substantivo e procedimental do contrato em causa, impõe que a actividade que constitui objecto do contrato seja realizada, em regra, por uma pessoa colectiva, excepcionando apenas a hipótese em que seja impossível ou inconveniente essa atribuição, caso em que o Ministro das Finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de avença com pessoas singulares.

Numa primeira leitura, a norma da alínea b) do n.º 2 poderia apenas pretender definir o âmbito objectivo do contrato de prestação de serviços por referência ao tipo de actividades que normalmente apenas são executadas em regime de economia empresarial. Nesse ponto, a norma poderia ter pretendido substituir a do artigo 11.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho [agora revogado pelo artigo 116.º, alínea s), do decreto], que previa, a par da prestação de serviços por pessoas privadas (artigo 10.º), a contratação de serviços com empresas com o objectivo de «simplificar a gestão dos serviços e racionalizar os recursos humanos e financeiros para funções que não se destinem à satisfação directa do interesse geral ou ao exercício de poderes de autoridade».

Numa tal interpretação, o preceito não poderia encontrar-se inquinado de inconstitucionalidade porquanto a sua função seria, não a de dar preferência, na contratação, a pessoas colectivas, mas a de autorizar a celebração de contratos de prestação de serviços no sector de actividades económicas para as quais as empresas estariam mais vocacionadas.

No entanto, a articulação com a subsequente norma do n.º 4 e o conteúdo definitório dado, nos n.os 5 e 6, aos contratos de tarefa e de avença, enquanto modalidades de contrato de prestação de serviços, afastam, de todo, essa solução interpretativa e permitem aceitar o entendimento de que o regime legal confere uma prevalência às pessoas colectivas nesse tipo de contratação, em detrimento das pessoas singulares.

Conforme se afirma no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2007, na linha de uma abundante jurisprudência (entre outros os Acórdãos n.º 563/96, 319/00 e 232/03), o princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética, que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para as situações de facto desiguais, o que permite considerar que o princípio não proíbe, em absoluto, as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional. Na sua dimensão de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, o princípio da igualdade tolera a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante. Em suma, e no essencial, o que o princípio da igualdade impõe é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª ed., Coimbra, p. 272).

Assim caracterizado, o princípio da igualdade apresenta-se como princípio negativo de controlo ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial. Assim, a proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.

Numa outra dimensão, o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade enquadra igualmente uma proibição de discriminação, permitindo qualificar como ilegítimas quaisquer diferenciações de tratamento baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 339).

Revertendo ao caso em apreço, é efectivamente estabelecida, no artigo 35.º, n.os 2, alínea b), e 4 do decreto, uma tendencial diferenciação na contratação de serviços pela Administração com base na distinta qualidade (singular ou colectiva) do co-contratante, privilegiando-se a outorga destes acordos com empresas - enquanto organização de meios autonomizável em face de um sujeito, reunindo um conjunto de factores produtivos para o exercício de uma determinada actividade comercial - face aos trabalhadores em nome individual.

Para apreciar a conformidade constitucional de tal medida à luz do princípio da igualdade é necessário partir da ratio das disposições em causa para retirar o critério que justificou a diferenciação e avaliar se o mesmo possui uma fundamentação razoável.

Não havendo uma indicação precisa, nos trabalhos preparatórios, sobre a finalidade da lei, poderá ela ser averiguada através da análise da evolução do tratamento legislativo dos contratos de tarefa e avença celebrados pela Administração Pública, que permite remontar ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei 41/84, de 3 de Fevereiro. Este diploma previa já a possibilidade de celebração de contratos de serviços, embora sem fazer qualquer distinção entre pessoas singulares e colectivas, e procurava dar a estes contratos um carácter excepcional (n.º 2), traduzido quer na disciplina restritiva das circunstâncias em que poderiam ser celebrados, quer na sujeição da sua outorga a uma autorização especial conferida pelo membro do Governo responsável pelo serviço contratante (n.º 7). A razão que pode ser apontada como constituindo o fundamento jurídico deste regime restritivo era a da necessidade de evitar a utilização deste tipo de vínculo precário como forma de admissão de pessoal para a função pública, em consequência do sucessivo recurso à celebração destes contratos e à sua renovação, em situações conjunturais que o poderiam não justificar.

Em reforço de um maior rigor na contratação de serviços em regime de tarefa ou avença, o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Julho, que estabeleceu os princípios gerais em matéria de salários e gestão de pessoal (agora também revogado), veio sujeitar os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos fora do condicionalismo legal a responsabilidade civil, disciplinar e financeira, com a acrescida consequência da possível cessação da respectiva comissão de serviço (artigo 10.º, n.º 8).

Apesar disso, tem-se assistido nas últimas décadas a um progressivo aumento do número de indivíduos que prestam serviço na Administração Pública ao abrigo de vínculos jurídicos de natureza precária ou sem titulação jurídica adequada, que desse modo são chamados a assegurar, de forma subordinada, o exercício de funções próprias e permanentes de serviço público, mediante o recurso a mecanismos de contratação que apenas deveriam ser utilizados para a satisfação de necessidades transitórias e ou específicas desses títulos, com o consequente desfasamento entre a situação de facto e de direito, e a emergência de uma verdadeira «função pública paralela» (sobre estes aspectos, Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra, 1999, pp. 117 e segs.) E que tem redundado, não só na implementação de iniciativas legislativas tendentes a assegurar a regularização da situação de pessoal que se mantém ao serviço sem vínculo adequado (assim, o Decreto-Lei 413/91, de 19 de Outubro), como também na conversão daqueles vínculos precários em definitivos, por via do recurso, por parte dos interessados, aos tribunais, que, por vezes, têm dado prevalência, na apreciação jurídica dos casos, à situação factual do agente, em detrimento do vínculo formal (cf., por exemplo, o Acórdão do STA de 12 de Maio de 1998, no processo 43 500).

Assim se compreende que o recente Decreto-Lei 169/2006, de 17 de Agosto, com a intencionalidade de controlar a admissão de efectivos, tenha conferido uma nova redacção ao n.º 7 do artigo 17.º do Decreto-Lei 41/84, estabelecendo um regime mais exigente de celebração e renovação de contratos de prestação de serviços, e, simultaneamente, tenha determinado, até 31 de Dezembro de 2006, a cessação de todos os contratos cuja necessidade de manutenção não tenha sido confirmada pelos serviços ou tenha sido objecto de um juízo de desnecessidade feito pelos membros do Governo envolvidos no processo de autorização (cf. o respectivo preâmbulo).

Como tudo indica, o regime constante da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 35.º do decreto enquadra-se na mesma linha estratégica de contenção de efectivos e de racionalização de recursos humanos, pelo que a preferência concedida à contratação de serviços a empresas tem sobretudo o objectivo de evitar o artificial sobredimensionamento da estrutura da Administração Pública em matéria de pessoal, começando por evitar, dentro do possível, a celebração de contratos com pessoas singulares, cuja continuidade pudesse gerar novas situações de disfuncionalidade, que os mecanismos de controlo anteriormente instituídos não conseguiram impedir.

Neste conspecto, é possível justificar a diferenciação introduzida à luz de um critério que se afigura razoável, por ser compatível com fins constitucionalmente relevantes, como sejam a boa organização e gestão dos recursos públicos, e por estar dotado de um mínimo de coerência entre os objectivos prosseguidos e os resultados previsíveis.

Por outro lado, o critério em causa é objectivo, relevando para esta apreciação não a circunstância de ele se fundar na natureza pessoal (individual ou colectiva) dos grupos de destinatários, mas sim o facto de a determinação daquilo que é igual e desigual e a escolha da justa medida da diferenciação se fundarem, como sucede no caso em apreço, em termos de comparação e juízos valorativos intersubjectivamente reconhecíveis de forma minimamente clara e comprovável.

Não se vê, assim, motivo bastante para considerar verificada a pretendida inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.

Retenção cautelar automática de metade da remuneração base de funcionário indiciado responsável pela celebração de contrato de prestação de serviços inválido 4 - O pedido imputa ainda uma inconstitucionalidade material à norma ínsita no n.º 3 do artigo 36.º do Decreto 173/X, por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, conjugada com os n.os 2 e 3 do artigo 18.º, da CRP, com base nos seguintes fundamentos: a) restringe de forma desnecessária, desadequada e irrazoável o direito ao salário dos trabalhadores da função pública indiciados pela celebração de contrato de prestação de serviços eventualmente ilegal, já que, sem fundamento em interesse público de relevo constitucional que o justifique, impõe a adopção automática de uma medida cautelar excessiva; b) restringe para além do constitucionalmente admissível o direito do trabalhador indiciado à retribuição, já que o automatismo decorrente da cativação «cega» e por tempo indefinido de metade do seu vencimento pode implicar uma lesão ao direito a uma existência pessoal e familiar condigna, depreciando-se o conteúdo fundamental da norma constitucional que garante a protecção do salário.

A ser procedente, o juízo de inconstitucionalidade, conforme se invoca, determinaria também a inconstitucionalidade, a título consequente, das normas previstas nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo e da norma constante do n.º 2 do artigo 94.º, neste caso, por efeito da remissão que aí é feita para o citado artigo 36.º, n.º 3.

Referindo-se às consequências do incumprimento dos requisitos de celebração dos contratos de prestação de serviços, que se encontram definidos no preceito imediatamente anterior, a norma do artigo 36.º, agora em análise, tem a seguinte redacção:

«1 - Sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, os contratos de prestação de serviços celebrados com violação dos requisitos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo anterior são nulos.

2 - A violação referida no número anterior faz incorrer o seu responsável em responsabilidade civil, financeira e disciplinar.

3 - A título cautelar, as unidades orgânicas competentes para o processamento e pagamento das remunerações cativam automaticamente, a partir do mês seguinte àquele em que tenha sido instaurado o procedimento administrativo ou jurisdicional, tendente a averiguar da invalidade da contratação ou a efectivar a responsabilidade financeira, respectivamente, metade da remuneração base do indiciado responsável, até ao limite do montante que tenha sido despendido por força da contratação.

4 - Findo o procedimento, as importâncias cativadas são entregues nos cofres do Estado, nos termos legais, ou são devolvidas, com os correspondentes juros legais, conforme o caso.

5 - Para os efeitos do disposto no n.º 3 a entidade competente pela instrução do procedimento informa da sua instauração as unidades orgânicas ali referidas.» Reputando como nulos os contratos de prestação de serviços celebrados com preterição dos requisitos legais (ainda que mantendo os efeitos putativos que resultem da respectiva execução), o n.º 2 do artigo 36.º prevê a responsabilização civil, financeira e disciplinar do dirigente ou funcionário que tenha autorizado a contratação ilegal e comina a cativação, a título cautelar, de metade da remuneração base do agente responsável, em vista ao ressarcimento, pela entidade pública lesada da totalidade das verbas despendidas com a contratação.

Da interpretação conjugada dos n.os 3, 4 e 5 do referido preceito, poderá concluir-se que a retenção de verbas, e a sua afectação aos cofres do Estado ou devolução ao interessado, opera nos seguintes termos: a) logo que existe notícia da celebração indevida de contratos de prestação de serviços é instaurado o procedimento administrativo ou jurisdicional destinado a averiguar a invalidade da contratação ou a efectivar a correspondente responsabilidade financeira; b) o instrutor do processo informa as entidades processadoras das remunerações; c) estas cativam automaticamente, a partir do mês seguinte àquele em que tenha sido instaurado o procedimento, metade da remuneração base do indiciado, até ao limite do montante que tenha sido despendido por força da contratação; d) findo o procedimento, as verbas cativadas são entregues à Fazenda Nacional ou devolvidas ao funcionário visado, consoante se tenha concluído pela ilicitude da contratação ou a responsabilidade financeira de quem a autorizou ou pela inexistência de qualquer ilegalidade.

Deve começar por dizer-se que a possibilidade de dirigentes e funcionários se encontrarem sujeitos a responsabilidade civil, disciplinar e financeira e se tornarem responsáveis pela reposição de quantias indevidamente pagas em caso de inobservância de procedimentos relativos à contratação de pessoal, estava já contemplada, no regime actual, precisamente para ilegal celebração de contratos de prestação de serviços, pelo já citado artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Julho.

Outras disposições previam o mesmo tipo de responsabilidade para dirigentes e funcionários que autorizassem nomeações de pessoal não vinculado à função pública sem prévia audição da Direcção-Geral da Administração Pública (artigos 19.º, n.º 5, do Decreto-Lei 13/97, de 17 de Janeiro, e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei 326/99, de 18 de Agosto), ou que admitissem pessoal, com preterição das formalidades legais, para suprir insuficiências resultantes da implementação de medidas de flexibilização do horário ou do período de trabalho (artigos 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei 324/99, de 18 de Agosto, e 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei 325/99, da mesma data), preceitos estes que foram agora incluídos no elenco das disposições revogadas pelo novo regime dos vínculos, carreiras e remunerações [artigo 116.º, alínea jj), uu), vv) e xx), do Decreto 173/X].

A responsabilidade financeira prevista em qualquer dessas disposições destinava-se a efectivar a entrega nos cofres do Estado do quantitativo que tivesse sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado, mediante o competente processo jurisdicional a decorrer perante o Tribunal de Contas, sem prejuízo da concomitante responsabilidade disciplinar (ou até criminal) em que o agente pudesse ter incorrido.

Distingue-se, por outro lado, da responsabilidade civil, que opera apenas na relação externa, quando tenham sido ofendidos deveres resultantes de uma vinculação contratual, causando danos ao outro contraente (responsabilidade contratual), ou tenham sido violadas disposições legais destinadas a proteger interesses de terceiros (responsabilidade extracontratual) (quanto a estas diferentes formas de responsabilidade por contraposição à responsabilidade financeira, cf. o Parecer da PGR n.º 14/2000, de 31 de Maio de 2001).

A novidade introduzida pelo presente artigo 36.º, n.º 3, é a de ter previsto, para além da responsabilidade financeira, civil e disciplinar inerente a uma actuação administrativa ilícita, a aplicação automática de uma medida cautelar que, provisória e antecipadamente, pretende assegurar o ressarcimento de verbas que foram indevidamente utilizadas com a contratação ilegal.

O procedimento que desencadeia a retenção de verbas poderá ser constituído por um processo disciplinar que se destine a verificar, desde logo, a responsabilidade disciplinar do agente por violação de normas atinentes à contratação de serviços, ou por um processo de inquérito, quando se pretenda averiguar preliminarmente a eventual existência de irregularidades na contratação, ou ainda por um processo de julgamento de responsabilidade financeira, que, neste caso, corre termos perante o Tribunal de Contas e que tem em vista tornar efectiva a responsabilidade emergente de factos revelados em relatórios de auditoria, que, para esse efeito, são enviados pela entidade administrativa competente ao agente do Ministério Público junto daquele órgão jurisdicional [artigos 57.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, da Lei 98/97, de 26 de Agosto].

A admissibilidade, em termos gerais, da adopção de medidas provisórias no âmbito de um procedimento administrativo era já reconhecida pelo artigo 84.º do Código do Procedimento Administrativo, tendo essencialmente em vista garantir a eficácia da decisão final a proferir no procedimento.

O direito disciplinar não desconhece também a existência desse tipo de providências que se destinam a permitir adoptar medidas que evitem a sonegação de provas ou impeçam a alteração do estado dos factos e dos documentos ou livros em que se descobriu ou se presume descobrir alguma irregularidade, aí se incluindo a suspensão preventiva do arguido quando a sua presença possa revelar-se inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade (artigos 53.º e 54.º do Estatuto Disciplinar).

O traço comum das providências cautelares de natureza procedimental que podem ser aplicadas no processo disciplinar e, em geral, em qualquer procedimento administrativo é o de assegurarem o efeito útil do procedimento, com o propósito de permitirem a manutenção do statu quo ante de modo a evitar a deterioração do equilíbrio de interesses existente à partida até que a questão de fundo venha a ser dirimida no processo próprio. Trata-se, por isso, de medidas cautelares conservatórias, que visam evitar a inutilização prática dos interesses públicos que um determinado procedimento visa prosseguir, e que seriam irreparavelmente lesados se tivessem de aguardar a tramitação que deverá ser normalmente seguida para proferir uma decisão final (Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, t. iii, Lisboa, 2007, pp. 132-133).

Se atentarmos nos critérios gerais descritos no citado artigo 84.º do CPA, podemos concluir que a aplicação de uma medida provisória por parte de um órgão administrativo depende da verificação dos seguintes requisitos: a) que o procedimento tenha sido iniciado, podendo, no entanto, a medida provisória ser contemporânea do início oficioso do procedimento ou determinada a requerimento dos interessados; b) que haja receio de que sem a adopção da medida provisória o fim do procedimento possa frustrar-se; c) que a medida se destine a evitar lesão grave ou de difícil reparação de interesses públicos (Freitas do Amaral et allii, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 4.ª ed., Coimbra, p. 168).

Por outro lado, a doutrina vem já chamando a atenção, em relação a esse tipo de providências cautelares procedimentais, para a necessidade de ponderação dos interesses em presença por forma que, em ordem à aplicação do princípio da proporcionalidade, o prejuízo que resulta para o destinatário da medida não exceda o dano que com ela se pretende evitar (idem, p. 143).

O que ressalta no caso da medida cautelar prevista no artigo 36.º, n.º 3, do Decreto 173/X, por confronto com as providências cautelares que poderão ser adoptadas, em geral, em sede de procedimentos administrativos, é que ela é uma medida obrigatoriamente imposta por lei, sem qualquer possibilidade de avaliação dos concretos interesses em jogo, que resulta automaticamente da simples comunicação da instauração de um procedimento administrativo ou jurisdicional que se destine a averiguar a responsabilidade do visado, independentemente de qualquer prévia indagação sobre a suficiência ou validade dos factos indiciários, e sem possibilidade do exercício do contraditório, e que, para além de tudo isso, tem uma função, não meramente conservatória (que poderia justificar-se por conveniência de evitar a subtracção de provas), mas unicamente antecipatória, com o declarado objectivo de realizar a satisfação de interesses do erário público ainda na pendência do processo e antes de qualquer indicação segura sobre o sentido da decisão final a proferir.

Resta acrescentar que a responsabilidade reintegratória do funcionário poderá ser accionada através do Tribunal de Contas, quando requerida pelo Ministério Público, nos termos já referenciados (quanto a este aspecto, o já citado Parecer da PGR n.º 14/2000); mas também através de processo disciplinar, nos termos previstos nos artigos 65.º, n.º 1, e 91.º do Estatuto Disciplinar, o qual poderá culminar com a aplicação de pena disciplinar adequada à gravidade dos factos e a decisão condenatória de reposição de verbas, que implicará o desconto nos vencimentos que venham a ser processados posteriormente, no caso de não pagamento voluntário (cf., Acórdão do STA de 6 de Março de 1990, processo 25 131); e ainda por via do procedimento de reposição de dinheiros públicos, que está regulamentado nos artigos 36.º e seguintes do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, que regula o regime financeiro dos serviços e organismos do Administração Pública.

Podendo ser invocada, em todo este contexto - como se deixou entrever - , a violação do princípio da proporcionalidade, cabe efectuar uma análise, ainda que sucinta, dos interesses do particular destinatário que poderão ser afectados pela medida cautelar prevista na norma em apreço.

5 - O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição consagra em relação a todos os trabalhadores o direito à «retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

O direito à retribuição do trabalho, ainda que sediado no título iii da parte i da Constituição, relativo aos «direitos e deveres económicos e sociais», tem sido reconhecido como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, que, como tal, compartilha do regime constitucional próprio destes em todos os aspectos materiais do seu regime, e designadamente com referência ao artigo 18.º (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, Coimbra, 4.ª ed., pp. 374 e 770; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, Coimbra, 2005, p. 598).

O artigo 36.º, n.º 3, do Decreto 173/X, enquanto norma restritiva do direito à retribuição, com aquela sobredita qualificação, apenas poderia ser legítima se preenchesse os requisitos que promanam do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, que pressupõe antes de mais a verificação das seguintes condições: a) que a restrição esteja expressamente credenciada no texto constitucional ou, pelo menos, não possa deixar de ser admitida num quadro de ponderação de conflitos entre bens ou valores constitucionais (n.º 2, primeira parte); b) que só se possa justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, de tal modo que o sacrifício imposto pela lei restritiva não possa ser tido como arbitrário, gratuito ou desmotivado (n.º 2, in fine); c) que a restrição obedeça ao princípio da proporcionalidade, na sua tríplice vertente de princípio da adequação - as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei - , princípio da necessidade - as medidas restritivas devem revelar-se necessárias e, por isso, exigíveis, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias - e princípio da proporcionalidade em sentido estrito - os meios legais restritivos não podem ser desproporcionados ou excessivos em relação aos fins que se pretendem obter (n.º 2, segunda parte) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 392-393).

No caso vertente, poderá entender-se que a obrigatoriedade da cativação de parte da remuneração do dirigente ou funcionário, a título cautelar, para assegurar o ressarcimento pelo Estado de verbas indevidamente gastas numa contratação ilegal pode encontrar justificação na necessidade de preservação do princípio da legalidade administrativa (artigo 266.º, n.º 2, da CRP). E pode configurar-se até como um meio adequado à satisfação do interesse público, no ponto em que permite antecipadamente garantir o reembolso de importâncias despendidas ilegalmente e desincentivar as condutas abusivas por parte de quem tem responsabilidade no domínio da gestão de pessoal. No entanto, a automaticidade da medida cautelar, sem qualquer prévia audição do interessado, nem avaliação de grau de culpa e da eventual existência de causa justificativa em função do circunstancialismo do caso, tornam essa medida manifestamente excessiva e desproporcionada, sobretudo quando se tem presente que o erário público dispõe de outros meios legais que lhe permitem obter o reembolso das importâncias em causa, designadamente por via, quer do processo disciplinar, quer da intervenção do Tribunal de Contas, em sede do processo jurisdicional de responsabilidade financeira.

Certo é que a providência teria o efeito útil de permitir a antecipação do ressarcimento que é devido à entidade pública e evitar o periculum in mora, isto é, o prejuízo que resultaria da demora processual quando o reembolso apenas pudesse ser concretizado no termo do respectivo procedimento administrativo ou jurisdicional.

No entanto, uma providência cautelar, ainda que de natureza administrativa, e sobretudo quando se caracteriza como uma providência antecipatória que tenha em vista alterar a situação jurídica preexistente e constituir uma situação jurídica nova - que apenas poderá ser confirmada na decisão final a proferir no processo principal - , não pode ter como fundamento apenas um juízo de valor absoluto sobre os interesses da entidade administrativa, mas deverá ter em conta, segundo o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, os danos que essa solução possa acarretar para a contraparte.

Como é de concluir, a cativação automática de metade da remuneração do funcionário responsável, com base na simples notícia da possível existência da infracção, sem uma apreciação perfunctória da boa aparência do direito e sem uma averiguação mínima acerca dos reflexos económicos que essa medida possa acarretar na esfera jurídica do interessado, não pode deixar de ser entendida como medida excessiva que viola frontalmente o princípio da proporcionalidade.

Nestes termos, a norma em causa mostra-se ser inconstitucional por violação do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, interpretado conjugadamente com o n.º 2 do artigo 18.º De resto, o direito à retribuição do trabalho, constitucionalmente consagrado, tem pressuposta a ideia de destinação da remuneração à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que justifica as exigências de pontualidade e regularidade no cumprimento da obrigação (artigos 267.º e 269.º do Código do Trabalho) e as especiais garantias de tutela da integridade do salário, que impõem a regra da inadmissibilidade da compensação da retribuição em dívida com créditos da entidade empregadora sobre o trabalhador e a da parcial impenhorabilidade ou cessão dos montantes remuneratórios [artigos 270.º e 271.º do Código do Trabalho e 824.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil]. O direito à retribuição implica, por conseguinte, a disponibilidade dos valores que compõem o salário e o consequente ingresso na esfera patrimonial do trabalhador, pelo que a cativação automática de remunerações, em termos que afectam o princípio da proporcionalidade, é ainda susceptível de violar o direito de propriedade, tal como está consignado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP, na sua componente de direito de uso e fruição de direitos de valor patrimonial (quanto a esta dimensão do direito de propriedade, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed. revista, cit., pp.

800 e 804; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, citada, pp. 626-627).

6 - Acresce que a previsão do artigo 36.º, n.º 3, ao permitir que essa mesma medida possa ser adoptada também quando se inicie um processo de responsabilidade financeira (que, como se deixou esclarecido, decorre necessariamente perante o Tribunal de Contas), tem ainda a característica peculiar de transformar uma medida cautelar administrativa (que deveria projectar os seus efeitos apenas na relação directa entre a Administração e o particular), numa providência instrumental do processo jurisdicional, para efeito de assegurar a antecipação provisória dos efeitos da decisão a proferir no âmbito desse processo, sem qualquer prévia sindicância do juiz competente.

E nessa medida, não pode deixar de entender-se que uma providência legislativa com um tal conteúdo afecta a reserva de jurisdição, entendida como reserva de um conteúdo material funcional típico da função jurisdicional. Na verdade, a reserva de jurisdição actua simultaneamente como limite de actos legislativos e de decisões administrativas, tornando-os inconstitucionais quando tenham um conteúdo materialmente jurisdicional (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., pp. 664-665). Pelo que a possibilidade legal conferida pela norma sub judicio de permitir à Administração aplicar uma medida cautelar de retenção de remunerações, também nos casos em que se venha a iniciar um processo jurisdicional de responsabilidade financeira, para garantir o efeito útil da respectiva decisão condenatória, representa (independentemente de saber se esse processo consente providências cautelares jurisdicionais) uma indevida ingerência do legislador na reserva do juiz, implicando a prática de um acto que, na circunstância, só poderia ser adoptado por um órgão jurisdicional.

Sublinhe-se, a este título, que a cativação de remunerações não opera ope legis, mas resulta da intermediação de uma actuação administrativa: o dirigente do serviço que endereça ao Tribunal de Contas o relatório de auditoria ou de inspecção que fundamenta a responsabilidade financeira do funcionário visado informa o serviço processador de vencimentos, e é esta entidade (que se integra ainda no âmbito da Administração Pública) que define inovatoriamente a situação jurídica do interessado, fixando, através de um acto jurídico individual e concreto, o montante da remuneração que é cativada (quanto à caracterização dos actos de processamento de vencimentos como verdadeiros actos administrativos, quando envolvam um efeito inovatório, entre muitos, os Acórdãos do STA de 11 de Dezembro de 2001, processo 47 140, de 22 de Fevereiro de 2001, processo 46 988, e de 4 de Novembro de 2003, processo 48 050).

Certo é que, nessa eventualidade, o conteúdo jurídico do acto de processamento de vencimento corresponde a um determinado efeito que é determinado por lei, mas isso apenas significa que se trata de um acto estritamente vinculado; essa circunstância não descaracteriza a actuação da Administração como acto administrativo, visto que ela não deixa de ser uma conduta voluntária unilateral de aplicação do direito numa determinada situação jurídica concreta (quanto à relevância da vontade na emissão de todo e qualquer acto administrativo, ainda que totalmente vinculado, Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, ob. cit., pp. 87-88).

A cativação de remunerações, quando se encontre associada à efectivação de responsabilidade financeira perante o Tribunal de Contas, no ponto em que resulta de uma actuação administrativa (embora como necessária consequência da lei) não pode entender-se como uma medida cautelar de carácter jurisdicional resultante de expressa determinação legal, que, como tal, deva ainda considerar-se inserida no âmbito material da jurisdição.

Tratando-se de uma medida administrativa que passa a figurar como providência cautelar antecipatória em relação a um processo jurisdicional, ela interfere na composição provisória de um conflito de interesses existente entre a Administração e o funcionário envolvido, resolvendo uma questão de direito que se situa na esfera material da função de julgar e que envolve assim a violação do princípio consagrado no artigo 202.º da CRP (em sentido similar, Maria Assunção Esteves considera que as medidas cautelares administrativas são contrárias ao princípio de reserva de jurisdição quando o interesse público ao abrigo do qual foram praticadas entra em relação de conflito com outros valores ou interesses subjectivos cuja resolução se enquadra na função jurisdicional - cf. «Função administrativa ou função jurisdicional? As providências cautelares da Administração no Decreto-Lei 234/99, de 25 de Junho», in Estudos de Direito Constitucional, Coimbra, 2001, pp. 134-135).

7 - No âmbito da mesma problemática, o pedido coloca também a questão de saber se a retenção de metade da remuneração base do indiciado responsável não viola o conteúdo essencial da garantia de protecção salarial prevista na citada norma do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre disposições legais cuja aplicação suscita esta mesma questão e poderão apresentar com o caso dos autos algum paralelismo, ao analisar a constitucionalidade do artigo 45.º, n.º 1, da Lei 28/84 (que prevê a impenhorabilidade total das prestações devidas a beneficiários pelas instituições de segurança social), do artigo 824, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (que prevê a penhorabilidade parcial dos salários auferidos pelo executado) e do artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar (que determina para os funcionários e agentes aposentados que as penas de suspensão ou inactividade sejam substituídas pela perda da pensão por igual período de tempo).

Essa jurisprudência pode sintetizar-se nos seguintes quatro vectores: nos Acórdãos n.os 411/93 e 130/95 julgou-se inconstitucional a norma do artigo 45.º, n.º 1, da Lei 28/84, apenas na medida em que isenta de penhora a parte das prestações devidas pela segurança social que excede o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna; no Acórdão 349/91, sem pôr em causa o princípio exposto nessa outra orientação jurisprudencial, que igualmente manteve, considerou-se não inconstitucional a mesma norma no ponto em que a pensão efectivamente auferida pelo interessado apenas permitia garantir a sobrevivência minimamente digna do beneficiário; no Acórdão 62/02 julgou-se inconstitucionais as normas dos artigos 821.º, n.º 1, e 824, n.os 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido; no Acórdão 442/2006 (e em situação semelhante no Acórdão 518/2006) conclui-se pela não desconformidade constitucional da norma do artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar, na parte em que permite que aos funcionários e agentes aposentados possa ser aplicada, em caso de infracção disciplinar, a pena de perda de pensão por tempo igual à pena de inactividade ou de suspensão que seria de aplicar se não fosse a aposentação.

O princípio a que o Tribunal Constitucional aderiu nos quatro primeiros acórdãos citados, em que se discutia a impenhorabilidade total (ou parcial) dos rendimentos provenientes de salários (e pensões), é o de que é inconstitucional a norma quando põe em causa o direito ao mínimo de sobrevivência, ou, melhor dito, o direito a não ser privado do mínimo necessário à sobrevivência. Esse direito tem como ponto de partida o princípio da dignidade da pessoa humana e a dimensão material do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP, pelo que o Tribunal entendeu que havia uma lesão inconstitucional do seu conteúdo sempre que o remanescente dos salários e pensões a penhorar não fosse superior ao montante do salário mínimo nacional ou do rendimento mínimo garantido.

Nos Acórdãos n.os 442/2006 e 518/2006, que se pronunciaram sobre a perda da pensão, ponderou-se que a situação era aí diferente daquela que permite a penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais ou rendimentos do trabalho de montante não superior ao salário mínimo nacional. É que a afectação da pensão de aposentação não resulta de um acto de penhora, visando a satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, traduzindo-se antes numa forma de pena disciplinar que visa punir uma infracção da mesma natureza praticada pelo titular da pensão. Neste caso, são as legítimas finalidades de natureza repressiva e preventiva que fundamentam a pena disciplinar e que ficariam definitivamente prejudicadas pela sua inaplicabilidade, decorrente de um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar; enquanto naquele outro caso a finalidade da penhora não é afectada, de modo definitivo, pela impossibilidade de atingir uma parte dos rendimentos penhoráveis.

Não é qualquer dessas a situação que agora se coloca.

Certo é que artigo 36.º, n.º 3, do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações comina a retenção automática de metade da remuneração sem salvaguardar a possibilidade de essa redução remuneratória, pela sua amplitude, vir a pôr em risco o mínimo necessário à subsistência dos visados. Tratando-se, porém, de dirigentes de serviços e de funcionários de nível hierárquico superior, a que se encontram atribuídas funções de direcção e de gestão dos serviços, é de crer que estejam, em regra, posicionados nos escalões superiores ou intermédios da estrutura remuneratória, e que não seja provável que a perda de metade da remuneração gere uma situação limite susceptível de afectar as condições de sobrevivência. Mas para além disso, e sobretudo, a diminuição patrimonial é uma consequência negativa que deriva da prática de actos de contratação ilícita e que o visado sempre terá de suportar na sua esfera jurídica, quando se venha a concluir pela existência da irregularidade no correspondente processo disciplinar ou de responsabilidade financeira.

Neste plano de consideração, a situação aproxima-se mais da hipótese analisada nos Acórdãos n.os 442/2006 e 518/2006, em que se ponderou, para efeito de se formular um juízo de constitucionalidade, a finalidade específica do procedimento que está em causa e a função sancionatória da perda da remuneração.

O ponto é que a norma sub judicio comina uma redução remuneratória, a título cautelar, ainda na pendência do procedimento destinado a averiguar a responsabilidade financeira do agente, antes de culpa formada e da prolação de qualquer decisão definitiva que reconheça o dever de reposição de verbas.

Neste condicionalismo, a redução drástica da remuneração do visado, acarretando porventura uma impossibilidade de satisfazer os habituais compromissos económicos e sociais - ainda que não ponha em risco o mínimo necessário a uma existência condigna - reconduz-se a uma restrição desproporcionada do direito ao salário, que acaba por determinar, nos termos já antes referidos, uma violação do direito à retribuição do trabalho mas por referência ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

Resta considerar que todas as precedentes considerações (cf. supra n.os 4, 5, 6 e 7) conduzem igualmente a concluir pela inconstitucionalidade, com idênticos fundamentos, da norma transitória do artigo 94.º, n.º 2, do decreto, que também integra o objecto do pedido.

Com efeito, esse preceito, no seu n.º 1, determina que os serviços procedam à reapreciação dos contratos de prestação de serviços, para efeitos da sua renovação, à luz da nova disciplina jurídica resultante do artigo 35.º, e, no n.º 2, comina o incumprimento desse regime, mutatis mutandis, com as consequências que decorrem do artigo 36.º, e, consequentemente, com a retenção automática de metade da remuneração do dirigente ou funcionário responsável, como prevê o n.º 3 desse artigo, segundo o procedimento considerado nos subsequentes n.os 4 e 5.

A referida norma, por efeito da remissão feita para o artigo 36.º, está, por isso, também inquinada de inconstitucionalidade.

O desenvolvimento de princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos mediante portaria 8 - Coloca-se ainda a questão da eventual inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 54.º do decreto por desconformidade com as disposições constitucionais dos n.os 2 e 3 do artigo 112.º, da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º e, ainda, da alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, já que se pode ter como violada a reserva de desenvolvimento de bases gerais por acto legislativo.

Neste aspecto, o pedido assenta nos seguintes considerandos:

a) O decreto sub judicio foi emitido no âmbito de uma matéria cujas correspondentes bases gerais se encontram inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, por força do que dispõe o artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da CRP;

b) O artigo 54.º, n.º 1, enuncia princípios jurídicos atinentes à tramitação do procedimento concursal que presuntivamente devem ser qualificadas como princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos, e cujo desenvolvimento apenas poderá ser efectuado por imediação legislativa;

c) O n.º 2 do mesmo preceito, ao remeter a regulamentação da tramitação do procedimento concursal, e, por conseguinte, a concretização dos referidos princípios gerais, para portaria a emitir pelo membro do Governo da tutela viola a reserva de desenvolvimento das bases gerais por acto legislativo.

O artigo 54.º, epigrafado «Tramitação do procedimento concursal», insere-se sistematicamente num capítulo dedicado ao recrutamento de pessoal, onde se incluem disposições que estabelecem a obrigatoriedade do concurso de provimento (artigo 50.º), a exigência de níveis habilitacionais e outros requisitos de recrutamento (artigos 51.º e 52.º) e os métodos de selecção a utilizar (artigo 53.º).

Incidindo sob os trâmites do procedimento, para efeito da selecção dos candidatos nos lugares a prover, o artigo 54.º dispõe:

«1 - O procedimento concursal é simplificado e urgente, obedecendo aos seguintes princípios:

a) O júri do procedimento é composto por trabalhadores da entidade empregadora pública, de outro órgão ou serviço e, quando a área de formação exigida revele a sua conveniência, de entidades privadas;

b) Inexistência de actos ou de listas preparatórias da ordenação final dos candidatos;

c) A ordenação final dos candidatos é unitária, ainda que lhes tenham sido aplicados métodos de selecção diferentes;

d) O recrutamento efectua-se pela ordem decrescente da ordenação final dos candidatos colocados em situação de mobilidade especial e, esgotados estes, dos restantes candidatos.

2 - A tramitação do procedimento concursal, incluindo a do destinado a constituir reservas de recrutamento em cada órgão ou serviço ou em entidade centralizada, é regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública ou, tratando-se de carreira especial relativamente à qual aquela tramitação se revele desadequada, por portaria deste membro do Governo e daquele cujo âmbito de competência abranja órgão ou serviço em cujo mapa de pessoal se contenha a previsão da carreira.» O decreto foi emitido ao abrigo da competência legislativa genérica da Assembleia da República conferida pelo artigo 161.º, alínea c), da CRP, pela qual o Parlamento pode «fazer leis sobre todas as matérias salvo as reservadas pela Constituição ao Governo». No entanto, o artigo 165.º, n.º 1, alínea t), integra na reserva relativa parlamentar «as bases do regime e âmbito da função pública», o que poderá ser entendido como tudo o que se refere à relação jurídica de emprego público e à delimitação do seu âmbito, onde se poderão incluir normas relativas à demarcação das áreas em que os organismos e os servidores do Estado ficam submetidos a esse regime legal, bem como aquelas que respeitem ao recrutamento ou ao regime de aposentação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., cit., p. 676).

Parece dever dar-se como assente, em qualquer caso, que se inserem na reserva relativa da Assembleia, ao abrigo da referida disposição constitucional, aquelas matérias que envolvam a densificação de direitos fundamentais, como o acesso à função pública e o direito de exercício de profissão (ibidem). Nesse sentido apontam também Jorge Miranda e Rui Medeiros, ao relacionarem o âmbito da norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea t), com a do artigo 269.º, onde precisamente se estabelecem os princípios materiais informadores da função pública (Constituição da Portuguesa Anotada, t. ii, cit., p. 534). Neste preceito se faz apelo não só à especificidade do regime da função pública com a sua vinculação exclusiva ao interesse público - o que nos remete para questões relacionadas com a acumulação de cargos públicos e o regime de incompatibilidades (n.os 1, 4 e 5) - , mas também às garantias de defesa dos trabalhadores da Administração Pública, mormente no que concerne ao exercício de direitos políticos e o direito de audição em processo disciplinar (n.os 2 e 3).

A questão que agora se coloca é de saber se o reenvio feito, pelo n.º 2 do artigo 54.º, da matéria de tramitação do procedimento concursal para simples portaria não viola o princípio que decorre das disposições conjugadas dos artigos 112.º, n.º 2, e 198.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, que pressupõe que o desenvolvimento dos princípios ou bases gerais do regime jurídico contido em leis seja efectuado por decreto-lei do Governo.

Como vem sendo reconhecido, a Constituição não define o que são leis de bases (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 493/05). No caso de a lei se não autoqualificar como tal, são de presumir como leis de bases as leis da Assembleia da República naquelas matérias em que a reserva de lei se limita justamente às bases dos regimes jurídicos previstas no artigos 164.º e 165.º Fora desses casos são de qualificar como leis de bases as leis que de facto se limitem aos princípios gerais dos regimes jurídicos e que não devolvam expressamente o seu desenvolvimento para diploma regulamentar, pois então deixa de existir um pressuposto necessário das leis de bases, que é o seu desenvolvimento legislativo. Inversamente, um indício seguro da existência de uma lei de bases é a exigência por ela estabelecida de desenvolvimento ou de regulamentação mediante decreto-lei (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., cit., p.

508).

No caso vertente, já tomámos em linha de conta que o Decreto 173/X, não tendo sido emitido ao abrigo da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, nem se autodenominando como uma lei de bases, é um diploma heterogéneo que contém bases e princípios gerais do regime jurídico que pretende regular, mas também, nalguns casos, o desenvolvimento legislativo desses princípios, e, noutros, a remissão da sua concretização para regulamento administrativo.

Não podendo ser tido como uma lei de bases, poderá suceder que algumas das suas normas possam ser qualificadas como bases do regime da função pública. Como tais devem entender-se aquelas que, num acto legislativo, definam as opções político-legislativas fundamentais cuja concretização normativa se justifique que seja ainda efectuada por via legislativa (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 755; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. v, 3.ª ed., Coimbra, p. 377; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 261/04).

Ora, no Decreto 173/X, as ideias centrais que, em matéria de recrutamento de pessoal, representam uma clara opção de política legislativa são as que constam dos artigos 50.º, 51.º, 52.º e 53.º, onde se enuncia o princípio do concurso e se estabelecem os requisitos de admissão e os critérios de selecção de candidatos.

O artigo 54.º, por seu turno, reporta-se a elementos consensuais que se encontram justificados por evidentes razões de equidade e transparência ou por conveniência de simplificação processual - a constituição do júri; a eliminação das listas provisórias; o carácter unitário da lista de ordenação de candidatos, a ordem de precedência no preenchimento das vagas. Por outro lado, o regulamento, para que se remete a concretização do disposto nesse preceito, limitar-se-á a definir a tramitação do procedimento concursal, desempenhando uma função instrumental de mera ordenação das fases do concurso e de especificação dos seus elementos constitutivos.

Não podendo caracterizar-se a aludida norma, nos termos precedentemente expostos, como norma de bases, a remissão para o regulamento não viola a reserva de desenvolvimento das bases gerais por acto legislativo.

Cabe referir ainda, embora essa questão não tenha sido suscitada no pedido, que a norma do artigo 54.º, n.º 1, não podendo ser caracterizada como uma norma de bases, segundo o entendimento acabado de expor, tem apesar disso um alcance normativo concreto que, correspondendo a uma normação primária em matéria de procedimento concursal, se torna susceptível de ser desenvolvida por via regulamentar. O órgão legiferante não deixou, por isso, de fazer actuar, nesse domínio específico, o princípio de reserva de lei que deriva do artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da CRP. Não se limitou a conferir à Administração a competência subjectiva para regulamentar esses aspectos do regime jurídico - o que implicaria a emissão de um regulamento independente, que necessariamente deveria revestir a forma de decreto regulamentar - , mas fixou com suficiente densidade normativa um conjunto de regras cujo desenvolvimento se quadra no âmbito de um regulamento executivo ou complementar.

Determinação do posicionamento remuneratório de candidatos a recrutamento para a função pública em procedimento concursal 9 - O pedido suscita ainda a inconstitucionalidade da norma do artigo 55.º, n.º 1, do decreto por violação do princípio da igualdade salarial, por aplicação das disposições dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, no ponto em que a norma admite, ou autoriza implicitamente, sem acautelar a fixação de limites tangíveis, que uma decisão discricionária do empregador público possa, mediante acordo resultante de processo negocial, preencher uma vaga aberta para um posto de trabalho relativo a uma dada categoria profissional através de um candidato, em termos tais que, cumulativamente:

a) Possa auferir uma remuneração mais elevada que a dos trabalhadores mais antigos integrados na mesma categoria que se encontrem em exercício de funções;

b) Seja oriundo de sector externo à Administração Pública e seja titular de menores habilitações literárias que os trabalhadores integrados na mesma categoria profissional e que desempenhem idêntica função.

Segundo se sustenta, o princípio trabalho igual, salário igual, pode ser posto em causa na medida em que esse novo regime, sem introduzir qualquer salvaguarda e sem outro critério que não seja o da negociação salarial com o candidato a um posto de trabalho, habilita o empregador a acordar discricionariamente com o mesmo candidato um vencimento superior ao de outros funcionários mais antigos e com iguais ou superiores habilitações literárias que exerçam funções idênticas em igual categoria.

A referida norma surge inserida no capítulo iii do título iv, atinente ao regime de carreiras, o qual congrega diversas regras relativas ao recrutamento de pessoal, incluindo as respeitantes ao procedimento concursal (artigos 50.º a 54.º), e que, sob a epígrafe «Determinação do posicionamento remuneratório», prescreve o seguinte:

«1 - Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objecto de negociação com a entidade empregadora pública e tem lugar:

a) Imediatamente após o termo do procedimento concursal; ou b) Aquando da aprovação em curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 41.º, que decorram antes da celebração do contrato.

2 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, a negociação com os candidatos colocados em situação de mobilidade especial antecede a que tenha lugar com os restantes candidatos.

3 - Sem prejuízo de contactos informais que possam e devam ter lugar, a negociação entre a entidade empregadora pública e cada um dos candidatos, pela ordem em que figurem na ordenação final, efectua-se por escrito.

4 - Em casos excepcionais, devidamente fundamentados, designadamente quando o número de candidatos seja de tal modo elevado que a negociação se torne impraticável, a entidade empregadora pública pode tomar a iniciativa de a consubstanciar numa proposta de adesão a um determinado posicionamento remuneratório enviada a todos os candidatos.

5 - O eventual acordo obtido ou a proposta de adesão são objecto de fundamentação escrita pela entidade empregadora pública.

6 - Em cada um dos universos de candidatos referidos na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, bem como relativamente à ordenação de todos os candidatos, a falta de acordo com determinado candidato determina a negociação com o que se lhe siga na ordenação, ao qual, em caso algum, pode ser proposto posicionamento remuneratório superior ao máximo que tenha sido proposto a, e não aceite por, qualquer dos candidatos que o antecedam naquela ordenação.

7 - Após o seu encerramento, a documentação relativa aos processos negociais em causa é pública e de livre acesso.

8 - Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade da relação jurídica de emprego público seja a nomeação, lei especial pode tornar-lhe aplicável o disposto nos números anteriores.

9 - Não usando da faculdade prevista no número anterior, o posicionamento do trabalhador recrutado tem lugar na ou numa das posições remuneratórias da categoria que tenham sido publicitadas conjuntamente com os elementos referidos no n.º 3 do artigo 50.º» Importa ter presente, para melhor compreender o alcance da aludida disposição, que a lei prevê a existência de carreiras gerais e carreiras especiais (artigo 41.º), que poderão incluir, em qualquer dos casos, carreiras unicategoriais ou pluricategoriais (artigo 42.º), sendo que a cada categoria de carreiras corresponde um número variável de posições remuneratórias (artigo 45.º).

Acresce que, em função da verbas disponíveis para encargos com pessoal, o dirigente do serviço poderá proceder a alterações de posicionamento remuneratório na categoria dos trabalhadores da unidade orgânica, que já se encontrem no activo, as quais terão por base a avaliação do respectivo desempenho (artigos 46.º a 48.º).

Por outro lado, como resulta com evidência do disposto no artigo 50.º, n.º 1, o recrutamento de trabalhadores para o preenchimento de lugares vagos depende de uma opção gestionária que tenha em linha de conta os critérios definidos no artigo 7.º, n.os 1, alínea b), 2 e 3, relativamente à afectação de verbas orçamentais a encargos com pessoal.

De acordo com essas referidas disposições, as verbas orçamentais dos órgãos ou serviços afectas a despesas com pessoal poderão destinar-se a suportar encargos com as remunerações dos trabalhadores que se devam manter em exercício de funções, ou com o recrutamento de trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho vagos, ou ainda com alterações do posicionamento remuneratório dos trabalhadores no activo ou com a atribuição de prémios de desempenho. Essa afectação tem por base de ponderação dos objectivos e actividades do órgão ou serviço, a motivação dos respectivos trabalhadores (mormente para o efeito de alteração do posicionamento remuneratório), o nível do desempenho atingido pelo órgão ou serviço no ano anterior ao da preparação da proposta de orçamento.

Além disso o dirigente do serviço, considerados todos esses factores, pode optar pela afectação integral das verbas orçamentais apenas a uma dessas finalidades.

Tal significa que os serviços, em função dos resultados obtidos e do empenho revelado pelos trabalhadores na execução das suas tarefas, podem prescindir de abrir concurso para preenchimento de lugares vagos e aplicar as verbas previstas para encargos com o pessoal na melhoria da situação remuneratória dos trabalhadores já pertencentes aos quadros, aplicando, nesse caso, o regime previsto nos artigos 47.º e 48.º Nestes termos, o recrutamento de novos trabalhadores pressupõe, desde logo, a impossibilidade ou inconveniência de assegurar o cumprimento dos objectivos do órgão ou serviço através do pessoal no activo e pode representar um juízo de avaliação sobre os índices de competência técnica, produtividade e eficiência dos trabalhadores existentes e do nível remuneratório que, em função desses factores, lhes deve competir.

Pressupondo que o dirigente do serviço opta pela abertura de concurso de provimento, sem dúvida que o artigo 55.º, n.º 1, introduz um mecanismo inovador na fixação inicial da remuneração de um trabalhador contratado, permitindo que o seu escalão retributivo na categoria profissional em que vai ingressar seja objecto de negociação com a entidade empregadora, o que inculca que o candidato não tem necessariamente de vir a ocupar a primeira posição da correspondente escala salarial, mas, desde logo, poderá ficar situado numa posição intermédia ou superior.

O sistema salvaguarda, no entanto, a aplicação de alguns critérios de equidade e transparência: a negociação é efectuada após o termo do procedimento concursal e pela ordem em que os candidatos figurem na lista de graduação final [n.os 1, alínea a), e 3]; a negociação efectua-se por escrito e o acordo (ou a proposta de adesão, quando for o caso) é fundamentado (n.os 3 e 5); quando o número de candidatos seja de tal modo elevado que a negociação se torne impraticável, a determinação do posicionamento remuneratório de todos os candidatos pode ser feita através de proposta de adesão (n.º 4); a falta de acordo com um determinado candidato implica que se inicie a negociação com o que se lhe siga na ordenação, ao qual não poderá ser proposto um posicionamento remuneratório superior ao máximo que tenha sido proposto, e não aceite, por um qualquer dos candidatos que o anteceda naquela ordenação (n.º 6); após encerramento do processo negocial, a respectiva documentação relativa é pública e de livre acesso (n.º 7).

Vê-se assim que a determinação do posicionamento remuneratório tem em consideração a posição relativa dos candidatos na lista de graduação do concurso e, embora haja alguma margem de liberdade decisória na fixação dos termos do acordo - como é próprio de qualquer processo negocial - , a entidade empregadora está, em todo o caso, impedida de formular uma proposta mais vantajosa em relação a um candidato que se encontre na lista de graduação em posição relativa inferior a outro, o que faz supor que a definição negociada dos escalões remuneratórios tem por base o mérito relativo dos candidatos revelado nas provas do concurso.

Sucede que o novo regime legal dá também abertura à possibilidade de trabalhadores já vinculados aos quadros poderem ver alterada a sua posição remuneratória em função da avaliação de desempenho, que significa que o sistema preconiza, não apenas em relação ao novos trabalhadores, mas também em relação aos que já estão integrados em carreiras, uma diferenciação remuneratória com base na presumível ou comprovada maior qualidade de serviço ou qualificação profissional.

A conveniência de implementar uma nova política neste domínio é, aliás, reconhecida na exposição de motivos da proposta de lei 152/X, já mencionada, onde se afirma, como justificação para levar a efeito uma reforma profunda do sistema, que «a dinâmica das carreiras tem estado muito baseada na antiguidade e em níveis de avaliação de desempenho generalizadamente obtidos, o que lhe confere natureza quase automática, ou baseada em concursos com procedimentos muito burocratizados que, na prática, dão particular relevo a requisitos e condições de natureza formal», e em que se aponta, na linha das directrizes do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), para a necessidade de «reformar profundamente o sistema de carreiras e remunerações, reduzindo substancialmente o número de carreiras, bem como limitando drasticamente os elementos de progressão automática actualmente existentes».

Poderá entender-se como inconstitucional, por violação do princípio da igualdade salarial, este novo critério diferenciador de remunerações? Sabe-se que o princípio do trabalho igual salário igual, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, pretendendo salvaguardar a igualdade retributiva, apenas proíbe, enquanto afloramento do princípio da igualdade, as discriminações ou distinções sem fundamento material, designadamente, porque assentes em categorias subjectivas [Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª ed., Coimbra, p.

433; no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9 de Março, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 188].

Nestes moldes, o princípio constitucional implica a inadmissibilidade de um tratamento salarial diferenciado pelo sexo ou por outros factores discriminatórios, mas já comporta a individualização de salários com base no mérito ou no rendimento, desde que sejam apurados mediante critérios e métodos objectivos e explícitos (idem, p.

436).

A diferenciação de salários relativamente a trabalhadores que detêm a mesma categoria profissional poderá assim resultar não só da diversa espécie ou natureza das tarefas desempenhadas, mas também da qualidade ou valor útil da prestação, assim devendo entender-se a referência do texto constitucional à qualidade do trabalho - artigo 59.º, n.º 1, alínea a) (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7 de Junho de 2000, processo 12/00, e de 25 de Janeiro de 2001, processo 2025/02).

Ou seja, o factor qualidade de trabalho, que é diferente da natureza da actividade desenvolvida (que se reporta à posição funcional do trabalhador) e da quantidade de trabalho (que corresponde à duração ou ao tempo de trabalho), aponta no sentido da relevância das características individuais de prestação, do seu valor útil ou do seu rendimento (idem, p. 433).

Ao contrário do que sucede no domínio laboral privado, em que a remuneração está ligada à pessoa do trabalhador e à sua produtividade, a diferenciação da remuneração em função de critérios de qualidade e eficiência não tem sido aplicada no seio da função pública por sempre se ter entendido a remuneração do funcionário mais como a contraprestação devida pela ocupação de um determinada categoria, e não tanto pelo modo do exercício das correspondentes funções (Paulo Veiga Moura, Privatização da Função Pública, Coimbra, 2004, p. 150).

No entanto, o legislador tem legitimidade, ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, para reconhecer, também em relação aos trabalhadores da Administração Pública, o direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, fazendo cumprir o princípio trabalho igual salário igual na sua dimensão positiva, segundo a qual as diferenças qualitativas na prestação não só autorizam como impõem uma diferente remuneração (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., cit., p. 773).

O legislador está impedido de instituir diferenças salariais que, à luz do texto constitucional, se configurem arbitrárias, irrazoáveis ou injustificáveis, mas poderá fazê-lo com base em particularidades da prestação funcional ou do seu maior volume ou qualidade, pelo que não deixa de ser legítima uma medida legislativa que permita, a quem está provido há menos tempo numa dada categoria, que aufira, ou passe a auferir, uma remuneração superior à percebida por quem dispõe de maior antiguidade no mesmo posto, desde que ela se encontre fundamentada num motivo objectivo que possa ser entendido como válido e racional (Paulo Veiga Moura, ob. cit., pp. 156 e 158-159).

O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de declarar a inconstitucionalidade de diversas normas aplicáveis à função pública, quando interpretadas no sentido de permitirem que funcionários mais antigos numa dada categoria passassem a auferir uma remuneração inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações.

Assim, o Acórdão 584/98, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 2.º do Decreto-Lei 397/91, de 19 de Setembro, enquanto restringe o descongelamento na progressão nos escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, com efeito a partir de 1 de Julho de 1990, bem como o Acórdão 254/00, que declarou inconstitucional com força obrigatória geral as normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, procedendo ao descongelamento de escalões, limitam o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989. Em qualquer dos casos estamos perante situações em que o legislador introduziu alterações de regime legal, valorizando apenas um elemento temporal, desligado de quaisquer considerações que se prendessem com aspectos relativos à prestação laboral.

Não é essa a hipótese em presença.

O artigo 55.º, n.º 1, do Decreto 173/X permite que um trabalhador contratado, através de negociação com a entidade empregadora, passe a ocupar uma posição salarial intermédia ou superior da respectiva tabela remuneratória. Mas essa eventualidade está directamente relacionada com a sua posição relativa na lista de graduação do concurso de provimento e, por conseguinte, com o mérito que tenha evidenciado nas provas de concurso, de tal modo que nenhum outro candidato situado em posição inferior pode obter um nível remuneratório superior a esse. Por outro lado, também os funcionários que já se encontrem no activo poderão progredir na escala remuneratória por via da obtenção de melhores resultados na avaliação do desempenho profissional, e, porventura, manterem-se numa posição remuneratória superior às dos recém-ingressados ou ultrapassarem a posição a que entretanto estes tenham ascendido. E além de tudo, a negociação da posição remuneratória de um novo contratado, tendo por base uma fundada expectativa quanto ao nível qualitativo da prestação laboral, não pode deixar de tomar como ponto de referência as posições remuneratórias ocupadas pelo pessoal que está no activo, as quais, por efeito da avaliação do desempenho, são influenciadas pela qualidade do trabalho efectivamente prestado. Ou seja, embora os parâmetros de ponderação para essas duas categorias de trabalhadores sejam diversos - visto que num caso se parte de um juízo de prognose sobre o futuro desempenho profissional e noutro se tem em conta o reconhecimento do mérito já revelado na prestação do serviço - , o certo é que a justa medida, a que uma negociação remuneratória deverá conduzir, permite sempre ponderar, em termos relativos, o grau de correspondência que é possível estabelecer entre uns e outros.

Neste contexto, a circunstância de novos contratados ou trabalhadores já integrados nos quadros virem a auferir uma remuneração superior à de outros que possuem maior antiguidade na categoria, resulta da introdução de um factor de qualificação profissional, na determinação do posicionamento remuneratório, que o legislador entendeu ser mais adequado à prossecução do interesse público.

Esse critério não ofende o princípio da igualdade salarial, que só proíbe a diferenciação remuneratória que se mostre ser desprovida de um fundamento material válido.

Resta acrescentar que a negociação sobre a posição remuneratória dos novos contratados envolve, pela natureza das coisas, uma certa margem de liberdade de conformação da entidade empregadora. O exercício desse poder, no entanto, continua subordinado ao cumprimento dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), que necessariamente devem nortear toda a actividade administrativa. A decisão concreta que não preencha esses parâmetros de juridicidade é susceptível de ser impugnada contenciosamente, na jurisdição administrativa, com fundamento em ilegalidade, pelo que não é o mau uso do mecanismo legal, por parte da Administração, que poderá inquinar a conformidade constitucional da solução legislativa.

Fixação mediante portaria de critérios específicos ou excepcionais condicionantes do acesso dos cidadãos à função pública 10 - Suscita-se ainda a questão da inconstitucionalidade do artigo 56.º, n.º 8, do decreto, quando interpretado em conjugação com o artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República, pelo facto de, estando prevista a possibilidade de opção, no âmbito do recrutamento de pessoal, pelo recurso a diplomados pelo curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP), em alternativa ao procedimento concursal, se ter consignado, no entanto, através desse n.º 8, que o referido curso seja regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública.

Sustenta-se, a este propósito, que se verifica uma violação da competência de reserva relativa da Assembleia da República, porquanto o acesso à função pública, em condições de liberdade e de igualdade, constitui um direito fundamental, consagrado no citado artigo 47.º, n.º 2, e a sua conformação só pode ser efectuada por via de lei, em aplicação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

Com efeito, o artigo 56.º do decreto, integrado num capítulo referente ao recrutamento de pessoal, permite que o dirigente máximo do serviço proceda ao preenchimento de vagas existentes nos quadros através de interessados que tenham concluído com aproveitamento o curso de Estudos Avançados em Gestão Pública, utilizando esse mecanismo em substituição do procedimento de concurso que vem regulado nos precedentes artigos 50.º a 54.º É a seguinte a redacção do preceito:

«1 - Observados os condicionalismos referidos no n.º 1 do artigo 50.º relativamente a actividades de natureza permanente, o dirigente máximo da entidade empregadora pública pode optar, em alternativa à publicitação de procedimento concursal nele previsto, pelo recurso a diplomados pelo curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP).

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a entidade empregadora pública remete ao Instituto Nacional de Administração (INA) lista do número de postos de trabalho a ocupar, bem como a respectiva caracterização nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 50.º 3 - A caracterização dos postos de trabalho cujo número consta da lista toma em consideração que os diplomados com o CEAGP apenas podem ser integrados na carreira geral de técnico superior e para cumprimento ou execução das atribuições, competências ou actividades que a respectiva regulamentação identifique.

4 - A remessa da lista ao INA compromete a entidade empregadora pública a, findo o CEAGP, integrar o correspondente número de diplomados.

5 - O recrutamento para frequência do CEAGP observa as injunções decorrentes do disposto nos n.os 4 a 7 do artigo 6.º 6 - A integração na carreira geral de técnico superior efectua-se na primeira posição remuneratória ou naquela cujo nível remuneratório seja idêntico ou, na sua falta, imediatamente superior ao nível remuneratório correspondente ao posicionamento do candidato na categoria de origem, quando dela seja titular no âmbito de uma relação jurídica de emprego público constituída por tempo indeterminado.

7 - O CEAGP pode igualmente decorrer em outras instituições de ensino superior nos termos fixados em portaria dos membros do Governo responsáveis pela Administração Pública e ensino superior, sendo, neste caso, a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público a entidade competente para a gestão de todo o procedimento.

8 - O CEAGP é regulamentado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública.» Como bem se vê, a utilização dos diplomados pelo CEAGP é um expediente alternativo à abertura de concurso de provimento, que apenas pode ter lugar quando seja possível, nas mesmas circunstâncias, recorrer ao procedimento concursal (n.º 1), ficando o pessoal recrutado por essa via sujeito ao regime geral de constituição da relação jurídica de emprego público (n.º 5).

Por outro lado, o artigo 56.º regula não só aspectos relativos ao processo de recrutamento (n.os 1, 2, 3 e 4), e às condições do respectivo regime de vinculação (n.os 2 e 6), como outros atinentes à própria organização do curso (n.os 2 e 7).

Sublinhe-se que o artigo 24.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro [agora revogado pelo artigo 116.º, alínea qq), do presente Decreto] permitia já que por decreto-lei fossem definidas condições especiais de ingresso e acesso na carreira técnica superior para os diplomados com o CEAGP, que fora criado junto do Instituto Nacional de Administração, pela Portaria 1319/95, de 8 de Novembro (entretanto substituída pela Portaria 327/2004, de 31 de Março), sendo que a sua regulamentação acabou por ser efectuada pelo Decreto-Lei 54/2000, de 7 de Abril, que foi também agora objecto de revogação [artigo 116.º, alínea ccc)].

A questão que se coloca é a da possível violação da reserva relativa do Parlamento por via da agora prevista remissão dos aspectos organizativos do CEAPG para regulamento administrativo.

O artigo 47.º da Constituição, no seu n.º 2, estipula que «[t]odos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por concurso». E sendo esta uma matéria versada no título ii da parte i da Constituição, encontra-se abrangida pela referência aos direitos, liberdades e garantias que consta do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. ii, cit., p. 534).

É de entender, por outro lado, que a reserva abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia, e não apenas os aspectos relativos aos seus princípios ou bases gerais, e isso independentemente de se pretender instituir um regime eventualmente mais restritivo ou ampliativo do que o preexistente, visto que o que está em causa não é o alcance da lei mas a matéria sobre a qual ela incide (idem, p. 535).

Importa, no entanto, efectuar uma precisão.

Conforme se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 150/85 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 292, de 19 de Dezembro de 1985, p. 11 976), a matéria de reserva de lei, para o aludido efeito, não pode entender-se como toda e qualquer solução jurídica que, de algum modo, possa implicar uma conexão com um direito, liberdade ou garantia ou possa contender com as condições práticas do seu exercício. Deverá tratar-se, antes, de aspectos que directamente interfiram com as condições ou pressupostos jurídicos do direito, liberdade ou garantia que está em causa.

No que se refere ao direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade, entende-se que ele «consiste principalmente em: a) não ser proibido de aceder à função pública em geral, ou a uma determinada função pública em particular (liberdade de candidatura); b) poder candidatar-se aos lugares postos a concurso, desde que preenchidos os requisitos necessários; c) não ser preterido por outrem com condições inferiores; d) não haver escolha discricionária por parte da Administração» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed. revista, cit., p. 660).

O CEAGP, porém, instituído pela referida portaria, configura-se como uma estrutura destinada a conferir qualificação especializada e actualização profissional de nível superior ao pessoal dirigente e técnico superior do sector público administrativo.

Trata-se, por isso, de um instrumento jurídico que se enquadra numa missão de modernização e de aperfeiçoamento da máquina administrativa do Estado e que, ainda que possa constituir um mecanismo diferenciado de recrutamento de pessoal, não pretende regular directamente quaisquer aspectos atinentes à liberdade de acesso à função pública.

Por outro lado, no que se refere ao regime de admissão ao curso - único aspecto que poderia contender com o direito de acesso à função pública - , o artigo 56.º, n.º 1, salvaguarda já a aplicação de critérios legais que garantem a sujeição a condições de igualdade e liberdade. Na verdade, por efeito da remissão feita, no segmento inicial desse preceito, para o n.º 1 do precedente artigo 50.º, o recrutamento de pessoal por via do recurso a diplomados pelo CEAGP está dependente de procedimento concursal (tal como, aliás, se previa no regime actual - cf. o preâmbulo do Decreto-Lei 54/2000, de 7 de Abril, e seu artigo 3.º), que, por sua vez, apenas poderá ocorrer desde que observado o condicionalismo definido nos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.os 1, alínea b), 3 e 4. Assim, essa modalidade de admissão de pessoal na função pública, além de estar sujeita às regras comuns de selecção de candidatos, está também subordinada a exigências decorrentes da gestão de recursos humanos e de aplicação de verbas orçamentais. A iniciativa só pode ter lugar se houver postos de trabalho vagos (artigo 6.º, n.º 2) e desde que o dirigente do serviço não opte por substituir o recrutamento de novos trabalhadores pela alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores já existentes (artigo 7.º, n.º 3).

Ressalvada esta questão - que incide propriamente sobre os pressupostos jurídicos do direito de acesso à função pública - por via da previsão legal contida no artigo 56.º, n.º 1, a remissão de aspectos organizativos do curso para regulamento administrativo não ofende, pelas razões já antes mencionadas, a reserva relativa da Assembleia da República.

Alega-se, no entanto, complementarmente, que a remissão da regulamentação do CEAPG para portaria, tal como previsto no n.º 8 do artigo 56.º do decreto, ainda que ela não integre a reserva de lei, é inconstitucional por violação do n.º 6 do artigo 112.º da CRP, conjugado com o n.º 7 do mesmo artigo, já que a disciplina primária de uma matéria desta natureza exigiria um regulamento independente que nunca poderia assumir a simples forma de portaria.

O artigo 112.º, n.º 6, da Constituição estabelece que «[o]s regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso dos regulamentos independentes», acrescentando o n.º 7 que «[o]s regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão».

O n.º 6 dá assim abertura aos regulamentos independentes, impondo, no entanto, como pressuposto legal, em aplicação do princípio da precedência de lei, a existência de uma lei prévia para a actuação do poder regulamentar. Da conjugação dos citados n.os 6 e 7 resulta assim claro que os regulamentos independentes são aqueles cuja lei habilitante se limita a definir a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, o que sucede quando a lei é uma pura lei de reenvio ou remissão para regulamento (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed.

revista, cit., pp. 513-514). Por outras palavras, regulamentos independentes são os que «pressupõem sempre uma lei definidora da competência subjectiva (competência de um órgão em face de outro ou outros órgãos) e da competência objectiva (competência em razão da matéria) do órgão que os emite» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. ii, cit., p. 277).

Por outro lado, a exigência da forma de decreto regulamentar para os regulamentos independentes - que estão sujeitos a promulgação do Presidente da República, nos termos do artigo 134.º, alínea d), da Constituição - «justifica-se pela necessidade de evitar que, sob a capa de regulamento independente, o Governo faça aquilo que deve fazer sob forma legislativa, fugindo à intervenção presidencial» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. e loc. cit.); podendo também entender-se que a imposição da forma mais solene de decreto regulamentar decorre da circunstância de os regulamentos independentes «criarem disciplina inicial de relações jurídicas e, em regra, com larga margem de liberdade ou discricionaridade» (Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Coimbra, 1987, p. 83).

Será então que o regulamento previsto no n.º 8 do artigo 56.º do decreto assume a caracterização própria de um regulamento independente? Isso sucederia, na linha do entendimento anteriormente exposto, se o decreto (ou um qualquer diploma legal) se tivesse limitado a conferir ao Governo «competência para emitir normas regulamentares sobre certa matéria, embora sem estabelecer desde logo qualquer sistema normativo sobre a mesma» (assim, Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pp. 204-205).

Mas não é essa a situação vertente.

O Decreto 173/X não se limita a indicar o membro do Governo que deve emitir o regulamento e o objecto sobre que ele deve incidir. Antes explicita, no contexto verbal do preceito - como se deixou já esclarecido - , não só as instituições de ensino nas quais decorre o curso (em regra, o Instituto Nacional de Administração, mas sempre uma instituição de ensino superior: cf. o artigo 56.º, n.os 2, 4 e 7), como também as injunções a que deve obediência o recrutamento para sua frequência (cf. o artigo 56.º, n.º 5), pelo que não pode afirmar-se que o diploma é inteiramente omisso acerca da disciplina material que possa ser objecto de regulamentação.

Por outro lado, o diploma, ao definir esse regime material sobre o CEAGP, não se limita a emitir algumas directivas sobre o sentido da normação de molde que se pudesse considerar que seria o regulamento a proceder, num plano primário, à fixação das normas directamente aplicáveis a relações sociais - caso em que, segundo alguma doutrina, ainda se poderia estar perante um regulamento independente (Sérvulo Correia, ob. cit., pp. 242-243); antes estipula «normação propriamente dita», «regulando desde logo relações de vida em sociedade», o que tanto basta para concluir que a portaria para que remete o n.º 8 do artigo 56.º não constitui um regulamento independente e não sofre da apontada inconstitucionalidade.

Fixação dos níveis máximo e mínimo de remuneração admitidos no quadro das relações de emprego público, em portaria de conteúdo inovatório 11 - Em derradeiro termo, coloca-se a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 68.º do Decreto 173/X com os seguintes fundamentos:

a) Por violação do princípio da tipicidade da lei previsto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, conjugado com os n.os 6 e 7 do mesmo preceito, atento o facto de aos regulamentos estar vedada a fixação de opções primárias e juízos de valor inovatórios próprios dos critérios de decisão legislativos;

b) Por violação das normas constantes dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição que determinam que os regulamentos relativamente aos quais a lei se limita a determinar a competência subjectiva e objectiva da sua emissão devem assumir a forma de decreto regulamentar;

c) Por violação das normas constantes dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição na medida em que a conjugação do n.º 1 do artigo 68.º com o n.º 1 do artigo 69.º subverte parcialmente a relação hierárquica ou de precedência entre decreto regulamentar e portaria, dado que a fixação em concreto dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias a constar de decreto regulamentar está limitada e pode ser alterada pela portaria que define a tabela remuneratória única.

Sustenta-se, por outro lado, que também a norma do n.º 5 do artigo 68.º do diploma, ao remeter para portaria o estabelecimento de parâmetros limitadores da acção da autonomia colectiva, pode ficar ferida de inconstitucionalidade, por violação do que prescreve o n.º 4 do artigo 56.º da Constituição, que consagra, nesta matéria, uma reserva de lei.

O artigo 68.º, epigrafado «Tabela remuneratória única», dispõe, na parte que agora mais interessa considerar, o seguinte:

«1 - A tabela remuneratória única contém a totalidade dos níveis remuneratórios susceptíveis de ser utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público.

2 - ...........................................................................

3 - O número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um é fixado em portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças.

4 - A alteração do número de níveis remuneratórios é objecto de negociação colectiva, nos termos da lei.

5 - A alteração do montante pecuniário correspondente a cada nível remuneratório é objecto de negociação colectiva anual, nos termos da lei, devendo, porém, manter-se a proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis.» Por seu turno, a norma do artigo 69.º, também chamada à colação, sob a epígrafe «Fixação da remuneração base», tem a seguinte redacção:

«1 - A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias, bem como aos cargos exercidos em comissão de serviço, é efectuada por decreto regulamentar.

2 - Na identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias observam-se, tendencialmente, as seguintes regras:

a) Tratando-se de carreiras pluricategoriais, os intervalos entre aqueles níveis são crescentemente mais pequenos à medida que as correspondentes posições se tornam superiores;

b) Nenhum nível remuneratório correspondente às posições das várias categorias da carreira se encontra sobreposto, verificando-se um movimento único crescente desde o nível correspondente à primeira posição da categoria inferior até ao correspondente à última posição da categoria superior;

c) Excepcionalmente, o nível correspondente à última posição remuneratória de uma categoria pode ser idêntico ao da primeira posição da categoria imediatamente superior;

d) Tratando-se de carreiras unicategoriais, os intervalos entre aqueles níveis são constantes.» Deve começar por notar-se que a matéria relativa à fixação da remuneração por referência aos níveis remuneratórios se relaciona com outros aspectos atinentes à organização das carreiras e, especialmente, com o disposto no artigo 45.º, onde se consignam critérios referentes ao número de posições remuneratórias que correspondem a cada categoria, que, por sua vez, estão definidas, nos termos do subsequente artigo 49.º, n.º 2, em anexo ao diploma.

Nos termos de todas estas disposições, interpretadas conjugadamente, pode dizer-se que a estrutura remuneratória prevista no novo diploma é constituída por uma escala salarial desdobrada em diversas posições remuneratórias (previstas na lei) a que poderão corresponder vários níveis remuneratórios.

A primeira questão de constitucionalidade que se coloca, neste plano, é a da violação do princípio da tipicidade da lei previsto no n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, que resulta - segundo se afirma - do facto de o citado artigo 68.º, n.º 3, remeter para portaria «decisões de normação primárias no tocante a estas dimensões fundamentais para a vertebração da escala salarial aplicável às relações de emprego público». Isso porque permite que, a nível regulamentar, sem qualquer prévia directriz legal, se estabeleçam o nível máximo e mínimo de remuneração admitido no quadro das relações de emprego público e se determine a amplitude do leque salarial e a proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis remuneratórios aplicáveis.

O artigo 112.º, n.º 5, da Constituição determina que «[n]enhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Segundo se entende, este preceito tem «dois sentidos primordiais: a) afirmação do princípio da tipicidade dos actos legislativos e consequente proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor de lei; b) a ideia de que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação seja efectuada por outro acto que não seja uma outra lei» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, cit., p. 510).

Reportando ao caso concreto, considera-se, todavia, que o n.º 3 do artigo 68.º do Decreto 173/X não tem o sentido de atribuir força e valor de lei à portaria que venha a fixar o «número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um», nem o de permitir que essa portaria proceda a uma qualquer integração da lei.

Por um lado, porque a matéria sobre que versa o n.º 3 do artigo 68.º se insere no domínio regulamentar e não no domínio legislativo, atendendo ao grau de concretização que implica, à tendencial variabilidade, no tempo, da respectiva regulação, e à melhor colocação do decisor administrativo face ao legislador para essa regulação (atendendo à proximidade com as situações da vida que a boa regulação dessa matéria implica); por outro lado, porque este preceito não assume a existência de qualquer lacuna de regulação no próprio decreto, mas, antes, a existência de um espaço vazio (dir-se-ia, propositadamente vazio) nessa regulação.

Cabe recordar que a norma do n.º 3 do artigo 68.º se limita a remeter para regulamento a enumeração meramente descritiva dos níveis remuneratórios e do respectivo montante pecuniário, sem a exigência de qualquer juízo de valor ou de proporcionalidade sobre a correspondência desses níveis remuneratórios às diversas categorias ou às posições remuneratórias de cada categoria, e que, além do mais, essa descrição não pode deixar de respeitar os limites máximos e mínimos da retribuição do trabalho, que estão legalmente definidos no artigo 3.º da Lei 102/88, de 25 de Agosto, e no Decreto-Lei 2/2007, de 12 de Janeiro, Referindo-nos agora a outra das questões suscitadas, pela qual se pretende ver uma subversão da relação hierárquica ou de precedência entre decreto regulamentar e portaria (com a consequente violação das normas dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição) pelo facto de a lei permitir a fixação dos níveis remuneratórios e respectivos montantes pecuniários através de portaria (artigo 68.º, n.º 3) e delegar em decreto regulamentar a identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias (artigo 69.º, n.º 1), convirá referir o seguinte.

A função mais relevante que é deixada à actividade regulamentar, no contexto das disposições dos artigos 68.º e 69.º, é justamente aquela que se destina a fixar a remuneração base dos funcionários e agentes através da identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias. Porque é por essa via que se efectua a indexação dos níveis remuneratórios às posições remuneratórias de cada uma das categorias, permitindo determinar por quantos níveis salariais se desdobra cada um dos escalões retributivos que estão previstos (na tabela anexa ao diploma) para cada categoria. Por seu lado, a portaria conjunta mencionada no artigo 68.º, n.º 3, limita-se a estabelecer um elenco de índices retributivos (que terá de respeitar não só a tabela remuneratória única prevista no n.º 1 do artigo 68.º, como valores máximos e mínimos de retribuição salarial legalmente fixados), e que, em termos concretos, não afecta a posição relativa de cada um dos titulares de categorias inseridos em carreiras da função pública. A distribuição dos níveis remuneratórios por cada uma das posições remuneratórias de cada categoria é que vai permitir determinar, concretamente, o posicionamento remuneratório de cada um dos interessados, e é o decreto regulamentar que pode efectuar essa definição.

Não se vê, por isso, que tenha ocorrido uma qualquer violação da hierarquia intra-regulamentar.

Em relação ao n.º 3 do artigo 68.º do Decreto 173/X, não há também motivo para considerar verificada a violação do disposto nos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição com base no entendimento de que se trata de matéria que devesse ser regulada através de decreto regulamentar.

As considerações há pouco expendidas sobre os regulamentos independentes mantêm aqui plena validade, pelo que é de reiterar o princípio de que os regulamentos cuja lei habilitante se limita a atribuir a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão devem revestir a forma de decreto regulamentar.

Como se referiu, o artigo 68.º, n.º 3, remete para a elaboração de uma portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças a fixação do número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um. No entanto, a lei estabelece, a esse propósito, um regime material mínimo, que o regulamento não poderá deixar de respeitar, e que resulta quer da exigência do estabelecimento de uma tabela remuneratória única, a que obriga o n.º 1 desse artigo, quer da aplicação dos limites legais estabelecidos quanto ao tecto salarial e o salário mínimo nacional, quer ainda da imposição feita nos n.os 4 e 5 do mesmo preceito quanto à sujeição a negociação colectiva do número de níveis remuneratórios e da alteração do montante pecuniário.

Nestes termos, a portaria apresenta-se essencialmente como um regulamento de execução, que não carece de formalidade especial.

Uma última questão diz respeito à possível inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do artigo 68.º do diploma, ao remeter para portaria o estabelecimento de parâmetros limitadores da acção da autonomia colectiva, por violação do n.º 4 do artigo 56.º da Constituição, no ponto em que se estabelece, neste preceito e quanto a essa matéria, uma reserva de lei.

Recorde-se que o n.º 5 do artigo 68.º citado estabelece que «[a] alteração do montante pecuniário correspondente a cada nível remuneratório é objecto de negociação colectiva anual, nos termos da lei, devendo, porém, manter-se a proporcionalidade relativa entre cada um dos níveis».

É a limitação feita, no segmento final do preceito, quanto à possibilidade de se alterarem os montantes pecuniários através de negociação colectiva que suscita as dúvidas de constitucionalidade. Mas note-se, antes de mais, que a restrição resulta directamente da lei, e não de regulamento, visto que este se limita a fixar os montantes pecuniários e a proceder à sua alteração de acordo com os resultados atendíveis da negociação colectiva, com a necessária sujeição, nesse ponto, à directiva legal.

Não tem cabimento, em todo o caso, considerar que existe, nessa imposição legislativa, uma violação do disposto no artigo 56.º, n.º 4, da Constituição. Este preceito apenas trata de duas matérias: a da legitimidade para a celebração de convenções colectivas de trabalho e a da eficácia das normas das convenções colectivas de trabalho, atribuindo à lei a definição dos termos em que, nesses aspectos, o direito de contratação colectiva pode ser concretizado.

No entanto, o n.º 5 do artigo 68.º delimita, em certos termos, o objecto possível da negociação colectiva, sem pôr em causa qualquer daquelas particularidades do regime constitucional, pelo que não se vê de que modo possa ter sido ofendido o princípio constitucional ou a reserva da lei que ele garante.

Poderia entender-se que o artigo 68.º, n.º 5, no mencionado segmento, afecta o direito de contratação colectiva na sua dimensão normativa de direito à autonomia contratual colectiva, que decorre, não já do n.º 4, mas do n.º 3 do artigo 56.º da Constituição. Este direito analisa-se na necessidade de deixar à disciplina contratual colectiva um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho, que não pode ser aniquilado por via normativo-estadual (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed. revista, cit., p. 745).

Isso apenas significa que o direito à contratação colectiva como direito com a natureza de direito, liberdade ou garanti, compreende um núcleo essencial, em termos de se dever reservar para a negociação um conjunto relevante de matérias, que ficam assim excluídas de uma exclusiva definição por via da lei (idem, p. 749).

Todavia, não parece que a restrição feita no artigo 68.º, n.º 5, ponha em causa esse critério.

III - Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais judiciais (e, consequencialmente, das normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2), por violação do artigo 215.º, n.º 1, da Constituição da República, e considerar prejudicada a apreciação das normas constantes dos artigos 80.º, n.º 1, alíneas a) e c), 101.º, n.os 1 e 2, e 112.º, n.º 1;

b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 3, interpretada conjugadamente como os subsequentes n.os 4 e 5 (e, a título consequente, da norma do artigo 94.º, n.º 2), por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, e, na parte em que essa norma permite a adopção de uma medida cautelar administrativa no momento da instauração de um processo jurisdicional de responsabilidade financeira, também por violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 202.º da Constituição;

c) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas consideradas.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2007. - Carlos Fernandes Cadilha - José Borges Soeiro - Carlos Pamplona de Oliveira - João Cura Mariano (com declaração de voto que junto) - Maria Lúcia Amaral (com remissão para a declaração de voto do Conselheiro João Cura Mariano) - Benjamim Rodrigues [com declaração de voto relativa às pronúncias constantes das alíneas a) e b) da decisão; com declaração de vencido relativamente às normas constantes do n.º 2 do artigo 54.º e do n.º 1 do artigo 55.º e, finalmente, com declaração de voto relativamente à não pronúncia de inconstitucionalidade relativa às normas do artigo 68.º, n.º 3] - Gil Galvão [vencido quanto à pronúncia de inconstitucionalidade efectuada na alínea a) da decisão e com declaração de voto quanto à alínea b) da mesma decisão] - Maria João Antunes [vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão e com declaração quanto à alínea b) da decisão, nos termos da declaração de voto junta] - Ana Maria Guerra Martins [vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão; com declaração de voto quanto à alínea b) da decisão] - Joaquim Sousa Ribeiro [vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão, com declaração quanto à alínea b) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto] - Mário José de Araújo Torres [vencido quanto à decisão de não pronúncia de inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 35.º, n.os 2, alínea b), e 4, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, pelas razões constantes da declaração de voto junta] - Vítor Gomes (vencido quanto à decisão de pronúncia de não inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 55.º do decreto e com declaração de voto quanto à fundamentação constante do n.º 6 do acórdão, conforme declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Entendo que a inconstitucionalidade dos artigos 2.º, n.º 3, 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X não resulta apenas da violação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da CRP, mas também da ofensa ao disposto nos artigos 2.º, 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da CRP.

Conforme se refere na fundamentação deste acórdão, radicando a razão de ser do artigo 215.º, n.º 1, da CRP, «na necessidade de dar cobertura à garantia de independência dos juízes, em função da sua qualidade de titular de órgão de soberania encarregado de exercer a função jurisdicional, o estatuto subjectivo dos magistrados está, pois, indissociavelmente ligado à reserva de jurisdição e constitui um princípio constitucional material concretizador do Estado de direito, na medida em que se destina a garantir a independência e imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional».

Assim, ofendendo a remissão de regime contida no artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, a exigência de um estatuto específico que determine e conforme o regime jurídico-funcional dos juízes dos tribunais judiciais, necessariamente são também ofendidos os princípios que esta exigência visa garantir, ou seja o da separação de poderes, como elemento do regime político do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), e o da independência dos tribunais (artigo 213.º da CRP).

Além disso, o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, ao efectuar uma remissão genérica para o regime geral da função pública, constante desse diploma, permite que as bases gerais aí enunciadas, assim como muitas das regras que o integram, que não contrariem o disposto nos estatutos dos juízes, se tornem aplicáveis a estes, como lei geral.

Ora, destinando-se esse regime a regular uma relação de trabalho subordinado, tais bases gerais e muitas dessas regras, pela sua natureza diversa, necessariamente ofendem não só os princípios da inamovibilidade (artigo 216.º, n.º 1, da CRP) e irresponsabilidade (artigo 217.º, n.º 2, da CRP) dos juízes, os quais visam garantir a sua independência, como também directamente põem em causa este princípio e, consequentemente, os parâmetros constitucionais da independência dos tribunais (artigo 213.º da CRP) e da separação de poderes, como elemento do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).

E o «voto pio» contido no referido artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, de que tal remissão é feita «sem prejuízo do disposto na Constituição da República Portuguesa», não constitui um salvo-conduto que permita a esta norma transpor o crivo constitucional, sem qualquer controlo, devendo tal referência ser encarada apenas como uma enunciação, tão desnecessária, quanto preocupada, da prevalência das normas constitucionais sobre o direito ordinário.

Apesar de não ter sido suscitada a questão da inconstitucionalidade dos segmentos da norma em causa, na parte em que a mesma visa os juízes das outras jurisdições e os magistrados do Ministério Público, revela-se útil referir que as razões materiais que valeram para os juízes dos tribunais judiciais também valem para os juízes de outros tribunais, assim como a remissão genérica para o regime da função pública, constante da referida norma, igualmente afronta a exigência constitucional de um estatuto próprio que conforme o regime jurídico-funcional dos magistrados do Ministério Público e o princípio da autonomia que preside a esta magistratura (artigo 219.º, n.º 2, da CRP), o qual é inconciliável com a aplicação global do regime previsto para os funcionários públicos. - João Cura Mariano.

Declaração de voto

1 - Embora votando a declaração de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão, considero, ainda, no que importa à sua fundamentação, que a inadmissibilidade constitucional de o legislador poder assumir, a título de direito subsidiário genérico e globalmente aplicável, uma lei geral sobre os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações relativa aos trabalhadores que exercem funções públicas decorre, também, do facto de a Constituição conceber o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, neles incluídos os tribunais de quaisquer jurisdições (artigo 110.º, n.º 1) como uma matéria própria da configuração político-constitucional desses órgãos de soberania, e nessa medida, quando reportada à globalidade do seu regime jurídico, insusceptível de ser regulada, embora a título subsidiário, por normas vocacionadas especificamente para regerem as relações dos trabalhadores da função pública que prestam trabalho dentro de uma relação dependente e hierarquicamente subordinada.

É tal concepção que ilumina, aliás, a reserva absoluta contemplada na alínea m) do artigo 164.º Por seu lado, dado estes preceitos não distinguirem os tribunais em função da diferente parcela de jurisdição que exercem e o facto de todos eles cumprirem a mesma função constitucional, assinalada no artigo 202.º, e de estarem os respectivos titulares enformados das mesmas garantias e incompatibilidades constitucionais (artigos 216.º, 217.º e 218.º) e de estas constituírem específicos instrumentos constitucionais vocacionados para salvaguardar o efectivo cumprimento da respectiva função constitucional (artigos 202.º, 209.º a 214.º), entendo que a solução proclamada decorre não só do artigo 215.º, n.º 1, como também dos artigos 110.º, n.º 1, 164.º, alínea m), 202.º, 216.º e 217.º, todos os preceitos referidos da Constituição, e abarca todos os tribunais das diferentes jurisdições.

A circunstância de os titulares do órgão soberania «tribunais» exercerem essas funções «a título profissional» não autoriza constitucionalmente que as normas regentes do regime de trabalho subordinado público tenham aptidão genérica para funcionarem como normação subsidiária, pois é totalmente estranha ao estatuto do titular de órgão de soberania qualquer relação de dependência e de subordinação hierárquica. A aplicação subsidiária de normas regentes de certas matérias aos magistrados judiciais terá, assim, de corresponder a opções localizadas tematicamente que deixem salvaguardada a sua posição estatutária de titular de órgão de soberania ou representem ainda um modo de potenciar o cumprimento da respectiva função constitucional.

2 - Não acompanhamos igualmente a fundamentação relativa à violação da reserva de jurisdição - artigo 202.º da Constituição - , na qual se abona, também, a declaração de inconstitucionalidade constante da alínea b) da decisão.

Na verdade, a administração, ao proceder à cativação ope legis de parte do vencimento do trabalhador da função pública, não age na composição de qualquer conflito, definindo definitivamente, na ordem jurídica, a situação jurídica pacificante de qualquer litígio entre o Estado-empregador e o trabalhador, antes se limita a praticar um acto administrativo estritamente vinculado, quer quanto aos seus pressupostos de facto, quer quanto aos seus pressupostos de direito, cujos efeitos estão completamente definidos na lei, sendo que esse acto é directamente impugnável para os tribunais administrativos, passando a valer como decisão definitiva apenas a pronúncia que sobre essa questão estes órgãos fizerem.

É também nosso entendimento que quem deve comunicar a instauração do processo, no caso de este ser jurisdicional, é o próprio tribunal. Tal facto, traduzindo-se no cumprimento de um mero dever de informação, em nada contende com a reserva de jurisdição.

É claro que a reserva de jurisdição vale também em relação ao legislador ordinário.

Mas não foi essa a perspectiva que o acórdão encarou.

Se assim fosse, ele teria também de concluir pela violação da reserva de jurisdição naquelas situações em que a cativação do vencimento ocorresse por virtude da instauração de um simples procedimento administrativo, de processo de inquérito, disciplinar ou de auditoria.

Mas, mesmo nesse domínio, não vemos que esteja vedada ao legislador a atribuição de efeitos jurídicos predeterminados a situações de nulidade de actos administrativos como os actos desta natureza, praticados no desempenho de uma relação laboral, cuja prestação decorre dentro de uma estrita sujeição ao princípio da legalidade administrativa, procedendo ele directamente à definição dos efeitos jurídicos decorrentes da verificação de certa situação de facto.

3 - Votei vencido quanto à questão de constitucionalidade reportada à norma constante do n.º 2 do artigo 54.º do decreto.

Entendo, na verdade, que a tramitação do procedimento concursal não pode, no que vai além das regras afirmadas nos artigos 50.º a 54.º do decreto, ser regulamentado totalmente apenas por portaria.

E não pode porque o regulamento a publicar não pode conter normas que apenas visem «assegurar a fidelidade ou, digamos, a conformidade à vontade do legislador [em tais preceitos], na medida em que esta seja relativamente obscura ou lacunosa» (Afonso Rodrigues Queiró, «Teoria dos regulamentos», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano xxvii, p. 9), ou a estabelecer os «pormenores de execução» ou «minúcias» do procedimento concursal, detendo-se pela aptidão normativa de um mero regulamento de execução, mas, antes, terá de «integrar a regulamentação, por si estabelecida no essencial, de acordo com o fim, o sentido e o sistema perfilhado, editando, dentro destes limites, normas novas, consagradoras de novos direitos e novas obrigações, não previstas na lei» (Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, vol. i, copiografada, Coimbra, 1976, pp. 427-428), assumindo então a natureza de regulamentos complementares que desenvolvem os princípios gerais afirmados no decreto.

E diz-se isto porque a portaria, para além de ter de criar os actos de tramitação que constituirão e externarão o corpo do procedimento concursal, terá de estabelecer a regulação primária de várias matérias que hoje constam, aliás, de diplomas legislativos - Decretos-Leis n.os 498/98, de 30 de Dezembro, 215/95, de 22 de Agosto, e 204/98, de 11 de Julho - , como sejam, por exemplo, a definição dos valores de ponderação correspondentes aos diferentes métodos de recrutamento estabelecidos, o sistema de classificação, os critérios de desempate de candidatos, a obrigatoriedade de apresentação dos documentos concursais pertinentes, os prazos para a prática dos actos pelos concorrentes e os efeitos da preclusão dos prazos, etc.

- matérias estas que não estão contempladas nas disposições que o acórdão toma como definindo toda a regulação primária, constante dos artigos 50.º a 54.º do decreto.

Ora, estas matérias correspondem indiscutivelmente a uma regulação primária, constituindo ainda uma densificação de princípios gerais relativos ao direito fundamental de acesso à função pública: basta notar que o acesso efectivo à função pública fica inexoravelmente condicionado pela ponderação ou escala valorativa que o regulamento estabelecer para a prova de conhecimentos e para a entrevista.

Se admitimos seguramente que o fenómeno da «deslegalização» pode abranger domínios que antes eram regidos por diploma legislativo, por considerarmos ser lícito ao legislador «delegar» para regulamento, fora do âmbito da reserva de lei formal, a regulação «primária» de certas matérias, já não vemos que seja constitucionalmente tolerável permitir-se que essa regulação «primária» possa ser feita através de regulamentos integrativos que, apesar de apelidados de «complementares», sejam, em substância, meros regulamentos independentes (cf. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, p.

90).

É que onde não se limitem a «repetir» os preceitos ou regras de fundo que o legislador edita, enunciando os pormenores e minúcias do regime, funcionais para a sua aplicação, mas antes desenvolvam os princípios gerais enunciados, através da criação ou integração de normas novas cujo sentido não possa ser distraído da «norma habilitante», os regulamentos passam a conter normação primária, que apenas é passível de ser efectuada através de actos legislativos ou de regulamentos independentes.

Digamos que, nesses domínios, a «lei habilitante» se fica pela definição da competência objectiva e subjectiva.

Como conceito de enunciação de competência objectiva não pode entender-se apenas uma indicação temática da matéria sobre a qual o regulamento venha a dispor.

Desde que a matéria a regulamentar seja indicada através, apenas, de conceitos gerais, extremamente vagos ou imprecisos ou da enunciação de meros princípios gerais, ou seja, em termos tais que muitas e diversas possam ser as soluções normativas «primárias» que o regulamento fica habilitado a criar, estamos perante regulamentos independentes, sendo indiferente que sejam designados de regulamentos «complementares»: regulamentos apelidados de «complementares» haverá que visam estabelecer apenas os pormenores de execução ou tornar possível a execução da lei, sendo por natureza regulamentos de execução, e outros designados pelo mesmo nomen que vêm, ao fim e ao cabo, integrar o regime jurídico mediante a criação de normas novas que correspondem a critérios de decisão que jamais se poderão ver-se nas normas regulamentadas, constituindo verdadeiros regulamentos independentes.

E é o que se passa no caso em apreço, onde os preceitos dos artigos 50.º a 54.º (este mais impressivamente no que tange à definição do regime de tramitação do concurso de recrutamento) do decreto se atém à prescrição de meros «princípios», como expressamente se afirma no último artigo.

A circunstância de a matéria em causa ter natureza administrativa é totalmente irrelevante para o caso, salvo se ela se limitar às relações internas ou esgote o seu âmbito de vinculatividade no seio da organização administrativa: desde que corresponda a uma opção primária de regime jurídico e valha para terceiros, a sua regulação apenas pode ser efectuada por acto legislativo ou decreto regulamentar.

Desta sorte, o preceito em causa é inconstitucional por violação do princípio constitucional da tipicidade dos actos normativos, constante dos n.os 6 e 7 do artigo 112.º da Constituição.

E este vício não é de somenos importância - pese o facto de o Governo (mas já não o ministro) poder regular a matéria por decreto regulamentar - pois este, ao contrário do que sucede com a portaria, está sujeito a promulgação presidencial e a possibilidade de veto (cf. artigo 136.º, n.º 4, da CRP), consentindo um controlo democrático de grau mais elevado.

4 - Votámos ainda vencido quanto à norma constante do artigo 55.º, n.º 1, do decreto.

Dados os termos em que se encontra estruturado o sistema remuneratório para os trabalhadores que estão já no activo da administração e os termos em que o preceito autoriza a determinação do posicionamento remuneratório para os trabalhadores que ingressem na Administração Pública através de contrato, é inevitável, do ponto de vista do funcionamento estrutural do próprio sistema, a criação de situações objectivas de desigualdade, violando-se, assim, o princípio da igualdade, na sua vertente de «trabalho igual salário igual», consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

Concorda-se com o acórdão quando este sustenta não ocorrer essa violação entre os concorrentes do mesmo procedimento concursal. Os mecanismos instituídos garantem que a remuneração «oferecida» a candidato menos graduado não seja superior à «oferecida» a candidato mais graduado. Por outro lado, também não se rejeita - antes se louva - a possibilidade de adequar a remuneração de quem acede ao emprego público através de contrato ao mérito revelado no concurso, através da possibilidade de posicionar o candidato em escalões superiores dentre aqueles que estão previstos para a categoria para a qual se realizou o concurso e se é contratado.

A questão coloca-se na relação de comparação entre o trabalhador que vê determinada a sua remuneração com base neste preceito do artigo 55.º, n.º 1, do decreto e aqueles trabalhadores que já estão no activo e que desempenhem exactamente o mesmo tipo de trabalho, na mesma categoria profissional, com a mesma quantidade e a mesma qualidade ou até superiores e com habilitações iguais ou até superiores.

Não se desconhece - e, repete-se, até se apoia - que o novo sistema retributivo seja construído estruturalmente com base na consideração de categorias profissionais e do mérito do trabalhador da função pública. Trata-se de um novo paradigma axiológico que acaba - e bem - com o «igualitarismo» profissional, potenciando a produtividade e a qualidade da prestação laboral.

Segundo decorre do disposto nos artigos 45.º e 69.º do decreto, as remunerações correspondem aos valores das posições remuneratórias. Por seu lado, estas posições remuneratórias são uma resultante dos factores «categoria» e «níveis identificados» para essas categorias, sendo que o número destes e o montante pecuniário que lhes corresponde é fixado por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Pois bem: o trabalhador que está no activo apenas tem o direito a ver (obrigatoriamente) alterada a sua posição remuneratória - e mesmo assim, segundo o princípio geral assumido, para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que se encontre - , independentemente das opções gestionárias do dirigente máximo do órgão ou serviço, nos casos do n.º 6 do artigo 47.º do decreto, ou seja, quando «tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra, contados nos seguintes termos: a) Três pontos por cada menção máxima; b) Dois pontos por cada menção imediatamente inferior à máxima; c) Um ponto por cada menção imediatamente inferior à referida na alínea anterior, desde que consubstancie desempenho positivo; d) Um ponto negativo por cada menção imediatamente inferior ao mais baixo nível de avaliação».

Se se tiver, por outro lado, em conta que as menções máximas estão legalmente contingentadas, não podendo o número de trabalhadores que delas beneficiem ser superior, em cada ano, a 25 % do respectivo serviço, logo se verá quão difícil, e até desproporcionado, é satisfazer uma pontuação de mérito que obrigue à alteração da posição remuneratória, sendo que, no mínimo, essa obtenção exigirá a permanência de quatro anos na mesma posição remuneratória (10 = 3 + 3 + 3 + 1)! Fora de tais situações, a alteração do posicionamento remuneratório para os trabalhadores do activo - e apenas possível, por regra, para a posição remuneratória seguinte (artigo 47.º, n.º 3) - constitui um resultado cuja ocorrência só pode verificar-se através da concorrência efectiva de dois factores totalmente independentes entre si:

de um lado, as avaliações de desempenho referidas às funções exercidas durante o posicionamento em que os trabalhadores se encontram (artigo 47.º, n.º 1), que traduzem, ao fim e ao cabo, o mérito do trabalhador; do outro lado, a existência de uma opção gestionária discricionária nesse sentido por parte do dirigente máximo do órgão ou serviço que tenha adequada expressão orçamental (cf. os artigos 4.º, n.º 1, 7.º, 46.º, 47.º, n.os 1 a 5, e 48.º, do decreto).

Ora, esta opção gestionária pode passar não só por afectar as verbas orçamentais apenas ao recrutamento de novos trabalhadores necessários à ocupação de postos de trabalho, como a alterações de posicionamento remuneratório, como a ambos os objectivos, como, ainda, a alterações de posicionamento remuneratório apenas em certos universos de carreiras, categorias, titulares de certas categorias ou até de certa área de formação académica ou profissional (artigo 47.º, n.os 1 a 5), seja por escolhas iniciais seja por procedimentos subsequentes de desagregação de verbas, podendo não terem lugar em todas as carreiras, categorias da mesma carreira, todos os trabalhadores integrados em determinada carreira ou titulares de determinada categoria, sendo que esgotado que esteja esgotado o montante máximo dos encargos fixados para o universo deixa de haver lugar à alteração de posicionamento remuneratório (artigo 47.º, n.º 4).

No limite, até uma errada ou má gestão dos dinheiros públicos destinados às despesas com o pessoal poderá ser, tendo em conta o sistema instituído, causa próxima de não alteração de posicionamento remuneratório e de violação do princípio da igualdade! Deve anotar-se, ainda, que a alteração do posicionamento remuneratório fora do cumprimento dos requisitos-regra só pode acontecer a título de opção gestionária excepcional, nos termos do artigo 48.º do decreto, caso em que ela poderá verificar-se para «qualquer outra posição remuneratória seguinte àquela em que [o trabalhador] se encontre».

Mas, para além de excepcional, essa opção está dependente, apenas, ainda, da discricionariedade de avaliação e ponderação da administração (do dirigente máximo do órgão ou serviço, ouvido o Conselho Coordenador da Avaliação ou órgão com competência equiparada), não se vendo como possa o erro dessa ponderação ser sindicado contenciosamente, em concreto, fora dos casos limite de erro grosseiro, o mesmo se dizendo do erro relativo às outras opções atrás referidas.

Do exposto resulta que, independentemente da forte possibilidade de ocorrência factual de situações de desigualdade entre os próprios trabalhadores que estão integrados no mesmo órgão ou serviço, decorrentes da opção gestionária de se poder restringir o âmbito da alteração de posicionamento remuneratório apenas a certos universos de carreiras, categorias e titulares de categorias e de certas qualificações e habilitações profissionais que o legislador faculta com a conformação do sistema (questão esta que não vem posta), o posicionamento remuneratório a que alude o artigo 55.º, n.º 1, pode acontecer, por força do sistema legal, para posições remuneratórias bem superiores às dos trabalhadores que, estando no activo, desempenham funções da mesma natureza e no mesmo ou até superiores graus de qualidade e de quantidade.

A possibilidade de verificação de um tal resultado é patente e mais impressiva, pelo menos, nas situações em que, por exemplo, de um lado, estejam trabalhadores cujas remunerações sejam fixadas nos termos da norma questionada constitucionalmente (caso em que podem situar-se em escalões superiores da categoria) e, do outro lado trabalhadores que tenham frequentado o curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP) que exerçam as mesmas funções e na mesma categoria, pois que quanto a estes o posicionamento é feito, nos termos do n.º 6 do artigo 56.º, obrigatoriamente para a primeira posição remuneratória ou para a imediatamente superior à detida.

Tratando-se de situações cuja verificação decorre directamente do funcionamento do próprio sistema legal opcionário instituído, não podem elas ser havidas como correspondendo a simples aplicações erradas da lei por parte dos agentes administrativos, para daí concluir que podem obter remédio no contencioso administrativo de impugnação.

E não podem, porque elas se baseiam precisamente na relevância decisiva das opções de mérito de gestão criadas pelo legislador e na quase impossibilidade legal de sindicar contenciosamente a sua bondade por parte dos trabalhadores atingidos.

Só cláusulas de salvaguarda que conectivamente conciliassem as duas vias de determinação das posições remuneratórias referentes aos trabalhadores que estão no activo e àqueles que são contratados permitiriam obviar à criação de situações de desigualdade.

Ora, o diploma em análise não as prevê e não as prevendo, o decreto arrisca-se, também, a ser uma fonte de frequente litigiosidade jurídica.

5 - Votámos, igualmente, a decisão na parte relativa à questão de constitucionalidade conhecida no n.º 11 do acórdão, por interpretarmos - o que não vemos que conste claramente do discurso verbal do acórdão - os artigos 68.º e 69.º do decreto no sentido de que apenas o decreto regulamentar é que pode identificar ou definir quais são as categorias e quais são os níveis remuneratórios de que cada uma é passível e que a portaria do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças se queda por fixar quais os níveis dentro de cada categoria, dentro dos previstos, é que são tidos em conta para o efeito da remuneração dos trabalhadores e qual o montante pecuniário que corresponde a cada um. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto

1 - Votei vencido quanto à pronúncia de inconstitucionalidade efectuada na alínea a) da decisão, no essencial pelas razões que, sumariamente, passo a expor:

1.1 - Antes, porém, de explicitar os pontos de divergência, diga-se desde já que, não obstante ter votado vencido, estou de acordo com a solução decorrente do acórdão de que não são directamente postas em causa, por nenhuma das normas agora tidas por inconstitucionais, as garantias constitucionais previstas nos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2. Isto é, de que não são infringidas as regras constitucionais que prescrevem a independência, a inamovibilidade e a irresponsabilidade dos juízes. Nem, de modo algum, os princípios do estado de direito democrático e da separação de poderes.

1.2 - Onde, porém, a divergência se afirma é na solução que a posição que fez maioria faz decorrer do disposto no n.º 1 do artigo 215.º da Constituição. Com efeito, o acórdão, pressupondo que o diploma «ao estender o âmbito subjectivo da sua aplicação, ainda que com a já apontada ressalva do estabelecido na Constituição e em leis especiais, aos juízes de qualquer jurisdição, [...] parece pretender erigir-se em direito subsidiário relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais», encontra aí uma violação da norma constitucional que exige unicidade de estatuto, entendida, por um lado, como necessidade de estatuto unificado e, por outro, como necessidade de estatuto específico, decorrentes, em última instância, da reserva de jurisdição. E fá-lo, aliás, de algum modo desconsiderando a aludida ressalva, contida em preceitos agora considerados inconstitucionais, sendo certo que se poderia desde logo questionar a bondade de uma solução que considera violadora da Constituição uma norma que, no seu próprio texto, contém a salvaguarda o disposto nessa mesma Constituição. Mas vejamos melhor.

1.2.1 - O n.º 1 do artigo 215.º da Constituição estatui, na verdade, que «os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto». A interpretação do que constitui esta exigência constitucional é pertinente. Do meu ponto de vista, funcionando os tribunais judiciais como tribunais comuns em matéria cível e criminal e existindo uma pluralidade de tribunais judiciais em termos hierárquicos, a exigência de um só estatuto significa que não é admissível que os juízes dos diferentes tribunais judiciais venham a ter estatutos diferentes - tenham uma disciplina jurídica materialmente diversa - consoante, por exemplo, estejam colocados na 1.ª instância, nos tribunais da relação ou no Supremo Tribunal de Justiça. Mas isto não impede que, sendo o estatuto único para todos os juízes dos tribunais judiciais, esse mesmo estatuto - materialmente respeitador de todas as garantias constitucionais - possa constar de mais de um diploma legislativo; ou seja, estatuto único não significa Código ou diploma único.

1.2.2 - Por outro lado, a Constituição não prevê nem procedimento específico nem forma especial para o referido estatuto único. De facto, quer se entenda que, no estatuto único, se trata de matéria respeitante ao «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania», quer se considere que se trata de matéria relativa à «organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e ao estatuto dos respectivos magistrados», como tem acontecido quando se legisla sobre o estatuto dos magistrados judiciais, sempre será suficiente uma lei da Assembleia da República para regular tal matéria.

1.2.3 - Importa ainda considerar, uma vez que o acórdão a invoca para, de algum modo, fundar a decisão, a reserva de jurisdição. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 202.º da Constituição, «os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo». Ora, que a função jurisdicional - isto é, a administração da justiça, assegurando a defesa dos direitos e interesses legitimamente protegidos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados - está reservada aos órgãos de soberania tribunais é algo de óbvio. Mas o facto de a função jurisdicional estar reservada aos tribunais significa que não é constitucionalmente aceitável a invasão ou usurpação dessa função por outros órgãos de soberania. Não significa, de modo algum, que o legislador democraticamente legitimado esteja inibido de regular, legislando com salvaguarda das normas e princípios constitucionais, o estatuto daqueles que exercem a função jurisdicional.

1.2.4 - Finalmente, se bem que se não conteste a especificidade do exercício da função jurisdicional, importa ter presente o que tal significa. Ora, tal especificidade resulta, de um lado, do facto de, em relação, por exemplo, a outros órgãos de soberania, o estatuto dos juízes ser diferente, já que estes são os únicos titulares desses órgãos que exercem as suas funções a título profissional, tendo uma inclusivamente uma carreira profissional definida. E, por outro lado, nos termos do artigo 215.º da Constituição, significa a especificidade dos juízes dos tribunais judiciais em relação a juízes de outros tribunais. Mas o facto de existir uma tal especificidade não impede que já hoje o estatuto dos juízes seja regulado, em diversas matérias, pelo regime geral da função pública. Assim acontece, por exemplo, em tudo o que não esteja expressamente previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, pelo menos quanto ao regime do bolseiro, à matéria de deveres, incompatibilidades e direitos - incluindo os relativos, por exemplo, ao número de dias de férias - , à aposentação e à matéria disciplinar. Além de que, como é conhecido, existe uma associação sindical dos juízes portugueses.

1.3 - Ora, o que a posição que fez vencimento, em rigor, vem sustentar, fazendo uma distinção, a meu ver não constitucionalmente fundada, entre legislador do regime geral da função pública e legislador do estatuto dos juízes dos tribunais judiciais, é que o legislador democraticamente legitimado não pode, usando a forma constitucionalmente exigida, introduzir, na legislação da função pública, uma norma (fazer uma ingerência) que considere supletivamente aplicável, no que não estiver já regulado pela Constituição e pelas leis especiais e com salvaguarda do disposto nessa mesma Constituição e no Estatuto dos Magistrados Judiciais - incluindo as remissões nele já contidas para o regime geral da função pública - , este regime geral da função pública, com as necessárias adaptações para salvaguardar a especificidade desse estatuto dos juízes.

Mas, sendo assim, como inegavelmente me parece que é, pelo que atrás foi aduzido nos n.os 1.2 a 1.2.4, não se me afigura possível considerar violadora de qualquer norma ou princípio constitucional o disposto nos artigos agora em causa.

1.4 - Aliás, se acaso a Constituição impedisse a aplicação das questionadas normas aos juízes dos tribunais judiciais, então a solução poderia ser encontrada na própria salvaguarda nestas contida e algo desconsiderada na posição que fez vencimento. Na verdade, se assim fosse, os preceitos seriam, porventura, como este Tribunal já decidiu noutros contextos, inúteis (quanto aos juízes dos tribunais judiciais), mas nem por isso inconstitucionais.

2 - Nestas circunstâncias, pronunciei-me pela não declaração de inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto 173/X da Assembleia da República, bem como, consequentemente, pela não declaração de inconstitucionalidade das normas do n.º 2 do artigo 10.º e do n.º 2 do artigo 68.º do mesmo diploma.

3 - Por outro lado, votei a alínea b) da decisão única e exclusivamente por considerar violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, conjugada com o n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição, não acompanhando a fundamentação constante do n.º 6 do acórdão.

- Gil Galvão.

Declaração de voto

1 - Votei vencida, quanto à pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão, por entender que o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais judiciais, não viola o n.º 1 do artigo 215.º da Constituição da República Portuguesa, quando dispõe que os juízes dos tribunais judiciais se regem por um só estatuto.

Diferentemente do entendimento que fez vencimento, considero que a unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, não pressupõe um estatuto específico, «no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional».

À luz do que dispõe o artigo 215.º, n.º 1, da Constituição, estatuto específico significa apenas «especificidade estatutária face aos juízes dos restantes tribunais» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 217.º, ponto iii.) Do n.º 1 do artigo 215.º, na parte em que dispõe que os juízes dos tribunais judiciais se regem por um só estatuto, decorre que, apesar da existência de «três categorias de juízes, de acordo com o nível dos respectivos tribunais na estrutura dos tribunais judiciais» [artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 210.º da Constituição], «não podem existir distinções de estatuto para cada uma das categorias» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 217.º, ponto iii.) A unidade estatutária dos juízes dos tribunais judiciais significa que «apesar de legal e constitucionalmente (cf. o artigo 210.º da CRP) existir uma hierarquia de tribunais judiciais e diferentes categorias de juízes, todos eles estão sujeitos ao mesmo estatuto» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da Portuguesa Anotada, t. iii, Coimbra Editora, anotação ao artigo 215.º, ponto iv).

O que se dispõe hoje no n.º 1 do artigo 215.º constava já do artigo 220.º («Unidade da magistratura») da versão primitiva da Constituição. Com este preceito dava-se expressão ao princípio da unidade da magistratura judicial, num texto constitucional que previa como uma categoria de tribunais os tribunais judiciais de 1.ª instância, de 2.ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça, que poderiam funcionar segundo uma regra de especialização (artigos 212.º, n.º 1, 213.º e 214.º). Para além de outras categorias - os tribunais militares e o Tribunal de Contas (artigos 212.º, n.º 2, 218.º e 219.º) e os tribunais administrativos e fiscais, cuja existência era configurada como uma mera possibilidade (artigo 212.º, n.º 3) - , relativamente às quais não havia aquelas explicitações.

Do enquadramento jurídico-constitucional da função jurisdicional - artigos 110.º, 111.º, 202.º e 203.º - resulta que os juízes se devem reger por um estatuto próprio, separado, do dos titulares de outros órgãos de soberania, do dos magistrados do Ministério Público e do dos trabalhadores que exercem funções públicas. Estatuto conformado pelos princípios da inamovibilidade, da irresponsabilidade e do autogoverno e pelo estabelecimento de incompatibilidades de cargo (artigos 216.º, 217.º e 218.º da Constituição), previstos no capítulo iii («Estatuto dos juízes»), do título v («Tribunais»), da parte iii («Organização do poder político») da Constituição. Estatuto que, em relação aos juízes dos tribunais judiciais, é específico face aos juízes dos restantes tribunais (artigo 215.º da Constituição).

O artigo 2.º, n.º 3, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais judiciais, não viola aquelas disposições conformadoras, mantendo a separação, constitucionalmente imposta, entre o estatuto dos juízes e o estatuto dos trabalhadores que exercem funções públicas. Por um lado, o n.º 3 do artigo 2.º limita-se a estender a aplicação do regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas aos juízes dos tribunais judiciais (cf. o n.º 1 do artigo 2.º com o n.º 3 do mesmo artigo); por outro, tratar-se-á sempre de uma aplicação subsidiária - uma aplicação sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais e com as necessárias adaptações.

Consequentemente, entendo também que as normas dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2, não são inconstitucionais.

2 - Votei a alínea b) da decisão, sem prejuízo de ulterior ponderação quanto à violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 202.º da Constituição. - Maria João Antunes.

Declaração de voto

A) Quanto à alínea a) da decisão

Votei vencida a alínea a) da decisão na parte respeitante à pronúncia de inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, por entender que o estatuto material dos juízes que resulta da Constituição não se opõe à inclusão de uma norma com esse teor num diploma que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.

A nossa lei fundamental considera os tribunais como órgãos de soberania (artigos 110.º e 202.º, n.º 1, da CRP) e consagra expressamente o princípio da independência dos tribunais e da sua sujeição apenas à lei (artigo 203.º da CRP). Como diz Gomes Canotilho, «os tribunais são órgãos constitucionais aos quais é especialmente confiada a função jurisdicional exercida por juízes» (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 657).

Tendo em conta que uma das funções do Estado é exercida por juízes, é natural que a Constituição lhes atribua um conjunto de direitos, garantias e poderes-deveres, com o objectivo de assegurar a compatibilidade do seu estatuto com a sua função de titulares de órgãos de soberania (artigos 215.º e seguintes da CRP). Nos termos da Constituição, o estatuto dos juízes inclui a independência, a inamovibilidade e a irresponsabilidade (artigo 216.º, n.os 1 e 2, da CRP), bem como as incompatibilidades (artigo 216.º, n.os 3, 4 e 5).

Relativamente aos juízes dos tribunais judiciais - que, segundo a Constituição, são os tribunais comuns em matéria cível e criminal (artigo 211.º CRP) - e, sublinhe-se, somente em relação a estes, a Constituição acrescenta ainda que formam um corpo único e que se regem por um estatuto único (artigo 215.º, n.º 1, da CRP), o que significa que existe uma unidade orgânica dos juízes dos tribunais judiciais (repita-se:

só destes) e que, do ponto de vista material, existe uma unidade de estatuto, ou seja, estes juízes dispõem dos mesmos direitos, garantias e poderes-deveres entre si.

Porém, ao contrário da tese vencedora no acórdão, considero que esta unidade material de estatuto não implica, de modo algum, a unidade formal do mesmo, isto é, não se afigura como exigência constitucional que, do ponto de vista formal, todos os direitos, garantias e poderes-deveres destes juízes se encontrem consignados num único diploma, como acontece actualmente em Portugal com o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Na minha opinião, uma norma com a redacção do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, que aplica a lei que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público, mas com ressalva expressa do disposto na Constituição, em leis especiais e exigindo ainda que essa eventual aplicação se faça com as necessárias adaptações, não viola, à partida, qualquer direito ou garantia dos juízes constitucionalmente consagrados e, muito menos, põe em causa a reserva de jurisdição, que inclui a reserva de juiz, ou os princípios da interdependência e da separação de poderes e do Estado de direito.

Aliás, o próprio acórdão acaba por admitir que não se pode afirmar uma afronta directa às garantias constitucionais dos artigos 203.º e 216.º, n.os 1 e 2, da CRP.

Como afirma Gomes Canotilho, a independência dos tribunais como dimensão do Estado de direito significa que se reserva aos juízes e aos tribunais a função de julgar e implica «necessariamente a separação da função de julgar (função jurisdicional) num sentido positivo e num sentido negativo. Num sentido positivo a função jurisdicional é atribuída exclusivamente a juízes; em sentido negativo proíbe-se o exercício da função jurisdicional por outros órgãos ou poderes que não sejam jurisdicionais» (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 660).

Ora, nada na norma sub judice é susceptível de pôr em causa a exclusividade da função de julgar dos juízes nem se verifica qualquer intrusão de outro poder do Estado no poder jurisdicional. Em suma, considero que o poder jurisdicional e a correspondente função de julgar, tal como resultam da Constituição, não seriam minimamente beliscados pela norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X sub judice.

Sublinhe-se ainda que, em alguns Estados membros da União Europeia, onde ninguém duvida que os princípios, acima mencionados, da separação de poderes e do Estado de direito são respeitados, como é o caso da Áustria, da Finlândia, da Suécia e da França, aos juízes é atribuído o estatuto de funcionários públicos, e nem por isso deixam de lhes ser asseguradas todas as garantias inerentes ao poder jurisdicional e à função de julgar, como sejam a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade. Quer dizer, no direito comparado encontramos até casos extremos em que o estatuto de juiz coexiste pacificamente com o estatuto de funcionário público, sem que isso ponha em causa a função jurisdicional nem o poder jurisdicional como poder do Estado separado dos outros poderes (informação disponível no sítio http://ec.europa.eu/civiljustice/legal_prof).

Não seria esse, porém, nunca o efeito que produziria a norma em análise. Ao contrário do que se afirma no acórdão, não haveria qualquer tendencial equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração Pública nem qualquer assimilação do estatuto de juiz ao estatuto do funcionário público. Por força desta norma a eventual aplicação do diploma aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público restringir-se-ia a casos lacunares muito pontuais, periféricos e até marginais.

Em conclusão, considero que a norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X não contraria qualquer preceito constitucional. Em consequência, também me afasto da decisão de pronúncia de inconstitucionalidade dos artigos 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2 do mesmo diploma.

B) Quanto à alínea b) da decisão

Quanto à alínea b) da decisão de pronúncia pela inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 3, conjugada com os n.os 4 e 5 e, consequentemente, da norma do artigo 94.º, n.º 2, não acompanho a parte da decisão relativa à violação da reserva de jurisdição nem a fundamentação constante do n.º 6 que a suporta, porque considero que a cativação das remunerações opera ope legis, pelo que, em meu entender, estes preceitos são inconstitucionais apenas por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. - Ana Maria Guerra Martins.

Declaração de voto

1 - Votei vencido, na parte referente à declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto 73/X, pelas razões que passo a enunciar sucintamente.

A especificidade de estatuto dos juízes dos tribunais judiciais decorre da natureza da função jurisdicional, substancialmente definida na própria Constituição. Enquanto titulares dos órgãos de soberania - os tribunais - a quem cabe o exercício dessa função, esses magistrados devem estar sujeitos a um estatuto conformador da sua posição em termos claramente diferenciados, quer do estatuto dos funcionários públicos, quer do estatuto dos titulares dos restantes órgãos de soberania. A esse estatuto cabe concretizar e promover as garantias que assegurem a plena autonomia do exercício da jurisdição, em obediência aos imperativos constitucionais.

É também indiscutível que a plena autonomia no acto de julgar reclama uma absoluta independência operacional, o que, por sua vez, apela a um conjunto de apropriadas condições organizativas e funcionais de enquadramento. A especificidade do estatuto deverá, pois, estender-se a aspectos externos à actividade jurisdicional, em si mesma, mas que nela, de forma directa ou indirecta, acabam por se repercutir.

Mas a razão de ser da especificidade de estatuto é também o seu limite. Na verdade, importa reconhecer que o estatuto profissional dos magistrados é susceptível de abranger, em zonas periféricas, matérias que não contendem com o exercício da jurisdição, por não estarem com ele de qualquer forma conexionadas. No que respeita a essas matérias, os magistrados estão numa situação que não apresenta, do ponto de vista material-valorativo, qualquer especificidade em relação aos profissionais de um emprego público, pelo que não é de rejeitar, à partida, um tratamento não diferenciado desses aspectos.

Esse tratamento não diferenciado pode resultar da aplicação supletiva, a essas matérias, da lei estatutária dos funcionários públicos. O ponto está em saber - e é essa a questão de constitucionalidade que aqui basicamente se suscitou - se essa aplicação tem que se fundar numa remissão determinada pela lei reguladora do estatuto privativo dos magistrados judiciais, a eles exclusivamente aplicável, ou se pode decorrer de outro diploma, designadamente do que tem por objecto o regime de vínculos, carreiras e remunerações dos funcionários públicos.

Contrariamente à posição que fez vencimento, entendo que o princípio da unicidade de estatuto dos magistrados dos tribunais judiciais, consagrado no artigo 215.º, n.º 1, da CRP não impõe a primeira solução. Esse princípio não tem o alcance que se lhe pretende atribuir, não podendo, designadamente, o conceito de «estatuto específico» ser interpretado «no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional». Se assim fosse, ficaria, aliás, por explicar o âmbito restrito da sua aplicação aos juízes dos tribunais judiciais, pois não se vê que os magistrados de outras jurisdições não merecessem idêntico tratamento.

A exigência da unidade de estatuto contenta-se com a aplicação de um único regime a todos os juízes dos tribunais judiciais. Não há qualquer fundamento para interpretar a disposição - no que seria um alcance puramente formalista - no sentido de que todo o regime estatutário deve ser recondutível a um único diploma, que o tenha exclusivamente por objecto. Estatuto único não é o mesmo do que fonte normativa única.

Não podendo fundar-se numa violação do artigo 215.º, mesmo quando lido em articulação com as garantias da função jurisdicional, uma razão substantiva para a inconstitucionalidade material do artigo 2.º, n.º 3, do Decreto 173/X só podia sustentar-se na demonstração de que essas garantias resultam directamente afectadas pelo simples facto de a determinação da lei supletiva aplicável não constar da lei que especialmente regula o estatuto privativo dos magistrados judiciais. Esta é, aliás, uma questão de constitucionalidade constante do pedido [alínea b) do artigo 10.º] e a que o acórdão expressamente responde pela negativa, no que o acompanho.

Mas, sendo assim, nada autoriza a que simultaneamente se conclua por uma «equiparação dos juízes aos demais trabalhadores da Administração, por efeito de assimilação do seu estatuto pelo regime geral da função pública». Garantida a prevalência aplicativa do regime específico dos magistrados - no que o enunciado normativo do artigo 2.º, n.º 3, é particularmente cuidadoso - , este permanece intocado, sem qualquer imposição de conformação às normas atinentes aos funcionários públicos.

Nada muda, substancialmente, no processo de determinação do direito aplicável:

primeiro recorremos à Constituição, depois à lei que especificamente regula os direitos e deveres dos magistrados e, por último, «com as necessárias adaptações», ao regime da função pública.

É certo que a aplicação supletiva deste regime passa a ter carácter genérico, não ficando circunscrito aos pontos para que a Lei 21/85, de 30 de Julho, pontualmente remete.

Não custa admitir que essa não é a solução mais adequada, quer porque, no plano simbólico (de relevo nada despiciendo, nesta matéria), pode gerar uma «imagem» desfocada dos magistrados e da sua função, mas também porque abre campo para incertezas e dúvidas aplicativas inconvenientes, de todos os pontos de vista.

Mas essa não é, consabidamente, uma razão bastante para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade.

2 - Votei a decisão de inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 3. Mas não acompanho inteiramente o fundamento invocado na segunda parte da alínea b) da decisão, respeitante à violação da reserva de jurisdição.

Na verdade, não faço uma leitura do disposto nos n.os 3 e 5 do artigo 36.º correspondente à do acórdão. Instaurado um processo de responsabilidade financeira no Tribunal de Contas, o juiz tem de informar a unidade orgânica competente para o processamento e pagamento das remunerações desse facto e esta, uma vez recebida essa informação, tem de cativar automaticamente, a partir do mês seguinte, àquele em que tenha sido instaurado o procedimento jurisdicional. Nem o juiz, nem a entidade administrativa, têm qualquer poder decisório nesta matéria. O que significa que não é a intermediação de uma actuação administrativa que afecta a reserva de jurisdição, pois o órgão judicial já vira a sua competência de apreciação e decisão, no que respeita à medida cautelar de cativação de metade da retribuição, antecipadamente subtraída pelo automatismo da conformação legal. É este o vício que verdadeiramente funda a inconstitucionalidade da solução constante do decreto. - Joaquim Sousa Ribeiro.

Declaração de voto

Votei a totalidade das pronúncias emitidas no precedente acórdão (e a integralidade das respectivas fundamentações), com excepção da não pronúncia de inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 35.º, n.os 2, alínea b), e 4, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, a qual, como bem se salienta no acórdão, confere uma prevalência às pessoas colectivas, em detrimento das pessoas singulares, na celebração de contratos de prestação de serviços, nas modalidades de contratos de tarefa e de avença.

Considero que não se justifica, no controlo jurisdicional da violação do princípio da igualdade, enquanto proibição de arbítrio, qualquer auto-restrição do poder do Tribunal (que se confinaria ao controlo das evidências), mas antes uma autocontenção, respeitadora da liberdade de conformação do legislador.

Neste entendimento, é suficiente para a emissão de um juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade a constatação de que o tratamento legal diferenciado não assenta em fundamento racional bastante, de acordo com os valores constitucionalmente relevantes na situação.

Ora, visando os contratos em causa a realização de trabalho não subordinado, prestado naturalmente por pessoas singulares, embora com autonomia, sem sujeição à disciplina e à direcção do órgão ou serviço contratante nem ao cumprimento de horário de trabalho, entendo que nenhuma razão constitucionalmente relevante justifica o tratamento privilegiado concedido às pessoas colectivas.

O acórdão avança uma justificação - evitar o risco de, pelo expediente da celebração de «falsos» contratos de tarefa e de avença com pessoas singulares, se virem a gerar novas situações de disfuncionalidade que, no passado, têm propiciado a conversão desses contratos em vinculações definitivas à Administração, com o consequente sobredimensionamento dos seus quadros de pessoal - que, salvo o devido respeito, surge como insuficiente para justificar o tratamento discriminatório constatado.

Entendo não ser admissível invocar a pretérita incapacidade de autocontrolo e de conformação à lei por parte da Administração para justificar tratamentos discriminatórios, quando é certo que o próprio diploma ora em apreço já insere disposições que surgem como suficientes para esconjurar o risco que pretensamente se quis evitar. Na verdade, a peremptória proibição, constante do n.º 5 deste artigo 35.º, de qualquer contrato de tarefa exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido, e o regime a que o subsequente n.º 6 sujeita o contrato de avença (que tem por objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, podendo ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar), são, à partida, estatuições adequadas e suficientes para acautelar eficazmente o fim, constitucionalmente atendível, da boa gestão dos recursos públicos. Não se vislumbra, com efeito, qualquer razão materialmente fundada para, por exemplo, pretendendo a Administração celebrar um contrato de avença para prestação de serviços forenses, tenha forçosamente de contratar com um sociedade de advogados, em detrimento da contratação de um advogado individual. - Mário José de Araújo Torres.

Declaração de voto

Não acompanho o acórdão nos pontos e pelas razões que sumariamente passo a enunciar:

A) Votei vencido quanto à decisão de pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 55.º do decreto em apreciação.

Mesmo abstraindo de comparações transversais, esta norma comporta a possibilidade real de gerar situações em que, no mesmo órgão ou serviço, trabalhadores recém-ingressados em dada categoria da mesma carreira passem a ocupar uma posição na respectiva tabela remuneratória superior ao de trabalhadores no activo dessa categoria, portanto nela mais antigos, com idênticas ou superiores qualificações habilitacionais ou profissionais, o que, de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal, é susceptível de violar o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13.º Admito, aqui com o acórdão, que o princípio «para trabalho igual, salário igual» não proíbe que o trabalhador que esteja provido há menos tempo numa dada categoria aufira uma remuneração superior àquela que é percebida por quem dispõe de maior antiguidade, desde que essa diferenciação esteja fundamentada num motivo objectivo, racionalmente comprovável como revelador de efectiva ou potencial disponibilização ao empregador público de superior qualidade ou quantidade do trabalho prestado (para efeito da trilogia constitucional da justa retribuição do trabalho, a identidade de natureza é, num sistema estruturado como o dos «trabalhadores que exercem funções públicas», dada pela similitude do conteúdo funcional inerente à categoria, que é o elemento central do primeiro termo daquele binómio). O que não me parece possível é considerar a «fundada expectativa quanto ao nível qualitativo da prestação laboral», resultante das provas do concurso, um critério objectivo para a diferenciação. Pelo menos, não é um critério susceptível de justificar a solução normativa sem uma cláusula de salvaguarda que impeça a «ultrapassagem» de trabalhadores no activo, menos antigos na categoria, com avaliação de desempenho de nível correspondente. Enquanto o posicionamento do recém-recrutado poderá, na latitude da norma em apreço, ocorrer em qualquer das posições remuneratórias da categoria, os trabalhadores no activo têm o seu nível remuneratório condicionado pelas regras de alteração do posicionamento remuneratório previstas nos artigos 47.º e 48.º do decreto. Recorrendo - em método que o Tribunal tem considerado adequado ao sistema de fiscalização abstracta em casos do género (cf. Acórdão 323/2005, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 14 de Outubro de 2005) - ao mais despojado dos exemplos: um técnico superior integrado na primeira posição remuneratória (por hipótese oriundo do CEAGP, obrigatoriamente integrado na primeira posição remuneratória, por força do n.º 6 do artigo 56.º do decreto, apesar de o curso e o seu sistema de avaliação ser bem mais revelador das potencialidades dos candidatos do que a frágil prognose quanto a desempenhos futuros com base nos elementos do processo concursal), com uma menção máxima em avaliação do desempenho [artigo 47.º, n.º 1, alínea a) do decreto], auferirá inelutavelmente remuneração inferior a um novo trabalhador relativamente ao qual o posicionamento negociado ao abrigo da norma em causa produza o mínimo dos efeitos, ou seja, em que este trabalhador obtenha a segunda posição da estrutura remuneratória da carreira.

Na falta de uma cláusula de salvaguarda (que, aliás, o legislador adoptou em casos paralelos, por exemplo, no n.º 3 do artigo 48.º do decreto), não vejo como as cautelas gestionárias que o acórdão invoca e os princípios gerais da actividade administrativa possam evitar a inversão das posições remuneratórias, que não são consequência do mau uso do mecanismo legal, mas uma consequência inevitável do seu funcionamento e que não é temerário prever que serão frequentes num empregador com a dimensão e a complexidade organizativa da Administração Pública.

B) Não acompanho a fundamentação do acórdão na parte em que, relativamente à norma do n.º 3 do artigo 36.º e, a título consequente, do n.º 2 do artigo 94.º do decreto, considera violada reserva de jurisdição prevista no artigo 202.º da Constituição (n.º 6 do acórdão) e o consequente reflexo na alínea b) da decisão.

Desde logo, estou em divergência com a interpretação das disposições conjugadas dos n.os 3 e 5 do artigo 36.º do decreto que conduziram a maioria a ver na cativação das remunerações, quando conexa com a instauração de um processo para efectivação da responsabilidade financeira perante o Tribunal de Contas, um acto de definição inovatória da situação do funcionário da autoria da entidade processadora do vencimento. A referência do n.º 5 do artigo 36.º à «entidade competente pela instrução do procedimento» tem de ser entendida em conformidade com a natureza administrativa ou jurisdicional do procedimento cuja instauração motiva a cativação de metade da remuneração do «indiciado responsável» contra o qual o procedimento se dirige. Neste caso, será o Tribunal de Contas, quando e se o processo de efectivação de responsabilidade financeira for requerido pelo Ministério Público, e não a entidade que lhe endereça o relatório da auditoria ou inspecção, que perde sobre ele o controlo.

Estamos, portanto, perante um efeito ope legis da instauração de um determinado procedimento jurisdicional, à semelhança de vários outros que o sistema jurídico conhece, nuns casos de sentido favorável, noutros desfavorável ao administrado (cf., por exemplo, o n.º 2 do artigo 69.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação). Nestas circunstâncias, a entidade processadora dos vencimentos não define inovatoriamente a situação do particular; executa a comunicação do tribunal garantindo o efeito que automaticamente decorre da lei, pelo que não pode a medida ser concebida, neste caso diversamente do que sucede quando o procedimento para efectivação da responsabilidade tem natureza administrativa, como uma medida cautelar resultante de acto administrativo.

Acresce que, mesmo que assim não fosse, me sobram dúvidas - que a discordância com o ponto de partida do acórdão me dispensa de resolver - quanto a, de um modo geral, configurar a previsão legislativa que, em abstracto, conceda à Administração a possibilidade de tomar determinada medida que normalmente caberia no âmbito dos seus poderes através de um procedimento administrativo (em que, portanto, não haja reserva de primeira palavra), como invadindo ou permitindo invadir a reserva de juiz (é nesta acepção que a censura à norma por violar a reserva de jurisdição é tomada no acórdão), só porque o mesmo efeito era alcançável mediante um procedimento jurisdicional instrumental de um processo pendente no tribunal. Esta circunstância da pendência de um processo jurisdicional para a resolução final do conflito não confere à medida administrativa um conteúdo materialmente jurisdicional que, na sua essência, não teria necessariamente.

Acompanho, todavia, os demais fundamentos pelos quais o acórdão decide pela pronúncia de inconstitucionalidade quanto a esta norma, que valem indiferentemente para os termos em que a cativação do vencimento é estabelecida, seja administrativo ou jurisdicional o processo de cuja resolução final é instrumento. - Vítor Gomes.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2008/01/14/plain-226482.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/226482.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-02-03 - Decreto-Lei 41/84 - Presidência do Conselho de Ministros

    Simplifica o processo de apresentação e apreciação de diplomas relacionados com estruturas orgânicas e quadros de pessoal e aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1984-08-14 - Lei 28/84 - Assembleia da República

    Lei de Bases da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1988-08-25 - Lei 102/88 - Assembleia da República

    Altera o regime remuneratório dos titulares de cargos políticos (Lei n.º 4/85, de 9 de Abril), bem como o regime de remuneração do Presidente da República (Lei n.º 26/84, de 31 de Julho).

  • Tem documento Em vigor 1989-06-02 - Decreto-Lei 184/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece principios gerais de salários e gestão de pessoal da Função Pública.

  • Tem documento Em vigor 1991-06-07 - Decreto-Lei 204/91 - Ministério das Finanças

    Procede ao descongelamento de escalões dos funcionários e agentes da Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-16 - Decreto-Lei 397/91 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    ALTERA O REGIME JURÍDICO DAS FÉRIAS E DA LICENÇA SEM RETRIBUIÇÃO, TENDO EM CONTA AS EVOLUÇÕES DECORRENTES DA NEGOCIAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO E OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS NO ACORDO ECONÓMICO E SOCIAL DE 19 DE OUTURBRO DE 1990.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-19 - Decreto-Lei 413/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    DEFINE O REGIME DE REGULARIZAÇÃO DE ACTOS DE PROVIMENTO DE AGENTE E FUNCIONÁRIOS DOS SERVIÇOS DOS MUNICÍPIO E ESTABELECE SANÇÕES PARA A PRÁTICA DE ACTOS DE PROVIMENTO NULOS OU INEXISTENTES.

  • Tem documento Em vigor 1992-03-14 - Acórdão 52/92 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DA NORMA DO ARTIGO 49 DAS CONDICOES GEAIS DE VENDA DE ENERGIA ELÉCTRICA EM ALTA TENSÃO (CGVEEAT) ANEXAS AO DECRETO LEI NUMERO 43335, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1960, NA PARTE EM QUE ATRIBUI AO SECRETÁRIO DE ESTADO DA INDÚSTRIA (HOJE SECRETÁRIO DE ESTADO DA ENERGIA) COMPETENCIA PARA A DESIGNAÇÃO DO TERCEIRO ÁRBITRO DE COMISSAO DE TRES PERITOS-ARBITROS AÍ PREVISTA, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 20, NUMERO 1 E 206 DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA.

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto-Lei 61/92 - Ministério das Finanças

    Estabelece as regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras e dá execução a última fase do descongelamento de escalões prevista no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 1992-07-28 - Decreto-Lei 155/92 - Ministério das Finanças

    Estabelece o regime da administração financeira do Estado a que se refere a Lei 8/90, de 20 de Fevereiro, que aprovou as bases da Contabilidade Pública. Mantém em vigor, durante o ano económico de 1993, as normas necessárias à regulamentação das situações resultantes da transição para o regime financeiro previsto no presente diploma. Este regime, bem como as bases gerais definidas pela Lei 8/90, de 20 de Fevereiro, aplicam-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das competências própri (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-11-08 - Portaria 1319/95 - Presidência do Conselho de Ministros

    CRIA NO INSTITUTO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (INA) O CURSO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM GESTÃO PÚBLICA (CEAGP), A NÍVEL DE POS-LICENCIATURA, O QUAL SE DESTINA A DIRIGENTES E TÉCNICOS SUPERIORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRAL. REGULAMENTA O REFERIDO CURSO E MODO DE FUNCIONAMENTO, APROVANDO O PLANO CURRICULAR PUBLICADO EM ANEXO AO PRESENTE DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 1997-01-17 - Decreto-Lei 13/97 - Presidência do Conselho de Ministros

    Cria, na Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP), o Departamento de Reclassificação, Reconversão e Colocação de Pessoal (DRRCP), cujas atribuições são a colocação em actividade nos serviços e organismos da administração central, incluindo os institutos públicos, do pessoal que se encontre nas situações previstas no presente diploma. Cabe à DGAP a colocação em actividade do pessoal, não podendo, salvo motivo fundamentado, os serviços recusar a integração proposta. O pessoal na situação de inactividade (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-18 - Decreto-Lei 404-A/98 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece as regras sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e categorias de regime geral da Administração Pública, bem como as respectivas escalas salariais. Este diploma aplica-se a todos os serviços e organismos da administração central e regional autónoma, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, bem como à administração local.

  • Tem documento Em vigor 1999-06-25 - Decreto-Lei 234/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o enquadramento jurídico dos poderes conferidos ao Instituto do Consumidor pelas alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 21º da Lei 24/96, de 31 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-18 - Decreto-Lei 324/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Institui um regime especial de trabalho a tempo parcial para o pessoal com mais de 55 anos de idade. Pretende-se, para além da renovação dos efectivos da Administração Pública, uma vantagem adicional da maior importância, que se traduz no cruzamento de experiências e transmissão de saberes acumulados ao longo de percursos profissionais muito diversificados.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-18 - Decreto-Lei 325/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Introduz a semana de trabalho de quatro dias no âmbito da Adminstração Pública, visando com a redução da duração do trabalho e a redistribuição do tempo de trabalho constituir uma resposta colectiva e solidária a dois dos graves problemas das sociedades actuais: o desemprego e a falta de tempo livre.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-18 - Decreto-Lei 326/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Institui o Programa Estágios Profissionais na Administração Pública, como forma de contribuir para a inserção dos jovens na vida activa, complementando uma qualificação preexistente através de uma formação prática a decorrer no âmbito dos serviços públicos.

  • Tem documento Em vigor 2000-04-07 - Decreto-Lei 54/2000 - Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública

    Regula o curso de Estudos Avançados em Gestão Pública, a ser ministrado pelo Instituto Nacional de Administração, e destinado a facultar formação especializada em gestão dos assuntos públicos a licenciados sem experiência profissional prévia e formação complementar a funcionários licenciados.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-31 - Portaria 327/2004 - Ministério das Finanças

    Regulamenta as candidaturas à frequência do curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP).

  • Tem documento Em vigor 2005-10-14 - Acórdão 323/2005 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, na medida em que permite o recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade na categoria e na carreira, restringindo a respectiva produção de efeitos.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-17 - Decreto-Lei 169/2006 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Altera os regimes jurídicos constantes dos Decretos-Leis n.os 41/84, de 3 de Fevereiro (instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública), 259/98, de 18 de Agosto (duração e horário de trabalho na Administração Pública), 100/99, de 31 de Março (férias, faltas e licenças), 331/88, de 27 de Setembro (subsídio de alojamento), 236/99, de 25 de Junho (regime de contrato e voluntariado nas Forças Armadas), e 323/95, de 29 de Novembro (sistema poupança-emigrante).

  • Tem documento Em vigor 2007-01-03 - Decreto-Lei 2/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Actualiza os valores da retribuição mínima mensal garantida para 2007.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2008-06-18 - Acórdão do Tribunal Constitucional 304/2008 - Tribunal Constitucional

    Decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 22.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, do Decreto da Assembleia da República n.º 204/X, na parte em que determinam que as competências das diversas unidades da Polícia Judiciária são estabelecidas nos termos da portaria referida no mencionado n.º 2 do artigo 22.º, por violação da reserva de acto legislativo imposta no artigo 272.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 2008-11-28 - Acórdão do Tribunal Constitucional 525/2008 - Tribunal Constitucional

    Decide não conhecer da questão da ilegalidade dos artigos 14.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2007 e 11.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2006. Declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade do artigo 13.º, n.os 1 e 2 [suspensão de destacamentos, requisições e transferências de funcionários da administração regional e autárquica para a administração directa e indirecta do Estado] da Lei do Orçamento do Estado para 2008, na parte relativa à administração regional da Região Autónom (...)

  • Tem documento Em vigor 2010-10-21 - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 7/2010 - Supremo Tribunal Administrativo

    Uniformiza a jurisprudência no sentido de que a remissão do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, [estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões], deve entender-se efectuada para a redacção do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação [aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72 de 9 de Dezembro], na redacção anterior à entrada em vigor daquela lei (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-04-22 - Acórdão do Tribunal Constitucional 187/2013 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos art.s 29.º, 31.º, 77.º e n.º 1 do art. 117.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013), e não declara a inconstitucionalidade, das normas constantes dos art.s 27.º, 45.º, 78.º, 186.º (na parte em que altera os art.s 68.º, 78.º e 85.º e adita o art. 68.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Dec Lei 442-A/88, de 30 de novembro) e art. 187.º, todas (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-12-09 - Acórdão do Tribunal Constitucional 793/2013 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto n.º 22/2013, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em 21 de outubro de 2013, enviado para assinatura ao Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, por violação das alíneas b) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, e pela inconstitucionalidade consequente das restantes normas do mesmo diploma (duração do período normal de trabalho dos trabalhadores da Administração Públic (...)

  • Tem documento Em vigor 2023-05-10 - Acórdão do Tribunal Constitucional 197/2023 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.os 4 e 5 do artigo 2.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto (Novo regime do arrendamento apoiado para habitação); não toma conhecimento, por inutilidade superveniente, do pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma jurídica regulamentar, constante do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Regime de Acesso, Atr (...)

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