Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2017
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1 - O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do artigo 278.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, diversas normas do decreto legislativo regional intitulado «Oitava alteração do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, que estabelece a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira» («Decreto»), aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira («ALRAM»), em 23 de fevereiro de 2017, e que lhe foi enviado para assinatura como decreto legislativo regional. O Decreto foi aprovado pela ALRAM sob invocação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e do artigo 37.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira («EPARAM»), nos termos dos quais aquela Assembleia Legislativa exerce a sua competência legislativa primária - sob a forma de decreto legislativo regional ex vi artigo 41.º, n.º 1, do mesmo Estatuto - no âmbito regional em matérias enunciadas no EPARAM e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.
Nos termos do requerimento do Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, é questionada a constitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, com referência à nova redação dada pelo seu artigo 1.º aos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, do artigo 48.º-A deste diploma, aditado pelo artigo 2.º do Decreto e, ainda, do artigo 5.º deste último, que dispõem o seguinte:
«Artigo 8.º
Entrada em vigor e produção efeitos
1 - ...
2 - ...
3 - O disposto no n.º 1 do artigo 46.º e n.º 1 do artigo 47.º da Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pelo presente decreto legislativo regional, tem natureza interpretativa e aplica-se aos exercícios económicos anteriores.
4 - ...»
Tais preceitos têm a seguinte redação (cf. o artigo 1.º do Decreto):
N.º 1 do artigo 46.º (com a epígrafe «Subvenção à atividade parlamentar»):
«Os grupos parlamentares e deputado único representante de um partido dispõem, para encargos de assessoria aos deputados, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, para atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, de uma subvenção anual»;
N.º 1 do artigo 47.º (com a epígrafe «Subvenção aos partidos»):
«A cada partido que haja concorrido a eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira, ainda que em coligação, e que nela obtenha representação é concedida uma subvenção anual, desde que requerida ao Presidente da Assembleia, que consiste numa quantia em dinheiro, fixada nos termos dos números seguintes, adequada às suas necessidades de organização e funcionamento».
«Artigo 2.º
Aditamento
São aditados ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.os 2/93/M, de 20 de fevereiro, 11/94/M, de 28 de abril, 10-A/2000/M, de 27 de abril, 14/2005/M, de 5 de agosto, 16/2012/M, de 13 de agosto, 10/2014/M, de 20 de agosto e 2/2015/M de 26 de janeiro os artigos 48.º-A e 50.º-A, com a seguinte redação:
"Artigo 48.º-A
Antigos Deputados
1 - Os Antigos Deputados que tenham exercido mandato de Deputado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, durante pelo menos quatro anos, têm direito a um cartão de identificação próprio, conforme anexo V do presente diploma.
2 - Os antigos Deputados a que se refere o número anterior têm, além de outros direitos e regalias que venham a ser fixados por despacho do Presidente da Assembleia, direito a livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa durante o período normal de funcionamento, o qual compreende a circulação e permanência nas instalações comuns e o direito de assistir às reuniões plenárias na galeria reservada aos convidados.
3 - As associações constituídas por antigos deputados que reflitam pluralidade partidária e democrática, desde que reconhecidas por maioria de dois terços do Plenário da ALM como revestidas de interesse parlamentar, podem beneficiar de apoio logístico à sua atividade.
4 - O apoio previsto no número anterior é concedido por despacho do Presidente da Assembleia, mediante requerimento dos interessados e sob proposta do Conselho de Administração, ouvido o Conselho Consultivo.
5 - Perde o estatuto de Antigo Deputado quem:
a) Não respeitar a dignidade da Assembleia Legislativa e de todos os que nela têm assento e não acatar a autoridade do Presidente da Assembleia.
b) Com a sua conduta desprestigiar os trabalhos da Assembleia Legislativa.
6 - A perda do estatuto de Antigo Deputado, nas circunstâncias referidas no número anterior, é declarada pelo Presidente da Assembleia Legislativa."»
«Artigo 5.º
Associações de interesse parlamentar
Para efeitos da aplicação do regime previsto nos números 3 e 4 do artigo 48.º-A é reconhecido à "Aedal-Ram - Associação dos Ex-Deputados da Alram" o estatuto de associação de interesse parlamentar.»
2 - Segundo o requerente, o regime jurídico constante destes preceitos do Decreto padece de diversos vícios de inconstitucionalidade.
2.1 - No que se refere ao artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, considera o requerente, desde logo, que está em causa matéria de financiamento de partidos políticos, para a qual as Assembleias Legislativas das regiões autónomas somente passaram a ter competência a partir da publicação da Lei 4/2017, de 16 de janeiro - que procedeu à sexta alteração à Lei 19/2003, de 20 de junho (diploma que regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) -, nomeadamente em consequência da nova redação dada ao artigo 5.º, n.º 8, da Lei de 2003:
«20 - Sendo pacificamente aceite que as regras respeitantes aos requisitos e limites do financiamento público dos partidos políticos, enquanto elementos nucleares do seu funcionamento, dos seus direitos e obrigações, à luz da preeminência que detêm no sistema constitucional, por imposição do princípio do Estado de direito e do princípio democrático, integram o âmbito da reserva absoluta de competência legislativa do Parlamento nacional, à luz do disposto nos artigos 51.º, n.º 6 e 164.º, alínea h) da Constituição.
21 - Terá sido, aliás, na decorrência deste entendimento que foi aprovado, em janeiro de 2017, o referido artigo 5.º, n.º 8 da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais que permite que as Assembleias Legislativas possam conceder subvenções anuais a cada partido que haja concorrido a ato eleitoral.
22 - Consequentemente, e estando em causa uma matéria - atribuição de subvenções a partidos - que não podia, até janeiro de 2017, ser concretizada pela Assembleias Legislativas, não pode esta, agora, pretender conferir "natureza interpretativa" ao disposto nos artigos 46.º e 47.º, como decorre do artigo 8.º, n.º 3 do Decreto em apreço.
23 - Questão de natureza idêntica, relativa à natureza interpretativa de uma norma da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, foi colocada, no passado, ao Tribunal Constitucional, tendo consequentemente sido proferido o Acórdão 801/2014.
24 - Nesse Acórdão 801/2014, o Tribunal Constitucional, suportando-se no Acórdão 535/2014, afirmou o seguinte:
"Como se disse no Acórdão 32/87 e se reafirmou nos Acórdãos n.º 372/91 e 139/92, deste Tribunal (todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), '... seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo 'legislador' - é algo que integra o próprio exercício da função normativa...', e por isso só tem legitimidade para tal interpretação - ou seja para impor a injunção nela contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio produzi-la. E nessa atividade o legislador parlamentar está sujeito às regras relativas à forma e ao procedimento que a temática legislativa exige para a sua criação."
25 - Consequentemente não pode a Assembleia Legislativa pretender conferir natureza interpretativa a uma norma - o artigo 47.º do Decreto em apreço - relativamente à qual não dispunha de competência até à aprovação da Lei 4/2017, de 16 de janeiro, pelo menos com efeitos reportados a momento anterior ao da entrada em vigor desta mesma Lei, o que violaria o disposto nos artigos 51.º, n.º 6 e 164.º, alínea h) da Constituição.»
Não obstante esta referência autónoma à interpretação autêntica do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação dada pelo Decreto, certo é que, além da referência conjunta aos artigos 46.º e 47.º do mesmo diploma feita no citado n.º 22 do requerimento, na conclusão deste é igualmente pedida a apreciação preventiva da constitucionalidade «da norma contida no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto em apreço, por violação dos artigos [...] 51.º, n.º 6, e 164.º, alínea h), 227.º, n.º 1, alínea a) e 228.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Ou seja, a inconstitucionalidade orgânica é imputada ao artigo 8.º, n.º 3, no seu todo, sem diferenciar a sua articulação com o artigo 46.º, n.º 1, ou com o artigo 47.º, n.º 1.
O requerente invoca ainda a inconstitucionalidade material deste preceito, agora por violação do princípio da legalidade, na sua dimensão de precisão ou determinabilidade das leis, ancorado no artigo 2.º da Constituição, em virtude de o mesmo determinar a sua aplicação «aos exercícios económicos anteriores», sem que se precise quais os exercícios concretamente em causa:
«27 - Sem prejuízo de se saber que não pode ser conferida, à norma em apreço, "natureza interpretativa" fica igualmente por determinar a que "exercícios económicos anteriores" é que esta se refere.
28 - Sendo legítimo interrogarmo-nos, de forma exemplificativa, se está em causa o ano económico transato, os anos decorridos desde o início da legislatura ou até, por absurdo, os últimos dez ou quinze anos.
29 - Aqui suscita-se o princípio da precisão ou determinabilidade das leis, não tendo o artigo 8.º, n.º 3, o requisito da clareza e densidade suficiente para oferecer uma medida jurídica capaz de constituir uma norma de atuação para a administração, impossibilitando também o controlo e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
30 - Pelo que a não descrição suficientemente precisa dos "exercícios económicos anteriores", a que se refere o artigo 8.º, n.º 3, traduz uma violação do princípio da legalidade e, em particular, do princípio da precisão ou determinabilidade das leis, violando o disposto no artigo 2.º da Constituição.»
2.2 - No que se refere ao artigo 48.º-A aditado ao regime orgânico da ALRAM constante do Decreto Legislativo Regional 24/89/M pelo artigo 2.º do Decreto, considera o requerente que a criação do estatuto de «antigo deputado» na Região Autónoma da Madeira, se desdobra num conteúdo normativo tripartido: «(i) o estatuto do "antigo deputado", disciplinando o inerente conjunto de direitos e regalias, e possibilidade de atribuição de outros não expressamente previstos; (ii) o regime das associações de "antigos deputados", enquanto associações de interesse parlamentar, incluindo a possibilidade de atribuição de benefícios; e (iii) regras relativas à perda de estatuto de "antigo deputado", incluindo seus deveres e competência para a determinação da mesma perda» (n.º 31). Tal regime reveste um caráter inovador, uma vez que nem o EPARAM, nem o regime orgânico da ALRAM contemplam a figura do "antigo deputado". De resto, a mesma não encontra acolhimento em qualquer diploma regional.
Quanto ao próprio estatuto do "antigo deputado", o requerente, depois de assinalar a «considerável similitude» das figuras do antigo deputado e suas associações introduzidas pelo Decreto e as figuras homónimas consagradas no artigo 28.º do Estatuto dos Deputados (à Assembleia da República), aprovado pela Lei 7/93, de 1 de março ("EDepAR"), questiona se o mesmo corresponde a matéria «aberta ao legislador regional, ou se, pelo contrário, não está reservada aos órgãos de soberania, com a consequente proibição constitucional de ser editada legislação regional a este respeito (artigo 227.º, n.º 1 da Constituição)» (n.os 34 e 35):
«36 - O estatuto dos deputados constitui matéria da reserva absoluta da Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo 164.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa. Esta norma vai mais longe, reservando ao Parlamento (de forma absoluta) não apenas o "estatuto dos titulares dos órgãos de soberania", como também o estatuto dos titulares dos órgãos "do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio direto e universal".
37 - As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas preenchem esta dupla qualificação: são órgãos constitucionais, na medida em que a sua existência, estatuto e competências resultam imediatamente da Constituição (sem prejuízo de compleição a jusante, pelos estatutos político-administrativos respetivos); e são órgãos cujos titulares são eleitos por sufrágio universal e direto.»
Daí que, para o requerente, não só as Assembleias Legislativas das regiões autónomas devam estar abrangidas pela parte final do artigo 164.º, alínea m), da Constituição, como é «absolutamente inequívoco [...que] o estatuto dos deputados às Assembleias Legislativas Regionais é matéria de estatuto político-administrativo e, por consequência, matéria absolutamente reservada à competência legislativa da Assembleia da República, por força do disposto no artigo 161.º, alínea b) da Constituição» (n.º 39) e, como tal, «matéria absolutamente reservada à competência legislativa da Assembleia da República» (n.º 41).
Por outro lado, sustenta também o requerente não poder defender-se, in casu, que a normação relativa aos "antigos deputados" regionais esteja abrangida pela equiparação constante do artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM, que pretende «uma equiparação estatutária em termos de direitos, regalias e imunidades, entre os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e os Deputados à Assembleia da República. Assim, quaisquer direitos, regalias ou imunidades que não se encontrem previstos no EPARAM para os deputados regionais, mas que estejam consagrados no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República ou na Constituição para estes últimos, serão extensíveis aos primeiros» (n.os 42 e 43). Contudo, o requerente defende:
«44 - Não parece [...] que tal extensão possa aplicar-se ao próprio estatuto de "antigo deputado". O "antigo deputado" é uma figura a se, até hoje sem correspondência no EPARAM. Caso ela já existisse, poderia considerar-se a possibilidade de uma "equiparação", nos termos em que se encontra disposto para os deputados em funções. Porém, para que qualquer equiparação possa operar, é necessário que ambos os normativos em relação contemplem a figura ou o estatuto cuja equiparação se pretenda fazer ocorrer. O que não é o caso, pois a figura do "antigo deputado" existe apenas no Estatuto dos Deputados e não no EPARAM».
O requerente defende ainda que, embora a aquisição do estatuto de "antigo deputado" possa ser tida como um «direito dos deputados em sentido próprio ou efetivo», tal não é suficiente para fazer operar a extensão por via da equiparação prevista no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM. Com efeito, o estatuto em causa permite ao respetivo titular beneficiar de alguns direitos e regalias que são típicos dos deputados em funções quando deixam de o ser, «o que não deixa de ser politicamente relevante e com implicações no funcionamento do próprio órgão» (n.os 45 e 46). Sustenta, por isso, que o estatuto de "antigo deputado" introduzido pelo Decreto «não pode consistir num resultado da equiparação constante do artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM».
Assim, para o requerente, o disposto no artigo 2.º do Decreto, na parte em que adita o artigo 48.º-A ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, sob a epígrafe «Antigos deputados», é inconstitucional, por invasão da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 161.º, n.º 1, alínea b), e 164.º, alínea m), da Constituição.
O regime das associações de "antigos deputados" previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A em análise é objeto de autónoma atenção por parte do requerente, que suscita a sua inconstitucionalidade:
«51 - Na verdade, a matéria das associações de "antigos deputados", nos termos em que se encontra regulada no artigo 48.º-A, n.º 3 do Decreto em apreço - necessidade da pluralidade partidária, do reconhecimento do "interesse parlamentar" por maioria de dois terços do plenário da Assembleia Legislativa, e, enfim, a possibilidade de as mesmas beneficiarem de apoio logístico e financeiro à sua atividade, a conceder por despacho do Presidente da Assembleia - integra o próprio estatuto do "antigo deputado".
52 - Nestes termos, também na parte em que dispõe sobre o regime das associações de "antigos deputados" o artigo 2.º do Decreto em causa, ao introduzir o regime do artigo 48.º-A no Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, é inconstitucional por invasão da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 161.º, alínea b), e 164.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa.»
Por outro lado, mesmo colocando a hipótese de tais associações de "antigos deputados" poderem ser qualificadas como "associações políticas", entende o requerente que as mesmas serão sempre, pelo menos, manifestações da liberdade de associação, garantida pelo artigo 46.º da Constituição. Nesse sentido, a introdução, pelo Decreto, de uma «disciplina geral quanto a um certo tipo de associação, no âmbito de direitos, liberdades e garantias» interferiria sempre com a reserva relativa de competência da Assembleia da República (n.os 53 e 54). Por isso, não podendo sequer haver autorização legislativa, nesta matéria, às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, o requerente conclui pela inconstitucionalidade de tal regime, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, da Constituição.
Finalmente, em relação à perda do estatuto de "antigo deputado", considera o requerente que a sua previsão, nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A - um regime «claramente de natureza sancionatória» (n.º 61) -, enferma adicional e especificamente de dois outros vícios: por um lado, inconstitucionalidade material, decorrente da violação do «direito ao procedimento equitativo», «um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente protegido por via da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa» (tendo em conta a sua consagração nos artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem) (n.os 63, 64, 67 e 68), e, bem assim, por constituir «uma restrição arbitrária a esse direito fundamental, violando-se, portanto, também, os artigos 2.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição (n.º 69); e, por outro, inconstitucionalidade orgânica, já que a matéria dos direitos, liberdades e garantias «se encontra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sem possibilidade sequer de autorização às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas (artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa» (n.º 70).
2.3 - Estabelecida a inconstitucionalidade do regime jurídico das associações de "antigos deputados" constante do artigo 48.º-A, nos termos do artigo 2.º do Decreto, o requerente conclui, também, pela inconstitucionalidade (consequente) da norma contida no artigo 5.º do mesmo Decreto, a qual reconhece à "Aedal-Ram - Associação dos Ex-Deputados da Alram", o estatuto de associação de interesse parlamentar (n.º 56.º).
3 - A ALRAM, na pronúncia ao abrigo do artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (a Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante também referida como "LTC"), sustenta que o Tribunal não deve pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas objeto do requerimento apresentado pelo Representante da República para a Região Autónoma da Madeira.
3.1 - No que se refere ao artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, a ALRAM confirma ser objetivo primacial do Decreto «materializar a alteração efetuada pela Lei 4/2017, de 16 de janeiro, ao artigo 5.º da Lei 19/2003, de 20 de junho», mas sublinha, tendo em conta os argumentos mobilizados pelo requerente para fundamentar a invocação da inconstitucionalidade de tal preceito, ser necessário «distinguir as alterações efetuadas [pelo Decreto] ao artigo 46.º das efetuadas ao artigo 47.º» do Decreto Legislativo Regional 24/89/M (n.os 1 e 2 da pronúncia).
Assim, com base na jurisprudência do Acórdão 376/2005, considera o órgão autor da norma:
«[4 - A] competência para legislar sobre a matéria a que alude o artigo 46.º do decreto em apreciação [- matéria atualmente contemplada no n.º 4 do artigo 5.º da Lei 19/2003 -] não radica [todavia, nesse preceito legal], pois relativamente a subvenções à atividade parlamentar, stricto sensu, os parlamentos podem legislar direta e imediatamente com suporte na matriz conceptual dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
5 - Pois na verdade é a própria Constituição que, ao instituir os parlamentos regionais os habilita, desde logo, com os poderes de autoconformação necessários ao cumprimento da respetiva atividade e de harmonia com o seu estatuto constitucional.
6 - Desta forma, a conformidade constitucional das normas contidas no artigo 46.º do presente Decreto exige apenas que estas não desviem a afetação das verbas relativas à atividade dos grupos e representações de partido, a fins que não sejam os previstos no referenciado n.º 4 do artigo 5.º da LFP [- isto é, da citada Lei 19/2003 -], desiderato alcançado pelo presente Decreto, como se pode alcançar da simetria entre o disposto no n.º 1 do referido art. 46.º e o n.º 4 do artigo 5.º da LFP.»
Já quanto às alterações aprovadas ao mencionado artigo 47.º, importa analisar os trabalhos preparatórios do Decreto e a articulação dos mesmos com a citada Lei 4/2017. Com efeito, o projeto de decreto legislativo regional que está na origem da aprovação do Decreto foi apresentado em 28 de março de 2016 e, na sequência da publicação daquela Lei, surgiram diversas propostas de alteração ao projeto inicial, tendo em vista acomodar as alterações introduzidas pela mesma Lei em matéria de financiamento dos partidos políticos e do controlo das respetivas contas (n.os 14 e 15). Deste modo, «as alterações ao artigo 47.º aprovadas em sede de discussão em especialidade, correspondem e sucedem às preocupações e ao propósito do legislador nacional impressas na redação conferida pela Lei 4/2017 ao n.º 8 do artigo 5.º» da Lei 19/2003 (n.º 16).
Tal propósito, no entender da ALRAM, foi o de conferir ao legislador regional competência para proceder a uma alteração do tipo da que se consagra no artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a possibilidade de atribuir efeitos interpretativos a tal alteração até, pelo menos, 2014. Em defesa desta posição, e contrariando a tese sustentada pelo requerente, são invocados os seguintes argumentos:
«[17 - A] Lei 4/2017, de 16 de janeiro [- que, entre outras disposições, veio dar nova redação ao n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003, de 20 de junho -], tem no [respetivo] artigo 5.º, sob a epígrafe "Efeitos Jurídicos", a seguinte estipulação, "Aplica-se à presente lei o disposto no artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril", o qual, por seu turno, sobre [sic] idêntica epígrafe dispõe, "Para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes." (sublinhado nosso)
18 - Ou seja, o n.º 8 do artigo 5.º da LFP [- isto é, a Lei 19/2003 -] produz efeitos reportados ao exercício económico de 2014, o que, se desde logo contraria o entendimento de que, "a atribuição de subvenções a partidos não podia até janeiro de 2017 ser concretizada pela assembleia legislativa" [- cf. o n.º 22 do requerimento do Representante da República para a Região Autónoma da Madeira -], por maioria de razão constitui elemento interpretativo que não permite concluir que, de todo em todo, fique "por determinar a que exercícios económicos anteriores é que esta [norma] se refere" [- cf. o n.º 27 do mesmo requerimento].
19 - Desta forma, o legislador regional tem competência para proceder à presente alteração, por via do n.º 8 do artigo 5.º da LFP (já em vigor à data da respetiva aprovação) e tem legitimidade para atribuir efeitos interpretativos a tais alterações reportados seguramente a 2014, pelo que não se verifica violação do princípio da legalidade, havendo, quanto muito que proceder à interpretação do preceito contido no n.º 3 do artigo 8.º [do Decreto] em conformidade com o referido artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, ex vi artigo 5.º da Lei 4/2017.»
3.2 - No que se refere ao artigo 48.º-A aditado ao regime orgânico da ALRAM constante do Decreto Legislativo Regional 24/89/M pelo artigo 2.º do Decreto, a ALRAM entende ser necessário começar por aferir se se trata de matéria incluída na reserva de estatuto constante das disposições combinadas dos artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.º 1, 231.º, n.º 7, e 117.º, todos da Constituição (n.os 21 e 22).
Com efeito, tal reserva integra apenas o «núcleo essencial desse estatuto» (cf. declaração de voto do Conselheiro António Vitorino, aposta ao Acórdão 92/92, citada no n.º 24), o que significa que basta que, nos estatutos político-administrativos, «se definam as grandes linhas base ou os critérios de fixação [de tais matérias], quer definindo-os expressamente, quer por intermédio de remissão para outros vigentes estatutos, podendo, por isso, e em nome da autonomia política, administrativa, orçamental e financeira das Regiões, intervir as respetivas assembleias legislativas no sentido de complementarem as ditas linhas ou critérios, respeitado que seja o núcleo essencial que nelas ou neles se contêm» (cf. declaração de voto do Conselheiro Bravo Serra anexa ao Acórdão 637/95, citada no n.º 25). Assim, respeitado tal núcleo essencial, nada impede que os estatutos - que não podem "delegar" essa matéria em decreto regional - sejam "regulamentados" por diploma regional.
Seguidamente, a ALRAM analisa se as concretas normas em causa do artigo 48.º-A do Decreto são subsumíveis «ao direito fundamental e estatutário, de harmonia com o enquadramento aí definido» (n.º 26), concluindo negativamente:
«47 - [O] facto de o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República conter regras aplicáveis aos antigos deputados não determina, de per se, que tal matéria integre o acervo estatutário a que a jurisprudência supra citada tem vindo a apelidar de "núcleo essencial" do Estatuto dos titulares de cargos políticos, tal como este se contra constitucionalmente consagrado no artigo 117.º, da Lei Fundamental».
48 - Por esta razão, não há também que compaginar a aludida equiparação prevista no n.º 8 do artigo 24 do EPARAM, nem pode ou deve, relativamente às normas aprovadas pelo presente Decreto, falar-se com propriedade dum "Estatuto de Antigo Deputado", embora a expressão se encontre efetivamente grafada no artigo 48.º-A.»
Procedendo à análise detalhada do artigo 48.º-A do Decreto, entende a ALRAM:
«27 - Estamos [...] na presença de uma norma que, em concreto, confere a quem tenha exercido pelo período mínimo de quatro anos o mandato de deputado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, os seguintes direitos, (cartão de identificação próprio, previsto no n.º 1), bem como (ii) e (iii) livre trânsito e assistência às reuniões plenárias, ambos nas condições especificadas no n.º 2.
28 - Nos termos do referido n.º 2 do preceito, a livre circulação só opera no edifício da Assembleia legislativa (e não nos demais edifícios onde se encontram instalados serviços de apoio da ALM ou dos partidos com assento parlamentar) e mostra-se restrita às instalações comuns e ao período normal de funcionamento da Assembleia. Por outro lado, a assistência às reuniões plenárias pode ocorrer nos assentos reservados aos convidados.
29 - Ora, a verdade é que todas as descritas "regalias" podem ocorrer com qualquer outro visitante autorizado, sendo aqui diferente, apenas o estabelecimento duma autorização prévia e genérica, ao invés da habitual autorização pontual e concreta, pelo que estamos, na verdade perante situações habituais e que ocorrem com toda a normalidade relativamente a qualquer visitante deste parlamento, sendo esta uma matéria que bem pode, aliás, ser objeto do regulamento interno da ALM.
30 - Desta forma, estamos em crer que não é razoável considerar o acervo de normas em causa "politicamente relevante e com implicações no funcionamento do próprio órgão" pois nos termos estipulados, os antigos deputados em nada ficam habilitados a qualquer intervenção nova ou acrescida, que diga respeito ao exercício da atividade política parlamentar.
31 - Embora imbuído de um assumido reconhecimento público pelo pretérito exercício do cargo político, o legislador mais não fez do que agraciar os antigos titulares do cargo de deputado com a distinção dum acolhimento privilegiado em relação ao visitante comum, mas desacompanhado de quaisquer benefícios tangíveis suplementares.»
Daí que, segundo o órgão autor da norma: (i) ao invés do que sucede no EDepAR, não se atribui um «cartão de deputado próprio», e sim um «cartão de identificação próprio»; e (ii) «os direitos e regalias previstos no n.º 3 [do artigo 28.º do EDepAR], são fixados por mero despacho do Presidente da Assembleia da República» (n.º 32).
A propósito do conteúdo material do estatuto dos titulares de cargos políticos previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 48.º-A, entende a ALRAM:
«34 - [Importa partir dos direitos relevantes nesta sede, sendo esclarecedoras as considerações de] Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação VIII ao artigo 117.º da CRP:
"Os direitos que a constituição tem em vista nesta sede - «estatuto dos titulares de cargos políticos» - são os direitos relacionados com a qualidade de órgãos e titulares do órgão político. A articulação de um mandato ou cargo político com os respetivos órgãos é o fundamento da existência de direitos estatutários que pertencem aos titulares de cargos ou mandatos. Não se trata, porém, de direitos típicos do estatuto de funcionário (carreira, progressão na carreira, estabilidade) mas de direitos conexionados, desde logo, com o estatuto jurídico constitucionalmente garantido do cargo político. Dentre estes direitos incluem-se os chamados poderes jurídico-funcionais (cf. por exemplo, o artigo 156.º referente aos "poderes de deputados") e direitos pessoais (direitos referentes a vencimentos, garantias de regresso às respetivas funções sem prejuízo de segurança social, promoção, antiguidade, direito à compensação pelas desvantagens resultantes do exercício do cargo) e as chamadas regalias reconduzíveis a privilégios ou benefícios justificados pelo exercício pleno do cargo ou mandato ou pela sua dignidade político-constitucional (adiamento do serviço militar, livre trânsito e passaporte especial, cartão especial de identificação, abonos complementares, ajudas de custo).
As regalias estão estritamente ligadas ao exercício do cargo (...)" - Constituição da República Portuguesa Anotada - Coimbra Editora (sublinhados nossos)
35 - Estamos assim em crer que, não sendo os antigos deputados titulares dos deveres, responsabilidades, incompatibilidades e imunidades a que alude o artigo [117.º], n.º 2 da CRP e sendo os direitos e regalias ali referidos inerentes ao exercício do cargo, naturalmente que toda e qualquer regalia ou benefício atribuído a quem já não o exerce nem e seu titular, não se encontram circunscritos ao "núcleo essencial" da credencial estatutária.
36 - Razão pela qual as normas em causa não se encontram feridas de inconstitucionalidade em virtude da indicada violação do disposto nos artigos 161.º, alínea b) e 164, alínea m) (esta última, aliás, inaplicável por se lhe sobrepor o bloco normativo habilitante composto pelos artigos 161.º, al. b), 226.º, n.º 1 e 231.º, n.º 7, todos da CRP).»
Especificamente no que se refere às associações de antigos deputados - n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A -, considera a ALRAM valerem as mesmas considerações, «já que tais entidades constituem uma extensão (coletiva) da dimensão do pretérito exercício da atividade política parlamentar» (n.º 37).
«38 - Desde logo e uma vez mais, os direitos e regalias previstos na disposição congénere, contida no n.º 3 do referido artigo 28.º do Estatuto dos Deputados e a atribuir a estas associações, são fixados por mero despacho do Presidente da Assembleia da República, descaraterizando tal matéria da índole estatutária e paramétrica.
39 - Por outro lado, com o devido respeito, as considerações tecidas nos pontos 53. a 56. do [requerimento] apresentado afiguram-se desproporcionais ao teor da disposição sob escrutínio, pois resulta evidenciado pela análise das disposições contidas nos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A, que estes preceitos não "introduzem uma disciplina geral quanto a um certo tipo de associação".
40 - Registe-se que o legislador não institui em que termos os antigos deputados se constituem em associação, apenas disciplina em que termos e condições a instituição parlamentar pode vir a conceder determinado tipo de apoios a associações previamente constituídas, disciplina essa que não só pode, como aliás deve estabelecer, a bem da transparência e da boa gestão, face à exiguidade dos dinheiros públicos.
41 - Desta feita, não se vislumbra em que medida a norma legisle sobre "direitos, liberdades e garantias", nomeadamente, em matéria de liberdade de associação, nos termos em que a mesma vem configurada no artigo 46.º da CRP (que aliás nem é invocado).
42 - Nesta matéria, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotações àquele preceito da Constituição, deve ter-se em conta que a proteção constitucional abrange apenas a não ingerência do Estado quanto à criação, organização e vida interna de associações e não propriamente uma função de garantia da aquisição de personalidade jurídica.
43 - Assim sendo, e para o efeito das considerações tecidas a este propósito, não é concebível que a realização de objetivos das associações dependa da concessão de quaisquer apoios por ente público, nem que tais apoios constituam requisito da sua constituição.
44 - Tanto assim é, que a "Aedal-Ram - Associação dos Ex-Deputados da Alram", validamente constituída em 22 de julho de 2015 se encontrava em plena atividade até ser reconhecido o seu interesse parlamentar por via do artigo 5.º do presente Decreto e prosseguirá tal atividade independentemente do mesmo.
45 - Haverá pois que concluir que os requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 48.º-A para a concessão dos apoios a associações com interesse parlamentar não constituem exigências legais relativas à aquisição da personalidade jurídica deste tipo de associações nem do seu válido funcionamento, pelo que em nada beliscam a proteção constitucional ao direito de associação.»
Sem prejuízo de entender que a expressão "estatuto" utilizada nos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A «favorece o entendimento perfilhado no requerimento», considera a ALRAM que «vale, mutatis mutandis, a precedente argumentação relativamente ao conteúdo essencial da credenciação estatutária» (n.º 49), «sendo que o [conteúdo daqueles dois números] apenas permite traduzi-los como normas atinentes ao correto, estável e eficaz funcionamento da atividade interna do parlamento e relativamente a atividades nas quais os visados não intervêm nem podem intervir» (n.º 50).
«51 - [T]ais disposições não assumem a relevância de um regime e muito menos estatuto atribuível a antigo deputado ou qualquer outra figura com relevo parlamentar.
52 - Dos referidos preceitos apenas resulta que os antigos deputados passam a beneficiar de um mero "tratamento preferencial" e em aspetos menores em tudo idênticos aos que já resultam do regulamento interno e aplicáveis a qualquer outro visitante que aceda, circule, permaneça e interaja no interior das instalações do parlamento regional, sendo esta circunstância relevante para a apreciação da mens legis subjacente à aprovação do artigo 48.º-A.
53 - No que diz respeito à organização e funcionamento da assembleia Regional, o Estatuto político-administrativo da Região Autónoma da Madeira concede à ALM competência para elaborar o seu próprio Regimento (artigo 49.º, al. a).
54 - Por seu turno, em desenvolvimento da referida habilitação, o Regimento estipula que o Presidente da Assembleia "exerce autoridade sobre todos os funcionário e agentes e sobre as forças de segurança postas ao serviço da Assembleia Legislativa" (artigo 78, n.º 1) e é competente para "assegurar a ordem e disciplina, bem como a segurança da Assembleia Legislativa, podendo para isso requisitar e usar os meio necessários, tomando as medidas que entender convenientes." (artigo 22.º, al. k).
57 - A perda de benefícios [prevista no n.º 5 do artigo 48.º-A] resume-se - é bom recordar - à restituição do cartão de identificação atribuído e à subsequente submissão do visado às regras gerais vigentes sobre acesso e circulação no interior das instalações e sobre a assistência às reuniões plenárias. [...]
61 - [Assim], não há lugar à configuração de qualquer procedimento, nomeadamente de natureza sancionatória, que deva impor-se às decisões que o Presidente haja de tomar, relativamente a condutas que não respeitem a dignidade da Assembleia Legislativa e de todos os que nela têm assento, não acatem a sua autoridade enquanto Presidente ou desprestigiem os trabalhos desta Assembleia, pelo que inexiste violação do direito fundamental ao procedimento equitativo nas descritas circunstâncias.»
3.3 - Concluindo que os requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 48.º-A para a concessão dos apoios a associações com interesse parlamentar não constituem exigências legais relativas à aquisição da personalidade jurídica deste tipo de associações nem do seu válido funcionamento - pelo que em nada beliscam a proteção constitucional do direito de associação -, entende a ALRAM que idêntica conclusão se impõe retirar quanto ao artigo 5.º do Decreto, «uma vez que o Plenário, após aprovar a norma definidora da competência, passa a exercer essa mesma competência nos exatos termos pré-definidos» (n.º 46).
4 - Foi discutido em Plenário o memorando apresentado pelo relator e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 59.º da LTC, cumprindo agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.
II. Fundamentação
A) Delimitação do objeto do pedido: as normas a apreciar e as questões de inconstitucionalidade suscitadas
5 - O pedido reporta-se à apreciação da inconstitucionalidade das seguintes normas:
A norma do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, que se reporta aos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, com a redação dada pelo próprio Decreto, por violação dos artigos 51.º, n.º 6, e 164.º, alínea h), 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Constituição e, ainda, por violação do artigo 2.º do mesmo normativo;
A norma contida no artigo 2.º do Decreto, na parte em que adita o artigo 48.º-A ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, em matéria de estatuto dos "antigos deputados", suas associações e regime de perda do estatuto de "antigo deputado", por violação do disposto nos artigos 2.º, 16.º, n.º 1, 18.º, n.os 2 e 3, 161.º, alínea b), e 164.º, alínea m), 165.º, n.º 1, alínea b), 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Constituição;
E, em consequência da invocada inconstitucionalidade quanto às associações de "antigos deputados" previstas no citado artigo 48.º-A, a norma contida no artigo 5.º do Decreto, que reconhece o estatuto de associação de interesse parlamentar a uma associação de "antigos deputados", por violação das mesmas disposições constitucionais violadas pelo estabelecimento do regime das associações de "antigos deputados".
A apreciação da inconstitucionalidade destas normas implica a análise de diferentes questões de inconstitucionalidade, em função dos parâmetros concretamente invocados. Seguir-se-á a ordem indicada pelo requerente, exceto nos casos em que a relação de interdependência entre as questões justifique uma alteração. Assim, o Tribunal procederá à apreciação das seguintes questões:
i) A inconstitucionalidade orgânica do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto;
ii) Na medida em que não tenha ficado prejudicada, a inconstitucionalidade material do mesmo preceito;
iii) A inconstitucionalidade orgânica do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, que cria o estatuto do "antigo deputado";
iv) Na medida em que não tenha ficado prejudicada, a inconstitucionalidade orgânica dos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, respeitantes às associações constituídas por antigos deputados;
v) A inconstitucionalidade consequente do artigo 5.º do Decreto (reconhecimento a uma dada associação do estatuto de associação de interesse parlamentar, para efeitos de aplicação do disposto nos n.os 3 e 4 do citado artigo 48.º-A);
vi) Na medida em que não tenha ficado prejudicada, a inconstitucionalidade orgânica dos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, respeitantes à perda do estatuto de "antigo deputado";
vii) Na medida em que não tenha ficado prejudicada, a inconstitucionalidade material dos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto.
B) A inconstitucionalidade orgânica do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto
6 - O artigo 8.º, n.º 3, do Decreto vem atribuir natureza interpretativa ao disposto no n.º 1 do artigo 46.º e no n.º 1 do artigo 47.º da estrutura orgânica da ALRAM constante do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação dada pelo próprio Decreto.
A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: este visa ou declara pretender apenas fixar o sentido de um ato normativo anterior, mas, por ser de valor igual ao do ato interpretando, determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. A interpretação fixada pelo autor da lei interpretativa - a chamada "interpretação autêntica" - «vale com a força inerente à nova manifestação de vontade» do respetivo autor (cf. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 177). Daí a consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil). Aliás, o legislador pode declarar interpretativa certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição é na realidade inovadora, tratando-se em tais casos de um disfarce de retroatividade dessa lei. E, «quando não existe norma de hierarquia superior que proíba a retroatividade, tal qualificação do legislador deve ser aceite para efeito de dar a tal disposição um efeito equivalente ao de uma lei interpretativa, nos termos do artigo 13.º [do Código Civil]» (v. Autor cit., ibidem, p. 245).
Da integração da lei interpretativa na lei interpretada decorre, naturalmente, e conforme tem sustentado a jurisprudência deste Tribunal que, «seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo 'legislador' - é algo que integra o próprio exercício da função normativa...", e por isso só tem legitimidade para tal interpretação - ou seja para impor a injunção nela contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio produzi-la. E nessa atividade o legislador parlamentar está sujeito às regras relativas à forma e ao procedimento que a temática legislativa exige para a sua criação» (v. o Acórdão 801/2014, acessível, como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, e as referências jurisprudenciais que aí são feitas).
No caso em apreço, verifica-se que a declaração expressa do caráter interpretativo dos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação dada pelo Decreto, feita no artigo 8.º, n.º 3, deste último diploma, visa exclusivamente projetar os seus efeitos para o passado; para o futuro, são diretamente aplicáveis os citados artigos, com a nova redação. Tal decorre tanto da determinação de as mesmas disposições se aplicarem «aos exercícios económicos anteriores» (artigo 8.º, n.º 3, in fine, do Decreto), como da regra estabelecida quanto ao início de vigência do Decreto (o «dia seguinte ao da sua publicação», segundo o n.º 1 do respetivo artigo 8.º). Por outras palavras, em (mais uma) derrogação à regra geral da produção de efeitos do Decreto, dependente da respetiva entrada em vigor conforme previsto no n.º 1 do artigo 8.º, o n.º 3 desse artigo estatui que a nova redação dada ao n.º 1 dos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M vale, também, para os exercícios económicos anteriores ao de 2017 - que é aquele em que o Decreto tem o seu início de vigência.
Esta distinção quanto ao âmbito de aplicação temporal de cada um dos preceitos considerados - artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, por um lado, e artigo 8.º, n.º 3, por outro - é importante, uma vez que o pedido apenas tem por objeto esta última disposição do Decreto, e não, diretamente, a nova redação dada pelo Decreto ao n.º 1, seja do artigo 46.º, seja do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M. Assim, e como resulta do entendimento assumido nos n.os 21 e 22 do requerimento de fiscalização, importa indagar se, em exercícios económicos anteriores ao do ano de 2017, a ALRAM podia atribuir subvenções do tipo daquelas que se encontram previstas nos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do citado Decreto Legislativo Regional, com a redação que lhes foi dada pelo Decreto, pois que, como mencionado, «só tem legitimidade para [fazer uma interpretação autêntica] - ou seja para impor a injunção nela contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio produzi-la».
Sublinhe-se que, assumindo tratar-se de figuras autónomas - daí a respetiva previsão em dois preceitos diferentes -, está em causa exclusivamente o tipo de subvenção a atribuir de acordo com o n.º 1 dos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, e não já os critérios de atribuição, a fórmula do respetivo cálculo, a responsabilidade pelo seu financiamento ou o modo e regularidade do seu processamento - matérias que são objeto de disciplina nos números seguintes daqueles mesmos preceitos.
Deste modo, o alcance imediato da interpretação autêntica operada pelo artigo 8.º, n.º 3, do Decreto é o de remover eventuais dúvidas quanto à legitimidade de subvenções já atribuídas, na vigência do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, e até 31 de dezembro de 2016 - último dia do último exercício económico anterior àquele que se localiza no âmbito de aplicação temporal dos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a nova redação dada pelo Decreto -, a título de apoio à atividade parlamentar dos grupos parlamentares e dos deputados (artigo 46.º, n.º 1, com a redação dada pelo Decreto) ou a título de apoio aos próprios partidos e, portanto, destinadas à atividade partidária fora do quadro da sua representação parlamentar (artigo 47.º, n.º 1, com a redação dada pelo Decreto).
Quanto às subvenções a atribuir futuramente, isto é, depois da entrada em vigor do Decreto, as mesmas são naturalmente reguladas pelos citados artigos 46.º e 47.º, com a nova redação.
7 - Estes dois artigos, com a redação dada pelo Decreto, têm como epígrafes, respetivamente, «Subvenção à atividade parlamentar» e «Subvenção aos partidos». Estas epígrafes, só por si, indiciam alguma correspondência com as versões anteriores dos mesmos preceitos e, consequentemente, uma ideia de continuidade. Com efeito, a epígrafe do artigo 47.º vem já da redação originária do Decreto Legislativo Regional 24/89/M. A epígrafe do artigo 46.º foi alterada pelo Decreto, mas, desde a redação originária do referido Decreto Legislativo Regional, tem estado relacionada com a atividade parlamentar: «Gabinetes dos grupos parlamentares» (Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro) e «Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares» (Decreto Legislativo Regional 2/93/M, de 20 de fevereiro).
As mesmas epígrafes inculcam, por outro lado, e conforme já sublinhado, que estão em causa subvenções de tipo diferente: subvenções atribuídas em vista da atividade parlamentar, nomeadamente aos grupos parlamentares e aos deputados (artigo 46.º), e subvenções destinadas aos próprios partidos políticos, sem qualquer conexão com a sua atuação no quadro da representação parlamentar (artigo 47.º).
Porém, como a jurisprudência constitucional tem evidenciado, com particular destaque para os Acórdãos n.os 376/2005 e 26/2009, é imprescindível olhar além das epígrafes e analisar a função e conformação das subvenções ou apoios financeiros concretamente em causa, em ordem a determinar se material e teleologicamente se trata de financiamento, imediato ou mediato, dos partidos políticos ou de apoio financeiro aos grupos parlamentares e aos deputados. Na esteira do direito comparado e da doutrina, e na sequência da análise do direito positivo português, tem o Tribunal considerado existir uma diferença qualitativa e constitucionalmente relevante entre esses dois tipos de subvenções, a qual, não obstante o nomen iuris ou as epígrafes das disposições que as preveem, se pode projetar em diferentes juízos de inconstitucionalidade.
Assim, por exemplo, o primeiro dos citados arestos entendeu que, não obstante a epígrafe do artigo 47.º («Subvenção aos partidos»), tal preceito, na versão então apreciada - e que veio a ser consagrada pelo Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, de 5 de agosto -, atento o modo como se definia normativamente «a vinculação-afetação dos valores aí disponibilizados às representações parlamentares [,] apenas pode conduzir à conclusão de que se trata aqui [...] de um financiamento em prol da atividade da Assembleia Legislativa que ao assumir os encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos parlamentares está a disciplinar as condições materiais do seu financiamento e não, tout court, a subvencionar os partidos qua tale» (G.2.6). E, por isso, o Tribunal não se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma.
Ao invés, no Acórdão 26/2009, perante uma intencionada modificação do artigo 46.º - que abrangia a respetiva epígrafe, a qual passaria a ser «Gabinetes dos Partidos na Assembleia» -, entendeu o Tribunal que a subvenção devida aos grupos parlamentares, de acordo com as alterações projetadas, «deixa de estar incindivelmente afeta ao exercício da atividade parlamentar, para passar a encontrar nesta, tão-somente, a sua fonte criadora, isto é, o respetivo critério ou pressuposto legal de atribuição [não podendo, pois, deixar de se retirar] a conclusão de que se trata de um financiamento à atividade partidária e independente do concreto exercício da atividade parlamentar [...]» (8.6.). Em conformidade, o Tribunal acabou por se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma em causa.
8 - A natureza e fundamento das subvenções à atividade parlamentar e aos partidos políticos, assim como o respetivo enquadramento jurídico-constitucional, foram objeto de reflexão aprofundada no Acórdão 376/2005.
8.1 - O Tribunal começou por verificar, no plano da evolução legislativa, que o tratamento político-legislativo da questão do financiamento dos partidos políticos no quadro do regime democrático teve sempre implícita uma destrinça entre um e outro tipo de subvenções. Com efeito, e sem prejuízo de a questão em apreço não ter sido equacionada no momento em que a Constituição de 1976 atribuiu à exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a matéria das "associações e partidos políticos" (artigos 167.º, alínea g), e 168.º, n.º 1, na redação originária), cedo o legislador ordinário se apercebeu da importância do que estava em causa. Em conformidade, as sucessivas leis reguladoras da estrutura orgânica da Assembleia da República - nomeadamente, a Lei 32/77, de 25 de maio (artigo 16.º), a que se seguiram as Leis 5/83, de 27 de julho e 77/88, de 1 de julho (a "Lei Orgânica da Assembleia da República", desde a Lei 28/2003, de 30 de julho, redenominada "Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR)") -, assim como o legislador das regiões autónomas passaram a prever a atribuição de subvenções aos partidos que conseguissem representação parlamentar, consignando-se, todavia, expressamente, quase sempre, que a subvenção era atribuída «para a realização dos seus fins próprios [dos partidos], designadamente de natureza parlamentar» (cf. o Acórdão cit,, secções E. e G.1.). Mesmo após a definição de um regime autónomo relativo ao financiamento dos partidos políticos (e das campanhas eleitorais) - com a Lei 72/93, de 30 de novembro, a que se sucederam as Leis 56/98, de 18 de agosto e 19/2003, de 20 de junho -, verifica-se que as subvenções aos partidos, não respeitantes às campanhas eleitorais, que antes estavam previstas dentro da estrutura orgânica da Assembleia da República, passaram a ser vistas como um modo de financiamento mediato aos partidos para a realização dos seus fins próprios, desligadamente do exercício de atividade parlamentar, mas ainda aí supondo-a, enquanto a representação parlamentar era elemento constituinte do critério de atribuição (cf. ibidem, secções F. e G.1.).
8.2 - Num segundo passo, o Acórdão 376/2005 analisa, do ponto de vista dogmático, as especificidades orgânico-materiais e teleológico-funcionais da figura dos grupos ou representações parlamentares, tendo em vista determinar se as mesmas justificam um especial tratamento normativo dos apoios financeiros dispensados à atividade desenvolvida no quadro da representação parlamentar (cf. ibidem, G.1.). Para o efeito, assume-se a conclusão alcançada no Acórdão 63/91, quanto à relevância constitucional dos grupos parlamentares:
«[Estes] configuram[-se] como um específico sujeito da atividade, organização e funcionamento do órgão parlamentar.
Tais grupos são, como se sabe, constituídos por deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos, enquanto tais, a eles se deferindo pela Constituição uma expressa importância. O que se compreende, já que, assim, se alcança a conferência de expressão no Parlamento às forças políticas que se apresentaram, como tal, ao eleitorado, com os respetivos programas e objetivos políticos.
Perante esta postura da Constituição, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (...) sublinham que os grupos parlamentares não são simples formas de organização dos deputados, sem poderes parlamentares autónomos, mas antes "verdadeiras entidades parlamentares, com poderes parlamentares próprios, os quais mesmo quando paralelos aos dos deputados, são exercidos cumulativa e independentemente", funcionando a Assembleia da República, na prática parlamentar, "muito mais como um conjunto de GPs do que como conjunto de deputados", integrando, homogeneizando e unificando "as posições dos deputados que os integram, substituindo às múltiplas posições individuais uma posição de grupo unificado", pelo que os deputados, "ao intervirem na atividade parlamentar", funcionam, em geral, "como simples transmissores ou porta-vozes da posição do grupo".»
Deste modo, e sem prejuízo de admitir uma natureza dualista dos grupos parlamentares - dualidade essa, que, não obstante os diferentes matizes refletidos nas posições dos vários autores, se reconduz, no essencial, a serem simultaneamente órgãos do partido e sujeitos da ação parlamentar -, conclui-se no Acórdão 376/2005 «que a atividade dos grupos parlamentares no seio de uma assembleia legislativa, contribui decisivamente para tornar possível e efetiva a realização das funções do próprio parlamento (cf. Alejandro Saiz Arnaiz, Los grupos parlamentarios, cit., p. 306) [e que,] mesmo que se afirme existir algum nexo de dependência política dos grupos e representações parlamentares em face dos partidos, nexo este que pode até ser visto na circunstância de alguns dos estatutos dos partidos os poderem ter como seus órgãos estatutários, é indefetível reconhecer-lhes, sempre, uma autonomia funcional no seio da instituição parlamentar assente em poderes parlamentares próprios, funcionalmente preordenados à realização das tarefas de natureza parlamentar» (G.2.2.). E a consequência a retirar é a seguinte:
«2.3 - Ora, esta autonomia funcional - ou, pelo menos, a particular relevância que os grupos parlamentares assumem enquanto elementos constitutivos da vida parlamentar - tem manifestos reflexos ao nível da compreensão das subvenções outorgadas para a prossecução e cumprimento das tarefas parlamentares, enquanto conditio sine qua non da realização da função parlamentar - e, bem assim, da efetiva atuação do complexo orgânico de soberania legislativa do Estado -, havendo que reconhecer as necessárias diferenciações de qualidade perante o problema do financiamento da atividade partidária realizada sem aquela conexão orgânica fundamental.
Tal constatação torna-se, de resto, bem patente ao nível da discussão global sobre o(s) financiamento(s) dos partidos porquanto, independentemente do modelo que aí seja adotado - com o "fiel da balança" a pender para o financiamento público ou para o financiamento privado, com os fundamentos e as consequências aí inerentes (cf. Hans Peter Schneider, Democracia y constitución, Madrid, 1991, pp. 273 e ss.) -, as subvenções "de âmbito parlamentar" são, em todo o caso, reconhecidas como instrumentos de atuação no seio das assembleias legislativas.
Nesta medida, como condição operacional que caberá aos parlamentos efetivar no âmbito do seu complexo de autonomia organizacional, essa matéria presta-se a ser menos sensível às tensões político-jurídicas latentes no debate comummente traçado em torno do financiamento da atividade partidária tout court (cf. Martin Morlok, «Finanziamento della politica e corruzione: il caso Tedesco», in Quaderni costituzionali, 1999, fasc. 2, p. 263). [...]
E, mesmo quando se assuma, quanto à natureza dos grupos e representações parlamentares, que estes, para além da realidade parlamentar, possam também ser vistos como "órgãos de um partido político", são, na essência, diferenciáveis os conceitos - ou pelo menos os fundamentos e as finalidades - subvencionais, pois o "financiamento" dos grupos parlamentares apenas se compreende quando outorgado a entidades atuantes no órgão parlamentar, para a realização das funções que cumprem no seio desse mesmo órgão. [...]
Assim sendo, compreender-se-á, pela referência ao fundamento subvencional, que o financiamento dos grupos parlamentares constitua - ou possa ser visto como... - um financiamento do próprio parlamento, para a realização dos objetivos que lhe são constitucionalmente adstritos, sendo certo que se pode considerar como traduzindo a realidade parlamentar que "em última instância, qualquer Câmara é inseparável dos grupos nos quais ela se divide, os grupos são o esqueleto e a alma da Câmara" (cf. Rescigno, «Gruppi parlamentari», in Enciclopedia del diritto, vol. XIX, Milão, 1970, p. 795).»
Especificamente, no que se refere à matéria das subvenções, entendeu-se em conformidade:
«2.4. - Daí resulta que as subvenções conexionadas com a vida do parlamento, contendendo, na sua essência, com "as condições formais e materiais de exercício" dessa atividade e por respeitarem a um domínio de natureza orgânico-funcional, têm um diferente fundamento material das que se inserem num quadro geral de financiamento da vida dos partidos. Se estas podem ser outorgadas independentemente da representação parlamentar dos partidos, sendo causadas pelo especial papel político que estes desempenham enquanto elementos vitais do pluralismo democrático, já aquelas, sendo causadas pelo desempenho da função parlamentar, «respondem seguramente também a exigências "internas" da instituição parlamentar, conexionadas com a sua funcionalidade, com particular referência à tentativa de conciliar, por um lado, a quantidade de produção normativa com a qualidade da mesma e de, por outro lado, tornar mais eficaz o processo de decisão política (e com acrescida validade democrática)» (a expressão é de Giancarlo Rolla, «Riforma dei regolamenti parlamentari ed evoluzione della forma di governo in Italia», in Rivista trimestrale di diritto pubblico, 2000, fasc. 3, p. 603; são "fundos que são utilizados pelas Câmaras para o seu próprio funcionamento" - pode ler-se num texto dos Servicios Jurídicos de la Secretaría General del Congresso, mencionado por Alejandro Saiz Arnaiz, Los grupos parlamentarios, cit., pp. 183-184).
Partindo desta dualização e reportando as subvenções a um domínio orgânico-funcional, a experiência jurídica além fronteiras concretiza e enquadra o problema das subvenções relativas à atividade parlamentar no seio de uma autoconformação e autodisposição dos recursos orgânicos afetos ao trabalho de produção legiferante, sendo que tais subvenções não se reportam apenas a um "hardware" ou a uma logística física - estática - de apoio à atividade prosseguida nos parlamentos (as "subvenções indiretas" a que se refere José Luis García Guerrero, Democracia representativa de partidos y grupos parlamentarios, cit., p. 489).»
8.3 - Passando ao plano jurídico-positivo, importará distinguir entre os dois tipos de subvenções, uma vez que aquelas que se reportam à atividade parlamentar, tendo em conta a respetiva finalidade, têm um diferente fundamento material das que se inserem num quadro geral de financiamento da vida dos partidos políticos, não lhes sendo, por isso, necessariamente aplicáveis as mesmas exigências constitucionais que incidem sobre os financiamentos partidários em sentido estrito.
Nesse sentido, o mesmo Acórdão 376/2005 confrontou «as considerações que subjazem à produção legiferante relativa ao financiamento dos partidos com as que concernem à disciplina jurídica da orgânica parlamentar, estas enquanto manifestação de um poder de autoconformação normativa»:
«[2.5 - Assim], não pode desconsiderar-se o facto de o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos qua tale assumir como fundamento subvencional do financiamento público a realização dos seus fins próprios independentemente da afetação de recursos relativos à prossecução de uma atividade parlamentar.
Na verdade, ainda que a representatividade na Assembleia da República seja assumida como critério do montante subvencional a atribuir pelo Estado, é manifesto que a ratio, subjacente a tal financiamento, não tem a natureza instrumental da subvenção que é concedida para realização de fins estritamente parlamentares e que a estes está funcionalmente condicionada.
Tal especificidade não deixou de ser assumida pelo legislador ordinário que, na Lei 19/2003, de 20 de junho, prevê que a subvenção pública para financiamento dos partidos políticos seja concedida, também, aos que "tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50 000, desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da República".
No fundo, trata-se, aqui, de acolher a particular relevância político-jurídica dos partidos ao nível da "representação política global da coletividade", como veículos de "formação e expressão da vontade popular", "projetada para o povo como elemento do Estado-coletividade" (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no direito constitucional português, cit. pp. 444 e ss.).
Contudo, é igualmente inegável que o sistema constitucional reserva aos partidos políticos um importante papel ao nível da "participação no funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído" - aí se integrando a "que se efetua através dos órgãos de soberania, a que se exerce noutros órgãos do Estado e ainda a que respeita aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas" (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no direito constitucional português, cit., p. 446). E, nessa participação, vai assumido um conjunto de "diferenças sensíveis" que demarcam a atuação dos partidos solus ipse da que é institucionalmente enquadrada como dimensão componente - e constitutiva - do funcionamento dos próprios órgãos do Estado.
Por outro lado, acentuando agora a especificidade da representação de cariz parlamentar, não deixa de resultar dos pertinentes dados constitucionais que a intervenção dos partidos, nesta sede, é, em boa medida, mediatizada pelos grupos parlamentares que assim se configuram como específicos sujeitos da atividade, organização e funcionamento do órgão parlamentar - como se entendeu no já referido Acórdão 63/91. E dessa estruturação da orgânica - e da dinâmica - parlamentar (por alguns entendida como uma "estruturação grupocrática" - cf. José Luis García Guerrero, Democracia representativa de partidos y grupos parlamentarios, cit., p. 411), mesmo reconhecendo-se que os grupos parlamentares são "uma [ideo]lógica emanação dos partidos" (cf. a Sentencia n.º 36/90 do Tribunal Constitucional espanhol, onde, apesar disso, se reconhece ser "indubitável a relativa dissociação conceptual" e a "independência de vontades presente em ambos") e um interface na realização do fim supra referido, decorrerá, também entre nós, uma forçosa ponderação diferenciadora entre as condições de funcionamento dos partidos - a que concernem as subvenções outorgadas no seio do artigo 5.º da Lei 19/2003 - e as condições de funcionamento dos órgãos de natureza parlamentar, norteadas pelo quid specificum de estarem instrumentalizadas, vinculadas e predispostas ao funcionamento desse complexo orgânico.
E, assim, enquanto as primeiras são compreendidas no âmbito de uma escolha-opção legiferante na composição de um modelo de financiamento da atividade partidária, as segundas não podem deixar de ser reclamadas pela própria natureza das coisas, não só em função do exercício da função parlamentar, mas igualmente atendendo às exigências materiais que aí vão assumidas e que são vistas como condição de dignidade desse exercício e dos seus resultados.»
9 - Esta linha de pensamento foi mantida no Acórdão 26/2009 - votado por unanimidade no que se refere à legitimidade constitucional da distinção entre os dois tipos de subvenção considerados - e constitui uma base expressamente assumida por diversas decisões proferidas pelo Tribunal em sede de fiscalização de contas dos partidos políticos (v., em especial, os Acórdãos n.os 515/2009, 498/2010, 394/2011, 711/2013, 314/2014 e 535/2014, todos igualmente votados por unanimidade).
9.1 - Deste modo, seguindo tal jurisprudência, dir-se-á quanto às subvenções aos partidos políticos, que as mesmas constituem uma expressão da obrigação constitucional do Estado de assegurar o financiamento público da sua organização e atividades, exigência do princípio democrático em vista do pluralismo partidário, «garantindo a todas as formações partidárias um patamar económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do princípio da igualdade de oportunidades e diminuir a dependência dos partidos do financiamento de entidades privadas, desse modo garantindo a sua independência política. [...] O financiamento público, além de assegurar a liberdade e igualdade partidárias, permite também um reforço do princípio da transparência ao possibilitar um controlo mais rigoroso das contas dos partidos com aplicação de sanções aos eventuais infratores» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XIV ao art. 51.º, pp. 689-690). Na mesma linha, Jorge Miranda e Rui Medeiros acentuam que, no quadro de um Estado de direito democrático, há dois valores fortes em presença: «[o] primeiro é a igualdade, ou igualdade de oportunidades (cf. artigo 113.º, n.º 3, alínea b), 1.ª parte, da Constituição), de sorte a que todos os partidos disponham de meios suficientes para chegar aos cidadãos e a que estes possam escolher entre eles com conhecimento de causa [; o] segundo valor é a independência dos partidos perante quaisquer forças ou interesses estranhos ao interesse geral, de maneira a que não se frustre a subordinação do poder económico ao poder político democrático (artigo 80.º, alínea a)» (v. Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao art. 51.º, p. 1018).
Nesse quadro, tem o Tribunal entendido - ainda que com referência a parâmetros normativos não inteiramente coincidentes - que o regime de financiamento dos partidos políticos - seja o financiamento direto ou imediato (atribuição de apoio financeiro aos partidos em função do número de votos obtidos), seja o financiamento mediato (atribuição de apoio financeiro aos partidos representados no parlamento) - é matéria de reserva de lei estadual: no Acórdão 376/2005, por força «dos artigos 164.º, alínea h), e 51.º, n.º 6, da Constituição, mesmo que entendidos de forma conjugada» (G.3.); no Acórdão 26/2009, com base nos artigos 10.º, n.º 2, e 51.º, n.os 4 e 6, da Constituição (cf. o respetivo n.º 10: «[a] proibição constitucionalmente imposta relativamente à existência de partidos regionais, por um lado, e a concomitante exigência constitucional do estabelecimento dos requisitos e limites ao financiamento partidário, por outro, revela que a regulamentação legal primária desta matéria não pode ser exercida concorrentemente por órgãos legiferantes, nacionais e regionais, em termos que pudessem implicar a adoção de regimes jurídicos conflituantes, e evidencia que estamos perante competência reservada dos órgãos de soberania»).
A própria Lei dos Partidos Políticos - a Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto - prevê que o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é regulado em lei própria (artigo 37.º).
Como se recorda no Acórdão 376/2005, até à publicação do primeiro diploma que procedeu à definição geral do regime de financiamento dos partidos políticos e do regime de apresentação das contas decorrentes do exercício da sua atividade em geral - o que aconteceu pela mão da Lei 72/93, de 30 de novembro - a concessão de subvenções, seja aos partidos políticos, seja aos grupos parlamentares, em diplomas emitidos pela Assembleia da República, aparece feita apenas nas leis que regulam a sua orgânica (E.1.). Mas o financiamento mediato dos partidos só surge a partir da referida Lei 72/93 e somente a partir da Lei 56/98, de 18 de agosto, é que se previram subvenções com «uma natureza de financiamento aos partidos, qua tale, ou seja, na perspetiva exclusiva de constituir um modo de financiamento da sua atividade e, consequentemente, do desempenho de todas as suas funções sócio-políticas» (G.2.).
Por outro lado, e sem prejuízo do que adiante se dirá a propósito da Lei 4/2017, de 16 de janeiro (cf. infra os n.os 13 e ss.), ao longo de todo o período abrangido pelo âmbito de aplicação temporal do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, em que já estava em vigor a Lei 19/2003, de 20 de junho - a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, que revogou a Lei 56/98, e que corresponde hoje ao diploma próprio previsto na Lei dos Partidos Políticos -, isto é, desde 1 de janeiro de 2005 - data do início de vigência da Lei 19/2003 (artigo 34.º, n.º 2) - até 31 de dezembro de 2016 (cf. supra o n.º 6), verifica-se que a citada Lei 19/2003, nas suas diferentes versões, e a título de subvenção pública para financiamento dos partidos políticos, não admitiu a atribuição de subvenção a partidos por os mesmos concorrerem à eleição para a Assembleia Legislativa de região autónoma. Durante esse período o mesmo diploma só previu a atribuição de subvenções aos partidos que: (i) havendo concorrido à eleição para a Assembleia da República, obtenham representação parlamentar (cf. o artigo 5.º, n.º 1, na sua redação originária, e bem assim, com a redação dada pela Leis 64-A/2008, de 31 de dezembro e 55/2010, de 24 de dezembro, e pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril); (ii) havendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50 000 (cf. o artigo 5.º, n.º 7, com a redação dada pela Lei 55/2010 e pela Lei Orgânica 5/2015).
9.2 - No tocante às subvenções parlamentares, as mesmas encontram-se, como mencionado, tradicionalmente previstas nos regimes orgânicos das assembleias.
9.2.1 - Foi o que sucedeu com as antecedentes da LOFAR (as Leis n.os 32/77 e 5/83) e com a própria LOFAR (a Lei 77/88, depois redenominada pela Lei 28/2003), nas suas várias versões. Esta situação alterou-se, na sequência da Lei 55/2010, com a substituição do artigo 47.º, n.º 4 (subvenção aos grupos parlamentares «para encargos de assessoria aos deputados e outras despesas de funcionamento») da LOFAR pelos n.os 4 a 6 do artigo 5.º da Lei 19/2003, com a redação dada pela referida Lei 55/2010 (que, depois da redação da Lei Orgânica 5/2015, passou a ter, além das anteriores finalidades, também o apoio da «atividade política e partidária em que [os deputados] participem»). Simplesmente, tal alteração, por si só, não modificou a natureza da subvenção, evidenciando, uma vez mais, a primazia dos aspetos relacionados com a natureza e função de cada concreta subvenção em detrimento de aspetos a ela exteriores, como a inserção sistemática ou o respetivo nomen iuris. Assim, entendeu-se no Acórdão 711/2013:
«O atual n.º 4 do artigo 5.º da Lei 19/2003, introduzido pela Lei 55/2010 (que manteve intocada a epígrafe "Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos"), dispõe que "A cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados e outras despesas de funcionamento correspondente a quatro vezes o IAS anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do n.º 6". Tais subvenções são pagas por conta de dotações especiais para o efeito inscritas no Orçamento da Assembleia da República.
Estas subvenções encontravam-se anteriormente previstas no artigo 47.º da [LOFAR], cujos n.os 4 a 6 correspondiam aos atuais n.os 4 a 6 da Lei 19/2003, posto que a citada Lei 55/2010 revogou aquele artigo 47.º da LOFAR, transpondo o respetivo teor para a Lei de Financiamento dos Partidos. Ou seja, na prática, a Lei 55/2010, de 24 de dezembro, operou uma deslocação sistemática daqueles preceitos, retirando-os da LOFAR para os colocar na Lei 19/2003.
É desta transposição sistemática que os Partidos retiram a conclusão de que a lei veio consagrar o entendimento que vinham propugnando, contrariando a posição do Tribunal Constitucional nesta matéria.
Sucede que a inserção sistemática de uma norma não altera, sem mais, a natureza do facto ou instituto que a mesma regula, pois que esse não é o único critério hermenêutico aplicável. Importa, pois, analisar se a alteração sistemática é, no caso, suficiente para se concluir de forma diversa da que vem sendo alinhada pelo Tribunal Constitucional.
Ora, como se salientou, o texto dos atuais n.os 4 a 6 da Lei 19/2003 é, no essencial, idêntico ao dos pretéritos n.os 4 a 6 do artigo 47.º da LOFAR. Trata-se de uma subvenção "para encargos de assessoria aos deputados e outras despesas de funcionamento" dos grupos parlamentares. A lei não refere qualquer outra finalidade, mormente de estrita índole partidária, antes mantendo a sua formulação antecedente, reportada à assessoria aos deputados e despesas de funcionamento dos grupos parlamentares. De resto, o entendimento veiculado na defesa apresentada pelo PS de que "o financiamento público dos grupos parlamentares é também - direta ou indiretamente - financiamento público dos partidos políticos que tais grupos parlamentares representam" já antes foi ponderado pelo Tribunal Constitucional (nos Acórdãos atrás citados, em especial o Acórdão 376/2005) e não infirmou o entendimento de que se trata de subvenções cuja razão fundadora é a atividade parlamentar» (n.º 8.3).
Com efeito, como é jurisprudência firme deste Tribunal, «no caso de subvenções atribuídas aos grupos parlamentares, não estão em causa financiamentos aos partidos qua tale, isto é, financiamentos afetos à realização dos seus fins próprios, mas sim subvenções geneticamente fundadas no exercício da atividade parlamentar, de onde resulta não só a sua justificação constituinte mas também o limite material último à respetiva disposição por parte de partidos e grupos parlamentares beneficiários» (Acórdão 314/2014, n.º 8).
9.2.2 - Também os regimes orgânicos das Assembleias Legislativas das regiões autónomas preveem a atribuição de subvenções parlamentares. Os artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação anterior ao Decreto, constituem um exemplo elucidativo, paralelo a soluções contempladas em anteriores regimes orgânicos da ALRAM ou no regime orgânico da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores (cf., designadamente, o artigo 36.º do Decreto Legislativo Regional 54/2006/A, de 22 de dezembro, onde, sob a epígrafe «Subsídio mensal», se prevê «um apoio mensal a cada um dos grupos e representações parlamentares dos partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa para encargos de assessoria, contactos com eleitores e outras atividades correspondentes às exigências do cumprimento dos respetivos mandatos democráticos»).
Quanto a tais subvenções, e com interesse para a decisão do presente caso, importa ter presente o modo como o Tribunal fundamentou a respetiva legitimidade constitucional, a partir do quadro jurídico definidor do regime da autonomia político-administrativa, nomeadamente, ao nível dos poderes legislativos que foram atribuídos às regiões autónomas pela Constituição, na versão aprovada pela Lei Constitucional 1/2004, de 24 de julho. No Acórdão 376/2005, teve-se em conta a circunstância de as subvenções parlamentares em causa não integrarem o artigo relevante do estatuto político-administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º da Lei Constitucional 1/2004 - aquela que conferiu a redação atual ao artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição (segundo aquela disposição, até que os estatutos sejam adaptados ao novo quadro dos poderes legislativos regionais, enunciando expressamente as matérias sobre as quais a região pode legislar nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), o âmbito material da competência legislativa da respetiva região é o que em cada estatuto define as matérias de interesse específico dessa região - no caso da Região Autónoma da Madeira, releva o artigo 40.º do seu Estatuto Político-Administrativo constante da Lei 13/91, de 5 de junho, na redação dada pela Lei 130/99, de 21 de agosto).
Nesse aresto, com efeito, o Tribunal, considerando a necessidade de fazer uma leitura do citado artigo 227.º, n.º 1, alínea a), e da norma pertinente do estatuto de acordo com o princípio da unidade da Constituição, entendeu, a partir da conjugação dos artigos 232.º, n.os 3 e 4, com o artigo 180.º, ambos da Constituição, que esta reconhece a competência de autoconformação ou de autorregulação da Assembleia Legislativa, maxime, de poderes de modelação da sua estrutura orgânica, nesta se incluindo os grupos parlamentares, dentro do "quadro da Constituição" em que a autonomia político-administrativa regional deve ser exercida (cf. o artigo 225.º, n.º 3, da Constituição):
«E, assim, admitindo a Constituição a possibilidade de os deputados de cada partido ou coligação de partidos eleitos para a Assembleia Legislativa se constituírem em grupos parlamentares, tal como acontece relativamente à Assembleia da República, não poderá deixar de ver-se implicitamente contida em uma tal norma constitucional a faculdade de a Assembleia Legislativa prover à existência dos meios humanos e materiais por ela considerados necessários para o cabal exercício dos mandatos parlamentares, maxime, através da intervenção dos grupos parlamentares.
Este poder de autoconformação orgânica da Assembleia Legislativa postula, assim, a faculdade de esta eleger, no plano normativo, quer as necessidades jurídico-políticas e respetivo grau de intensidade a satisfazer, no que concerne ao funcionamento da Assembleia e intervenção dos grupos parlamentares, quer os meios humanos e materiais que a sua satisfação demanda.
Nesta linha, o legislador regional goza de discricionariedade normativo-constitutiva, "nos termos da Constituição" e "com as necessárias adaptações" no que respeita à aplicação à Assembleia Legislativa da região autónoma do regime estabelecido no artigo 180.º da Constituição para os Grupos Parlamentares. Pode, assim, o legislador regional optar pelos critérios normativos que entenda constituírem as melhores respostas a dar à satisfação das necessidades consubstanciadas na utilização de gabinetes pelos grupos parlamentares, ao nível do apoio técnico, científico, logístico e material - e da respetiva qualidade - tendo em vista o desempenho da função parlamentar que há de atender às especificidades em que o regime político administrativo próprio das regiões se fundamenta - as suas "características geográficas, económicas, sociais e culturais e históricas aspirações autonomistas das populações insulares" (artigo 225.º, n.º 1, da Constituição).
Ora, como a determinação e satisfação das necessidades humanas e materiais, no domínio da "utilização dos gabinetes parlamentares", de "assessoria, contactos com os eleitores e outras atividades correspondentes aos mandatos dos Deputados", demandam, necessariamente, a previsão de verbas para o seu pagamento, há de ver-se implicada na faculdade de regulação interna a possibilidade da previsão de tais verbas.
De resto, uma tal solução é ainda reforçada por duas outras circunstâncias: de um lado, pelo facto de o poder orçamental ser constitucionalmente reconhecido como constituindo competência exclusiva da Assembleia Legislativa da região autónoma [art. 227.º, n.º 1, alínea p), e 232.º, n.º 1, da Constituição]; do outro, pelo princípio da autonomia político-administrativa, entendido, aqui, na aceção de reconhecimento às regiões autónomas de um poder de eleição das despesas a suportar na compreensão do que elas entendam como corresponder à promoção e defesa dos interesses regionais, despesas essas que hão de ser necessariamente expressas em tal orçamento (cf. artigo 225.º, n.º 2, da Constituição).
E, assim sendo, quer se considere que as normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 232.º da Constituição [...] compreendem, de modo indistinto, a atribuição da competência neles referida e dos poderes (à região autónoma) de legislar sobre esta, quer se entenda que a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição não pode deixar de abarcar o poder de legislar sobre tal matéria na medida em que esta se mostra constitucionalmente atribuída à região autónoma e não está reservada aos órgãos de soberania, há que assentar que a Assembleia Legislativa da região autónoma pode sobre ela legislar.» (G.3.)
9.3 - Resulta do exposto, que a diferença qualitativa entre subvenções aos partidos - que concretizam a obrigação constitucional de financiamento público dos partidos - e subvenções à atividade parlamentar - tanto dos grupos parlamentares, como dos deputados - se projeta não apenas nos critérios de atribuição e nos limites à respetiva disposição por parte dos seus beneficiários, como, também na competência para a sua atribuição. Com efeito, o financiamento partidário em sentido estrito está sujeito a uma reserva de lei estadual, materialmente justificada pela vocação nacional dos partidos e pela necessidade de garantir a igualdade de oportunidades e o pluralismo partidário. Já a subvenção da atividade parlamentar, porque geneticamente fundada no seu exercício e funcionalmente destinada ao seu bom desempenho no quadro de uma democracia representativa, traduz-se num financiamento ao próprio parlamento, relevando, por isso, da respetiva autonomia e do seu poder de auto-organização. Por ser assim, tais subvenções podem ser criadas por decreto legislativo regional, mesmo na ausência de qualquer previsão estatutária a seu respeito.
10 - Decorre da precedente análise que o juízo sobre a competência da ALRAM para atribuir subvenções como as previstas no n.º 1 dos artigos 46.º ou 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação dada pelo Decreto, pode variar consoante as mesmas subvenções se reconduzam a apoios à atividade parlamentar ou financiamento, imediato ou mediato, de partidos políticos. Cumpre, por isso, proceder à qualificação das subvenções em causa e, seguidamente, verificar se a previsão das mesmas subvenções respeita as exigências constitucionais aplicáveis. Deste modo, há que analisar sucessivamente as mencionadas previsões do artigo 46.º, n.º 1, e do artigo 47.º, n.º 1, com a redação dada pelo Decreto, confrontando-as com as versões anteriores, nomeadamente as que constam da versão consolidada do Decreto Legislativo Regional 24/89/M publicada em anexo ao Decreto Legislativo Regional 16/2012/M, de 13 de agosto.
11 - É o seguinte o teor do artigo 46.º, n.º 1, na redação a considerar:
«Os grupos parlamentares e deputado único representante de um partido dispõem, para encargos de assessoria aos deputados, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, para atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, de uma subvenção anual»
Como referido, o Decreto substituiu a anterior epígrafe - «Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares» - pela seguinte: «Subvenção à atividade parlamentar». E, numa primeira análise, verifica-se um alargamento significativo das finalidades a que se reporta a subvenção. Com efeito, além da referência à utilização de gabinetes - que já constava do artigo 46.º na sua redação originária -, passou aquele preceito a referir-se também às seguintes finalidades: encargos de assessoria aos deputados, atividade política e partidária em que (os deputados) participem e outras despesas de funcionamento.
Note-se, contudo, que o artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação anterior ao Decreto, e que remonta ao artigo 10.º do Decreto Legislativo Regional 10-A/2000/M, de 27 de abril, já considerava na subvenção a atribuir às representações parlamentares, ao lado dos encargos de assessoria, finalidades correspondentes aos contactos (dos deputados) com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos. Por outro lado, a diferença de acentuação entre a epígrafe do artigo 47.º - «Subvenção aos partidos» - e o seu conteúdo normativo - atribuição de uma subvenção às representações parlamentares dos partidos - tem a sua origem na modificação do Decreto Legislativo Regional 24/89/M feita pelo artigo 38.º do Decreto Legislativo Regional 11/94/M, de 28 de abril (ainda que o n.º 3 do mesmo artigo 47.º, na sua redação originária, já contemplasse uma subvenção aos grupos parlamentares «para encargos de assessoria aos deputados»).
Todas as referidas finalidades do n.º 1 dos mencionados artigos 46.º e 47.º foram objeto de apreciação e qualificação pelo Acórdão 376/2005, que se debruçou sobre um decreto enviado para assinatura e que deu origem ao Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, o qual, por sua vez, alterou diversos preceitos do Decreto Legislativo Regional 24/89/M. Nesse Acórdão, entendeu o Tribunal que a subvenção a atribuir com as referidas finalidades tinha a natureza de subvenção à atividade parlamentar, e não aos partidos políticos. Por isso mesmo, considerou-a constitucionalmente legítima. Importa verificar os fundamentos de tal juízo e ver os termos em que as novas formulações justificam, ou não, uma qualificação diferente.
11.1 - No referido aresto, entendeu o Tribunal quanto às subvenções previstas nos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação que então se pretendia dar-lhes e que veio a ser acolhida por força do citado Decreto Legislativo Regional 14/2005/M:
«[A] partir do Decreto Legislativo Regional 11/94/M, mediante a alteração introduzida ao artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, e cujo sentido se mantém nas normas posteriores, [verifica-se] não só uma acentuação dos fins parlamentares da atribuição da subvenção, como também uma modificação do titular a quem essa subvenção é atribuída, passando este a ser não os partidos representados na Assembleia Legislativa mas as representações parlamentares, em termos correspondentes, aliás, aos que ocorrem relativamente à subvenção prevista no referido do artigo 46.º, n.º 1, na redação [ora] vigente na legislação regional [...].
Assim, enquanto, neste caso, a subvenção é atribuída aos grupos parlamentares para ocorrer às despesas com a utilização dos gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, onde será possível descortinar um variado leque de despesas, como os gastos administrativos; naquele outro caso estão incluídas as despesas dos deputados com "encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos" ou, seja, as despesas que perfunctoriamente se poderão designar como despesas com a atividade parlamentar de ligação entre o eleito e o eleitor.
A circunstância de a falta de grupo parlamentar conduzir à atribuição da verba ao partido, como acontece na situação regulada no artigo 46.º, em nada altera a natureza das coisas, porquanto o partido surge aqui como mero centro de imputação da despesa, dado que o deputado único não inserido em grupo parlamentar acaba por externar os fins parlamentares do partido em cuja lista foi eleito.» (G.1.; itálicos adicionados)
Especificamente no que se refere ao artigo 46.º:
«A redação atual do artigo 46.º, relativo aos Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares, resultante do Decreto Legislativo Regional 2/93/M, de 20 de fevereiro, e que se manteve inalterada, dispõe que "Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, de uma verba anual, resultante do quadro seguinte (...)". O objetivo subjacente a tal norma mostra-se concretizado expressis verbis nesse diploma, aí se referindo ser necessário "dignificar o órgão máximo da autonomia regional, criando-se melhores condições de trabalho quer ao próprio Parlamento, quer aos deputados e funcionários".
Ora, é indubitável que esta subvenção assume a natureza de um típico financiamento relativo ao exercício da atividade parlamentar destinando-se a fazer face aos encargos decorrentes da utilização dos gabinetes das representações parlamentares.
Na verdade, tal norma não pode deixar de traduzir a imperiosa necessidade de assegurar, num plano imediato, a atividade dos grupos parlamentares, dotando-os de uma estrutura humana e material operativa que seja funcionalmente adequada à participação nos trabalhos da Assembleia Legislativa, traduzindo-se deste modo, num plano mediato, numa conditio de manutenção dos trabalhos desse órgão legislativo regional: garantir aos grupos parlamentares condições de funcionamento interno ao nível do acesso a recursos humanos e materiais indispensáveis para a atividade dos gabinetes não redunda num financiamento do partido, mas antes, na sua essência, na concretização de um instrumentarium finalisticamente ordenado à realização da vida parlamentar e que assim se haverá de consumir no interior de cada gabinete em prol do funcionamento do próprio parlamento regional.» (G.2.6.)
No tocante ao que se dispõe no artigo 47.º, diz-se no mesmo Acórdão:
«E, mutatis mutandis, a mesma conclusão deve impor-se quanto ao disposto no artigo 47.º, ultrapassadas que sejam a expressão "subvenção aos partidos", constante da sua epígrafe, e o termo "partidos", constante do seu n.º 3.
A redação em vigor dessa norma, saída do Decreto Legislativo Regional 10-A/2000/M, de 27 de abril, preceitua que "Às representações parlamentares é atribuída uma subvenção mensal para encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos no valor de dois terços do salário mínimo nacional aplicável nesta Região Autónoma (SMNR) por deputado eleito, mais a ponderação dos seguintes fatores (...)" - e também aqui o artigo 30.º do diploma sindicando apenas altera a ponderação do montante a atribuir à "representação de um só deputado e grupos parlamentares", prevista na alínea a).
É manifesto estar também aqui em causa um fundamento subvencional conexionado com o estrito exercício da função parlamentar, numa clara relação de instrumentalidade para com esta.
O modo como se define normativamente a vinculação-afetação dos valores aí disponibilizados às representações parlamentares apenas pode conduzir à conclusão de que se trata aqui, na esteira das considerações supra tecidas, de um financiamento em prol da atividade da Assembleia Legislativa que ao assumir os encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos parlamentares está a disciplinar as condições materiais do seu funcionamento e não, tout court, a subvencionar os partidos qua tale.
Na verdade, estas contribuições visam possibilitar uma maior qualidade técnica da produção legiferante - aspeto particularmente sensível quando estão em causa matérias cuja complexidade pode não dispensar uma tarefa de assessoria qualificada (cf. Giancarlo Rolla, «Riforma dei regolamenti parlamentari ed evoluzione della forma di governo in Italia», cit, p. 603) ou quando importa conhecer, com profundidade, uma concreta realidade social a regular -, concorrendo, em geral, para um melhor funcionamento da instituição parlamentar.
São, pois, no fundo, subvenções dirigidas ao financiamento da atividade parlamentar, porquanto se traduzem na mobilização de recursos que, por natureza, no seio da organização e funcionamento dos serviços da Assembleia, devem ser tidos como conditio sine qua non da atuação parlamentar, aqui encontrando a sua causa e aqui esgotando os seus efeitos.» (ibidem)
11.2 - À luz do exposto, não se colocam quaisquer dificuldades à qualificação do apoio a atribuir em vista das finalidades previstas no artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação que lhe é dada pelo Decreto, correspondentes ao financiamento da utilização de gabinetes, dos encargos de assessoria aos deputados e de outras despesas de funcionamento como subvenção à atividade parlamentar e, enquanto tal, sujeita ao seu específico regime jurídico, o qual, como referido, contempla a admissibilidade de atribuição pelas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, mesmo na ausência de previsão estatutária a tal respeito (cf. supra o n.º 9.3). De resto, tal entendimento foi expressamente reiterado pelo Tribunal relativamente à subvenção homóloga atribuída pela Assembleia da República para encargos de assessoria aos deputados e outras despesas de funcionamento dos grupos parlamentares (cf. o Acórdão 711/2013, no trecho transcrito supra no n.º III.4.2).
Maiores dúvidas poderia suscitar a finalidade do apoio reportada à «atividade política e partidária em que [os deputados] participem».
Trata-se de previsão paralela à introduzida pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, no n.º 8 do artigo 5.º da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (a Lei 19/2003). Porém, nessa sede, e conforme o Tribunal Constitucional considerou, a finalidade em causa aparece inserida numa «norma adjetiva de atribuição de competência, não assumindo qualquer relevância substantiva, ou pelo menos, não alterando a natureza da subvenção [reportada à assessoria aos deputados e despesas de funcionamento dos grupos parlamentares] prevista nos n.os 4 e 6 do mesmo artigo» (cf., de novo, o Acórdão 711/2013 e, bem assim, o Acórdão 535/2014).
Mas tal consideração, desde logo pelos termos em que se encontra prevista no n.º 1 do artigo 46.º com a nova redação dada pelo Decreto, não é transponível para o quadro dos apoios financeiros aos partidos e grupos parlamentares previstos no regime orgânico da ALRAM constante do Decreto Legislativo Regional 24/89/M.
Por outro lado, aquela finalidade tem antecedentes na previsão do n.º 1 do artigo 47.º com a redação anterior, designadamente na referência às finalidades «contactos com os eleitores» e «outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos» (dos deputados): tais menções, inequivocamente reportadas à atividade parlamentar, não surgem na redação dada agora pelo Decreto ao mesmo preceito nem transitaram para o novo n.º 1 do artigo 46.º Contudo, é inescapável que as mesmas, do ponto de vista literal, se integram perfeitamente na cláusula geral «atividade política e partidária em que [os deputados] participem». E, do ponto de vista teleológico, nada obsta - antes tudo aponta nesse sentido - a que tal cláusula seja interpretada como visando essencialmente despesas com a atividade dos deputados de ligação entre o eleito e o eleitor, seja a fim de «conhecer, com profundidade, uma concreta realidade social a regular» (Acórdão 376/2005) -, seja a fim de cumprir as obrigações de accountability, cada vez mais importantes para o reforço da legitimidade democrática - nomeadamente, numa perspetiva de legitimidade de exercício ou em função dos resultados (output-legitimacy) - do poder político (governo não apenas do povo, mas também para o povo, segundo a famosa "Fórmula de Lincoln" do Gettysburg Address).
Por todas essas razões, ainda reforçadas pela intenção clara do Decreto de contrapor sistematicamente, clarificando quaisquer dúvidas que anteriormente se pudessem suscitar, a subvenção à atividade parlamentar a atribuir aos grupos parlamentares e deputado único representante de um partido (artigo 46.º) à subvenção aos partidos adequada às suas necessidades de organização e funcionamento (artigo 47.º), parece inequívoco que, também no caso do apoio financeiro destinado à «atividade política e partidária em que [os deputados] participem», se trata de um financiamento em prol da atividade da ALRAM destinado a cobrir os encargos associados aos contactos dos deputados com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos parlamentares, suscetível de ser reconduzido à disciplina das condições materiais do funcionamento da própria Assembleia Legislativa, e não, tout court, a uma subvenção dos partidos qua tale (Acórdão 376/2005). Decerto que a amplitude destes fins comporta riscos de desvios, mas, como reconhecido no mesmo Acórdão 376/2005, a propósito de riscos paralelos, «a possibilidade de existência de uma tal violação da lei não afeta a validade da mesma, sendo dela independente» (G.2.6).
11.3 - Em suma, o direito uma subvenção anual conferido no artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação que lhe é dada pelo Decreto, aos grupos parlamentares e deputado único representante de um partido para «encargos de assessoria aos deputados», para «a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação», para «atividade política e partidária em que participem» e para «outras despesas de funcionamento» corresponde a um modo de financiamento da atividade parlamentar, com correspondência nas diferentes versões do regime orgânico da ALRAM e para cuja definição por via de decreto legislativo regional esta é constitucionalmente competente, mesmo na ausência de previsão estatutária. Consequentemente, a interpretação autêntica daquele preceito feita no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, em vista da sua projeção para os exercícios económicos anteriores a 2017, não é organicamente inconstitucional.
12 - Importa agora apreciar se idêntica conclusão se pode retirar quanto ao artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação dada pelo Decreto. É o seguinte o respetivo teor:
«A cada partido que haja concorrido a eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira, ainda que em coligação, e que nela obtenha representação é concedida uma subvenção anual, desde que requerida ao Presidente da Assembleia, que consiste numa quantia em dinheiro, fixada nos termos dos números seguintes, adequada às suas necessidades de organização e funcionamento».
12.1 - Neste caso, o Decreto manteve a anterior epígrafe - «Subvenção aos partidos» -, observando-se que a intenção foi justamente a de conformar com esta o conteúdo normativo do preceito. Para tanto, o legislador regional prevê uma subvenção anual sem qualquer correspondência no artigo 47.º, com a redação anterior ao Decreto (e que se afasta, mesmo, da redação originária desse preceito, a qual previa a atribuição de uma subvenção anual aos partidos políticos representados na Assembleia «para a realização dos seus fins próprios» - o que, apesar de tudo, abria espaço para uma leitura que conjugasse tais fins com a própria atividade parlamentar dos partidos). A menção de que a subvenção em causa é atribuída diretamente aos partidos e concebida em função das suas necessidades de organização e funcionamento torna evidente que o objetivo é apoiar os partidos políticos, enquanto tais, não se mostrando a mesma geneticamente fundada no exercício da atividade parlamentar. Inexiste, por conseguinte, qualquer condicionante relativa à utilização de tais verbas com encargos relacionados ou decorrentes do exercício da atividade parlamentar ou por causa desse exercício. Tal significa que as mesmas podem ser utilizadas para qualquer tipo de despesa partidária (despesas com pessoal, despesas com as sedes, aquisição de bens e serviços, incluindo material de propaganda, etc.).
A representação parlamentar dos partidos beneficiários é um mero pressuposto e critério da medida da subvenção a atribuir; não a respetiva justificação constituinte. O fundamento último da atribuição é o reconhecimento da importância dos partidos políticos no quadro de um Estado de direito democrático e a consequente obrigação de assegurar um financiamento público de tais entidades. In casu, devido ao referido pressuposto, trata-se de financiamento mediato (cf. supra o n.º 9.1).
Esta conclusão é corroborada pelo paralelismo que se deteta com a subvenção prevista no artigo 5.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, que tem por objeto, justamente, o financiamento público estadual dos partidos políticos):
«A cada partido que haja concorrido a ato eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.»
12.2 - Como referido supra no n.º 9.1, o regime de financiamento dos partidos políticos - todo ele - tem sido considerado por este Tribunal matéria de reserva de lei estadual (v., em especial, os Acórdãos n.os 376/2005 e 26/2009, mas também a demais jurisprudência citada, respeitante ao controlo das contas dos partidos políticos). Assumindo tal entendimento, verifica-se que no período correspondente ao âmbito temporal em que o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto projeta os seus efeitos - ou seja, desde o primeiro exercício económico em que foi aplicado o Decreto Legislativo Regional 24/89/M até ao exercício económico correspondente ao ano de 2016 -, a ALRAM não tem competência para aprovar legislação em matéria de financiamento público dos partidos políticos, diferentemente do que sucede em relação às subvenções a atribuir à atividade parlamentar.
Contudo, é justamente este entendimento que a ALRAM vem questionar com base nas alterações introduzidas à Lei 19/2003 pela Lei 4/2017, de 16 de janeiro.
13 - Segundo o órgão autor do Decreto, tal Lei constitui um dado novo, uma vez que, na interpretação que dela faz, a mesma - já em vigor à data da aprovação do Decreto -, veio conferir competência legislativa às Assembleias Legislativas das regiões autónomas em matéria de financiamento de partidos políticos, nos termos da nova redação dada ao n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003, designadamente para fixar, no diploma que estabelece a orgânica dos serviços da respetiva Assembleia Legislativa, a quantia em dinheiro correspondente à subvenção anual a atribuir a cada partido, que haja concorrido a ato eleitoral e que obtenha representação nessa mesma Assembleia Legislativa, adequada às suas necessidades de organização e de funcionamento. Acresce que, por força do disposto no artigo 5.º da mesma Lei 4/2017, em conjugação com o artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril, entende a ALRAM que o citado n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003, com a redação que lhe foi dada em 2017, «produz efeitos reportados ao exercício económico de 2014, o que, [...] desde logo contraria o entendimento de que "a atribuição de subvenções a partidos não podia até janeiro de 2017 ser concretizada pela assembleia legislativa" [...]» (v. o n.º 18 da pronúncia, com referência ao n.º 22 do requerimento).
A redação das normas em causa é a seguinte:
«Artigo 2.º [da Lei 4/2017]
Alteração à Lei 19/2003, de 20 de junho
Os artigos 5.º e 12.º da Lei 19/2003, de 20 de junho, alterada pelo Decreto-Lei 287/2003, de 12 de novembro, pelas Leis 64-A/2008, de 31 de dezembro, 55/2010, de 24 de dezembro e 1/2013, de 3 de janeiro, e pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril, passam a ter a seguinte redação:
"Artigo 5.º
[1 a 7]
8 - A cada partido que haja concorrido a ato eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia Legislativa da região autónoma é concedida uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente dessa Assembleia Legislativa, que consiste numa quantia em dinheiro fixada no diploma que estabelece a orgânica dos serviços da respetiva Assembleia Legislativa, adequada às suas necessidades de organização e de funcionamento, sendo paga em duodécimos, por conta de dotações especiais para esse efeito inscritas no Orçamento da respetiva Assembleia Legislativa, aplicando-se, em caso de coligação, o n.º 3."»
«Artigo 5.º [da Lei 4/2017]
Efeitos jurídicos
Aplica-se à presente lei o disposto no artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril.»
«Artigo 3.º [da Lei Orgânica 5/2015]
Efeitos jurídicos
Para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes.»
Importa analisar o argumento.
14 - Em primeiro lugar, cumpre ter presente que, a ser procedente, tal argumento só permitiria afastar a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto em relação aos exercícios económicos de 2014, 2015 e 2016.
Com efeito, no pressuposto de que a Lei 4/2017, com efeitos reportados ao exercício económico de 2014, teria atribuído competência às Assembleias Legislativas das regiões autónomas para fixarem o valor das subvenções devidas nos termos dessa mesma Lei 4/2017 aos partidos políticos nelas representados e adequadas às respetivas necessidades de organização e de funcionamento, a ALRAM estaria não só habilitada a aprovar uma norma como a do artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a nova redação dada pelo artigo 1.º do Decreto, como a atribuir-lhe efeitos retroativos, pelo menos, até ao exercício económico de 2014, nos termos em que se encontram previstos no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto: tal competência seria exercida a partir do exercício económico de 2017, com fundamento direto no citado artigo 47.º, n.º 1; e com referência aos exercícios económicos anteriores de 2014, 2015 e 2016, o mesmo preceito seria igualmente aplicável, mas por via da interpretação autêntica consignada no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto.
Ainda assim, e como referido, este último preceito careceria do pressuposto normativo consubstanciado na competência atribuída às Assembleias Legislativas das regiões autónomas para fixarem o valor das subvenções devidas aos partidos políticos nelas representados e adequadas às respetivas necessidades de organização e de funcionamento decorrente, segundo a interpretação defendida pela ALRAM, do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, na redação dada pela Lei 4/2017, em conjugação com o artigo 5.º desta última, relativamente a todo o período anterior ao exercício económico de 2014 em que o citado artigo 8.º, n.º 3, projeta os seus efeitos. Consequentemente, e nessa mesma medida, tal preceito continuaria a ser inconstitucional, mesmo que o argumento da ALRAM fosse procedente.
15 - Em segundo lugar, há que aprofundar o argumento deduzido pela ALRAM a partir da sua base hermenêutica.
A Lei Orgânica 5/2015 surge na sequência da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pelo Acórdão 801/2014, das alterações introduzidas à Lei 19/2003 pela Lei 55/2010, quanto à competência do Tribunal Constitucional para fiscalizar a matéria das subvenções à atividade parlamentar auferidas por grupos parlamentares ou deputados, tanto na Assembleia da República, como nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, alterações essas que a mesma Lei 55/2010 considerou revestirem natureza interpretativa (cf. o respetivo artigo 3.º, n.º 4, na redação dada pela Lei 1/2013, de 3 de janeiro, igualmente declarado inconstitucional pelo mesmo aresto). Deste modo, quando o legislador de 2015 recuperou o essencial da solução de 2010 quanto à competência para a fiscalização das subvenções atribuídas à atividade parlamentar, agora por via de lei orgânica, colocava-se a questão de saber a partir de que exercício económico é que a mesma seria aplicável. E, em vez de se limitar a atribuir caráter interpretativo, como fizera em 2010, optou por fixar um exercício económico determinado, a partir do qual a entrega das contas no Tribunal Constitucional, para que este as fiscalize, passa a dever incluir as contas dos grupos parlamentares e deputados: o exercício económico de 2014.
Portanto, o sentido e alcance do artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015 reporta-se exclusivamente à determinação do momento a partir do qual o Tribunal Constitucional é competente para a fiscalização das contas dos partidos políticos - "matéria adjetiva de atribuição de competência", na perspetiva do Acórdão 711/2013 -, nelas incluindo as dos grupos parlamentares ou deputados da Assembleia da República ou das Assembleias Legislativas das regiões autónomas. O regime substantivo das subvenções parlamentares em causa ou não foi afetado de todo em todo - é o que se passa relativamente às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, em que tal matéria permaneceu regulada no âmbito dos respetivos regimes orgânicos -; ou sem modificações essenciais - como sucedeu no caso da Assembleia da República, por via da nova redação dada ao n.º 4 do artigo 5.º da Lei 19/2003, sedes materiae na sequência da transposição sistemática operada pela Lei 55/2010, a partir do artigo 47.º da LOFAR (cf. supra o n.º 9.2.1).
Segundo o entendimento preconizado pela ALRAM, a referência contida no artigo 5.º da Lei 4/2017 ao artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015 corresponde a uma remissão: vale para a previsão da norma do citado artigo 5.º a estatuição da norma deste artigo 3.º, de tal modo que também a Lei 4/2017 projeta os seus efeitos para o exercício económico de 2014.
No que ora interessa, tudo se passaria, assim, como se o legislador de 2017 tivesse adotado uma técnica legislativa similar à por si utilizada em 2010 e em 2015, mas, agora, em relação à competência para a própria atribuição de subvenções aos partidos pelos órgãos das regiões autónomas, nomeadamente no que se refere à fixação da quantia em dinheiro a atribuir pelo Presidente da Assembleia Legislativa, na sequência de requerimento de cada partido representado nessa Assembleia Legislativa. Recorde-se que, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, tal matéria integra a reserva de lei estadual (cf. supra o n.º 9.1). Nesta perspetiva, a nova redação dada ao artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, pelo artigo 2.º da Lei 4/2017 - substituindo a redação anterior dada pela Lei Orgânica 5/2015, que se limitava a acolher no âmbito da Lei 19/2003 a (nova) competência do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização de contas dos grupos parlamentares e deputados, atribuída pelo artigo 1.º da mesma Lei Orgânica, por via da modificação do artigo 9.º, alínea e), da Lei do Tribunal Constitucional -, visaria, justamente - e exclusivamente - habilitar as Assembleias Legislativas das regiões autónomas a fixarem o valor pecuniário das subvenções a atribuir.
É a essa luz que se pode compreender a remissão do artigo 5.º da Lei 4/2017 para o artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015: a nova competência atribuída pela Lei 4/2017 - a de as Assembleias Legislativas das regiões autónomas fixarem nos respetivos regimes orgânicos a quantia em dinheiro adequada às necessidades de organização e de funcionamento dos partidos nelas representados e destinada a ser-lhes atribuída a título de financiamento público dos partidos políticos -, à semelhança do que sucedeu com a nova competência de fiscalização em matéria de contas de partidos políticos atribuída em 2010 e 2015 ao Tribunal Constitucional, nomeadamente a fiscalização das contas dos grupos parlamentares e deputados, seria aplicável - no sentido de valer para todos os efeitos - «ao exercício económico de 2014 e seguintes».
16 - Sem prejuízo da admissibilidade de outras interpretações do citado artigo 5.º da Lei 4/2017 e, bem assim, da sua articulação com o artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, a verdade é que a interpretação defendida pela ALRAM não é implausível. Com efeito, a mesma encontra sustentação nos planos teleológico e sistemático e tem na letra da lei «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil), exigível para que deva ser considerada. Acresce que os trabalhos preparatórios da mesma Lei - acessíveis a partir de https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40679 - são consistentes com a interpretação que a ALRAM faz dos preceitos em questão.
A Lei 4/2017 contém três artigos com disposições substantivas e inovatórias: a redução das subvenções públicas e dos limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais (artigo 1.º), alterações aos artigos 5.º, n.º 8, e 12, n.º 9, da Lei 19/2003 (artigo 2.º) e um "travão" quanto aos encargos adicionais, por referência ao montante total anual de 2015, dos apoios pecuniários para a atividade política, parlamentar e partidária, atribuídos por cada uma das Assembleias Legislativas das regiões autónomas (artigo 3.º).
As reduções definitivas de subvenções públicas e dos limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais a que se refere o artigo 1.º da mesma Lei substituem as reduções temporárias previstas nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 3.º da Lei 55/2010, na redação dada pela Lei 1/2013, de 3 de janeiro, sendo por isso estas últimas revogadas pelo artigo 4.º, n.º 1, da Lei 4/2017 (o n.º 2 desse preceito revoga igualmente a Lei 62/2014, de 26 de agosto, que veio interpretar autenticamente o n.º 2 do artigo 3.º da Lei 55/2010). Daí que, no quadro da interpretação que a ALRAM faz do artigo 5.º da Lei 4/2017, em relação a tais reduções a norma do mesmo artigo 5.º não tenha qualquer sentido útil: as reduções temporárias estabelecidas em 2010, deviam, de acordo com a redação originária do artigo 3.º da Lei 55/2010, vigorar até 31 de dezembro de 2013; e este termo final foi adiado, pelas Leis n.os 1/2013 e 62/2014, até 31 de dezembro de 2016.
Existiriam, assim, dois blocos normativos na Lei 4/2017: por um lado, a redução definitiva de subvenções e de limites máximos de despesas em campanhas eleitorais, a que correspondem os artigos 1.º e 4.º; por outro lado, a atribuição de competência às Assembleias Legislativas das regiões autónomas para fixarem o valor pecuniário de subvenções a atribuir aos partidos políticos nelas representados, a que correspondem os artigos 2.º, 3.º e 5.º
Este último artigo - o 5.º - seria, segundo a perspetiva subjacente à argumentação da ALRAM, inspirado em soluções passadas para o mesmo tipo de problema: a relevância da competência atribuída ex novo a um dado órgão em momento anterior ao fixado para o início de vigência da lei que atribui tal competência. E a retroatividade de efeitos jurídicos nele preconizada só teria sentido relativamente à aludida competência conferida ex novo às Assembleias Legislativas das regiões autónomas. Por outro lado, a mesma competência conexionar-se-ia igualmente com o aludido "travão" ou limite ao aumento de encargos em consequência dos apoios pecuniários atribuídos por aquelas Assembleias.
No que se refere aos trabalhos preparatórios, certo é que os projetos de lei cuja apresentação determinou o início do procedimento legislativo que culminou na aprovação da Lei 4/2017 respeitavam apenas à matéria que veio a ser objeto dos seus artigos 1.º, 4.º e 6.º (entrada em vigor). Consequentemente, a discussão conjunta desses projetos, na generalidade, apenas incidiu sobre tais matérias (cf. o Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 28 de outubro de 2016, pp. 4 a 14). Aprovados os projetos, os mesmos baixaram à comissão de especialidade (1.ª Comissão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias). Aí, em 14 de dezembro de 2016, os Grupos Parlamentares do PSD, CDS/PP e PS apresentaram propostas de alteração ao Projeto de Lei 315/XIII (PSD), traduzidas no aditamento dos artigos 1.º-A, 1.º-B e 2.º-A, os quais no diploma final - a Lei 4/2017 - correspondem, respetivamente, aos artigos 2.º, 3.º e 5.º O quadro comparativo dos projetos, incluindo as aludidas propostas de alteração ao Projeto de Lei 315/XIII, elaborado para efeito de discussão na especialidade, não deixa margem para qualquer dúvida a tal propósito. Todos os artigos do Projeto de Lei 315/XIII, incluindo os artigos aditados foram aprovados por unanimidade na Comissão (cf. a ata da reunião de 16 de dezembro de 2016). Submetido o texto final preparado pela Comissão à votação em reunião plenária - que se realizou no dia 16 de dezembro de 2016 -, foi o mesmo aprovado sem votos contra e com a abstenção do PAN (cf. o Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 17 de dezembro de 2016, pp. 37 e 38).
17 - Deste modo, e de acordo com a perspetiva assumida pelo órgão autor da norma, a legitimidade constitucional do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto fundar-se-ia na competência da ALRAM, atribuída pelo artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, na redação dada pela Lei 4/2017, em conjugação com o artigo 5.º da mesma Lei, para fixar a quantia em dinheiro a atribuir aos partidos nela representados, a título de financiamento público aos partidos políticos, pelo menos desde o exercício económico de 2014.
Contudo, ainda que se pudesse aceitar como correta a interpretação defendida pela ALRAM quanto à conjugação do artigo 5.º da Lei 4/2017 com o artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, a verdade é que nem assim a inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto seria afastada, porquanto a atribuição à mesma Assembleia Legislativa de uma tal competência com base no artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, na redação dada pela Lei 4/2017, coloca diversos problemas de constitucionalidade, que são prévios e põem em causa a aplicabilidade do mesmo por este Tribunal.
Na verdade, a defesa da não inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto por parte da ALRAM pressupõe a aplicabilidade de uma lei estadual - a Lei 4/2017 - que lhe confere, enquanto Assembleia Legislativa de região autónoma, competência para fixar a quantia em dinheiro a atribuir aos partidos nela representados. Deste modo, ficaria afastada a objeção que esteve na base do juízo positivo de inconstitucionalidade do Acórdão 26/2009. Todavia, e porque iura novit curia, existindo problemas de constitucionalidade com o pressuposto normativo da validade constitucional daquela norma do Decreto, não pode este Tribunal deixar de os apreciar, em ordem a determinar se, afinal, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto satisfaz todas as exigências constitucionais. Ponto é que o possa fazer.
18 - Prima facie, a circunstância de se tratar de uma questão de direito colocada num feito submetido ao julgamento do Tribunal aponta no sentido da admissibilidade desse conhecimento incidental, desconsiderando a norma em causa, com base diretamente no artigo 204.º da Constituição ou em razões análogas às que justificam tal preceito. Mas, em sentido inverso, poderá objetar-se com a diferença do tipo de fiscalização em causa - aqui, fiscalização abstrata; no artigo 204.º, fiscalização concreta - e, bem assim, com o princípio do pedido, tal como consagrado no artigo 51.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Em primeiro lugar, cumpre ter presente que o artigo 204.º da Constituição, apesar de se encontrar na base do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, não preclude o genérico poder dos tribunais de interpretarem e aplicarem a lei em vista da específica missão que constitucionalmente lhes compete: «administrar a justiça em nome do povo» (artigo 202.º da Constituição). Para o fazerem, e uma vez que os tribunais «apenas estão sujeitos à lei» (artigo 203.º da Constituição), não podem deixar de resolver todas as questões jurídicas quanto à determinação do direito a aplicar nas suas decisões (iura novit curia). Assim, atenta a unidade de uma ordem jurídica que tem o seu fundamento último na Constituição (artigo 3.º, n.º 3), devem os tribunais observar sempre a "legalidade" - ou porventura mais exatamente, a cadeia de legitimidade - do direito, desaplicando as normas que reputem ilegais. É o que sucede com a desaplicação de regulamentos ou leis ilegais. Nesse sentido, pode entender-se com Gomes Canotilho e Vital Moreira:
«IV. Os tribunais apenas estão sujeitos à lei. A "lei" designa aqui obviamente não apenas as leis em si mesmas (art. 112.º-1) mas também todas as demais normas que constituem a ordem jurídica, a começar, naturalmente, pela Constituição que é a lei fundamental da República.
Quando exista discrepância entre normas de hierarquia diferente ou quando exista qualquer relação de precedência ou preferência normativa decorrente da Constituição ou (se for caso disso) da lei, então os tribunais devem desaplicar a norma subordinada (norma inconstitucional, norma regulamentar ilegal, etc.), Tal como o tribunal deve em cada caso aferir da conformidade constitucional das normas aplicáveis (art. 204.º), deve igualmente verificar a sua conformidade com todas as normas a que elas devem sujeitar-se (normas internacionais, europeias, legais, etc.).
É óbvio que sendo o Estado constitucional informado pelo princípio do Estado de direito, a subordinação à lei significa subordinação a normas legítimas, isto é, normas materialmente válidas: jurisdição significa "dizer o direito", não o "não direito". Por outro lado, o princípio do Estado de direito implica a sujeição aos princípios jurídico-materiais inerentes ao estado democrático-constitucional.
[...]
IX. A recusa de aplicação judicial de normas inconstitucionais não é mais do que a concretização do princípio geral de que os tribunais não devem aplicar normas inválidas por motivo de desconformidade com normas de grau superior ou perante as quais devam ceder. Na mesma ordem de ideias, os tribunais não devem aplicar normas que infrinjam as normas de direito internacional ou normas da União Europeia que devam respeitar, normas que sejam desconformes com as leis de valor reforçado, normas infralegislativas que desrespeitem qualquer norma legal, normas regulamentares que infrinjam outros regulamentos de grau superior, etc. A diferença está em que das respetivas decisões não cabe recurso para o TC, salvo nos casos de desconformidade equiparados à inconstitucionalidade, nos termos dos arts. 280.º e 281.º da CRP.
Trata-se de um princípio geral que decorre da própria subordinação dos tribunais à lei (em sentido amplo) expressa no art. 203.º [...], e que a Constituição não cuidou de explicitar, salvo quanto à desconformidade constitucional, justamente porque essa faculdade judicial continua a não ser universal, sendo recusada nos sistemas de fiscalização da constitucionalidade de tipo concentrado (ou "austríaco"), em que os tribunais comuns não podem recusar a aplicação de normas por inconstitucionalidade (pelo menos as normas de natureza legislativa), tendo de deferir as decisões de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional» (v. Autores cits., Constituição...cit., vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, respetivamente, anot. IV ao art. 203.º, p. 514, e anot. IX ao art. 204.º, pp. 521-522)
Ora, neste particular, e relativamente ao dever de respeitar a "legalidade" do direito, o Tribunal Constitucional, enquanto «tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 221.º da Constituição), não se encontra numa posição diferente da dos demais tribunais, pelo que também ele não pode aplicar normas ilegais lato sensu.
Em segundo lugar, quando aprecia a inconstitucionalidade de normas em processos de fiscalização abstrata, o Tribunal Constitucional está a decidir, não um qualquer «feito submetido a julgamento», mas a apreciar a validade de atos normativos, tendo em vista a declaração da sua invalidade causada por um qualquer vício com relevância invalidante. Na fiscalização preventiva, a diferença reside essencialmente em o objeto de apreciação ser um ato aprovado pelo órgão competente com vista à sua futura eventual promulgação ou assinatura como ato jurídico-público de natureza normativa sob uma das formas constitucionalmente previstas. Ora, tanto na fiscalização sucessiva, como na fiscalização preventiva, não pode o Tribunal, para cumprir a missão que constitucionalmente lhe compete, deixar de apreciar os requisitos normativos de validade desse ato, designadamente quanto ao procedimento, forma, conteúdo ou, mesmo, quanto aos pressupostos de que o Tribunal possa conhecer, atentos os limites postos pelo princípio do pedido. Tal é, manifestamente, o caso dos pressupostos normativos vinculados, já que o Tribunal não pode ignorar o direito que vigora (iura novit curia), tendo o poder-dever de o aplicar da forma mais correta possível.
Assim sendo, e relativamente ao princípio do pedido, cumpre esclarecer, a propósito da resolução de questões prévias de legalidade, que não está em causa alargar o objeto da decisão do Tribunal a preceitos cuja apreciação não foi pedida pelo requerente: não é um problema de determinação ou delimitação do objeto do pedido - o qual é apurado em face dos termos do requerimento inicial. Diferentemente, a questão coloca-se a partir da verificação de uma relação de conexão normativa entre o objeto do pedido e outras normas que detenham um caráter paramétrico relativamente àquelas.
Problemas desta índole podem surgir nos casos de parametricidade de normas interpostas entre a Constituição e outras normas de direito ordinário. São paradigmáticos, mas não únicos, os casos de lei de autorização legislativa ou de lei de bases, relativamente aos correspondentes decretos-leis ou decretos legislativos regionais autorizados ou decretos-leis ou decretos legislativos regionais de desenvolvimento: estando em causa a fiscalização abstrata da constitucionalidade dos segundos, pode o Tribunal, no quadro da sua apreciação, ver-se confrontado com uma questão de inconstitucionalidade referente aos primeiros diplomas, que, correspondendo a pressupostos da validade dos segundos, não podem deixar de relevar como questão prévia. Tal questão consiste em esclarecer se, as normas paramétricas interpostas, existem e estão aptas a desempenhar essa função paramétrica, e sobre a mesma não pode o Tribunal Constitucional deixar de se debruçar, sob pena de ver os seus poderes de garantia da Constituição coartados.
Deste modo, sendo a aplicabilidade da Lei 4/2017 invocada pelo órgão autor da norma como pressuposto de validade das normas objeto do presente processo, a validade constitucional de tal Lei, na parte em que respeita às normas objeto do processo - in casu ao artigo 8.º, n.º 3, do Decreto - constitui igualmente um pressuposto de validade do ato normativo em que se integram essas normas e, portanto, uma questão prévia a resolver pelo Tribunal no quadro da sua apreciação.
Sobre este aspeto pronuncia-se expressamente Jorge Miranda, salientando os poderes de cognição do Tribunal Constitucional em situações deste tipo:
«Requerida a apreciação da constitucionalidade ou da legalidade de uma norma, nada impede que o Tribunal Constitucional aprecie também a de outra, nela implícita ou contida.
Na fiscalização sucessiva, o Tribunal deve conhecer das inconstitucionalidades consequentes, quando a sua enunciação, embora não explicitada, resulte de todo indissociável de uma apreciação global do pedido. O artigo 51.º, n.º 5, da Lei 28/82, sistematicamente entendido, permite tal conhecimento.
Tal como parece poder responder-se positivamente ao problema simétrico: chamado a apreciar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de uma norma que se funda noutra norma legal (por exemplo, a norma de um decreto-lei autorizado, o qual pressupõe lei de autorização), ele pode também apreciar esta segunda norma, desde que haja uma relação necessária entre uma e outra.» (v. Autor cit., Manual de Direito Constitucional, tomo VI, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 301-302).
O próprio Tribunal, no seu Acórdão 624/97, também admitiu expressamente essa possibilidade (ainda que, no caso, estivesse em causa um processo de fiscalização da legalidade, e não de constitucionalidade):
«[T]endo o Tribunal Constitucional [...] o poder-dever de não considerar, nos processos de fiscalização abstrata de legalidade de normas, previstos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição, como parâmetros de aferição dessa mesma legalidade, leis com valor reforçado, leis gerais da República ou disposições dos estatutos das regiões autónomas que colidam com a Constituição, deve o Tribunal Constitucional, no âmbito dos referidos processos, recusar, como questão prejudicial, a essas mesmas normas o valor de padrão ou de parâmetro aferidor do juízo de legalidade, sempre que elas sejam inconstitucionais [...].»
Por força do disposto no artigo 51.º, n.º 5, da LTC, tem, portanto, o Tribunal Constitucional competência para conhecer da questão prévia sub iuditio atinente à disciplina introduzida pela Lei 4/2017. Saliente-se, ainda, que a validade da mesma não só é assumida pelo requerente como, mesmo que tal não sucedesse, este não teria competência para suscitar a fiscalização sucessiva da respetiva constitucionalidade, atenta a legitimidade que decorre do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição; tal como não teve legitimidade para desencadear um processo de fiscalização preventiva em relação ao decreto - o Decreto 55/XIII - que antecedeu a Lei 4/2017, atento o disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição.
Assim, e atendendo à cadeia normativa que se apresenta nos autos de acordo com a perspetiva assumida pelo órgão autor da norma - em que a validade das normas do artigo 8.º, n.º 3, é necessariamente condicionada pela existência e validade das normas do artigo 2.º da Lei 4/2017, na parte em que altera o artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, e do artigo 5.º do mesmo diploma, que confere eficácia retroativa à referida alteração - o não conhecimento de tal questão prévia implicaria, além de uma omissão de pronúncia, não só a mencionada diminuição dos poderes do Tribunal Constitucional em sede de garantia da Constituição, como uma restrição da própria legitimidade do requerente, no que se refere à fiscalização preventiva de normas constantes de decretos legislativos regionais que lhe tenham sido enviados para assinatura.
19 - Os problemas de constitucionalidade mais evidentes colocados pela atribuição às Assembleias Legislativas das regiões autónomas da competência para fixar a quantia em dinheiro a atribuir aos partidos nelas representados, a título de financiamento público aos partidos políticos, nos termos do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, na redação dada pela Lei 4/2017, resultam da essencialidade de tal competência para a definição da subvenção em causa.
Note-se que, comparando com a subvenção paralela prevista para os partidos representados na Assembleia da República, todos os pressupostos desta última fixados nos n.os 1, 2, 3 e 6 do artigo 5.º da Lei 19/2003, estão igualmente fixados no n.º 8 do mesmo artigo em relação à subvenção regional, com exceção do quantum - aquilo que expressivamente o legislador diz ser a "consistência" da subvenção em causa (cf. o n.º 2 do citado artigo 5.º). Portanto, a aludida competência regional não respeita a um aspeto marginal, acessório, secundário ou adjetivo: a fixação pelas Assembleias Legislativas das regiões autónomas da quantia em dinheiro a atribuir a título de subvenção aos partidos nelas representados corresponde a um elemento essencial da subvenção em causa.
Por outras palavras, no respeitante à determinação da quantia a atribuir - isto é, à definição dos critérios de quantificação da subvenção a pagar - aos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas adequada às suas necessidades de organização e de funcionamento, é a própria Assembleia da República que, por via da Lei 4/2017, comete essa competência àquelas Assembleias Legislativas, determinando ainda que tal competência seja concretizada no «diploma que estabelece a orgânica dos serviços da respetiva Assembleia Legislativa», ou seja, num dado decreto legislativo regional.
Ora, esta atribuição legal de competência às Assembleias Legislativas regionais contraria, desde logo, a proibição constitucional de delegação de poderes não constitucionalmente prevista decorrente dos princípios da fixação constitucional da competência dos órgãos de soberania e da indisponibilidade de competências (v., respetivamente, os artigos 110.º, n.º 2, e 111.º, n.º 2, ambos da Constituição).
19.1 - Tal conclusão afigura-se óbvia no quadro de uma reserva de lei estadual constitucionalmente fundada em matéria de financiamento público de partidos políticos - nos termos sufragados pela jurisprudência constitucional (cf. supra o n.º 9.1, em especial com referência aos Acórdãos n.os 376/2005 e 26/2009): se a competência para atribuir subvenções aos partidos é constitucionalmente cometida aos órgãos de soberania, estes, sem permissão constitucional expressa, não podem delegá-la ou transferi-la para as regiões autónomas.
Nesse sentido, afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a propósito do princípio da indisponibilidade de competências:
«Ele significa que nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou do poder local pode "transferir" para outros órgãos "poderes" que só a eles foram constitucionalmente atribuídos. Este princípio é um corolário lógico do princípio do Estado de direito democrático: se as competências constituem a medida de poder correspondente a cada órgão, impõe-se não deixar subverter a ordenação de competências através de "delegações" ou "transferências" de poderes. [...] As consequências práticas mais relevantes, sob o ponto de vista constitucional, do princípio da indisponibilidade de competências são: [...] (c) a proibição de renúncia a competência, sendo nulos os atos dos órgãos de soberania cujo objeto seja a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência.
VII. A Constituição admite algumas exceções ao princípio da indisponibilidade de competências, mas a possibilidade de delegação de poderes tem de ter fundamento normativo expresso, constitucional ou legal. Exige-se determinação normativo-constitucional, relativamente aos poderes (dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local) individualizados e definidos pela Constituição [...]; exige-se reserva de lei autorizativa de delegação, relativamente aos poderes dos mesmos órgãos, cuja definição se encontra na lei, mediante expressa autorização constitucional [...].
VIII. A última parte do n.º 2 [do artigo 111.º] - delegação de poderes expressamente prevista "na lei" - pode dar origem a interpretações incorretas. Pelo menos em relação aos órgãos de soberania, cuja competência é, nos termos do art. 110.º-2, a definida na Constituição, não se vê como possa haver delegação de poderes que não esteja prevista na Constituição. A lei ordinária é incompetente para autorizar qualquer outra delegação de poderes. O mesmo raciocínio deverá fazer-se em relação a toda a competência constitucionalmente definida para qualquer outro órgão, desde logo os órgãos das regiões autónomas e do poder local. A possibilidade de a lei autorizar a delegação de poderes deve, pois, circunscrever-se aos poderes atribuídos por lei, excluindo os poderes constitucionalmente atribuídos (sem prejuízo, quanto a estes, dos casos em que a própria Constituição o autoriza). De outro modo, a lei poderia subverter, não só o princípio da separação dos órgãos de soberania (n.º 1 [do artigo 111.º]; mas, também, o princípio da fixação constitucional da sua competência (art. 110.º-2)» (v. Autores cits., Constituição... cit., vol. II, cit. anots. VI-VIII ao art. 111.º, pp. 47-48; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, anots. IV e V ao art. 111.º, p. 254; e Jorge Miranda, Manual..., cit., tomo V, 4.ª ed., 2010, p. 218 e ss.)
19.2 - À mesma conclusão chegará igualmente quem acompanhe o entendimento expresso na declaração de voto do Conselheiro Pamplona de Oliveira, junta ao Acórdão 26/2009: discordando da existência da aludida reserva de lei estadual após a revisão constitucional aprovada pela 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 24 de julho, aquele Conselheiro equacionou o problema no quadro da competência legislativa regional prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, em conjugação com o artigo 46.º da citada Lei Constitucional, o qual, no caso da Região Autónoma da Madeira, remete para o artigo 40.º do respetivo Estatuto Político-Administrativo a definição do âmbito material da competência dessa Região Autónoma. Verificando que este preceito não contempla a matéria do financiamento dos partidos políticos, haverá que, segundo tal entendimento, retirar a consequência de que o princípio da indisponibilidade de competências, nos termos anteriormente referidos, não permite que, sem prévia modificação do EPARAM - modificação essa, cuja iniciativa, nos termos do artigo 226.º, n.os 1 e 4, da Constituição, não depende da Assembleia da República - seja conferida às Assembleias Legislativas das regiões autónomas - ou para elas transferida - uma competência que constitucionalmente não lhes cabe imediatamente. Com efeito, e continuando a seguir o citado entendimento, enquanto a matéria correspondente à competência em apreço não constar do EPARAM, a mesma competência pertence aos órgãos de soberania, não podendo por eles ser transferida para as regiões autónomas.
20 - Deste modo, no que se refere ao argumento invocado pela ALRAM - que pressupõe a aplicação retroativa da nova redação dada ao n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003 pelo artigo 2.º da Lei 4/2017 (cf. supra o n.º 13) -, quer se conclua pela sua improcedência, em virtude de o mesmo assentar numa interpretação errónea do artigo 5.º da Lei 4/2017, já que este preceito não visaria atribuir efeitos retroativos ao n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003, com a nova redação; quer tal improcedência resulte da necessária desconsideração com fundamento em inconstitucionalidade dos efeitos retroativos daquela nova redação reportados aos exercícios económicos de 2014, 2015 e 2016, certo é que o direito a uma subvenção anual conferido no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação que lhe é dada pelo Decreto, aos partidos que hajam concorrido a eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira e que nela obtenham representação destinada a satisfazer as suas necessidades de organização e funcionamento corresponde a uma modalidade de financiamento de partidos políticos, não prevista na versão do regime orgânico da ALRAM vigente à data da aprovação do Decreto, e para cuja definição, por via de decreto legislativo regional, esta não é constitucionalmente competente. Por isso, a interpretação autêntica daquele preceito feita no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, em vista da sua projeção para os exercícios económicos anteriores a 2017 - é esse, e só esse, o âmbito de aplicação temporal do preceito em causa -, é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Acresce que, para decidir a questão de constitucionalidade colocada pelo requerente, não tem o Tribunal de indagar a razão de ser última de tal inconstitucionalidade orgânica, já que, por qualquer uma das vias equacionadas - a da reserva de lei estadual, seja ela delimitada nos termos em que o fez o Acórdão 376/2005 ou nos termos do Acórdão 26/2009, ou a da falta de enunciação da matéria no estatuto político-administrativo -, o juízo positivo de inconstitucionalidade é certo e fundado no mesmo parâmetro.
C) A inconstitucionalidade material do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto
21 - O vício orgânico do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, em virtude da incompetência da ALRAM para proceder à interpretação autêntica do artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação que lhe é dada pelo mesmo Decreto, embora constitua condição suficiente para impedir a assinatura desse diploma sem que aquele preceito seja modificado, suprimindo-se a referência ao artigo 47.º, n.º 1, não exclui que a alteração se limite à eliminação do referido vício, deixando incólume a referência do mesmo artigo ao artigo 46.º, n.º 1, do mencionado Decreto Legislativo Regional. Ou seja, aquele vício, só por si, é insuficiente para impedir que, com uma formulação que atribua caráter interpretativo apenas ao artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto volte a ser enviado ao requerente para assinatura. Aliás, e como resulta da precedente análise, o artigo 8.º, n.º 3, contém duas normas interpretativas distintas - uma referida à nova redação dada ao artigo 46.º, n.º 1, e outra referida à nova redação dada ao artigo 47.º, n.º 1, ambos do Decreto Legislativo Regional 24/89/M -, e não apenas uma.
Impõe-se, por isso, apreciar igualmente a inconstitucionalidade material do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto invocada pelo requerente.
22 - A inconstitucionalidade em causa baseia-se numa alegada violação do princípio da legalidade, na sua dimensão de precisão ou determinabilidade das leis, ancorado no artigo 2.º da Constituição, em virtude de o citado artigo 8.º, n.º 3, estatuir a sua aplicação «aos exercícios económicos anteriores», sem que se precise quais os exercícios concretamente em causa.
Em primeiro lugar, cumpre ter presente que o conceito de "exercício económico" é corrente e perfeitamente determinado no âmbito da prestação de contas dos partidos políticos, correspondendo ao ano civil, de 1 de janeiro a 31 de dezembro (cf. o artigo 14.º da Lei 19/2003, de 20 de junho).
Depois, cabe recordar o sentido normativo da interpretação autêntica operada por esse artigo 8.º, n.º 3: conforme referido supra no n.º 6, o seu alcance é apenas o de remover eventuais dúvidas quanto à legitimidade de subvenções já atribuídas (e, com toda a probabilidade, já despendidas) na vigência do Decreto Legislativo Regional 24/89/M até 31 de dezembro de 2016 - último dia do último exercício económico anterior àquele que já se localiza no âmbito de aplicação temporal dos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a nova redação dada pelo Decreto -, a título de apoio à atividade parlamentar dos grupos parlamentares e dos deputados (artigo 46.º, n.º 1, com a redação dada pelo Decreto) ou a título de apoio aos próprios partidos e, portanto, destinadas à atividade partidária fora do quadro da sua representação parlamentar (artigo 47.º, n.º 1, com a redação dada pelo Decreto).
Inexiste, portanto, qualquer indeterminabilidade.
No que se refere aos «exercícios económicos anteriores» a ter em conta, e mesmo sem considerar os efeitos retroativos da Lei 4/2017 invocados pela ALRAM na sua pronúncia (v. o respetivo n.º 19), estão em causa todos aqueles a que se aplicaram as normas dos artigos 46.º e 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a redação anterior à que lhes foi dada pelo Decreto, ou seja, até ao ano de 2016, inclusive.
Quanto aos efeitos visados, está em causa clarificar a legitimidade de subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e deputados e aos partidos políticos, desde que as mesmas se reconduzam aos tipos previstos no n.º 1 dos artigos 46.º e 47.º daquele Decreto Legislativo Regional, com a nova redação, e tenham considerado as finalidades referidas nesses preceitos.
Pelo exposto, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, não viola o princípio da precisão ou determinabilidade das leis, ancorado no artigo 2.º da Constituição. Não sendo evidente nenhuma outra inconstitucionalidade material de que o Tribunal possa conhecer, nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, conclui-se não dever o Tribunal pronunciar-se pela inconstitucionalidade material do preceito em causa.
D) A inconstitucionalidade orgânica do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto
23 - O artigo 2.º do Decreto pretende aditar um novo artigo 48.º-A ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, definindo o que pode compreender-se como um estatuto próprio dos antigos deputados à ALRAM: nos termos do n.º 1 do citado artigo 48.º-A, são "antigos deputados" aqueles que tiverem exercido o mandato de deputados na ALRAM durante pelo menos quatro anos, cabendo-lhes, nessa qualidade, um conjunto de posições jurídicas subjetivas. Como o próprio requerente reconhece, trata-se de situação paralela à que consta do artigo 28.º do Estatuto dos Deputados à Assembleia da República ("EDepAR").
O requerente sustenta, ainda, que o legislador regional não tem competência para disciplinar tal matéria, uma vez que a mesma integra a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (cf. os artigos 164.º, alínea m) - com referência à aprovação do estatuto dos titulares de órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio direto e universal - e 161.º, alínea b) - com referência à aprovação dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas -, ambos da Constituição). Consequentemente, o referido artigo 2.º seria, nessa parte, inconstitucional por violar o disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Já o órgão autor da norma, reconhecendo embora alguma proximidade entre as duas citadas disposições - o artigo 48.º-A pode ter colhido inspiração no artigo 28.º, mas o seu alcance é muito mais modesto -, começa por discordar que o preceito aditado pelo Decreto ao regime orgânico da ALRAM se reconduza a um status em sentido próprio: trata-se «de uma norma que, em concreto, confere a quem tenha exercido pelo período mínimo de quatro anos o mandato de deputado na [ALRAM], os seguintes direitos, (i) cartão de identificação próprio, previsto no n.º 1, bem como (ii) e (iii) livre trânsito e assistência às reuniões plenárias, ambos nas condições especificadas no n.º 2» (n.º 27 da pronúncia). Ou seja, «[e]mbora imbuído de um assumido reconhecimento público pelo pretérito exercício do cargo político, o legislador mais não fez do que agraciar os antigos titulares do cargo de deputado com a distinção dum acolhimento privilegiado em relação ao visitante comum, mas desacompanhado de quaisquer benefícios tangíveis suplementares» (n.º 31 da pronúncia).
E, em qualquer caso, para a ALRAM, os direitos que a Constituição tem em vista relativamente ao «estatuto dos titulares de cargos políticos» (artigo 117.º) são os direitos relacionados com a qualidade de órgãos e titulares de órgão político, sendo que os direitos e regalias referidos a tal propósito se encontram ligados ao exercício do cargo (cf. o n.º 34 da pronúncia). Ora, «não sendo os antigos deputados titulares dos deveres, responsabilidades, incompatibilidades e imunidades a que alude o artigo [117.º], n.º 2 da CRP e sendo os direitos e regalias ali referidos inerentes ao exercício do cargo, naturalmente que toda e qualquer regalia ou benefício atribuído a quem já não o exerce nem é seu titular, não se encontram circunscritos ao "núcleo essencial" da credencial estatutária» (n.º 35 da pronúncia).
O requerente e o órgão autor da norma colocam duas questões referentes ao estatuto dos titulares de cargos políticos, que, sendo relacionadas, têm autonomia: a questão da relevância estatutária da matéria, isto é, do conjunto das posições jurídicas subjetivas a considerar, e a questão da competência para disciplinar matéria com relevância estatutária.
Cumpre apreciá-las.
24 - No que se refere à primeira questão, verifica-se, desde logo, que a disciplina contida nos n.os 1 a 4 do artigo 48.º-A do regime orgânico da ALRAM, segundo as alterações introduzidas pelo Decreto, é claramente inspirada no artigo 28.º do EDepAR. Aliás, como o requerente sublinha, existe uma «considerável similitude entre o estatuto do "antigo deputado" e suas associações constante do Estatuto dos Deputados [...], e as soluções normativas que, correspondentemente, o legislador regional agora pretende para o "antigo deputado regional"» (n.º 34). A mesma é mais rica do que a ALRAM pretende fazer crer e, sobretudo, não pode ser reduzida a um mero, ainda que «assumido reconhecimento público pelo pretérito exercício do cargo político». Assim, confrontando os dois preceitos, observa-se que:
Em ambos os casos, o estatuto de "antigo deputado" é conferido a quem exerceu o mandato durante pelo menos quatro anos;
Em ambos os casos se prevê que os "antigos deputados" têm direito a um cartão de Deputado próprio (nos termos do EDepAR) ou de identificação próprio (nos termos do novíssimo artigo 48.º-A) (os próprios cartões seguem estruturas muito próximas, como decorre do Anexo V do Decreto e do Despacho 1/95, de 24 de fevereiro, do Presidente da Assembleia da República, que regula os Direitos dos Antigos Deputados e dos Deputados Honorários, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, de 3 de março de 1995);
Em ambos os casos se prevê que os "antigos deputados" têm direito a livre trânsito no edifício das respetivas assembleias (n.º 2 do artigo 48.º-A e n.º 2 do artigo 28.º do EDepAR);
Em ambos os casos se prevê que os "antigos deputados" podem beneficiar de outros direitos e regalias que venham a ser fixados, respetivamente, por despacho do Presidente da Assembleia da República ou por despacho do Presidente da Assembleia Legislativa Regional (artigo 28.º, n.º 3, do EDepAR e artigo 48.º-A, n.º 2);
Em ambos os casos se prevê a possibilidade de reconhecimento de interesse parlamentar às associações constituídas por "antigos deputados", decorrendo desse reconhecimento a possibilidade de as associações terem certos benefícios - «apoio logístico à sua atividade» (artigo 48.º-A, n.º 3) ou «direitos e regalias» (artigo 28.º, n.º 3 do EDepAR) - que vierem a ser fixados por despacho do presidente do órgão.
Em segundo lugar, há que apreciar se existe ou não alguma correlação estatutariamente relevante entre os "deputados em funções" e os "antigos deputados", tal como previstos no EDepAR, ou se correspondem a realidades independentes. E a resposta é positiva, desde logo porque só pode ser "antigo deputado" quem já tiver exercido as funções de deputado. Mais: a importância e sentido da "figura" do "antigo deputado" resulta da projeção, positivamente valorada pelo legislador, da atividade dos antigos deputados sobre a atividade dos deputados atualmente em funções e do próprio parlamento.
Existe, por conseguinte, uma conexão e dependência entre a figura do "antigo deputado" e os deputados em funções, a qual justifica a respetiva previsão no EDepAR.
De resto, a previsão do artigo 117.º, n.º 2, da Constituição consente ao legislador um amplo espaço de conformação dos diferentes estatutos - relativamente aos direitos e regalias dos Deputados à Assembleia da República, apenas condicionado pelo disposto no artigo 158.º da Constituição, que, também ele, abre a possibilidade de o legislador ir mais além do que aí se encontra previsto -, pelo que, deve ser em função do exercício concreto dessa mesma liberdade constitutiva do legislador que se afere o que, em cada caso, se deva ter como "núcleo essencial" de uma dado estatuto. Por outras palavras, e no caso dos Deputados à Assembleia da República, o "núcleo essencial" do respetivo estatuto é um conceito não determinável com base apenas na Constituição; há que, para além dela, e por causa das remissões que a mesma faz para a lei ordinária, considerar também as opções realizadas pelo legislador na definição de tal estatuto.
Por isso, a menos que inexista uma qualquer conexão relevante entre os direitos e regalias legalmente previstos e as funções dos titulares dos cargos públicos (relevando in casu a situação dos Deputados à Assembleia da República) - caso em que se poderá falar de mero "privilégio injustificado" -, não pode deixar de afirmar-se uma coincidência entre a perspetiva formal e a perspetiva material: os direitos pessoais e as regalias formalmente previstos no estatuto devem ser havidos como matéria estatutária. Ou seja, quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista formal, os direitos e regalias reconhecidos aos "antigos deputados" integram, por escolha legislativa, o estatuto dos Deputados à Assembleia da República, a menos que ostensivamente se trate de meros "privilégios", isto é, posições jurídicas subjetivas sem qualquer conexão estatutariamente relevante com o exercício do cargo de Deputados.
Deste modo, é exata a afirmação do requerente de que «a aquisição do estatuto de "antigo deputado" constitui um direito dos deputados em sentido próprio ou efetivo» (n.º 45, itálico adicionado). Com efeito, o «estatuto de "antigo deputado" permite ao respetivo titular beneficiar de alguns direitos e regalias que são típicos dos deputados em funções quando deixam de o ser [...]» (ibidem). E, tal como sucede nesses casos, esses direitos e regalias dos "antigos titulares" não são independentes; antes constituem um aspeto em que se analisa o estatuto dos titulares dos cargos públicos em causa.
Importa agora analisar a relevância estatutária formal e material da situação dos antigos deputados à Assembleia da República.
24.1 - O EDepAR prevê, desde a versão originária da Lei 7/93, de 1 de março, a categoria de antigos deputados:
«Artigo 26.º
Antigos Deputados
1 - Os antigos Deputados que tenham exercido mandato de Deputado, durante pelo menos, quatro anos, têm direito a um cartão de identificação próprio.
2 - Os antigos Deputados a que se refere o número anterior têm direito de livre trânsito no edifício da Assembleia da República.
3 - Os Deputados a que se refere o presente artigo têm ainda as regalias que vierem a ser fixados por despacho do Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
4 - Os Deputados que tenham exercido as funções de Presidente da Assembleia da República gozam de estatuto próprio, fixado nos termos do número anterior.»
Por força da renumeração resultante das alterações introduzidas pela Lei 8/99, de 10 de fevereiro, a matéria passou a constar do artigo 28.º, o qual, na sequência das alterações introduzidas pela Lei 3/2001, de 23 de fevereiro - entre elas, a previsão das «associações de interesse parlamentar» - e, bem assim, pelas Leis 9/2001, de 13 de março e 43/2007, de 24 de agosto, dispõe do seguinte modo (a Lei 16/2009, de 1 de abril, referida pelo requerente e que aprovou a última alteração ao EDepAR, não modificou o artigo 28.º):
«Artigo 28.º
Antigos Deputados
1 - Os antigos Deputados que tenham exercido mandato de Deputado durante, pelo menos, quatro anos têm direito a um cartão de identificação próprio.
2 - Os antigos Deputados a que se refere o número anterior têm direito de livre trânsito no edifício da Assembleia da República.
3 - Os Deputados a que se refere o presente artigo, ou associação ou associações que entre si resolvam constituir, nos termos gerais, quando reconhecidas pelo Plenário da Assembleia da República como associações de interesse parlamentar, podem beneficiar dos direitos e regalias que vierem a ser fixados por despacho do Presidente da Assembleia da República, ouvidos a Conferência de Líderes e o conselho de administração.
4 - Os Deputados que tenham exercido as funções de Presidente da Assembleia da República gozam de estatuto próprio, fixado nos termos da última parte do número anterior.»
Desta evolução pode extrair-se a conclusão de que a figura do "antigo deputado" se encontra presente no EDepAR desde a versão originária de 1993.
24.2 - E, de um ponto de vista jurídico-material, há que assinalar que a figura em causa se encontra incindivelmente ligada ao estatuto dos deputados.
Fernando Amaral sublinha que a mesma pretendeu «manter laços de relacionamento entre a A.R. e os Deputados que por ela passaram, no exercício do seu mandato, por um período de 4 anos, pelo menos» (cf. Autor cit., Estatuto dos Deputados - notas e comentários, Assembleia da República, Lisboa, 1995, p. 111). Trata-se da aquisição automática por quem deixou de ser deputado de um estatuto correlacionado com o estatuto de deputado em funções, na sequência do exercício de funções como deputado por um período mínimo de quatro anos. Como refere aquele Autor:
«[A a criação da figura do "antigo deputado"] pretendeu garantir um salutar relacionamento, ainda que ténue, dos Deputados da A.R. com aqueles que desempenharam funções no exercício do seu mandato pelo período de quatro anos, pelo menos. Esse relacionamento será um interessante veículo para fortalecer amizades e despertar solidariedades sempre vantajosas para quem exerce o mandato de Deputado. Além disso, permite que os que deixaram de ser Deputados continuem, de algum modo, ligados à sede das suas vivências políticas como Deputados. É que não se passa impunemente pela A.R., não só pela diversa e rica experiência vivencial que ela proporciona, no âmbito dos espaços políticos, mas, também, pelo relacionamento social, cultural e humano que promove. Além disso, a gratificante oportunidade de ter sido Deputado constitui motivo plenamente justificado, para os que o foram se mantenham ligados aos que continuam e permanecem na atividade parlamentar» (cf. ob. cit., p. 112).
O "antigo deputado" surge, assim, teleologicamente, como um estatuto associado ao desempenho do mandato parlamentar por um período mínimo de quatro anos, justificando-se, por um lado, como reconhecimento do parlamento àqueles que o serviram por períodos consideráveis, como refere o autor da norma; e, por outro, como resultado da consciência de que a manutenção da ligação entre antigos e atuais deputados é algo não só do interesse dos segundos, como, também, dos próprios espaços políticos que acolhem a vida parlamentar.
24.3 - A análise dos dados jurídico-positivos realizada comprova a importância reconhecida pelo legislador à figura dos "antigos deputados" e permite encontrar na mesma uma racionalidade que justifica a respetiva inclusão no estatuto dos Deputados à Assembleia da República, a que se reporta o artigo 117.º, n.º 2, da Constituição, e que constitui matéria integrada na reserva absoluta da sua competência legislativa, conforme previsto no artigo 164.º, alínea m), do mesmo normativo.
25 - Antes de analisar o estatuto dos deputados à ALRAM, em ordem a apreciar a inconstitucionalidade orgânica imputada ao artigo 48.º-A aditado pelo Decreto ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, cumpre recordar a especialidade competencial prevista em relação à definição daquele estatuto.
Como o órgão autor da norma refere (cf. o n.º 36 da sua pronúncia), a Constituição prevê no seu artigo 231.º, n.º 7, que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas seja definido nos respetivos estatutos político-administrativos. Tal matéria integra, portanto, a reserva de estatuto regional. Nesse sentido, salientou-se no Acórdão 92/92:
«7 - Depois da revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional 1/82, de 30 de setembro), a Constituição da República passou a dispor, no n.º 5 do artigo 233.º, que "o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respetivos estatutos político-administrativos". Estes - os estatutos regionais -, tal como já sucedia na versão originária da Constituição [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º; e, ainda, o artigo 302.º, n.º 3], têm que ser aprovados pela Assembleia da República. A iniciativa dos respetivos projetos cabe, no entanto, às respetivas assembleias regionais [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].
Devendo o estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros do governo regional e membros das assembleias regionais: cf. artigo 233.º, n.º 1) constar do respetivo estatuto político-administrativo e tendo este que ser aprovado pela Assembleia da República, embora mediante iniciativa das assembleias regionais, era de entender que o estatuto destes últimos se incluía na reserva de lei estatutária a que se referia o n.º 5 do artigo 233.º.»
Gomes Canotilho e Vital Moreira observam a este propósito:
«O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da Assembleia e membros do Governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º 7), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (art. 117.º), bem como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime constitucional dos deputados da AR [...]. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum da AR (v. art. 164.º/m), nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional [...] Mas nada parece impedir que os estatutos - que não podem "delegar" essa matéria em decreto regional - sejam "regulamentados" por diploma regional [...]» (v. Autores cits., Constituição..., cit., vol. II, cit., anot. VI ao art. 231.º, p. 699).
Antes da introdução do preceito pela Lei Constitucional 1/82, não existia, portanto, a reserva de estatuto em matéria de estatuto dos deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas. Tal determinou que, tanto na Região Autónoma da Madeira, como na Região Autónoma dos Açores, surgissem diplomas regionais sobre o estatuto dos respetivos deputados, em adaptação das normas contidas no estatuto geral dos deputados aprovado, então, pela Lei 5/76, de 10 de setembro: o Decreto Regional 1/81/A, de 23 de março, e o Decreto Regional 9/81/M, de 2 de maio. Posteriormente, a matéria veio a ser regulada nos estatutos político-administrativos.
Hoje em dia, tanto o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei 39/80, de 5 de agosto, na redação dada pela Lei 2/2009, de 12 de janeiro), como o EPARAM contemplam tal matéria (cf., respetivamente, os artigos 92.º a 105.º e os artigos 20.º a 35.º, quanto aos deputados à ALRAM, e 64.º a 68.º, quanto aos membros do Governo Regional).
26 - Analisando o estatuto dos deputados à ALRAM contido no EPARAM, em especial no que se refere aos respetivos direitos e regalias, verifica-se que o mesmo sempre assentou num princípio de equiparação estatutária - equiparação entre o estatuto daqueles deputados e o estatuto dos Deputados à Assembleia da República -, mormente por via de uma remissão para o EDepAR. De resto, isso mesmo é expressamente reconhecido pelo requerente, a propósito do artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM («[p]or equiparação os deputados gozam ainda dos demais direitos, regalias e imunidades atribuídos aos Deputados aÌ Assembleia da República, consagrados constitucionalmente ou no respetivo Estatuto»):
«Esta última disposição inserida no EPARAM pretende, como aí se afirma, uma equiparação estatutária em termos de direitos, regalias e imunidades, entre os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e os Deputados à Assembleia da República. Assim, quaisquer direitos, regalias ou imunidades que não se encontrem previstos no EPARAM para os deputados regionais, mas que estejam consagrados no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República ou na Constituição para estes últimos, serão extensíveis aos primeiros.» (n.º 43 do requerimento)
Com efeito, logo na versão aprovada pela Lei 13/91, o EPARAM previa, quanto aos direitos e regalias dos deputados, o seguinte:
«Art. 22.º Os deputados gozam dos seguintes direitos e regalias:
a) Adiamento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
b) Livre trânsito em local público de acesso condicionado, no exercício das suas funções ou por causa delas;
c) Cartão especial de identificação e passaporte especial;
d) Subsídios e outras regalias que a lei prescreva.» (itálico aditado)
A parte final do disposto na alínea d) do artigo 22.º contém uma remissão para a lei, remissão essa que deve ser entendida como feita para uma lei que preveja "outras regalias de deputados" não previstas no EPARAM. Ora, dada a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de estatuto dos titulares dos órgãos de soberania (artigo 164.º, alínea m), da Constituição), e sendo a Assembleia da República o único órgão de soberania do tipo assembleia que, tal como as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, detém poderes legislativos (artigos 110.º, n.º 1, e 161.º, alínea c), ambos da Constituição), a remissão em causa não pode deixar de ser entendida como feita à eventual lei da Assembleia da República que, para os deputados da Assembleia da República, conferisse "regalias" não previstas nas restantes alíneas do mesmo artigo 22.º Considerando que, à data, vigorava o Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei 3/82, de 13 de março (e alterada pelas Leis 94/89, de 29 de novembro e 98/89, de 29 de dezembro), a mesma remissão referia-se, pois, a esse Estatuto ou a outras leis da Assembleia da República que, em matéria de direitos dos deputados, o viessem completar ou substituir. E, de facto, tal Estatuto veio a ser revogado pelo EDepAR, aprovado pela Lei 7/93, de 1 de março.
Na redação do EPARAM atualmente em vigor, resultante, na parte que ora interessa, das alterações introduzidas pela Lei 130/99, a matéria dos direitos e regalias dos deputados à ALRAM consta do artigo 24.º, o qual resultou da fusão dos anteriores artigos 21.º, n.º 2, e 22.º (cf. o artigo 22.º da mencionada Lei 130/99) e tem a seguinte redação:
«Artigo 24.º
Direitos
1 - Os deputados gozam dos seguintes direitos:
a) Adiamento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
b) Livre trânsito em locais públicos de acesso condicionado, no exercício das suas funções ou por causa delas;
c) Cartão especial de identificação;
d) Passaporte diplomático;
e) Subsídios e outras regalias que a lei prescreva;
f) Seguros pessoais;
g) Prioridade nas reservas de passagem nas empresas de navegação aérea que prestem serviço público durante o funcionamento efetivo da Assembleia ou por motivos relacionados com o desempenho do seu mandato.
2 - Os deputados têm direito, por sessão legislativa, a duas passagens aéreas entre a Região e qualquer destino em território nacional.
3 - Os deputados têm ainda direito, por sessão legislativa, a duas passagens, aéreas ou marítimas, entre a Madeira e o Porto Santo.
4 - A falta de deputados por causa de reuniões ou missões da Assembleia Legislativa Regional a atos ou diligências oficiais a ela estranhos constitui sempre motivo justificado de adiamento destes, sem qualquer encargo.
5 - Ao deputado que frequentar curso de qualquer grau ou natureza oficial é aplicável, quanto a aulas e exames, o regime mais favorável entre os que estejam previstos para outras situações.
6 - Os deputados que, no exercício das suas funções ou por causa delas, sejam vítimas de atos que impliquem ofensa à vida, à integridade física, à liberdade ou a bens patrimoniais têm direito a indemnização.
7 - Os factos que justificam a indemnização são objeto de inquérito determinado pelo Presidente da Assembleia, o qual decide da sua atribuição, salvo e na medida em que os danos estejam cobertos por outros meios.
8 - Por equiparação os deputados gozam ainda dos demais direitos, regalias e imunidades atribuídos aos deputados à Assembleia da República, consagrados constitucionalmente ou no respetivo Estatuto.»
Este n.º 8 do artigo 24.º do EPARAM não só confirma a interpretação anteriormente preconizada quanto à remissão contida na parte final do artigo 22.º, alínea d), do mesmo Estatuto, como reitera a remissão para o estatuto dos Deputados à Assembleia da República.
Mas, mais importante ainda, é a consagração expressa do aludido princípio de equiparação estatutária como razão fundante de tal remissão. Isto é, em matéria de direitos, regalias e imunidades dos deputados à ALRAM, o legislador estatutário, considerando juridicamente equiparável a dignidade daqueles deputados à dignidade dos Deputados à Assembleia da República, decidiu que os primeiros devem gozar dos direitos e regalias consagrados no EPARAM, e ainda - como expressamente refere - de todos aqueles direitos e regalias (não consagrados no EPARAM) que são reconhecidos aos Deputados à Assembleia da República pelo respetivo estatuto.
Saliente-se que idêntica opção político-legislativa foi realizada no tocante aos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Com efeito, o artigo 97.º do respetivo Estatuto Político-Administrativo dispõe do seguinte modo:
«Artigo 97.º
Direitos, regalias e imunidades dos deputados
O Estatuto dos Deputados à Assembleia da República é aplicável aos deputados à Assembleia Legislativa no que se refere aos direitos, regalias e imunidades constitucional e legalmente consagrados, com as necessárias adaptações e de acordo com as especificidades consagradas no presente Estatuto e no respetivo regime legal de execução.»
27 - Como referido, este entendimento não é questionado pelo requerente. O que este contesta é que a figura do "antigo deputado", introduzida pelo novo artigo 48.º-A do regime orgânico da ALRAM, se possa conter no âmbito daquela equiparação.
27.1 - Em primeiro lugar, sustenta o requerente que, sendo o "antigo deputado" uma figura a se, prevista apenas no EDepAR e até hoje sem correspondência no EPARAM, não pode a mesma ser transposta para o âmbito deste último. «Caso ela já existisse [no quadro do EPARAM], poderia considerar-se a possibilidade de uma "equiparação", nos termos em que se encontra disposto para os deputados em funções. Porém, para que qualquer equiparação possa operar, é necessário que ambos os normativos em relação contemplem a figura ou o estatuto cuja equiparação se pretenda fazer ocorrer. O que não é o caso, pois a figura do "antigo deputado" existe apenas no Estatuto dos Deputados e não no EPARAM» (n.º 44 do requerimento).
Subjaz a este argumento um entendimento segundo o qual, os "deputados em funções" e os "antigos deputados", tal como previstos no EDepAR, correspondem a realidades independentes. Mas não é assim, pois, como já evidenciado, a importância e sentido da figura do antigo deputado resulta da projeção, positivamente valorada pelo legislador, da atividade dos antigos deputados sobre a atividade dos deputados atualmente em funções e do próprio parlamento.
Daí a conclusão da existência de uma conexão e dependência entre a figura do "antigo deputado" e os deputados em funções que, do ponto de vista jurídico-material, justifica a respetiva previsão no EDepAR, a título de matéria com relevância estatutária.
Mais: a evolução legislativa do tratamento do "antigo deputado" pelo EDepAR permite demonstrar que tal figura se encontra presente naquele Estatuto, desde a versão originária do mesmo, constante da Lei 7/93, de 1 de março (artigo 26.º). Tal significa que a equiparação a que procedeu o artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM, na versão de 1999, teve necessariamente em conta a existência, no âmbito do EDepAR, daquela figura. Consequentemente, de um ponto de vista jurídico-formal, também nada justifica a exclusão da figura do "antigo deputado" do âmbito da equiparação prevista no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM.
27.2 - Questão diversa, e que pode suscitar dúvidas no caso em apreciação, é a de saber se, integrando a figura do "antigo deputado" o estatuto dos Deputados à Assembleia da República - e, nessa medida, sendo abrangida pela equiparação prevista no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM -, e sendo o estatuto dos deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas matéria de reserva estatutária (artigo 231.º, n.º 7, da Constituição), ainda há espaço para uma autónoma intervenção do legislador regional, nos termos intencionados pelo autor do Decreto. Recorde-se a posição Gomes Canotilho e Vital Moreira acima transcrita: ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que «tal matéria não cabe na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional» (cf. supra o n.º 25). Na verdade, inexistindo tal espaço, o artigo 48.º-A, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, invadiria a aludida reserva estatutária e, consequentemente, teria de ser considerado inconstitucional, por dispor sobre matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República (cf. o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 161.º, alínea b), ambos da Constituição).
27.2.1 - Todavia, são os mesmos Autores que formulam um princípio de resposta: «nada parece impedir que os estatutos - que não podem "delegar" essa matéria em decreto regional - sejam "regulamentados" por diploma regional» (ibidem).
No mesmo sentido, Rui Medeiros sublinha que o princípio da reserva estatutária decorrente do artigo 231.º, n.º 7, da Constituição não deve ser «absolutizado, não se podendo olvidar que, não apenas por razões pragmáticas, mas também por força da dignidade normativa e da rigidez da lei estatutária, não se deve exigir dos estatutos uma regulamentação exaustiva e de pormenor desta matéria de reserva estatutária» (cf. Rui Medeiros/Tiago Fidalgo de Freitas/Rui Lanceiro, Enquadramento, págs. 46-47, cit. apud Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, anot. IX ao art. 231.º, p. 410).
De resto, é isso mesmo que se encontra previsto, com referência às necessárias adaptações, no artigo 97.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (cf. supra o n.º 26). Com efeito, nos termos desse preceito, o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República também é aplicável aos deputados à Assembleia Legislativa no que se refere aos direitos, regalias e imunidades constitucional e legalmente consagrados, «com as necessárias adaptações». E estas, consoante o que estiver em causa, podem naturalmente ser realizadas por via normativa, mediante a aprovação de decretos legislativos regionais.
27.2.2 - A equiparação estatutária prevista no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM deve, assim, ser entendida como um princípio que não impõe a uniformidade nem a identidade das soluções por ela abrangidas. Aliás, nem tal seria conciliável com o princípio da subsidiariedade (artigos 6.º, n.º 1, da Constituição, e 11.º do EPARAM) ou com o poder de auto-organização próprio das assembleias, para mais tratando-se - como sucede no caso da ALRAM - de um órgão representativo dotado de legitimidade democrática direta. A referida equiparação significa, justamente, o reconhecimento, por parte do legislador estatutário, da igual dignidade democrática das duas assembleias e dos seus membros: a atribuição aos deputados da ALRAM dos direitos, regalias e imunidades atribuídos aos Deputados à Assembleia da República pelo respetivo estatuto, funda-se na equiparação dos primeiros aos segundos. E tal equiparação coenvolve o reconhecimento da dignidade própria da ALRAM, enquanto Assembleia Legislativa de uma região autónoma.
Deste modo, é de entender que, salvaguardadas as opções de princípio e as escolhas primárias - como, por exemplo, a criação de um estatuto do "antigo deputado" ou a previsão de assembleias de interesse parlamentar constituídas por tais deputados - realizadas pela lei da Assembleia da República que defina o estatuto dos seus deputados, o princípio da equiparação estatutária consagrado no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM habilita a ALRAM, no exercício do seu poder de auto-organização, e sob a forma de decreto legislativo regional, a aprovar ajustamentos e adaptações ao regime dos direitos, regalias e imunidades previsto na citada lei da Assembleia da República, considerados necessários, pela própria ALRAM, em razão das suas especificidades (cf. também os artigos 37.º, n.º 1, alínea c), e 40.º, alínea vv), ambos do EPARAM).
Consequentemente, a criação do estatuto de "antigo deputado", nos termos previstos no artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, não é de per si organicamente inconstitucional, uma vez que prima facie pode ser entendido como o resultado da adaptação às especificidades regionais de uma figura ou regime igualmente consagrado no estatuto dos Deputados à Assembleia da República, designadamente no artigo 28.º do EDepAR.
Porém, daqui não se segue que todas as normas do referido artigo 48.º-A devam ser objeto de um juízo negativo de inconstitucionalidade. Aliás, tal juízo só poderá incidir sobre aquelas normas que se limitem a uma adaptação sem quebra do paralelismo ou analogia com a solução homóloga aplicável aos Deputados à Assembleia da República. A falta de solução paralela ou a contradição teleológica das soluções, essas sim, determinarão um juízo positivo de inconstitucionalidade.
28 - Uma vez que, de acordo com o pedido formulado pelo requerente, a inconstitucionalidade dos n.os 3 e 4 e 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, será objeto de apreciação autónoma, cumpre, por ora, verificar tão-somente se as mencionadas exigências subjacentes ao princípio da equiparação se mostram respeitadas no tocante às normas dos n.os 1 e 2 do mesmo preceito.
Ora, quanto a estas últimas normas, supra no n.º 24, já se apurou existir o paralelismo exigido no que se refere aos aspetos nelas contemplados: (i) o exercício de funções como deputado durante pelo menos quatro anos, como pressuposto de aquisição do estatuto de "antigo deputado"; (ii) direito a um cartão de identificação como "antigo deputado"; (iii) direito a livre trânsito dos "antigos deputados" no edifício das respetivas assembleias; (iv) previsão de os "antigos deputados" poderem vir a beneficiar, na sequência de atribuição por despacho do Presidente da Assembleia da República ou do Presidente da Assembleia Legislativa Regional, de outros direitos e regalias para além dos que já se encontram previstos no seu estatuto (cf. o artigo 28.º, n.º 3, do EDepAR e o n.º 2 do novo artigo 48.º-A).
E) A inconstitucionalidade orgânica dos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto
29 - No que se refere às associações de interesse parlamentar previstas no n.º 3 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, verifica-se, igualmente, que as mesmas têm paralelo nas associações a que se reporta o artigo 28.º, n.º 3, do EDepAR: aquelas que os antigos Deputados à Assembleia da República resolvam entre si constituir, nos termos gerais, e que o Plenário da Assembleia da República reconheça como sendo associações de interesse parlamentar.
É certo que estas últimas associações de antigos deputados são introduzidas no EDepAR apenas pela Lei 3/2001, de 23 de fevereiro - isto é, num momento posterior à segunda revisão do EPARAM operada pela Lei 130/99, de 21 de agosto, e que foi esta Lei que consagrou no EPARAM o princípio da equiparação estatutária nos termos que constam do seu artigo 24.º, n.º 8. Mas daí não decorre que a referência ao estatuto dos Deputados à Assembleia da República contida nesse preceito deva ser feita para o regime estatutário em vigor à data do início de vigência da Lei 130/99 - ou seja, para o EDepAR, na versão da Lei 8/99, de 10 de fevereiro.
Bem pelo contrário, o referido princípio da equiparação estatutária, enquanto razão fundante da remissão para o estatuto dos Deputados à Assembleia da República (cf. supra o n.º 26), impõe, pela sua própria lógica interna (cf. supra o n.º 27.2.2), que a remissão em causa revista uma natureza dinâmica e não estática, ou seja: «não visa incorporar rigidamente um certo conteúdo da norma para que se remete mas tanto o conteúdo da norma atual como o conteúdo de qualquer outra que a venha a substituir no futuro» (cf. Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1972, p. 165). Por isso, adianta o mesmo Autor, nesses casos, o que se tem em vista «não é a própria norma mas o regime jurídico da matéria a que ela respeita» (ibidem), o qual pode sofrer modificações ao longo do tempo.
30 - O requerente não suscita nenhuma específica questão de inconstitucionalidade do regime das associações de interesse parlamentar conexionada com o respeito das exigências de paralelismo de soluções subjacentes ao princípio da equiparação. Neste particular, limita-se a reconhecer que a matéria de tais associações de "antigos deputados", nos termos em que se encontra regulada no artigo 48.º-A, n.º 3, aditado pelo Decreto, «integra o próprio estatuto do "antigo deputado" (n.º 51 do requerimento). Assim, se este estatuto, globalmente considerado é inconstitucional, a disciplina nele integrada também o será (cf. ibidem, o n.º 52). Daí que, seguindo a metódica anteriormente referida relativamente à apreciação do respeito pelo princípio da equiparação estatutária (cf. supra o n.º 27.2.2), se imponha a análise de eventuais aspetos desviantes contidos nessa disciplina.
Antes, porém, cumpre apreciar uma outra questão de constitucionalidade, ainda a propósito de tais associações, que o requerente também suscita, mas que é autónoma da problemática colocada pelo referido princípio da equiparação.
31 - Sustenta o requerente que, considerem-se ou não as associações de "antigos deputados" como revestindo uma natureza política (isto é, podendo as mesmas fundar-se na liberdade de associação garantida pelo artigo 46.º da Constituição ou no direito de constituir ou participar em associações políticas, abrangido pelo disposto no artigo 51.º do mesmo normativo), «certo é que as mesmas constituem, pelo menos, manifestações da liberdade de associação garantida pelo artigo 46.º da Constituição» (n.º 53). Entende, por isso, «que o Decreto em apreço introduz uma disciplina geral quanto a um certo tipo de associação, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, que é matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não pode sequer haver (e não houve) autorização legislativa às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas» (n.º 54). Daí retirar a conclusão de que as normas dos n.os 3 e 4 (na parte referente às associações de interesse parlamentar) do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, são organicamente inconstitucionais, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, todos da Constituição (n.º 55).
Porém, quanto a este aspeto, e como é sublinhado pela ALRAM na sua pronúncia (n.os 39 a 45), o requerente labora num evidente equívoco: o regime em apreciação não interfere com o âmbito de proteção da liberdade de associação - a não ser assim, poderia equacionar-se uma eventual invasão da reserva relativa competencial da Assembleia da República. Do que se trata é - e é apenas - da especificação dos requisitos necessários ao reconhecimento do interesse parlamentar de associações de "antigos deputados" já constituídas; e não dos requisitos que presidem à constituição de tais associações.
Assim, fica afastada a invocada inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a) - pois que, não apenas inexiste uma lei de autorização legislativa, como a emissão da mesma não é na matéria em causa admissível (cf. a alínea b) desse artigo 227.º, n.º 1) - com referência ao artigo 165.º, n.º 1, alínea b), ambos da Constituição.
32 - Há aspetos da disciplina relativa às associações de interesse parlamentar contida nos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A aditado pelo Decreto ao regime orgânico da ALRAM que não têm uma correspondência exata com as previsões homólogas constantes do artigo 28.º do EDepAR. Estão em causa, nomeadamente: (i) a exigência, como requisito do reconhecimento de interesse parlamentar, de que as associações de "antigos deputados" «reflitam pluralidade partidária e democrática»; (ii) a exigência de que o reconhecimento do interesse parlamentar das associações de "antigos deputados" seja feito por maioria de dois terços do plenário da ALRAM; e (iii) a possibilidade de as mesmas associações, uma vez reconhecido o seu interesse parlamentar, beneficiarem de apoio logístico à sua atividade, a conceder por despacho do Presidente da Assembleia.
Importa, por isso, apreciar se, em relação a tais aspetos, o Decreto se limitou a uma adaptação sem quebra do paralelismo ou analogia com a solução homóloga aplicável aos Deputados à Assembleia da República; ou, ao invés, consagrou soluções que vão para além, ou mesmo contra, o que em tal domínio se encontra estabelecido no EDepAR. Somente neste último caso se imporá um juízo positivo de inconstitucionalidade, por violação da reserva de estatuto, quanto às normas do Decreto que consagrem soluções desviantes (cf. supra o n.º 27.2.2).
32.1 - A exigência, como requisito do reconhecimento de interesse parlamentar, de que as associações de "antigos deputados" «reflitam pluralidade partidária e democrática» consta do n.º 3 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, e não tem correspondência expressa no artigo 28.º do EDepAR. Contudo, a mesma exigência não suscita dificuldades de maior.
Por um lado, o "interesse parlamentar" das associações de "antigos deputados" não é dissociável do interesse parlamentar justificativo da criação da própria figura e correspondente estatuto de "antigo deputado". Ora, tal interesse, como referido supra no n.º 24.2, assenta na própria experiência, solidariedade e relacionamento dos deputados enquanto tais, e independentemente das suas filiações partidárias ou orientações políticas. Para mais, sendo a Assembleia da República um órgão de soberania e «representativa de todos os cidadãos portugueses» (artigos 110.º, n.º 1, e 147.º da Constituição), e Portugal um Estado de direito democrático baseado na soberania popular e no pluralismo de expressão e organização política democráticas (artigo 2.º da Constituição) - correspondendo, portanto, aquela Assembleia ao parlamento de uma democracia representativa -, não se concebe um interesse parlamentar que não seja simultaneamente expressão do pluralismo democrático.
Por outro lado, sendo as candidaturas às eleições para a Assembleia da República necessariamente apresentadas por partidos políticos (artigo 151.º, n.º 1, da Constituição), o pluralismo democrático no plano parlamentar é necessariamente também pluralismo partidário.
Deste modo, a pluralidade partidária e democrática é inerente ao interesse parlamentar de associações de "antigos deputados", pois só respeitado tal requisito podem essas associações contribuir, não só para o fortalecimento da amizade e solidariedade dos seus membros - finalidade em si mesma positiva, mas de natureza exclusivamente privada -, como também contribuir positivamente no espaço público e na sociedade em geral para o fortalecimento de uma cultura democrática e plural.
Este aspeto foi justamente salientado, a propósito do reconhecimento do interesse parlamentar da "AEDAR - Associação dos Ex-Deputados da Assembleia da República" (cf. o Projeto de Deliberação 7/X, do Presidente da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 68, de 10 de dezembro de 2005, que esteve na origem da Deliberação 1-PL/2006, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, de 19 de janeiro de 2006):
«A AEDAR [integra membros que] foram eleitos nas listas dos diversos partidos que tiveram assento parlamentar com vista a promover e a consolidar as relações entre si e as da Associação com todos os atuais deputados.
Esta Associação tem, portanto, no universo político um património de conhecimentos, experiência e tolerância que lhe permite dar um contributo válido em ações de divulgação política e formação democrática.
O pluralismo dos membros da AEDAR, a competência dos seus membros, a natureza, os objetivos e o seu empenhamento na Associação caracterizam-na e identificam-na como associação de interesse parlamentar, tal como é definida no n.º 3, do artigo 28.º do Estatuto dos Deputados.»
Pelas razões expostas, é de considerar que a exigência de que as associações de "antigos deputados" «reflitam pluralidade partidária e democrática», estatuída no n.º 3 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, não só não contraria o disposto no artigo 28.º do EDepAR, quanto às associações de interesse parlamentar aí previstas, como até explicita um conteúdo importante - ou mesmo, porventura, essencial - dessas mesmas associações.
32.2 - No tocante à exigência de que o reconhecimento do interesse parlamentar das associações de "antigos deputados" seja feito por maioria de dois terços do plenário da ALRAM, verifica-se que a mesma, apesar de também não ter correspondência no artigo 28.º do EDepAR, se conjuga com a exigência anteriormente analisada de as associações em causa refletirem pluralidade partidária e democrática. Recorde-se que o número dos deputados à ALRAM é significativamente mais reduzido do que o número de Deputados à Assembleia da República, o que potencia uma maior concentração da representação dos maiores partidos e uma maior facilidade na obtenção de maiorias.
A regra é a de que as deliberações dos órgãos colegiais sejam tomadas à pluralidade de votos (artigo 116.º, n.º 3, da Constituição). O próprio Regimento da ALRAM prevê no seu artigo 104.º, n.º 1, que «[s]alvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados para o apuramento da maioria». Ou seja, a exigência de maioria simples para a adoção de deliberações da ALRAM - assim como sucede em relação aos demais órgãos colegiais, nos termos do artigo 116.º, n.º 3, da Constituição - é uma regra geral que cede quando a Constituição, a lei ou os regimentos dos próprios órgãos exijam maiorias qualificadas.
Compreende-se, por isso, que o artigo 28.º, n.º 3, do EDepAR seja omisso em relação à maioria exigida para que o Plenário da Assembleia da República reconheça as associações de "antigos deputados" como associações de interesse parlamentar. Aquele Estatuto limitou-se a estabelecer a competência subjetiva e objetiva, no pressuposto de que a maioria exigida para que o Plenário delibere já se encontra fixada.
A competência para aprovação do regimento da ALRAM pertence, segundo o artigo 49.º, alínea a), do EPARAM, em concretização da previsão contida no artigo 232.º, n.º 3, da Constituição, à própria ALRAM.
Entendeu este órgão que, pelas razões ligadas à representatividade e garantias de pluralismo político-partidário exigíveis às associações de "antigos deputados" às quais seja de reconhecer interesse parlamentar, a deliberação sobre tal reconhecimento deveria ser aprovada por uma maioria qualificada de dois terços. Podia o mesmo órgão, no exercício do seu poder de autoconformação normativa e de auto-organização, ter consignado tal maioria deliberativa no respetivo regimento. Diferentemente, optou por o fazer diretamente na lei que definiu a competência para proceder a tal reconhecimento. Certo é que, esta escolha, justificada materialmente quanto ao seu conteúdo - a exigência de uma certa maioria qualificada - não deixa de também corresponder a um modo de exercício do poder de auto-organização da ALRAM, o qual, nos termos constitucionais e estatutários, se situa fora do âmbito de aplicação do princípio da equiparação estatutária consignado no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM.
32.3 - Finalmente, quanto à possibilidade, prevista no n.º 3 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto, de as associações de "antigos deputados", uma vez reconhecido o seu interesse parlamentar, beneficiarem de «apoio logístico à sua atividade», a conceder por despacho do Presidente da Assembleia, a diferença face à previsão homóloga do artigo 28.º, n.º 4, do EDepAR é a de que, neste último, se fala de «direitos e regalias». Em rigor, o referido apoio logístico é uma das possíveis expressões destes direitos ou regalias que podem ser atribuídos às associações de interesse parlamentar, pelo que não existe qualquer desconformidade. Quando muito, poderá dizer-se que os apoios possíveis a atribuir àquele tipo de associações por parte da ALRAM revestem, à partida, uma natureza mais concreta (a referência a apoio logístico exclui, por exemplo, apoios financeiros, sem que isso signifique necessariamente apoios de menor valia). Trata-se, de todo o modo, de um aspeto de pormenorização que em nada contende com a teleologia da solução prevista no EDepAR.
33 - Em suma, verifica-se que os desvios constantes da disciplina das associações de interesse parlamentar contida nos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A, introduzido pelo Decreto no regime orgânico da ALRAM, relativamente à disciplina do mesmo tipo de associações consagrada no artigo 28.º do EDepAR, não põem em causa nem contrariam o princípio da equiparação estatutária consignado no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM. Consequentemente, as normas dos n.º 3 e 4 do citado artigo 48.º-A não são organicamente inconstitucionais.
F) A inconstitucionalidade consequente do artigo 5.º do Decreto
34 - As conclusões relativamente à invocada inconstitucionalidade orgânica dos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação dada pelo Decreto - nomeadamente no sentido de não dever ser emitido um juízo positivo de inconstitucionalidade - são relevantes para a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada pelo requerente quanto ao artigo 5.º do Decreto.
O requerente considera estar em causa tão-somente uma inconstitucionalidade consequente: sendo a previsão normativa que cria um estatuto especial para as associações constituídas por antigos deputados com base no respetivo reconhecimento como associações de interesse parlamentar organicamente inconstitucional, também é inconstitucional «a norma contida no artigo 5.º do Decreto em apreço, que, sob a epígrafe "Associações de interesse parlamentar", estabelece que "Para efeitos do regime previsto nos n.os 3 e 4 do artigo 48.º-A é reconhecido à "Aedal-Ram - Associação dos Ex-Deputados da Alram" o estatuto de associação e interesse parlamentar." (n.º 56 do requerimento).
Com efeito, o citado juízo negativo de inconstitucionalidade referente às mencionadas normas do artigo 48.º-A, vale igualmente para a norma do artigo 5.º do Decreto. Acresce que não são evidentes outras inconstitucionalidades que pudessem afetar a norma em causa.
G) A inconstitucionalidade orgânica dos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto
35 - O requerente chama ainda a atenção para a circunstância de a disciplina contida nos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação dada pelo Decreto, não ter qualquer paralelo com o disposto no artigo 28.º do EDepAR ou em qualquer outro preceito desse diploma, retirando de tal ausência de paralelismo a conclusão de que, independentemente das razões para essa imprevisão na legislação nacional, a mesma implica que tal disciplina seja inconstitucional por invasão da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do disposto nos artigos 161.º, alínea b), e 164.º, alínea m), da Constituição (n.º 60 do requerimento, com referência ao seu n.º 52).
Como se referiu supra no n.º 27.2.2, a questão suscitada pela falta de previsão no artigo 28.º do EDepAR de solução homóloga à consagrada no Decreto Legislativo Regional 24/89/M releva, atento o disposto no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM, de uma eventual invasão da reserva de estatuto consagrada no artigo 231.º, n.º 7, da Constituição, a qual ocorrerá, desde logo, nos casos de ausência no referido EDepAR de solução paralela correspondente a uma opção primária ou essencial para o estatuto dos Deputados à Assembleia da República.
Assim como a criação do estatuto de "antigo deputado" representa uma escolha político-legislativa primária por parte do legislador nacional, a definição das condições de perda de tal estatuto não pode deixar de revestir idêntica natureza. Consequentemente, a disciplina inovatória de tal matéria pelo legislador regional não se mostra habilitada pelo princípio da equiparação estatutária consignado no artigo 24.º, n.º 8, do EPARAM. Por isso, tratando a disciplina em causa de matéria que, segundo o artigo 231.º, n.º 7, da Constituição, deveria constar do citado Estatuto Político-Administrativo, a mesma não pode deixar de ser tida como inconstitucional, face ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
36 - Esta inconstitucionalidade orgânica da disciplina contida nos n.os 5 e 6 do artigo 48.º-A do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, aditado pelo Decreto, não pode ser afastada por qualquer reformulação desses preceitos e impede a renovação de iniciativas legislativas tendo por objeto a perda do estatuto de antigo deputado sem que, previamente, seja alterada: (i) a legislação nacional relativa ao estatuto dos Deputados à Assembleia da República; ou (ii) a disciplina contida no EPARAM, de modo a contemplar autonomamente a possibilidade de perda do estatuto de antigo deputado. Assim, considerando a relação de precedência do vício de inconstitucionalidade orgânica arguido pelo requerente relativamente à mesma dimensão normativa dos citados preceitos daquele artigo 48.º-A, fica prejudicado o interesse no conhecimento da respetiva inconstitucionalidade material.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide, com referência ao decreto legislativo regional intitulado "Oitava alteração do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, que estabelece a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira", aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em 23 de fevereiro de 2017, que foi enviado para assinatura ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira:
a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 8.º, n.º 3, do citado decreto legislativo regional, na parte em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo decreto legislativo regional enviado para assinatura, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa;
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 48.º-A, n.os 5 e 6, aditado ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, pelo artigo 2.º do decreto legislativo regional enviado para assinatura, por violação dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa;
c) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas do citado decreto legislativo regional objeto do presente pedido de fiscalização preventiva.
Lisboa, 6 de abril de 2017. - Pedro Machete - Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração) - Fernando Vaz Ventura - Maria Clara Sottomayor (de acordo com a declaração de voto anexa) - Maria José Rangel de Mesquita - Claudio Monteiro (de acordo com a declaração de voto anexa) - Teles Pereira - Maria de Fátima Mata-Mouros (com declaração de voto) - João Pedro Caupers (vencido, nos termos da declaração em anexo) - Gonçalo Almeida Ribeiro [vencido quanto à parte da alínea c) do dispositivo, nos termos da declaração da Senhora Conselheira Joana Fernandes Costa] - Joana Fernandes Costa [parcialmente vencida quanto à alínea c) do dispositivo nos termos da declaração que junto] - Catarina Sarmento e Castro (parcialmente vencida, nos termos constantes da declaração de voto junta) - Manuel da Costa Andrade.
Declaração de voto
Embora tenha votado a pronúncia de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 8.º, n.º 3 do decreto legislativo regional, na parte em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, na redação dada por aquele Decreto, deixo expresso o entendimento de que essa inconstitucionalidade se verifica independentemente do juízo de inconstitucionalidade da norma do n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação dada pela Lei 4/2007, de 16 de janeiro.
Assim, por considerar que a validade constitucional daquela norma não depende necessariamente do juízo de constitucionalidade que se faça quanto a esta, não acompanho a fundamentação a este propósito aduzida nos pontos 18, 19 e 20 do acórdão. Esta objeção não significa, porém, uma tomada de posição em sentido contrário a essa questão prévia. Simplesmente se considera que a desconformidade da norma interpretativa - artigo 8.º n.º 3 - com o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP deriva do simples argumento de que se o legislador regional não tem poderes para criar a subvenção partidária prevista no n.º 1 do artigo 47.º, na redação dada pelo Decreto, também não tem poderes para a interpretar, independentemente do sentido que lhe pretenda atribuir.
Para além de uma acentuada dimensão voluntarista, a interpretação autêntica envolve sempre um raciocínio circular: o legislador cria uma norma (lei interpretativa) que tem por referência uma outra norma por si próprio criada, manifestando-se a finalidade interpretativa numa declaração expressa nesse sentido. É por ser «dono» da norma interpretada que o legislador tem o poder para, ex voluntate, fixar o sentido dessa norma. Mas só tem legitimidade para impor a injunção contida na lei interpretativa o órgão que tem competência para ab initio produzi-la.
O legislador regional tinha competência para criar a norma do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, na redação anterior ao Decreto. Essa norma estabelecia uma subvenção destinada à atividade parlamentar dos partidos, que embora distinta da subvenção aos grupos parlamentares prevista no artigo 46.º, foi credenciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 376/2005, dada a natureza de subvenção parlamentar. Quando se pretendeu alterar o artigo 47.º, estabelecendo norma idêntica à ora questionada, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no Acórdão 26/2009 pela inconstitucionalidade orgânica, por se tratar de matéria da reserva absoluta dos órgãos de soberania. Por conseguinte, está assente que o legislador regional não tem competência para criar uma subvenção partidária, porque tal matéria é de reserva absoluta da Assembleia da República (artigos 164.º, alínea h), e 51.º, n.º 6 da CRP).
Não obstante qualificar o n.º 1 do artigo 47.º como lei interpretativa, o sentido normativo representa uma solução que não corresponde a um dos sentidos possíveis da norma anterior: enquanto a norma original estabelecia um subvenção parlamentar, a norma questionada prevê uma subvenção partidária. Por não haver qualquer controvérsia anterior quanto aos sentidos possíveis da lei anterior - o Tribunal Constitucional legitimou-a como subvenção parlamentar -, em vez de servir para interpretar ou esclarecer a disposição anterior, acaba por introduzir uma disciplina nova em matéria de financiamento partidário. Apesar de se qualificar como interpretativa, afinal é uma disposição de caráter inovador, equivalendo a norma interpretativa a uma mera "cláusula de retroatividade". E se assim é, como já decidido pelo Tribunal Constitucional, o ordenamento jurídico-constitucional não permite que legislador regional aplique retractivamente uma norma inovadora que não tem competência para criar.
O autor da norma responde ao pedido alegando que tem legitimidade para atribuir "efeitos interpretativos" à alteração do n.º 1 do artigo 47.º, "por via do n.º 8 do artigo 5.º da LFP" (Lei 19/2003, de 20 de junho - LFP -, na redação dada pela Lei 4/2017, de 16 de janeiro), «havendo, quando muito, que proceder à interpretação do preceito contido no n.º 3 do artigo 8.º em conformidade com o referido artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, ex vi artigo 5.º da Lei 4/2017». Nesta interpretação, que o acórdão aceita como possível, o autor da norma entende que o n.º 8 do artigo 5.º da LFP, ao delegar-lhe a competência para fixar o quantum da subvenção partidária prevista nessa norma, também lhe dá o poder de atribuir a essa subvenção efeitos reportados ao exercício económico de 2014.
Ora, o n.º 8 do artigo 5.º da LFP, na alteração dada pela Lei 4/2017, introduz uma disciplina nova em matéria de financiamento partidário: concede pela primeira vez aos partidos que obtenham representação na Assembleia Legislativa da região autónoma uma subvenção anual, cuja quantia é fixada pelo legislador regional. Essa norma inovadora, na parte em que concede o direito à subvenção partidária, é transposta pelo Decreto ora questionado para o n.º 1 do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro. Apesar de não ter o poder de criar uma norma com esse conteúdo, atribuiu-lhe "efeitos interpretativos", com a pretensão de lhe dar eficácia retroativa. Mas com tal técnica legislativa acaba por sair da "relação de circularidade" própria das normas interpretativas, dando sentido a uma norma que não foi por si próprio criada. Por se tratar de matéria de reserva absoluta, só o legislador da República tem competência para criar a subvenção partidária e determinar a sua aplicação retroativa.
E não se pode dizer que o tenha feito com a norma do artigo 5.º da Lei 4/2017, de 16 de janeiro, que se limita a determinar a aplicação do disposto no artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril: «para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes». O sentido desta norma não é o de atribuir eficácia retroativa à norma inovadora do n.º 8 do artigo 5.º da LFP. Se esse fosse o sentido, das duas uma: ou se concediam novas subvenções partidárias, no quantitativo fixado pelo legislador regional, com efeitos retroativos aos anos de 2014 e seguintes; ou se transformavam as subvenções já atribuídas ao abrigo artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro - que tinham natureza parlamentar - em subvenções partidárias. Nenhum destes sentidos é sugerido pelo referido artigo 5.º que se limita a determinar a aplicação da lei "para efeitos de entrega de contas no Tribunal Constitucional". As subvenções já atribuídas não alteram a natureza nem o quantitativo por força dessa disposição, apenas devem ser apresentadas nos termos definidos no diploma, designadamente na nova redação dada por essa Lei ao n.º 9 do artigo 12.º da LFP. - Lino Rodrigues Ribeiro.
Declaração de voto
Não acompanho a opção argumentativa do Acórdão quanto ao conhecimento da constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 4/2017, por entender, conforme as declarações de voto da Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros e do Conselheiro Lino Ribeiro, que o conhecimento deste argumento é desnecessário para chegar à decisão de inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 47.º, n.º 1, do Decreto.
O facto de o autor da norma ter utilizado, na resposta ao pedido do requerente, um argumento baseado na inconstitucionalidade do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 4/2017, não obriga este Tribunal, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia - como entendeu o Acórdão - a tomar dele conhecimento, entrando por caminhos argumentativos que vinculam o Tribunal em questões de constitucionalidade noutros processos.
Por outro lado, o conhecimento da inconstitucionalidade da norma interposta, num processo de fiscalização preventiva, não respeita a função que o legislador constitucional atribuiu a esta espécie de controlo de constitucionalidade de normas: aferir de inconstitucionalidades grosseiras de que estejam feridos os atos jurídico-públicos mais importantes. - Maria Clara Sottomayor.
Declaração de voto
Não acompanho a fundamentação do acórdão, na parte em que o Tribunal decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 48.º-A, n.os 5 e 6, aditado ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo decreto legislativo regional enviado para assinatura, por violação dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
1 - Ao contrário do entendimento sufragado pela maioria, não creio existir uma "correlação estatutariamente relevante" entre os deputados em funções e os antigos deputados, a ponto de estender ao regime destes últimos a reserva de competência legislativa estabelecida para a definição dos direitos, regalias e imunidades dos primeiros.
Para efeitos do disposto no artigo 117.º, n.º 2 da Constituição, considero que apenas são titulares de cargos políticos os cidadãos que concorrem para o exercício da função política, o que em minha opinião pressupõe a sua integração atual nos órgãos do poder político previstos na Constituição e a titularidade de uma competência, poder ou responsabilidade que relevem do exercício daquela função.
Ora, por maior que seja a sua relevância individual, os antigos deputados não desempenham qualquer função no sistema político, o que aliás resulta evidente da natureza das regalias de que beneficiam, tanto a nível nacional como no agora proposto regime regional. Tais regalias se enquadram perfeitamente no âmbito da definição das regras de organização e funcionamento daqueles órgãos, e por isso cabem ainda dentro dos seus poderes de autoconformação normativa.
Embora exista uma certa "conexão" entre o estatuto dos atuais e dos antigos deputados, que pode eventualmente justificar o seu tratamento normativo integrado no mesmo diploma legal, como sucede atualmente no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República, não há entre eles uma identidade material suficiente para fundar uma reserva de competência legislativa, não só porque a competência para definir o estatuto dos antigos deputados não se presume e não pode, por isso, subentender-se da competência para definir o estatuto dos deputados atualmente em funções, como também porque ela não é cristalizada em consequência da inserção sistemática do respetivo regime neste ou em qualquer outro diploma legal.
2 - O facto de não se tratar de matéria de reserva estatutária não significa, contudo, que o legislador não esteja obrigado a justificar materialmente a razão pela qual atribui aos antigos deputados determinadas regalias, nomeadamente de acesso e livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa Regional, e sobretudo, as razões pelas quais permite que essas regalias sejam retiradas.
E neste caso parece-me evidente que as normas em questão, que conferem ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional o poder de declarar a perda do estatuto de antigo deputado a quem não respeitar a dignidade da Assembleia Legislativa ou desprestigiar os seus trabalhos, são materialmente inconstitucionais à luz dos princípios constitucionais da proibição do excesso ou proporcionalidade e da igualdade.
Na verdade, se algum antigo deputado abusar do seu direito de acesso e livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa Regional e desrespeitar a dignidade do órgão ou desprestigiar os seus trabalhos, o respetivo presidente poderá fazer uso dos seus poderes de direção para fazer respeitar as normas regimentais aplicáveis, se necessário com o auxílio das autoridades policiais. Não se justifica, para salvaguardar esses valores, retirar permanentemente ao prevaricador o seu estatuto de antigo deputado, nem muito menos estabelecer, num domínio tão permeável às valorações políticas subjetivas, uma discriminação injustificada entre antigos deputados dignos e indignos. E menos ainda sem um processo devido. - Claudio Monteiro.
Declaração de voto
1 - Acompanho o sentido da pronúncia, mas não a fundamentação, no que diz respeito à inconstitucionalidade da norma que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redação agora introduzida, decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto enviado para fiscalização.
2 - Considera o Representante da República que, quanto a este aspeto, «estando em causa uma matéria - atribuição de subvenções a partidos - que não podia, até janeiro de 2017, ser concretizada pela Assembleia Legislativa, não pode esta, agora, pretender conferir "natureza interpretativa"» à redação conferida ao artigo 47.º, através do artigo 8.º, n.º 3 do Decreto (cf. n.º 22 do pedido). Concordo. Efetivamente, a atribuição dessa "natureza interpretativa" redunda num efeito retroativo proibido pela Constituição, porque pretende sanar a invalidade de atos passados, praticados pela Assembleia Legislativa num momento anterior ao da atribuição da competência para a sua aprovação.
A fundamentação do acórdão assenta na interpretação do autor da norma, segundo a qual o artigo 5.º da Lei 4/2017, em conjugação com o artigo 3.º da Lei Orgânica 5/2015, lhe conferia essa competência retroativamente.
3 - Não é esse, porém, o sentido dos referidos preceitos legais pressuposto no pedido, o qual - como acima já se referiu -, é bastante para que seja proferida uma pronúncia de inconstitucionalidade. Para além disso, a interpretação contraposta pelo autor do preceito não apresenta a virtualidade de afastar uma pronúncia de inconstitucionalidade. Efetivamente, a inconstitucionalidade orgânica de uma norma, concretamente por falta de atribuição ao órgão legislativo de competência para a produzir, não pode ser sanada pela atribuição de eficácia retroativa à competência posteriormente atribuída. Reitera-se aqui o entendimento de que os vícios de natureza orgânico-formal de uma norma legal se aferem pelas normas de competência e de forma vigentes no momento da sua emissão, sendo, em princípio, irrelevantes quaisquer alterações supervenientes de parâmetro (cf., por exemplo, o Acórdão 246/2005, ponto 5; embora o aresto se refira à alteração de parâmetro constitucional, o mesmo raciocínio é aplicável no caso).
4 - Irrelevante se torna, assim, avaliar a conformidade constitucional do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, na redação dada pela Lei 4/2017, uma vez que a norma objeto do pedido sempre seria inconstitucional, independentemente da interpretação proposta pelo autor da norma. Por esta razão não acompanho o acórdão na parte em que alargou o âmbito do presente processo de fiscalização preventiva do Decreto Regional à apreciação da Lei 4/2017, que é uma lei da República. - Maria de Fátima Mata-Mouros.
Declaração de voto
Não acompanho o sentido da decisão do Tribunal no que respeita à pronúncia de a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 8.º, n.º 3, do decreto legislativo regional em causa, na parte em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
Na base da minha dissensão está o entendimento de que a Assembleia da República podia, como fez, atribuir às assembleias legislativas das regiões autónomas competência para, dentro dos parâmetros que fixou, determinar, por via de decreto legislativo regional, o valor das subvenções a pagar aos partidos políticos representados naquelas assembleias, por conta do seu próprio orçamento.
O objetivo da norma do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição é impedir que a regulação legal primária de determinadas matérias ou aspetos substanciais do seu regime jurídico seja exercida, concorrentemente, por órgãos legiferantes, nacionais e regionais, em termos que possam implicar a adoção de regimes jurídicos conflituantes (cf., neste sentido, Acórdão 26/2009). Por isso, as regiões autónomas carecem de poderes legislativos em matérias que a lei fundamental reserva aos órgãos legislativos da República, conforme dispõe a alínea a) daquele preceito.
Tratando-se, porém, como no caso, de uma opção legislativa do órgão com competência para a tomar, julgo não só legítimo, se não mesmo constitucionalmente imposto, que, no respeito devido à autonomia financeira das regiões autónomas (artigos 227.º, n.º 1, alínea j), e 232.º, n.º 1, da Constituição), o legislador da República confira às assembleias legislativas destas regiões o poder de determinar, dentro daqueles parâmetros, os montantes das subvenções a pagar aos partidos políticos nelas representados.
Não se olvide que, por um lado, se trata de uma competência atribuída por lei aprovada por um órgão legislativo de natureza parlamentar a outros órgãos legislativos da mesma natureza (a minha posição seria bem outra se a competência tivesse sido atribuída aos governos regionais); por outro, que seria insólito, do ponto de vista da autonomia regional, que um aspeto da organização interna de um órgão regional - o mais importante órgão regional -, com repercussão financeira exclusiva no respetivo orçamento, fosse direta e completamente regulado por um órgão de soberania da República.
Não julgo, nesta linha de raciocínio, existir qualquer transferência de poderes, mas, antes, uma partilha de competências, que, sendo justificada e imposta pelo próprio princípio da autonomia financeira das regiões autónomas, não afeta, por suficientemente parametrizada, a unidade da ordem jurídica nacional. - João Pedro Caupers.
Declaração de voto
Vencida quanto à decisão constante da alínea c) do dispositivo, na parte em que não se pronuncia pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 8.º, n.º 3, do decreto legislativo regional intitulado "Oitava alteração do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro", no segmento em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo decreto legislativo regional enviado para assinatura, pelas razões que passam a expor-se:
Tal como faz o acórdão, reconheço existir uma diferença qualitativa e constitucionalmente relevante entre a «Subvenção à atividade parlamentar» e «Subvenção aos partidos», previstas e reguladas, respetivamente, nos artigos 46.º e 47.º, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, com a nova redação que agora lhe é dada.
A relevância constitucional dessa diferença reside, desde logo, no facto de, somente a competência para aprovar legislação em matéria de subvenção à atividade parlamentar se encontrar constitucionalmente atribuída às assembleias legislativas regionais por força da conjugação dos artigos 232.º, n.os 3 e 4, e 180.º, ambos da Constituição.
Conforme igualmente salientado no acórdão, entendo também que o critério relevante para resolver a questão de saber se nos movemos num ou noutro domínio pressupõe que, olhando para "além das epígrafes", se analise a "função e conformação das subvenções ou apoios financeiros concretamente em causa, em ordem a determinar se material e teleologicamente se trata de financiamento, imediato ou mediato, dos partidos políticos ou de apoio financeiro aos grupos parlamentares e aos deputados".
Ora, partindo justamente deste postulado, creio que as dúvidas que a própria maioria reconheceu existirem na finalidade do apoio reportada à «atividade política e partidária em que [os deputados] participem» - contemplada, enquanto modalidade possível de «Subvenção à atividade parlamentar», na nova redação do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M - deveriam ter sido resolvidas no sentido inverso.
Podendo embora ter antecedentes na previsão do n.º 1 do artigo 47.º do referido Decreto, com a redação anterior - em especial na referência às finalidades «contactos com os eleitores» e «outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos» (dos deputados) -, a redação agora conferida ao n.º 1 do artigo 46.º é, relativamente àquela, de âmbito, não apenas mais amplo, como, sobretudo, menos incerto ou ambíguo.
Com efeito, de acordo com a redação conferida pelo decreto em apreciação, admite-se expressamente que possam ser qualificáveis ainda como subvenções à atividade parlamentar - e sujeitas, por isso, ao regime que para estas vale - aquelas que se destinem ao financiamento da «atividade política e partidária em que [os deputados] participem» (itálico aditado).
Ao contemplar a subvenção da atividade partidária em que os deputados participem, a nova redação do n.º 1 do artigo 46.º acomoda, assim, o financiamento de um conjunto de ações que, para além de não serem confináveis já ao estrito âmbito dos encargos associáveis aos "contactos dos deputados com os eleitores e outras atividades correspondentes aos respetivos mandatos parlamentares", são insuscetíveis de serem reportadas ao funcionamento da assembleia legislativa regional e/ou a qualquer prestação "geneticamente fundada no exercício da atividade parlamentar".
Sendo de natureza partidária a atividade financiada, creio que a circunstância de nela participarem deputados não permite descaracterizá-la ao ponto necessário para torná-la subvencionável nos termos em que o pode ser a atividade parlamentar.
A solução que fez vencimento acolhe implicitamente a ideia de que, para efeitos de determinação do regime aplicável, a qualidade do interveniente se sobrepõe à natureza da atividade subvencionada, sendo suficiente para que se admita o financiamento desta em condições que, conforme o próprio acórdão reconhece, não seriam de outro modo constitucionalmente viáveis.
Por entender que, do ponto de vista material e teleologicamente fundado em que se colocou a maioria, é a natureza da atividade financiada e não a qualidade de quem nela participa o elemento de conexão relevante para a determinação do tipo de subvenção em causa, considero que o juízo a que foi sujeita a norma constante do artigo 8.º, n.º 3, do citado decreto legislativo regional, na parte em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo decreto enviado para assinatura, deveria ter sido estendido ao segmento daquela norma que confere a mesma natureza ao disposto no n.º 1 do respetivo artigo 46.º
Tratando-se, tal como ali, do financiamento da atividade partidária, entendo, em síntese, que, também na parte em que confere natureza interpretativa ao disposto no n.º 1 do respetivo artigo 46.º, o artigo 8.º, n.º 3, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo decreto enviado para assinatura, é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição. - Joana Fernandes Costa.
Declaração de voto
1 - Votei a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto Legislativo Regional em apreciação, na parte em que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional enviado para assinatura, constante da alínea a) da decisão, mas não subscrevi grande parte da fundamentação.
Desde logo, não acompanhei o disposto (em especial) nos pontos 17, 18, 19 e 20 do acórdão, já que entendi que não seria necessário que se conhecesse da constitucionalidade das normas pressupostas, constantes da Lei 4/2017, cuja apreciação não foi, aliás, pedida pelo requerente.
Também não acompanhei a fundamentação do acórdão quando se argumenta que a falta de conhecimento da questão de constitucionalidade, relativa ao que se diz ser um pressuposto normativo da validade constitucional da norma, resultaria numa nulidade por omissão de pronúncia. Na verdade, o requerente não pede a fiscalização da constitucionalidade da disciplina introduzida pela Lei 4/2017, pelo que esta não integra o objeto do pedido, sendo apenas mencionada pelo requerente como mais um argumento que utiliza para sustentar a inconstitucionalidade das normas cuja fiscalização vem efetivamente suscitada, pelo que, nos termos gerais do processo civil, o seu não conhecimento não acarretaria nulidade, como vem sendo repetidamente afirmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
A meu ver, bastaria resolver, de imediato, a questão de constitucionalidade objeto do pedido, que consistia em saber se a norma que o requerente põe em crise poderia proceder à interpretação autêntica do artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, definindo a sua produção de efeitos.
Ora, não podendo um Decreto Legislativo Regional disciplinar as matérias objeto do artigo 47.º, atinentes a financiamento partidário, não poderia proceder à sua interpretação autêntica, dispondo sobre os respetivos efeitos.
E para tal bastaria que o acórdão invocasse, como acabou por fazer, ou, uma reserva de lei estadual em matéria de financiamento público de partidos políticos, por estar cometida aos órgãos de soberania (seguindo os Acórdãos n.º 376/2005 e n.º 26/2009). Ou, o próprio quadro de competência legislativa regional que resulta da conjugação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), com o Estatuto Político Legislativo da Região Autónoma (artigo 40.º), linha de argumentação que ganhou força especial depois da revisão constitucional de 2004, já que, como o Tribunal tem vindo a dizer (veja-se, por exemplo, o Acórdão 187/2012), a função dos Estatutos Político-Administrativo das Regiões Autónomas alterou-se, desde então, e estes passaram a integrar e a complementar o modelo de repartição de competências entre a República e as Regiões. Verificando-se não constar daquele preceito do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira a matéria de financiamento dos partidos políticos, estaria vedado à Região Autónoma sobre ela dispor. O que determinaria a solução de inconstitucionalidade.
Sempre, em qualquer dos casos, a esta conclusão se chegaria sem ter de chamar qualquer norma pressuposta. Ou seja, não haveria que discutir sobre a possibilidade de atribuição legal destas competências à Assembleia Legislativa da Região Autónoma, sob invocação dos artigos 110.º, n.º 2 e 111.º, n.º 2 da Constituição.
2 - O mesmo se diga quando está em causa a norma do artigo 8.º, n.º 3, por referência ao artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional enviado para assinatura. Também em relação a esta norma se dispensaria a discussão sobre as normas pressupostas.
O raciocínio anteriormente exposto acerca da previsão do artigo 8.º, n.º 3, quando referida ao artigo 47.º, n.º 1, baseou-se no facto de a subvenção em causa neste último corresponder a um financiamento de partido político. Devido à diferente natureza das subvenções, justifica-se que, em sentido inverso, se tenha o Tribunal pronunciado acerca da outra norma retirada do mesmo preceito (8.º, n.º 3) que dispõe sobre os efeitos do artigo 46.º, n.º 1, confirmando que esta não padece de inconstitucionalidade, conforme também decide o acórdão. É que, neste caso, a norma já não dispõe em matéria de financiamento dos partidos, mas acerca do financiamento da atividade parlamentar, constituindo uma subvenção para fins funcionais parlamentares, para organização do trabalho parlamentar e instrumento de atuação parlamentar, aqui subscrevendo, como o acórdão, a distinção anteriormente efetuada pelo Acórdão 376/2005, retomada no Acórdão 26/2009 ou no Acórdão 711/2013.
Assim sendo, a regulação destas subvenções pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas sempre teria cabimento imediato na previsão constitucional do artigo 232.º, n.os 3 e 4, da CRP, que define a competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma para elaborar e aprovar o seu regimento, bem como da aplicação que este preceito reconhece do artigo 180.º da CRP, enquanto poder de autoconformação orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, independentemente de qualquer previsão estatutária.
3 - Não acompanhei a fundamentação relativamente à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma que vem alterar a disciplina do artigo 48.º-A, n.os 1 a 4. Chegaria à mesma solução de não inconstitucionalidade, mas como consequência de não considerar válido o entendimento de partida do acórdão, segundo o qual o estatuto dos antigos deputados faz materialmente parte do estatuto dos deputados, sustentado, pelo contrário, como referido no próximo ponto, que a sua definição pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma ainda relevaria da auto-organização parlamentar.
4 - Fiquei, ainda, vencida quanto à alínea b) da decisão, que se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 48.º-A, n.os 5 e 6, aditado ao Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de setembro, pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional enviado para assinatura. Havendo o acórdão emitido pronúncia no sentido da inconstitucionalidade orgânica das normas, não acompanhei essa decisão. Em meu entender, não tendo eu acolhido a principal premissa de que parte o acórdão, não chegaria à solução de inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas, que o acórdão faz derivar da violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
Segundo creio, apesar da integração formal a que o legislador procedeu, não é possível sustentar-se a integração dos direitos ou regalias previstos para o antigo deputado no estatuto material dos deputados, apesar da sua integração formal, considerando-o, ainda, conforme faz o acórdão, como estatuto de titular de cargo público, ou, no caso, de titular de órgão de governo próprio das Regiões Autónomas. O estatuto em causa nas normas em apreciação, relativo aos antigos deputados, não deve considerar-se estatuto de deputado, mas de quem o foi, muito embora possa estar associado ao desempenho anterior de mandato parlamentar, e possa ter importante função de reconhecimento do parlamento a quem nele serviu. Ao contrário do que defende o acórdão, a criação do estatuto de antigo deputado, e a definição das condições da sua perda, não é uma opção político-legislativa primária do legislador. Tendo, desde logo, em conta a concreta modelação que da sua disciplina é feita (direito a cartão de identificação; direito de livre trânsito no edifício, direito de assistir às sessões plenárias na galeria dos convidados), pode a mesma ser reconduzida ao já mencionado poder de auto-organização da Assembleia Legislativa da Região Autónoma.
Ora, rejeitando esta equiparação entre o estatuto de antigo deputado e o estatuto dos titulares efetivos do cargo em causa, não posso fazer atuar o parâmetro escolhido pelo acórdão, determinante da solução de inconstitucionalidade orgânica. Consequentemente, dissenti da pronúncia que considerou as normas violadoras do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP. - Catarina Sarmento e Castro.