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Acórdão 254/2000, de 23 de Maio

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Sumário

Declara inconstitucionais as normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.

Texto do documento

Acórdão 254/2000
Processos n.os 638/99 e 766/99
I - 1 - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio, em 25 de Outubro de 1999, requerer, ao abrigo do n.º 3 do artigo 281.º da Constituição e do artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que fosse declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, «no segmento em que restringe o benefício remuneratório concedido aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989» e «na medida em que esse limite temporal implique que funcionários mais antigos na mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles», pois que tal norma, naqueles segmento e medida, foi já julgada inconstitucional nos Acórdãos n.os 180/99, 409/99 e 410/99 deste órgão de administração de justiça.

Notificado o Primeiro-Ministro para os efeitos do disposto no artigo 54.º da Lei 28/82, apresentou o mesmo «resposta», na qual concluiu:

«A) Não há inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, no segmento em que restringe o benefício remuneratório concedido aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, na medida em que esse limite temporal implique que funcionários mais antigos na mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles, por violação do disposto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição da República.

Na verdade, a diferenciação estabelecida pelo legislador não se baseou em critérios subjectivos ou arbitrários, mas em fundamentos objectivos, racionais e razoáveis.

Nada no texto do segmento de norma cuja constitucionalidade se impugna nos permite afirmar que o legislador discrimine trabalhadores. Pelo contrário, este aplica-se, de igual modo, a tod[o]s aqueles que reúnam as condições aí previstas.

B) O segmento de norma cuja constitucionalidade se impugna visa estabelecer regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, tendo em conta a antiguidade na categoria.

A medida estabelecida pelo Governo não viola o princípio geral de igualdade, na sua vertente material e laboral. Mostra-se, pelo contrário, materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade.

Funda-se numa distinção objectiva de situações, não violando por isso qualquer dos motivos indicados no n.º 2 do artigo 13.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Ostenta um fim legítimo segundo a ordem jurídico-constitucional positiva, revelando-se, deste modo, necessária, adequada e proporcional à satisfação do seu objectivo.

C) O Governo não desconhece que possam existir 'opções normativas alternativas'. Só que estas passam, de igual modo, por compressão de outros interesses ou bens constitucionalmente protegidos. E um deles, precisamente, reside no regime específico da função pública como bem ou interesse constitucionalmente protegido. Trata-se, em termo breves, de um estatuto heteronomamente vinculado que encontra o seu fundamento constitucional na própria lei fundamental e que deve ser respeitado.

Da leitura que esse venerando Tribunal possa fazer desses bens ou interesses constitucionalmente tutelados assim resultará a conformidade ou desconformidade da medida legislativa do Governo com a Constituição.

Caso essa leitura seja desfavorável ao Governo - o que não se dá por provado - ainda assim esse venerando Tribunal deverá ponderar se razões de interesse público relevante ou de excepcional relevo, de equidade ou segurança jurídicas poderão ou não levá-lo a fixar os efeitos da sua decisão nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.»

2 - Em 10 de Dezembro de 1999 requereu o Provedor de Justiça a este Tribunal que pelo mesmo fosse declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, «na parte em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria», já que, na sua óptica, esses normativos violariam os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição.

Fundamentou este requerente o seu pedido, em síntese, com base na seguinte ordem de considerações:

A segunda fase do gradual descongelamento de escalões nas carreiras efectuado na sequência da aprovação do novo sistema retributivo da função pública aprovado pelo Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, operou-se nos termos do Decreto-Lei 204/91, que, para obviar a situações de injustiça relativa quanto a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, veio a estabelecer, no n.º 1 do seu artigo 3.º, que a integração seria efectuada em escalão da nova categoria a que correspondesse um índice de valor não inferior a 10 pontos referentemente àquele que resultaria da aplicação das regras gerais respeitantes a esse descongelamento;

Idêntico estabelecimento veio a ser levado a efeito no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, que operou a terceira fase daquele descongelamento gradual;

Simplesmente, a aplicação das normas ínsitas no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91 e no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92 conduziu à criação de outras situações de injustiça, justamente aquelas que se traduziram em funcionários com maior antiguidade na categoria virem a perceber menor remuneração relativamente a outros com menor antiguidade, e isto em face de um sistema legislativo fundado numa opção segundo a qual a antiguidade representa, de modo praticamente exclusivo, a base para a progressão para as carreiras horizontais e progressão e promoção para as carreiras verticais, não se divisando que a diferenciação que assim veio a ser operada se baseie em qualquer valor constitucionalmente aceitável.

Quanto a este pedido, também o Primeiro-Ministro apresentou resposta, que rematou com as seguintes asserções:

«18 - Não pode assim ter-se por violado o princípio constitucional da igualdade, quer nos seus termos gerais, formulado no artigo 13.º da Constituição, quer sob a forma do princípio d[e] 'a trabalho igual salário igual', formulado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, já que algum critério teria de ser introduzido para balizar as promoções que se veriam tratadas nos te[r]m[o]s gerais estabelecidos pelo próprio diploma do NSR e que o critério adoptado é razoável porque tem basicamente em conta a própria produção de efeitos do NSR.

19 - No entanto, e para o caso de o Tribunal Constitucional vir a entender que as normas questionadas são inconstitucionais, põe-se à consideração dos venerandos conselheiros a possibilidade de ser feito uso da faculdade prevista no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição.

20 - Com efeito, uma declaração de inconstitucionalidade das normas questionadas com os efeitos que em princípio lhe seriam atribuídos nos termos do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição teria consequências impossíveis de agora avaliar: abrangeria um número seguramente muito elevado, mas indeterminável, de funcionários, teria custos cujos limites se desconhecem, daria origem a intermináveis operações administrativas e sobretudo seria muito difícil saber a que promoções, e exactamente desde quando, seria necessário atender, gerando uma grave insegurança jurídica do sistema, que entretanto foi já objecto de novas modificações importantes por efeito do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro.

Nestes termos, não deverá o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/[9]2, de 15 de Abril, por as mesmas não violarem a Constituição; mas, se assim não for entendido, põe-se à consideração do Tribunal a utilização da faculdade conferida pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição.»

3 - Por despacho de 15 de Fevereiro de 2000, lavrado pelo Presidente deste Tribunal, foi determinada, ao abrigo do n.º 1 do artigo 64.º da Lei 28/82, da incorporação do processo originado pelo pedido formulado pelo Provedor de Justiça naqueloutro instaurado com base no pedido deduzido pelo representante do Ministério Público.

Concluída a discussão e tomada decisão pelo Tribunal, cumpre formar esta última, nos termos do artigo 65.º da Lei 28/82.

II - 4 - As normas ora sub iudicio foram já objecto de apreciação por banda deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.

De facto, ambas as normas, ou seja, as vertidas no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91 e no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, foram julgadas inconstitucionais, na parte mencionada no pedido do Provedor de Justiça (parte essa que, como se torna claro, tem coincidência com o segmento e medida invocados no pedido do representante do Ministério Público e referente tão-só, como se viu, à norma do Decreto-Lei 61/92), por intermédio dos Acórdãos n.os 180/99 e 409/99 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de, respectivamente, 28 de Julho de 1999 e de 10 de Março de 2000).

Por outro lado, a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92 foi também alvo de julgamento de desconformidade constitucional por parte do Acórdão 410/99 (nos mesmos jornal oficial e série, de 10 de Março de 2000).

4.1 - No primeiro dos citados arestos, o juízo de inconstitucionalidade fundou-se na violação, pelas normas ora em apreço, do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da lei fundamental, outro tanto sucedendo, quanto à norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, no Acórdão 410/99.

Já no Acórdão 409/99, a decisão de inconstitucionalidade das normas dos dois decretos-leis agora em crise estribou-se na violação do artigo 13.º da Constituição.

Todavia, as descritas circunstâncias não implicam, em rectas contas, qualquer divergência substancial quanto ao parâmetro constitucional que serviu de fundamento para os juízos de enfermidade constitucional que se levaram a efeitos nos falados arestos.

Para demonstrar esta conclusão, e por comodidade, transcrevem-se alguns passos desses acórdãos.

Assim:
Disse-se no Acórdão 180/99:
«[...]
6 - O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos n.os 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. (1988), pp. 233 e segs., e 16.º vol. (1990), pp. 383 e segs., 395 e segs. e 411 e segs., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, 2.ª ed., 1993, pp. 213 e segs., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª ed., 1993, pp. 564 e 565, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pp. 125 e segs.].

Recentemente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma contida no artigo 2.º do Decreto-Lei 397/91, de 19 de Setembro, enquanto restringe o descongelamento na progressão nos escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, implicando que funcionários mais antigos da mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à de outras da mesma antiguidade e idênticas qualificações (Acórdão 584/98, de 20 de Outubro, ainda inédito). No respectivo recurso esteve em causa a não aplicação de um determinado regime retributivo a um funcionário, em virtude de este ter ascendido a uma dada categoria docente antes de certa data (a da entrada em vigor daquele regime). O Tribunal Constitucional considerou que o critério temporal, porque alheio à natureza e características do trabalho desempenhado, bem como às capacidades e qualificações profissionais dos funcionários, não consubstancia um critério objectivo legitimador da desigualdade de retribuição.

No caso dos autos, como se referiu, a recorrente não beneficiou das medidas de salvaguarda consagradas pelas normas em apreciação, em virtude de ter sido promovida em data anterior a 1 de Outubro de 1989. Ora, a esta exclusão não subjaz qualquer critério racionalmente atendível. É verdade que em 1 de Outubro de 1989 entrou em vigor o novo sistema retributivo. Porém, tal circunstância não constitui fundamento suficiente para discriminar funcionários que, por mérito, já haviam sido promovidos anteriormente. Com efeito, as expectativas de uns e de outros merecem igual tutela, sob pena de se promover o prejuízo daqueles que de forma presumivelmente mais adequada exercem a sua actividade profissional.

7 - O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição concretiza o princípio da igualdade, genericamente consagrado no artigo 13.º, no âmbito da relação jurídica laboral. Assim, identifica o factor que permite diferenciações remuneratórias - a natureza, a qualidade e a quantidade do trabalho -, esclarecendo que, na ausência de variação de tal factor, vale a regra de atribuição de salário igual ('para trabalho igual salário igual'). A norma constitucional em apreço contempla, pois, um princípio de igualdade ou justiça material no domínio do direito do trabalho (cf. o já citado Acórdão 584/98 e, na doutrina, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, pp. 146, 147, 736 e 737, Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, I, 7.ª ed., 1991, pp. 162 e segs., e Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992, pp. 401 e 402).

A não aplicação das medidas de salvaguarda consagradas nos artigos 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, à ora recorrente não tem qualquer fundamento racionalmente atendível. Tal exclusão gera uma situação de injustiça retributiva, violadora do princípio da igualdade, na vertente que estipula que a trabalho igual (de acordo com a respectiva natureza, qualidade e quantidade) deve corresponder retribuição igual.

[...]»
Escreveu-se, por outro lado, no Acórdão 409/99:
«[...]
17 - À luz do que se vem dizendo, as normas dos artigos 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, na medida em que restringem a sua aplicação aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, serão inconstitucionais, como pretende a recorrente, por violação do princípio da igualdade?

[...]
O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos n.os 186/90, 187/90 e 188/90, 1186/96, e 353/98, publicados in Diário da República, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990 e de 12 de Fevereiro de 1997 e, o último, ainda inédito).

No caso em apreço, o legislador não tomou em consideração diferenças existentes no ordenamento anterior em matéria de ordenamento das carreiras e sistema remuneratório. Desta forma, acabou por consagrar um regime transitório que inverteu o sentido da diferenciação anterior, a qual, no entanto, tinha fundamento material, e inclusivamente não contrastava com as linhas orientadoras do novo sistema, o qual visou precisamente introduzir maior grau de racionalidade e articulação na realidade até então existente.

[...]
É certo que o sistema retributivo, aplicado a trabalhadores que ingressam na função pública após a entrada em vigor dos diplomas básicos, conduz necessariamente a diferenciações. Mas a essas diferenciações preside fundamento materialmente fundado, porque elas resultam do normal decurso do tempo e são produzidas em resultado de opções voluntariamente assumidas pelos interessados, ainda que em função de vicissitudes que eles próprios não provocam inteiramente - abertura de vaga, candidatura a concurso, tempo de serviço requerido para promoção ou para progressão.

A diferenciação introduzida no caso presente, porém, resulta directamente da lei, em termos objectivos, não susceptíveis de conformação em alguma medida pelos destinatários da norma. E porque essa diferenciação, em vez de atender à realidade relevante no plano do sistema, consagra um resultado que se afasta dessa mesma realidade, as normas que a produzem violam o princípio da igualdade.

[...]
Nomeadamente, não pode encontrar-se fundamento racional para, por força da lei, uma diferença salarial, de que beneficiava funcionário colocado em categoria superior, ser convertida em diferença salarial que o coloca em plano salarial inferior ao de colegas seus com menor tempo de serviço na mesma categoria. Nessa medida, as normas pertinentes do regime de transição são inconstitucionais.

[...]»
E, no Acórdão 410/99, expressou-se assim o Tribunal:
«[...]
5 - O Tribunal Constitucional já se ocupou da questão da concretização normativa daquele objectivo constitucional. No Acórdão 313/89 (inédito) fez-se apelo à vertente material da igualdade, no sentido da sua estreita relação com a realidade social vigente e da sua tradução legislativa efectiva na realização da justiça retributiva:

''Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito transcrito [o então artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa] visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna e a trabalho igual - igual em quantidade, natureza e qualidade - deve corresponder salário igual.

O princípio 'para trabalho igual salário igual' não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito com mais ou menos habilitação e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm.

O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.''

Este entendimento do princípio ''para trabalho igual salário igual'' fundamentou a decisão do Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 386/91, in Diário da República, 2.ª série, n.º 78, de 2 de Abril de 1991, pp. 3112 e segs., 107/92, in Diário da República, 2.ª série, n.º 161, de 15 de Julho de 1992, pp. 6538 e segs., e 454/97, in Diário da República, 2.ª série, n.º 284, de 10 de Dezembro de 1997, pp. 15116 e segs.).

6 - No caso em apreciação, estamos perante uma norma que possibilita que funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989 sejam integrados num índice não inferior a 10 pontos em relação àquele a que teriam direito caso continuassem a progressão normal na carreira, a partir da categoria e escalão onde estavam integrados. Este ajustamento deve-se ao ''descongelamento'' de carreiras operado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 61/92. O ''congelamento'' havia sido determinado pelo artigo 38.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, que regulamentou o Decreto-Lei 148/89, de 2 de Junho, o qual, por sua vez, definiu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, ''circunscrevendo-se nuclearmente à reforma do sistema retributivo, no sentido de lhe devolver coerência e de o dotar de equidade, quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego em geral'' (preâmbulo do Decreto-Lei 148/89).

Ao permitir a progressão a funcionários promovidos só após 1 de Outubro de 1989, o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92 excluiu o benefício do ''descongelamento'' em relação aos funcionários que detinham uma categoria superior à daqueles em 30 de Setembro de 1989.

[...]
Esta diferenciação de remunerações não tem qualquer relação com a natureza e com as características do trabalho prestado pelos funcionários em causa, nem com as suas capacidades e qualificações profissionais. A desigualdade de retribuição não se funda em qualquer critério objectivo, sendo por isso de considerar arbitrária e discriminatória.

7 - Conclui-se assim que o critério estabelecido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 61/92, ao restringir o benefício de progressão na carreira aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, insere no sistema retributivo um elemento de injustiça e desigualdade, contrariando o princípio da igualdade consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

Assim decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão 180/99 (inédito).
A situação apresenta contornos semelhantes aos que foram discutidos no Acórdão 584/98 (inédito), em que este Tribunal julgou inconstitucional uma norma de que resultava um tratamento mais favorável - em termos remuneratórios - para trabalhadores com menos antiguidade numa certa categoria relativamente a outros trabalhadores com mais antiguidade na mesma categoria.

[...]»
5 - As mui amplas transcrições acima efectuadas servem, a um tempo, de um lado, para demonstrar que, na realidade das coisas, foi a violação do direito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º do diploma básico, enquanto corolário, na sua vertente laboral, do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, que conduziu aos juízos de inconstitucionalidade efectuados e, de outro, para ilustrar qual a via de raciocínio que levou o Tribunal a formular tais juízos.

A violação do princípio da igualdade, precipitado no de que a «trabalho igual deve corresponder salário igual», como é bom de ver, surpreendeu-a o Tribunal, quando os conteúdos normativos em questão, os quais, ao limitarem o seu âmbito aos funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, podiam, na prática, levar a que, dentro da mesma categoria, funcionários de maior antiguidade viessem a auferir remuneração inferior reportadamente a funcionários de menor antiguidade.

Ora, foi justamente para o estabelecimento dessa diferenciação - diferenciação que não foi posta em crise na «resposta» do Primeiro-Ministro - que o Tribunal não divisou (nem agora divisa, em face dos argumentos utilizados nos transcritos acórdãos e que aqui se acolhem na sua integralidade) qualquer fundamento constitucionalmente relevante que pudesse justificar tal estabelecimento.

Anota-se ainda que, na aludida «resposta», a respectiva panóplia argumentativa não logra, na perspectiva seguida por este Tribunal, infirmar o raciocínio conclusivo de harmonia com o qual se lobriga a existência de um interesse constitucionalmente atendível que permita sustentar a diferenciação causada pelas normas em apreciação, designadamente um interesse esteado no estatuto da função pública, o qual, de todo em todo, não assume uma qualquer especificidade de onde decorra a postergação do princípio de «para trabalho igual salário igual».

É que, se foi escopo dessas normas a tentativa de reparação ou compensação de injustiças, não deixa de ser certo que as soluções legais delas emergentes vieram causar uma casuística dissemelhança cuja averiguação ou valoração se não vislumbra encontrar espaço num indirizzo político ainda permitido pela não disponibilidade constitucional (cf. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, 1982, p. 64).

E, por isso, também aqui se não deixará de concluir pela enfermidade constitucional do questionado normativo.

6 - Resulta do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos ex tunc. Todavia, o n.º 4 do mesmo artigo confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de o mesmo fixar os efeitos do declarado vício de molde que o alcance dos efeitos da declaração seja mais restrito do que o resultante do indicado n.º 1, desde que isso seja justificado por razões conexionadas com a segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo.

In casu, de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente sobre os normativos sub specie e a respeito da qual não houvesse limitação de efeitos, haverá de resultar o «reposicionamento» dos funcionários em causa, cujo número, embora indeterminado, é, certamente, acentuado, e, além disso, se não houver limitação de efeitos, resultará ainda a percepção da diferença remuneratória correspondente a esse «reposicionamento».

Só que essa percepção, para além de, como é claro, haver de implicar a realização de inúmeras actividades de natureza administrativa e burocrática com vista a ser alcançado o processamento «retroactivo» das diferenças remuneratórias, com óbvio reflexo perturbante nos serviços, acarretaria ainda acentuadas repercussões ao nível orçamental.

A enunciada corte de dificuldades constitui, assim, motivo para que este Tribunal, estribado em razões de segurança jurídica, faça uso da faculdade que é concedida pelo mencionado n.º 4 do artigo 282.º, por forma que os efeitos da inconstitucionalidade, no aspecto por último referido, se produzam unicamente a partir da data da publicação do vertente acórdão no jornal oficial, e sem embargo de a presente «ressalva» não abranger os actos administrativos entretanto praticados e que hajam sido objecto de impugnação contenciosa por eventuais interessados.

III - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar inconstitucionais com força obrigatória geral, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade, consagrado no seu artigo 13.º, as normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;

b) Limitar a produção dos efeitos da inconstitucionalidade por forma a não implicar a liquidação das diferenças remuneratórias correspondentes ao «reposicionamento», agora devido aos funcionários, relativamente ao período anterior à publicação do presente acórdão no Diário da República, e sem prejuízo das situações ainda pendentes de impugnação.

Lisboa, 26 de Abril de 2000. - Bravo Serra (relator) - Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Alberto Tavares da Costa - Maria Fernanda Palma - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - José de Sousa e Brito - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/114872.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-05-08 - Decreto-Lei 148/89 - Ministério da Administração Interna

    Atribui uma gratificação aos elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP), quando no desempenho de funções de segurança pessoal a altas entidades nacionais ou estrangeiras.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-16 - Decreto-Lei 353-A/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.

  • Tem documento Em vigor 1991-06-07 - Decreto-Lei 204/91 - Ministério das Finanças

    Procede ao descongelamento de escalões dos funcionários e agentes da Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-16 - Decreto-Lei 397/91 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    ALTERA O REGIME JURÍDICO DAS FÉRIAS E DA LICENÇA SEM RETRIBUIÇÃO, TENDO EM CONTA AS EVOLUÇÕES DECORRENTES DA NEGOCIAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO E OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS NO ACORDO ECONÓMICO E SOCIAL DE 19 DE OUTURBRO DE 1990.

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto-Lei 61/92 - Ministério das Finanças

    Estabelece as regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras e dá execução a última fase do descongelamento de escalões prevista no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-18 - Decreto-Lei 404-A/98 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece as regras sobre o ingresso, acesso e progressão nas carreiras e categorias de regime geral da Administração Pública, bem como as respectivas escalas salariais. Este diploma aplica-se a todos os serviços e organismos da administração central e regional autónoma, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, bem como à administração local.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-10-15 - Acórdão 405/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 16.º, alínea b), 85.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 564/99, de 21 de Dezembro, e do mapa III constante do anexo II ao mesmo diploma, na medida em que permitem na carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.

  • Tem documento Em vigor 2005-10-14 - Acórdão 323/2005 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, na medida em que permite o recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade na categoria e na carreira, restringindo a respectiva produção de efeitos.

  • Tem documento Em vigor 2012-01-30 - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 1/2012 - Supremo Tribunal Administrativo

    Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: estando em causa, no âmbito da execução de sentença proferida numa acção de reconhecimento de direito, a prestação de quantias pecuniárias relativas a diferenças remuneratórias essa execução passa não só pelo pagamento dos montantes que são devidos, como pelo pagamento dos correspondentes juros moratórios, os quais são contados desde o momento em que as diferenças salariais a que o Exequente tem direito deveriam ter sido pagas.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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