1 - O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro (estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas), aditado pelo artigo 27.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro (estabelece regras sobre o regime geral da estruturação de carreiras da Administração Pública), quando conjugado com os anexos ao referido Decreto-Lei 404-A/98 e ao Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas.
O preceito legal onde se insere esta norma dispõe o seguinte (em itálico a norma impugnada):
«Artigo 17.º
Escalão de promoção
1 - A promoção a categoria superior da respectiva carreira faz-se da seguinte forma:a) Para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção;
b) Para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponde o índice superior mais aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1.
2 - Sempre que do disposto no número anterior resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se no escalão seguinte da estrutura da categoria.
3 - Se a remuneração, em caso de progressão, for superior à que resulta da aplicação dos números anteriores, a promoção faz-se para o escalão seguinte àquele que lhe corresponderia por força daquelas regras, excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há menos de um ano.» O Provedor de Justiça desdobrou expressamente o pedido em duas dimensões normativas:
A constante da norma do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada a este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, na parte em que exclui do seu âmbito de aplicação os funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano, quando conjugada com os anexos ao referido Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, e ao Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas, na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública;
A constante da mesma norma, quando conjugada com os anexos aos Decretos-Leis n.os 404-A/98, de 18 de Dezembro, e 412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas, igualmente na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública.
2 - Para fundamentar o pedido, desenvolveu o Provedor de Justiça argumentação tendente a demonstrar, através de vários exemplos de aplicação, que a referida norma, nuns casos pelo jogo da regra que o n.º 3 do artigo 17.º estabelece, noutros por efeito da limitação contida na parte final do preceito, conduz a situações em que funcionários com menor antiguidade na categoria e, em algumas hipóteses, com menor antiguidade na categoria e na carreira fiquem a auferir remuneração superior à de funcionários da mesma categoria, anteriormente a ela promovidos.
E concluiu nos termos seguintes:
A solução legal contida no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada ao diploma pelo Decreto-Lei 404-A/89, de 18 de Dezembro, foi concebida pelo legislador tendo em vista a correcção de distorções ao sistema remuneratório dos funcionários da Administração Pública originadas pela aplicação conjugada das regras dos n.os 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, respeitantes à promoção à categoria superior dentro da mesma carreira.
Sendo certo que a aplicação da norma viria a revelar benefícios no sentido pretendido, a verdade é que a mesma norma - nalguns casos em virtude da aplicação da excepção da mesma constante, que exclui do respectivo âmbito de aplicação alguns funcionários mediante um critério de natureza estritamente temporal, noutros casos em virtude da aplicação do próprio regime que estabeleceu, sem condicionamentos - veio a desenvolver novas distorções ao sistema, originando novas situações de inversões de posições remuneratórias relativas de funcionários (ilustradas pelos exemplos apresentados), sem que se vislumbre fundamento material bastante para a diferenciação de tratamento operada por via da sua aprovação.
Nessa medida, isto é, na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de posições relativas de funcionários da Administração Pública, a norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, na sua versão actual, revela-se contrária ao princípio da igualdade na retribuição, ínsito nos artigos 59.º, n.º 1, alínea a), e 13.º da lei fundamental.
3 - Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC - aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro), o Primeiro-Ministro respondeu, argumentando do seguinte modo:
Nada no texto da norma cuja constitucionalidade se impugna permite afirmar que o legislador discrimina trabalhadores, já que, pelo contrário, aquela norma «aplica-se a todos aqueles que reúnam as condições aí previstas».
A norma questionada visa unicamente estabelecer regras de reposicionamento de funcionários da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, tendo em conta não apenas a antiguidade nos seus vários contornos, mas ainda o critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção. O novo sistema retributivo da função pública corresponde a um sistema misto de promoção (mudança de categoria) e progressão (mudança de escalão dentro de cada categoria), que funciona de forma articulada e complementar de modo que a evolução por progressão se venha a reflectir, directamente, na evolução por promoção.
Nesse contexto, uma das preocupações fundamentais do Governo foi salvaguardar as expectativas decorrentes da progressão na carreira, garantindo que a promoção se faça para o escalão seguinte àquele que resultaria das normas de promoção sempre que o escalão a obter por progressão seja superior. É esse o motivo pelo qual existem índices sobrepostos e a razão por que se prevêem ainda últimos índices da escala da categoria inferior superiores aos primeiros da categoria imediatamente superior, já que um funcionário que se encontre nos últimos escalões de determinada categoria detém mais tempo e experiência que outro funcionário dessa mesma categoria. A promoção deste funcionário terá de revelar a sua situação de origem, estando ele situado nos primeiros escalões da categoria antecedente, pelo que a promoção não poderá desvirtuar a «proporcionalidade continuada» que o sistema quis imprimir relativamente à antiguidade detida pelo outro na mesma categoria antecedente.
Assim, o novo sistema retributivo da função pública acautela a posição desigual que os funcionários detinham na origem, dando através das suas normas continuidade à protecção da antiguidade nos seus vários contornos e que não passa unicamente pelo processo de promoção. Deste modo, resulta salvaguardado o comando constitucional da igualdade que impõe que se trate de modo igual situações de facto iguais e de modo desigual situações de facto desiguais, ou seja, aportando em diferentes soluções em função de situações de base com características diversas.
Assim, a norma impugnada mostra-se materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade.
Por outro lado, o tertium comparationis para efeitos de avaliação do princípio da igualdade não resulta apenas do critério da antiguidade na categoria, mas ainda do critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção, assim se salvaguardando a «relação de proporcionalidade» entre as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, a harmonia remuneratória entre cargos, que exige que a promoção - e respectiva escala e índice salarial - não seja regulada em termos isolados, sem protecção e garantia da situação de origem e da proporcionalidade aí existente. A norma impugnada, mais que uma «regra de transição», deverá ser interpretada como uma «cláusula de salvaguarda» do próprio sistema retributivo.
Por fim, caso o Tribunal conclua pela inconstitucionalidade, deverá ponderar se imperativos de segurança jurídica não justificarão o uso da faculdade de restrição dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.
4 - Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º da LTC, pelo vice-presidente do Tribunal Constitucional, por delegação do Presidente, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da mesma lei, e fixada a orientação sobre as questões a resolver, cumpre agora formular a decisão.
5 - Impõe-se resolver uma questão preliminar respeitante ao objecto do recurso que resulta de, como se relatou, o Provedor de Justiça colocar à apreciação do Tribunal uma questão de constitucionalidade, que incide sobre dois segmentos normativos aparentemente distintos da norma sub judicio.
Efectivamente, o Provedor de Justiça impugna a constitucionalidade do inciso da parte final («excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há menos de um ano») e, depois, a título autónomo (e não subsidiário ou alternativo), de toda a parte restante do artigo. E fá-lo, num e noutro caso, com o mesmo fundamento: violação do princípio constitucional da igualdade, na medida em que da aplicação daqueles dois segmentos normativos resultarem situações de inversão de posições remuneratórias relativas de trabalhadores da Administração Pública.
Na economia do pedido, é possível descortinar a pretensão de não pôr em causa a admissibilidade, em abstracto, de «cláusulas de salvaguarda» da equidade do sistema e, por outro lado, a intenção de não deixar subsistir qualquer hipótese normativa que permita a inversão de posições remuneratórias entre funcionários públicos, o que eventualmente sucederia se o Tribunal se limitasse a declarar a inconstitucionalidade da parte final do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, na redacção do Decreto-Lei 404-A/98. No fundo, o Provedor pretende erradicar todas e quaisquer possibilidades de, por força do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, na redacção do Decreto-Lei 404-A/98, se criarem situações de inversão de posições remuneratórias.
Todavia, ao contrário do que poderia fazer crer a sua expressão literal («excepto se o funcionário»), a parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, na redacção do Decreto-Lei 404-A/98, não constitui, em sentido próprio, uma excepção, mas antes uma delimitação do âmbito pessoal de aplicação do regime da norma em que se integra. Não há uma excepção à regra da primeira parte, a ponto de se poder dizer que se estabelecem dois regimes diferenciados. O segmento final do artigo 17.º, n.º 3, não possui autonomia normativa em relação ao primeiro trecho, limitando-se a recortar o círculo de casos para os quais vale a consequência jurídica enunciada naquele, pelo que não suscita um problema de constitucionalidade autónomo.
A eventual inconstitucionalidade da norma em apreço, na medida em que dela resultem inversões de posições remuneratórias entre funcionários, valerá exactamente nos mesmos termos quanto às duas situações configuradas pelo requerente.
Tal circunstância não conduz, naturalmente, ao não conhecimento do pedido.
Este, na verdade, está formulado de forma adequada e perfeitamente inteligível, solicitando cumulativamente a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de dois segmentos da norma do artigo 17.º, n.º 3, aditado pelo Decreto-Lei 404-A/98. O facto de se entender que um desses segmentos, tal como o pedido se encontra formulado pelo requerente, não possui autonomia em relação ao restante não pode levar o Tribunal a abster-se do seu conhecimento, já que um problema de constitucionalidade lhe é colocado com clareza, num processo de fiscalização abstracta sucessiva:
aferir se viola o princípio da igualdade a norma do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, introduzida pelo Decreto-Lei 404-A/98, na medida em que a mesma, intervindo ou não a limitação da sua parte final, produza situações de inversão de posições remuneratórias entre funcionários.
6 - Uma outra questão deve desde já enfrentar-se porque, embora não seja de natureza processual, poderia conduzir a que o sistema devesse ser interpretado como comportando uma «cláusula de salvaguarda» que, facultando aos interessados requerer a correcção casuística, fosse idóneo para, em último termo, evitar ou corrigir as distorções que o Provedor de Justiça aponta à norma impugnada.
Referimo-nos ao n.º 5 do artigo 21.º do Decreto-Lei 404-A/98, que dispõe que «[o]s recursos apresentados com fundamento na inversão das posições relativas detidas pelos funcionários ou agentes à data da publicação do presente diploma e que violem o princípio da coerência e da equidade que presidem ao sistema de carreiras serão resolvidos por despacho conjunto dos Ministros da tutela e das Finanças e do membro do Governo responsável pela Administração Pública» [itálico acrescentado].
Sucede que, como se vê pela expressão destacada, o mecanismo de correcção estabelecido por este preceito é restrito a situações balizadas por um referente temporal, enquanto a norma do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89 é de efeitos permanentes, o que basta, sem necessidade de examinar outras objecções, para afastar a possibilidade de vislumbrar nele o antídoto seguro, no plano da legalidade, para as inversões das posições relativas que são atribuídas à norma impugnada. Aliás, a resposta do Primeiro-Ministro mostra que também assim o não encara, ao notar que cada alteração de posição por referência a um caso idêntico vai provocar a mudança em relação a outras situações anteriormente em equilíbrio, desencadeando reclamações em espiral a que, no seu entender, urge pôr termo.
7 - Posto isto, começa por recordar-se que a norma impugnada pertence a um complexo normativo em que avultam os seguintes elementos legislativos principais:
O Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, que definiu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública, alterado pelo Decreto-Lei 62/92, de 21 de Abril, pela Lei 30-C/92, de 28 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 77/94, de 9 de Março, 45/95, de 2 de Março, 50/96, de 16 de Maio, e 107/98, de 24 de Abril, pelas Leis n.os 25/98, de 26 de Maio, e 77/2001, de 5 de Março, pelos Decretos-Leis n.os 54/2003, de 28 de Março, e 57/2004, de 19 de Março, e, mais recentemente, pelas Leis n.os 10/2004 e 23/2004, de 22 de Março e de 22 de Junho, respectivamente;
O Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, que estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas, rectificado pela declaração publicada no Diário da República, 1.ª série, suplemento, de 30 de Dezembro de 1989, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 393/90, de 11 de Dezembro, 167/91, de 9 de Maio, 204/91, de 7 de Junho, 420/91, de 29 de Outubro, 137/92, de 16 de Julho, 109/96, de 1 de Agosto, 404-A/98, de 18 de Dezembro, e 412-A/98, de 30 de Dezembro, pelos Decretos Regulamentares n.os 30-A/98, de 31 de Dezembro, 30-B/98, de 31 de Dezembro, e 30-C/98, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei 498/99, de 19 de Novembro, pelo Decreto Regulamentar 5/2000, de 27 de Março, pelo Decreto-Lei 70-A/2000, de 5 de Maio, e pelo Decreto Regulamentar 13/2001, de 30 de Junho;
O Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, que estabelece regras sobre o regime geral de estruturação de carreiras da Administração Pública - e onde se insere a alteração ao artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, ora impugnada -, alterado pela Lei 44/99, de 11 de Junho, pelos Decretos-Leis n.os 77/2001, de 5 de Março, 141/2001, de 24 de Abril, 23/2002, de 1 de Fevereiro, 149/2002, de 21 de Maio, 54/2003, de 28 de Março, e, finalmente, 57/2004, de 19 de Março;
Por último, o Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, que procede à adaptação à administração local do decreto-lei que estabelece as regras sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e categorias do regime geral, bem como as respectivas escalas salariais, rectificado pela Declaração 7-E/99, de 25 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, n.º 49, 2.º suplemento, de 27 de Fevereiro de 1999, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 498/99, de 19 de Novembro, e 207/2000, de 2 de Setembro.
O Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, no desenvolvimento do regime jurídico definido pelo Decreto-Lei 184/89, veio estabelecer regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas, o designado novo sistema retributivo. Das diversas alterações que sofreu, destaca-se a introduzida pelo Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, publicado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei 77/98, de 19 de Novembro, que veio estabelecer regras sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e categorias de regime geral, bem como as respectivas escalas salariais e de que emerge a norma agora em apreciação.
A evolução remuneratória do pessoal da Administração Pública a que o novo sistema retributivo se aplica resulta de progressão, que se faz por mudança de escalão nas categorias em função de módulos de tempo, e de promoção a categoria superior da carreira (ou de nova carreira, nos casos de intercomunicabilidade vertical). A evolução remuneratória na carreira é, portanto, fruto de um sistema misto, em função quer da antiguidade ou tempo de serviço (embora não em absoluto, porque o demérito ou mérito insuficiente obsta à progressão - cf. n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei 353-A/98 e artigos 7.º e 23.º, n.º 2, da Lei 10/2004), quer do mérito (embora a promoção dependa também de um tempo mínimo efectivo na categoria imediatamente inferior - cf. n.º 4 do artigo 27.º do Decreto-Lei 184/89 e os requisitos de recrutamento para as diversas carreiras a que se refere o Decreto-Lei 404-A/98). Outro aspecto fundamental e caracterizador do sistema retributivo, que importa desde já reter, consiste na sua estruturação de tal modo que aos últimos escalões de cada categoria correspondem índices salariais superiores aos primeiros da categoria imediatamente superior.
E, por outro lado, o regime de acesso à categoria superior não exige que o interessado tenha atingido o último escalão da categoria de origem, pelo que podem ser promovidos à mesma categoria funcionários que, na categoria anterior, se apresentavam posicionados em escalões com índices remuneratórios diferentes e a quem a promoção garante uma melhoria mínima de 10 pontos indiciários.
Deste modo - mesmo sem considerar o efeito da norma agora sujeita a fiscalização -, pela articulação do sistema retributivo dos trabalhadores da Administração Pública com o regime de desenvolvimento das respectivas carreiras, a trabalhadores com a mesma categoria em determinada carreira, portanto com o mesmo conteúdo funcional, correspondem remunerações diversificadas em função do tempo de serviço de cada um na categoria ou, em menor grau, do nível remuneratório atingido na categoria anterior (que é essencialmente função do tempo de serviço nela) e que condiciona o escalão de ingresso de cada funcionário na nova categoria e que trabalhadores da categoria inferior nos últimos escalões possam ser remunerados por índice mais elevado que alguns da categoria superior (embora sem a potencialidade de evolução que a estes assiste).
No que respeita ao posicionamento nos escalões de promoção, o artigo 17.º, na redacção inicial do Decreto-Lei 353-A/89, estabelecia as seguintes regras para a promoção a categoria superior dentro da mesma carreira: 1) a promoção faz-se para o escalão 1 da categoria superior [artigo 17.º, n.º 1, alínea a)]; 2) ou para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponde o índice superior mais aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1 [artigo 17.º, n.º 1, alínea b)]; 3) em qualquer caso, nunca pode resultar para o funcionário, da promoção realizada, uma valorização inferior a 10 pontos indiciários (artigo 17.º, n.º 2).
O Decreto-Lei 404-A/98, em cujo preâmbulo o legislador afirma que com esse diploma não visava «a criação de um novo sistema de carreiras, nem um novo sistema retributivo para a função pública», mas sim «introduzir mais justiça relativa no sistema vigente, dando-lhe coerência e equidade e melhorando as condições para um acesso mais fácil no percurso da carreira dos funcionários», veio aditar um n.º 3 àquele dispositivo, cujo teor se recorda:
«[S]e a remuneração, em caso de progressão, for superior à que resulta da aplicação dos números anteriores, a promoção faz-se para o escalão seguinte àquele que lhe corresponderia por força daquelas regras, excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há menos de um ano».
É fácil descortinar a ratio da inovação, havendo, sobre isso e sobre a bondade da intenção legislativa primária, concordância entre o Provedor de Justiça e o Primeiro-Ministro: a referida regra teve como propósito imediato obstar a que os funcionários promovidos à categoria superior viessem, designadamente por aplicação das regras constantes dos n.os 1, alínea b), e 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, a perceber remuneração inferior à que obteriam se permanecessem na categoria inferior e nela progredissem.
Compreende-se, pois, a intenção do legislador em alterar as regras do posicionamento nos escalões no caso de promoção, através da actual redacção do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, por forma que o regime deixasse de se revelar mais benéfico para o funcionário que não concorresse à promoção, aguardando que a progressão na mesma categoria lhe trouxesse uma valorização salarial maior. No fundo, optou o legislador, no âmbito do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, por ficcionar a progressão para o escalão seguinte - que ocorreria caso não se tivesse entretanto dado a promoção -, premiando desta forma o esforço e desempenho do funcionário que foi promovido, num exercício que tutela a expectativa deste na ideia de que a promoção trará sempre benefícios, designadamente em termos salariais, face à opção de permanência na mesma categoria e de evolução através da mera progressão, e o interesse do empregador público na motivação e selecção dos mais aptos para as tarefas presumivelmente de maior exigência dentro de cada carreira.
8 - Na análise subsequente não tem o Tribunal de ensaiar, no seio das diversas categorias e dos diversos escalões, todas as disparidades indiciárias que decorram da aplicação da norma em apreciação, indagando casuisticamente todas as potenciais situações de desigualdade por ela geradas. O Tribunal irá recorrer a alguns exemplos padrão, especialmente ilustrativos dos efeitos disfuncionais da norma, colhidos na argumentação do Provedor de Justiça e, aliás, não contestados, na sua materialidade, na resposta do Primeiro-Ministro.
Tal não contende com a natureza própria da fiscalização abstracta da constitucionalidade, pelas razões já aduzidas no Acórdão 405/03:
«[...] não tem o Tribunal de ensaiar, no seio das diversas categorias e dos diversos escalões, todas as disparidades indiciárias que decorrem da aplicação conjugada das normas sub judicio, indagando casuisticamente todas as potenciais situações de desigualdade geradas pela aplicação daquelas normas [...]. A aproximação vai ser feita a partir da descoberta 'tópica' de exemplos de situações de desigualdade, sem necessidade de esgotar todo o universo das potenciais disparidades que as normas em apreço produzam.
Tal não equivale a dizer [...] que o diploma em apreço só será eventualmente inconstitucional quando aplicado (as applied) a casos ou situações particulares, mas já não em si mesmo considerado (on its face), que é a dimensão que releva no plano da fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade.
[...] as virtualidades aplicativas das normas sub judicio inscrevem-se ainda no enunciado normativo das disposições em causa [...]. E o recurso a exemplos padrão [...] não subverte o sentido e a lógica da fiscalização abstracta da constitucionalidade, servindo tão-só para ilustrar que as normas em apreço conduzem - mas, em simultâneo, contêm em si mesmas, na respectiva previsão - a uma inversão de posições entre funcionários, susceptível de afrontar o princípio constitucional da igualdade e sua projecção no domínio laboral - 'a trabalho igual, salário igual' [artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição].
[...] a demonstração de que a indagação dos efeitos das normas impugnadas cabe ainda no domínio do controlo abstracto de constitucionalidade é dada pelo Tribunal, por exemplo, nos Acórdãos n.os 254/2000 e 356/2001, já citados.
Para o Tribunal poder concluir pela existência de uma diferenciação injustificada entre funcionários teve, naturalmente, de verificar se os efeitos da estatuição normativa conduzem a tal resultado. Porém, como é óbvio, tal não equivale a extravasar do domínio do controlo abstracto de constitucionalidade, mas a proceder a um teste do princípio da igualdade».
9 - Comecemos por representar situações em que a inversão de posições remuneratórias opera por efeito da delimitação do âmbito de aplicação realizada na parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89.
Assim, e para usar uma situação real descrita pelo requerente, pode dar-se o seguinte exemplo: duas funcionárias, A e B, progrediram, em 1996, para o 4.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe, a que correspondia o índice 485 (cf. anexo n.º 1 ao Decreto-Lei 353-A/89). Em 16 de Abril de 1998, A foi nomeada técnica superior principal, tendo B sido opositora no mesmo concurso mas não tendo ficado colocada nos lugares a prover. A funcionária A foi posicionada no 1.º escalão da categoria de técnico superior principal, a que correspondia o índice 500. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 404-A/98, reportada a 1 de Janeiro de 1998 (artigo 34.º, n.º 1), e por aplicação das regras de transição aí previstas, a funcionária A foi primeiramente posicionada, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1998, no 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe, com o índice 500, e reposicionada, com efeitos reportados a 16 de Abril de 1998 (data da promoção), no 1.º escalão da categoria de técnico superior principal, com o índice 510 (cf. anexo ao Decreto-Lei 404-A/98). A funcionária B é posicionada, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1998, no 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe, com o índice 500. Em Abril de 1999, um ano após a promoção da funcionária A, a funcionária B é promovida à categoria de técnico superior principal. Nesta data, por aplicação precisamente da regra aqui em discussão, contida na parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, aditado pelo Decreto-Lei 404-A/98, a funcionária B é posicionada no 2.º escalão da categoria a que foi promovida, com o índice 560, portanto um escalão à frente da funcionária A, que está apenas há um ano no 1.º escalão e aí se manterá por mais dois. Se não existisse o requisito constante da parte final do referido n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, a funcionária A teria, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 404-A/98, e com efeitos reportados a 16 de Abril de 1998, data em que foi promovida, sido colocada não no 1.º escalão (como sucedeu, já que não tinha, nesse momento, completado ainda um ano no escalão em que se encontrava na anterior categoria) mas no 2.º escalão da categoria superior.
Assim sendo, a promoção, um ano depois, da funcionária B não teria provocado a distorção acima assinalada e as posições relativas ter-se-iam mantido intocadas.
São também concebíveis situações em que um funcionário mais antigo, quer na categoria quer na carreira, seja ultrapassado por um outro funcionário menos antigo (quer na categoria quer na carreira).
Na realidade, de acordo com a situação hipotética apresentada pelo Provedor de Justiça:
«Imagine-se, por exemplo, no âmbito das tabelas salariais aprovadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei 404-A/98 (vd. anexo ao diploma), que o funcionário G progride para o 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe em 1 de Janeiro de 2002. Em 1 de Dezembro do mesmo ano é promovido à categoria de técnico superior principal. Ora, pela aplicação da regra aqui em discussão, será G colocado no 1.º escalão desta categoria superior, com o índice 510. Por outro lado, o funcionário H progride para o referido 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe em 1 de Junho de 2002. Em 1 de Julho de 2003 é promovido à categoria de técnico superior principal e, por aplicação da mesma regra, é colocado no 2.º escalão, com o índice 560, portanto à frente de G, mais antigo na carreira, e que só alcançará aquele mesmo escalão em 1 de Dezembro de 2005.
Se o requisito ínsito na parte final do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89 não existisse, manter-se-iam, nos casos apontados, as posições relativas dos funcionários em causa.» O Provedor de Justiça apresenta mesmo uma hipótese extrema, em que a mera diferença de um dia na data da promoção tem reflexos significativos na remuneração dos funcionários: «se o funcionário I, com a mesma antiguidade do funcionário J, e tendo ambos progredido para 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe em 1 de Janeiro de 2002, é promovido no dia 31 de Dezembro de 2002, será colocado no 1.º escalão da categoria de técnico superior principal, com o índice 510; se o funcionário J for promovido, por hipótese, um dia depois, no dia 1 de Janeiro de 2003, à mesma categoria, já será colocado no escalão 2, com o índice 560».
Para fundamentar o seu pedido na vertente que apresenta como outra dimensão da norma, sustenta o requerente que, mesmo sem interferência da sua parte final, o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89 é susceptível de gerar situações de inversão de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública.
Ilustra essa possibilidade com o seguinte exemplo:
«[...] dois funcionários, L e M, ambos da carreira de desenhador, do grupo de pessoal técnico-profissional, a que alude o anexo II ao Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro - que adaptou à administração local as regras do Decreto-Lei 404-A/98, mandando aplicar a norma aqui em discussão, constante deste último diploma, às escalas salariais que aprovou.
L e M estão ambos colocados na categoria de técnico profissional especialista.
L é mais antigo na categoria que M, tendo progredido para o 3.º escalão da mesma, com o índice 285, em 1 de Junho 1999, sendo que M progrediu para o referido 3.º escalão seis meses mais tarde, em 1 de Dezembro de 1999.
O funcionário L é entretanto promovido, dentro da referida carreira, à categoria de técnico profissional especialista principal, em 1 de Junho de 2001, ficando colocado no escalão 2, com o índice 315.
O funcionário M, pelas regras normais da progressão, é colocado, em 1 de Dezembro de 2002, no escalão 4 da categoria de técnico profissional especialista, com o índice 305. Um ano mais tarde, em 1 de Dezembro de 2003, é promovido à categoria superior, de técnico profissional especialista principal, ficando colocado no escalão 3 da nova categoria, com o índice 330, posição remuneratória que o funcionário L [por lapso, diz 'J'] mais antigo na categoria e carreira, só conseguirá atingir, pela via da progressão, em 1 de Junho de 2004.» Ante o caso exposto - em que, note-se, é afectado um funcionário mais antigo não apenas na categoria mas também na carreira -, conclui o requerente:
«[R]epare-se como, no exemplo acima dado, em que não há interferência da excepção consignada na parte final do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/98, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 404-A/98 - os funcionários L e M beneficiaram ambos da previsão da norma sem quaisquer condicionamentos, isto é, sem a excepção constante da sua parte final, já que ambos tinham mais de um ano de permanência no escalão anterior -, também se verificam situações de inversão das posições remuneratórias, passando funcionários menos antigos na categoria e na carreira a auferir remuneração superior à de funcionários mais antigos, anteriormente promovidos à categoria superior».
É, portanto, exacto que a norma contida no n.º 3 do artigo 17.º comporta a possibilidade real de gerar situações de inversão de posições relativas da remuneração de funcionários das carreiras da Administração Pública a que se aplica ou, melhor dito, permite que funcionários com menos tempo de serviço na mesma categoria da mesma carreira passem a auferir remuneração superior à de funcionários anteriormente promovidos a essa categoria.
10 - Assente que a norma conduz a situações em que funcionários com menos tempo de serviço na categoria e, até, na categoria e na carreira, fiquem posicionados em índice remuneratório superior ao de outros que hajam sido promovidos à mesma categoria em momento anterior, importa lembrar que o Tribunal Constitucional já teve ensejo de se pronunciar sobre algumas situações que apresentam similitudes com a que agora é posta à sua consideração. Assim, para só referir a jurisprudência mais directamente pertinente:
No Acórdão 584/98 (Diário da República, 2.ª série, de 30 de Março de 1999), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional por violação do artigo 53.º, n.º 1, alínea a), da Constituição - a norma constante do artigo 2.º do Decreto-Lei 347/91, de 19 de Setembro, enquanto restringe o descongelamento na progressão nos escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, mas tão-só na medida em que o limite temporal de antiguidade na categoria, ali estipulado para a primeira e segunda fases do descongelamento, implique que funcionários mais antigos na mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à de outros, de menor antiguidade e idênticas qualificações;
No Acórdão 254/2000 (Diário da República, 1.ª série-A, de 23 de Maio de 2000), o Tribunal decidiu, na esteira de anteriores decisões em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade (Acórdãos n.os 180/99, 409/99 e 410/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Julho e 10 de Março de 1999), declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, as normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
No Acórdão 356/2001 (Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Fevereiro de 2001), o Tribunal decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei 373/93, de 4 de Novembro, relativa à carreira de bombeiros sapadores, na parte em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permite o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
No Acórdão 426/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 16 de Novembro de 2001), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13.º, 47.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, as normas dos artigos 27.º, n.º 3, do Decreto-Lei 184/89 e 17.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 353-A/89, interpretados no sentido da atribuição aos funcionários melhor classificados num concurso para progressão na carreira, imediatamente promovidos a categoria superior, de vencimento inferior ao que vem a ser atribuído aos outros funcionários que ficaram inicialmente fora das vagas postas a concurso e que, por isso, permaneceram na categoria inferior, só ulteriormente vindo a ser promovidos, no âmbito do mesmo concurso, a que todos se apresentaram posicionados no mesmo escalão;
No Acórdão 405/2003 (Diário da República, 1.ª série-A, de 15 de Outubro de 2003), o Tribunal decidiu declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, das normas conjugadas dos artigos 16.º, alínea b), 85.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, do Decreto-Lei 564/99, de 21 de Dezembro, e do mapa III constante do anexo II ao mesmo diploma, na medida em que permitem, na carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
No Acórdão 646/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 16 de Dezembro de 2004), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, a norma constante n.º 4 do artigo 21.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, na medida em que, limitando o seu âmbito apenas a funcionários cuja promoção ocorreu em 1997, permite o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.
Não seria, porém, legítimo concluir, como pressupõe a argumentação do Provedor de Justiça, pela existência de uma jurisprudência consolidada no sentido de que a mera percepção de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria acarreta, só por si e inelutavelmente, a inconstitucionalidade da norma que a isso conduz, por violação do princípio «a trabalho igual, salário igual», de tal modo que apenas restasse transpô-la, sem mais ponderações, para o caso agora sujeito a apreciação.
Importa, com efeito, salientar que todas as hipóteses sobre que versaram estes arestos, excepto aquela que foi objecto do Acórdão 426/2001, apresentam uma particularidade de que a norma agora examinada não comunga e é nesse contexto que a sua doutrina deve ser entendida e com esse limite que deve ser transposta. Em todas elas se verificava a interferência de um factor anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários confrontados, que era responsável pela inversão das posições remuneratórias: o faseamento do descongelamento dos escalões (Acórdão 584/98), ter a promoção ocorrido antes ou depois de certa data (Acórdãos n.os 254/2000, 356/2001 e 646/2004) ou o modo de operar a transição perante sucessão de regimes estatutários (Acórdão 405/2003).
Não é desta natureza a norma agora em apreço, que desenvolve uma característica do sistema retributivo da função pública que consiste em a evolução remuneratória na carreira se processar por mudança de categoria (promoção) e mudança de escalão dentro de cada categoria (progressão), de forma articulada e complementar de modo que a evolução por progressão venha a reflectir-se na evolução por promoção.
Aliás, mesmo quanto ao Acórdão 426/2001, há que ter em conta que o Tribunal se encontrava aí sujeito às limitações cognitivas de um recurso de fiscalização concreta incidente sobre uma decisão de recusa de aplicação da norma que veio a ser julgada inconstitucional, não lhe cabendo averiguar os factos ou a melhor interpretação do direito ordinário, não deixando, todavia, o acórdão de inserir, no considerando final que antecede a decisão, um parêntesis em que se faz referência à possibilidade de os funcionários com maior antiguidade na categoria que haviam sido ultrapassados porventura terem também «antiguidade na carreira idêntica ou maior».
11 - Argumenta o Primeiro-Ministro que a norma em causa introduz uma diferenciação constitucionalmente legítima, materialmente fundada, porque reflecte a posição desigual que os funcionários detinham na categoria de origem, dando continuidade à protecção da antiguidade nos seus vários contornos, que não passa exclusivamente pelo processo de promoção, aportando em diferentes soluções em função de situações de base com características diversas. E defende que a violação do princípio da igualdade não pode ser aferida apenas pelo critério de antiguidade na categoria, mas também pelo critério do escalão do posicionamento de origem quando tem lugar a promoção, traduzindo a ideia de proporcionalidade continuada, com valoração combinada da antiguidade e do mérito, que se quis imprimir à evolução retributiva dos trabalhadores da Administração Pública.
Esta justificação só em parte pode ser acolhida, na perspectiva da conformidade da referida norma com a Constituição, que é o que ao Tribunal compete apreciar.
Como o Tribunal disse no Acórdão 584/98:
«O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa - ao preceituar que 'todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna' - impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora, a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade, pois que, como se sublinhou no Acórdão 313/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol. t. II, pp. 917 e segs.), do que no preceito constitucional citado se trata é um direito de igualdade.
Escreveu-se neste aresto:
'O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade - mas de uma igualdade material que exige que se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam - e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora [cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.]' Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna e a trabalho igual - igual em quantidade, natureza e qualidade - deve corresponder salário igual.
O princípio 'para trabalho igual salário igual' não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.» A esta luz, não será constitucionalmente vedado ao legislador, face ao referido princípio, ordenar o sistema retributivo por forma a reflectir, na determinação da remuneração dos trabalhadores da Administração Pública, o tempo de serviço na carreira, ainda que daí resulte o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.
Com efeito, a carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional (cf. n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei 248/85, de 19 de Abril;
definição que já não será inteiramente exacta porque dos anexos aos Decretos-Leis n.os 404-A/98 e 412-A/98 resulta a existência de carreiras unicategoriais). Embora se diferenciem em exigência, complexidade e responsabilidade (carreiras verticais) ou apenas pela maior eficiência na execução das respectivas tarefas (carreiras horizontais), as categorias da função pública, designadamente aquelas a que se aplica o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, partilham a identidade funcional correspondente a uma dada profissão.
Deste modo, não se apresenta como solução normativa destituída de fundamento material face ao princípio da igualdade a diferenciação remuneratória na categoria superior, mesmo que implique o recebimento de remuneração superior pelo funcionário menos antigo nessa categoria, que resulte do diferente posicionamento atingido nos escalões da categoria de origem, desde que isso corresponda a um factor objectivo, susceptível de repercutir-se nas características do trabalho prestado ou nas capacidades e qualificações profissionais dos trabalhadores em causa, como sucede com a maior antiguidade na carreira. Face à substancial homogeneidade do conteúdo funcional das diversas categorias que a compõem, a valorização da experiência profissional inerente ao maior tempo de serviço na carreira não colide com os parâmetros da igualdade retributiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição visto que não é desrazoável presumir que essa maior experiência global se possa traduzir num melhor desempenho. Por outro lado, não se trata de uma solução dirigida a beneficiar ou desfavorecer uma classe de funcionários determinada segundo um elemento arbitrariamente fixado, porque a antiguidade ou tempo de serviço na carreira é uma característica que todos compartilham e com que todos contam na melhoria da sua situação retributiva.
Assim, na medida em que a diferenciação remuneratória na categoria de promoção reflecte a maior antiguidade na carreira, a «inversão de posições relativas» denunciada pelo Provedor de Justiça não pode ser censurada pelo Tribunal por violação do referido princípio constitucional, cabendo na discricionariedade legislativa quanto à conformação do sistema retributivo da função pública.
12 - Sucede, porém, que a aplicação da norma em causa conduz, noutras situações, como se revela pelos exemplos atrás mencionados, a que funcionários com menos tempo de serviço, não só na categoria mas também na carreira, passem a auferir remuneração superior à de funcionários mais antigos (na mesma categoria e carreira).
Ora, para justificar, face ao referido princípio, a dimensão ou conteúdo normativo que conduz a essa diferenciação de tratamento remuneratório já não pode invocar-se a maior experiência profissional, inerente ao tempo de serviço na carreira, nem o Tribunal divisa qualquer outro fundamento constitucionalmente atendível.
Nem pode aceitar-se, como sustenta o Primeiro-Ministro, que o tertium comparationis para avaliar a violação do princípio da igualdade seja o simples critério do «escalão do posicionamento de origem quando tem lugar a promoção», porque esse nem sempre traduz a incorporação de um elemento susceptível de ser valorado pelo legislador dentro da margem de conformação que lhe é reconhecido, por ainda lhe poder ser ligado um efeito de diferenciação transportável para a categoria superior, na medida que tenha relação com a natureza ou com as características do trabalho prestado. Na hipótese que agora examinamos, o diferente posicionamento nos escalões da categoria de origem, que vai determinar impulsos diversos na promoção, traduz apenas o facto, que para este efeito é acidental, de o funcionário menos antigo ter permanecido na categoria inferior até que se completasse um outro módulo de tempo para a progressão, enquanto o funcionário primeiramente promovido inicia um novo módulo para progressão na categoria de destino.
Importa, finalmente, sublinhar que não pertence ao domínio de jurisdição do Tribunal indagar se a emergência de situações de desigualdade representa um resultado inescapável do modo como foi concebido e gizado o novo sistema retributivo. Como se salientou no Acórdão 254/2000, a invocação de um interesse esteado no estatuto remuneratório da função pública «não assume uma qualquer especificidade de onde decorra a postergação do princípio de 'para trabalho igual, salário igual'».
De todo o exposto resulta que a norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada a este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, quando conjugada com os anexos ao referido Decreto-Lei 404-A/98 e ao Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, viola o princípio constitucional «para trabalho igual salário igual», mas apenas na medida em que conduz ao recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade na categoria e na carreira.
13 - Nos Acórdãos n.os 254/2000, 356/2001 e 405/2003, já referidos, o Tribunal entendeu utilizar a faculdade de restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fundando-se em razões de segurança jurídica que explicitou do seguinte modo:
«Resulta do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos ex tunc.
Todavia, o n.º 4 do mesmo artigo confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de o mesmo fixar os efeitos do declarado vício de molde a que o alcance dos efeitos da declaração seja mais restrito que o resultante do indicado n.º 1, desde que isso seja justificado por razões conexionadas com a segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo.
In casu, de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente sobre os normativos sub specie e a respeito da qual não houvesse limitação de efeitos, haverá de resultar o 'reposicionamento' dos funcionários em causa, cujo número, embora indeterminado, é, certamente, acentuado; e, além disso, se não houver limitação de efeitos, resultará ainda a percepção da diferença remuneratória correspondente a esse 'reposicionamento'.
Só que essa percepção, para além de, como é claro, haver de implicar a realização de inúmeras actividades de natureza administrativa e burocrática com vista a ser alcançado o processamento 'retroactivo' das diferenças remuneratórias, com óbvio reflexo perturbante nos serviços, acarretaria ainda acentuadas repercussões a nível orçamental.
A enunciada coorte de dificuldades constitui, assim, motivo para que este Tribunal, estribado em razões de segurança jurídica, faça uso da faculdade que é concedida pelo mencionado n.º 4 do artigo 282.º, por forma que os efeitos da inconstitucionalidade, no aspecto por último referido, se produzam unicamente a partir da data da publicação do vertente acórdão no jornal oficial, e sem embargo de a presente «ressalva» não abranger os actos administrativos objecto de impugnação contenciosa por eventuais interessados.» São exactamente estas considerações que justificam que também no presente processo se restrinjam os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de modo que a sua eficácia só haja de ter lugar com a publicação do acórdão do Tribunal no Diário da República, e sem prejuízo de esta ressalva não abranger os actos administrativos entretanto praticados e que hajam sido objecto de impugnação contenciosa por eventuais interessados.
14 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, da norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aditada a este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, quando conjugada com os anexos ao referido Decreto-Lei 404-A/98 e ao Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, na medida em que permite o recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade na categoria e na carreira;
b) Determinar, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, que a declaração de inconstitucionalidade a que se refere a alínea anterior só produza efeitos a partir da publicação do presente acórdão no Diário da República, sem prejuízo das situações pendentes de impugnação contenciosa.
Lisboa, 15 de Junho de 2005. - Vítor Gomes - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Paulo Mota Pinto - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Benjamim Rodrigues (com declaração anexa) - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Maria Helena Brito (vencida, quanto ao conhecimento do pedido, nos termos da declaração de voto junta) - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração) - Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta) - Artur Maurício.
Declaração de voto
1 - Votei vencido quanto ao conhecimento pelas mesmas razões aduzidas pela conselheira Maria Helena de Brito na sua declaração de voto, para as quais respeitosamente remeto.2 - Ultrapassada essa questão, fiquei também, ainda, parcialmente vencido quanto ao fundo, pois entendo, na esteira do referido Acórdão 405/2003, que a inconstitucionalidade deveria ter um sentido ainda mais amplo.
Considerando que o sistema retributivo se acha estruturado em torno de duas determinantes - progressão dentro de cada uma das categorias previstas em cada carreira e promoção para as diferentes categorias em que cada carreira se acha organizada - considero que o tertium comparationis só poderá ser o regime decorrente da consideração conjunta daquelas determinantes, dado que não vê que, dentro e para além delas, o sistema tenha feito relevar a antiguidade dentro da carreira.
A operacionalidade do princípio da igualdade, enquanto demandando uma comparabilidade de regimes ou de efeitos jurídicos, não pode deixar de ser feita em função da estrutura como o legislador ordinário conformou em um lado um certo regime jurídico e depois o veio a fazer em termos diferentes ao modelar a mesma realidade jurídica em outro ponto do sistema.
Nesta perspectiva a norma seria inconstitucional na medida em que permitisse desde logo o recebimento de remuneração superior por funcionários que detivessem menor antiguidade na categoria de acesso e na categoria de origem. - Benjamim Rodrigues.
Declaração de voto
Votei vencida, no essencial, pelas razões seguintes:1 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tal como é formulado pelo requerente - destinado, simultaneamente, a julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, conjugada com os anexos identificados no acórdão, «na parte em que exclui do respectivo âmbito de aplicação os funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano» (requerimento inicial) e a norma, constante do mesmo preceito, sem a limitação constante da parte final - assenta em fundamentos contraditórios e que se excluem mutuamente.
Pronunciei-me, assim, no sentido do não conhecimento do pedido.
O acórdão, todavia, optou por ultrapassar esta dificuldade ignorando a primeira dimensão e considerando como objecto do processo, apenas, a segunda, não dando relevo a um momento essencial da norma que efectivamente vigora, e que é a delimitação subjectiva do respectivo campo de aplicação.
2 - Tendo sido decidido conhecer do pedido, pronunciei-me no sentido da não inconstitucionalidade, por entender que a norma em julgamento, considerada em abstracto, não conduz ao efeito que justificou o julgamento de inconstitucionalidade.
Aceito que, em situações concretas, e por virtude de conjugação com outras normas, possa vir a verificar-se a inversão considerada inaceitável pelo acórdão; será, então, adequado o recurso à via da fiscalização concreta da constitucionalidade. Penso, aliás, que o método utilizado para justificar a possibilidade de tais inversões demonstra esta minha afirmação. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
Declaração de voto
Votei vencida, quanto ao conhecimento do pedido, por entender que o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tal como é formulado pelo requerente - visando, ao mesmo tempo, a declaração de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, aditada pelo Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, quando conjugada com os anexos identificados no acórdão, «na parte em que exclui do seu âmbito de aplicação os funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano», e a declaração de inconstitucionalidade da norma contida no mesmo preceito, sem a limitação constante da parte final - assenta em fundamentos contraditórios e que se excluem mutuamente.O que o acórdão faz, no n.º 5, é reformular o pedido, enunciando um problema de constitucionalidade susceptível de ser reportado ao preceito legal em questão: «aferir se viola o princípio da igualdade a norma do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 353-A/89, introduzida pelo Decreto-Lei 404-A/98, na medida em que a mesma, intervindo ou não a limitação da sua parte final, produza situações de inversão de posições remuneratórias entre funcionários».
Ao englobar num só critério normativo partes do preceito que tinham sido apresentadas como conformando critérios autónomos de decisão, o acórdão está a definir uma norma diferente daquelas que o recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional.
Isso implica, a meu ver, uma alteração do objecto do pedido, não consentida pelo artigo 51.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional. - Maria Helena Brito.
Declaração de voto
Vencido, por entender que a norma em apreço não visa permitir o recebimento de remuneração superior por funcionários que cumulativamente detenham menor antiguidade na categoria e na carreira. Na verdade, a circunstância de a aplicação concreta da norma poder vir a ter esse resultado depende da aplicação conjugada de outras normas aplicáveis por causa do estatuto funcional dos funcionários interessados. Mas então, a prudente resolução do caso deveria consistir no desempate em benefício do funcionário mais antigo - como poderia sempre ocorrer por via da resolução administrativa do litígio -, e não através da eliminação da norma que pretende conferir o benefício - como sucederá por via da declaração de inconstitucionalidade consagrada pelo presente acórdão. Além disso, considero muito duvidoso que o Tribunal possa declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade condicional de norma jurídica, atento o sistema de sanação de normas desconformes adoptado na Constituição. - Pamplona de Oliveira.
Declaração de voto
1 - Votei no sentido de o Tribunal Constitucional manter o critério seguido nos Acórdãos n.os 548/98, 254/2000, 356/2001, 426/2001, 405/2003 e 646/2004, nos quais declarou ou julgou inconstitucionais as normas neles apreciadas, na medida em permitiam o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria. Na verdade, não acompanho a posição, agora pela primeira vez adoptada, de exigir, para dar por verificada a violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), que esses funcionários detenham também menor antiguidade na carreira.Estando em causa a violação do princípio «para trabalho igual, salário igual», o que é relevante, para a identificação do primeiro termo do binómio - «trabalho igual» - é a similitude do conteúdo funcional e este é dado pela categoria que o funcionário detém e não pela carreira em que está inserido. Como se referiu no Acórdão 405/2003 e repetiu no Acórdão 646/2004, sintetizando toda a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão: «possuindo uma determinada categoria um dado conteúdo funcional [...], o princípio 'a trabalho igual salário igual' impõe que o tertium comparationis seja o critério da antiguidade na categoria». Não se me afigura que a maior antiguidade na carreira, que pode advir de uma prolongada permanência nas categorias iniciais e até ser devida a demoras nas promoções justificadas por insuficiente mérito do funcionário em causa, possa ser considerada, como o entendeu o precedente acórdão, como um «factor objectivo» que razoavelmente possa suportar a presunção de um «melhor desempenho». No âmbito do sistema retributivo da função pública, aquele princípio constitucional manifesta-se no princípio da equidade interna, que, na definição do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, «visa salvaguardar a relação de proporcionalidade entre as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, garantir a harmonia remuneratória entre cargos no âmbito da Administração»; ora, o que identifica as responsabilidades de cada cargo é a categoria detida pelo funcionário e não o tempo de permanência na correspondente carreira.
Votei, pois, no sentido de que fosse declarada a inconstitucionalidade da norma impugnada na medida em que permite o recebimento de remuneração superior por funcionários que detenham menos antiguidade na categoria, mesmo que tenham maior antiguidade na carreira.
2 - Duas notas complementares:
A primeira nota para significar que considero o pedido perfeitamente inteligível e congruente, como se reconheceu no n.º 5 do precedente acórdão, embora considere que a parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, aditado pelo artigo 27.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, constitui efectivamente uma excepção ao regime especial constante da primeira parte desse preceito, e não mera delimitação do âmbito pessoal de aplicação deste regime, resultando dessa excepção a aplicação aos funcionários nela contemplados do regime regra estabelecido nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo 17.º A segunda nota para, concordando embora que a alegada «cláusula de salvaguarda» que constaria do n.º 5 do artigo 21.º do Decreto-Lei 404-A/98 é insusceptível de salvar a norma questionada do juízo de inconstitucionalidade, assinalar que, em minha opinião, tal preceito é uma mera regra de competência. Mesmo que esse n.º 5 do artigo 21.º não existisse, suponho que ninguém contestará o direito de os funcionários prejudicados pela prolação de actos administrativos de que tenha decorrido a inversão de posição relativas impugnarem administrativamente esses actos, designadamente com fundamento em violação dos princípios da coerência e da equidade que presidem ao sistema de carreiras, que são princípios jurídicos bem determinados. Se não existisse a norma do n.º 5 do artigo 21.º, o direito de impugnação existia, sendo competente para a sua decisão, por princípio, o superior hierárquico do autor do acto. O que a referida norma veio dispor foi que, nos casos aí previstos, competentes para decidir o recurso hierárquico seriam não o superior hierárquico do autor do acto mas os Ministros da tutela e das Finanças e o membro do Governo responsável pela Administração Pública. Trata-se, pois, de norma cujo conteúdo útil consiste em definir quem é competente para decidir (e qual a forma da decisão) os recursos em causa, recursos esses que - repete-se - sempre seriam cabíveis mesmo que não existisse esta norma. Sendo essa a sua natureza, é óbvio que ela jamais poderia constituir «cláusula de salvaguarda» que evitasse a prolação da declaração de inconstitucionalidade. - Mário José de Araújo Torres.