I - Relatório
1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição da República e dos artigos 57.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das «normas do diploma aprovado pela Assembleia Regional da Madeira em sessão plenária de 11 de Fevereiro de 1992, sob o título 'Alterações ao Estatuto do Deputado', e como decreto legislativo regional emitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição».É que - diz o requerente - tal diploma, «pelo tratamento que dá a matéria compreendida na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, enfermará de inconstitucionalidade orgânica e formal, por ofensa ao disposto nos artigos 233.º, n.º 5, e 167.º, alínea l), da Constituição da República, bem como aos limites que o n.º 3 do artigo 115.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da lei fundamental traçam ao poder legislativo das Regiões Autónomas».
Da fundamentação aduzida pelo requerente destaca-se o que segue:
a) Conforme sugere o seu título e também decorre do respectivo artigo 22.º, o texto em análise destina-se, basicamente, a alterar o anterior diploma subordinado à mesma epígrafe, que, publicado como Decreto Regional 9/81/M, de 2 de Maio, procedeu à adaptação das normas contidas na Lei 5/76, de 10 de Setembro, por que então se regia o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República, conjugadas com as fornecidas pelo Decreto Regional 1/81/A, de 23 de Março, fornecedor do Estatuto dos Deputados da Assembleia Regional dos Açores;
b) Pela matéria que tratam, as disposições do diploma em apreço enquadram-se no âmbito normativo próprio dos estatutos dos titulares de cargos políticos, que, nos termos genéricos do n.º 2 do artigo 120.º da Constituição da República, abrange a definição dos respectivos deveres, responsabilidades e incompatibilidades, bem como dos seus direitos, regalias e imunidades, ficando a cargo do órgão legislativo competente a concretização de tais normas;
c) E, embora a Constituição da República não o estatua expressamente, o âmbito normativo dos estatutos deve entender-se estreitamente condicionado pela sua natureza de «leis organizatórias», pelo que cumpre incluir «na reserva de estatuto as atribuições das Regiões Autónomas (artigo 229.º), a sua definição, relativamente a outras pessoas colectivas territoriais (Estado, autarquias locais), formação, composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 233/5)» (Prof. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, p. 871);
d) A invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República coloca o diploma em apreço na posição de formalmente emitido a título de legislação regional;
e) Para o efeito, porém, não bastará a comprovação da existência de matérias de interesse específico para a Região, como fundamento do exercício da competência legislativa conferida por aquela alínea a), pois «essa competência define-se, em primeiro lugar, por uma delimitação positiva das fontes de normação autonómica regional, que demanda a 'densificação material' do conceito 'matérias de interesse específico' para a Região», e «determina-se, em segundo lugar, negativamente, pela dupla incidência dos princípios constitucionais da reserva de lei e da hierarquia normativa» (cf. capítulo IV, n.os 1.1 e 1.2 do parecer 68/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 221, de 23 de Setembro de 1988);
f) Logo, para que o poder legislativo regional se exerça, há que ter em atenção que «tais matérias não podem estar reservadas à competência própria da Assembleia da República ou do Governo» e que, «ao tratá-las, os órgãos legislativos regionais - para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie as 'leis gerais da República'» [cf.
ponto II, n.º 2.1, alíneas b) e c), do Acórdão 164/86, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 130, de 7 de Junho de 1986; v. ainda o n.º 3 do artigo 115.º da Constituição: «Os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra as leis gerais da República»];
g) Ou seja, e conforme ficou exposto no ponto II, n.º 1.8, do Acórdão 82/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 76, de 2 de Abril de 1986:
Se se tratar de matérias incluídas na reserva de competência da Assembleia da República ou do Governo, mas que lhes digam respeito, as Regiões, para além de disporem de poder de iniciativa legislativa [v. artigo 229.º, alínea c)], gozam do direito de se pronunciar sobre elas, seja por sua iniciativa, seja sob consulta daqueles órgãos de soberania [v. artigo 229.º, alínea g)].
Estas questões são as que, saindo já fora da competência dos órgãos regionais, todavia, respeitam a interesses predominantemente regionais, ou pelo menos merecem, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios [v.
parecer da Comissão Constitucional n.º 2/88, que remete, citando-o, para o parecer 20/77 (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 18, p. 107)].
h) Assim, e nas palavras do Acórdão 160/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 175, de 1 de Agosto de 1986, «onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', [...] não há 'interesse específico para as Regiões' que legitime o poder legislativo das Regiões Autónomas» (posição esta confirmada, por exemplo, nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.os 37/87 e 91/88, publicados no Diário da República, 1.ª série, respectivamente n.os 63, de 17 de Março de 1987, e 110, de 12 de Maio de 1988);
i) Ora, na matéria em questão, será de ter em conta que o citado Decreto Regional 9/81/M foi emanado na vigência do texto originário da Constituição da República, o qual, ao mostrar-se omisso no tocante à definição dos estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, permitiria uma interpretação no sentido de que a competência para tal definição cabia no poder legislativo conferido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da lei fundamental, por tratar-se de matéria de interesse específico para as Regiões e não reservada à competência própria dos órgãos de soberania;
j) Posteriormente, porém, com a publicação da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, foi aditado ao artigo 233.º da Constituição da República o n.º 5, por força do qual «o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos»;
l) E a Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho, veio reforçar a afirmação da competência da Assembleia da República na matéria, ao ampliar o teor da alínea l) do artigo 167.º, no sentido de incluir na reserva absoluta da sua competência legislativa a definição do estatuto de todos os órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal;
m) Por conseguinte, e de acordo com o Prof. Jorge Miranda, «os estatutos dos titulares dos órgãos (electivos)[...] das Regiões Autónomas [...] constituem matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 167.º, alínea [...] l), e 233.º, n.º 5]» (in Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp. 84-85);
n) No mesmo sentido, e ainda no domínio da primeira revisão constitucional, consideraram Gomes Canotilho e Vital Moreira que, «ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum da Assembleia da República [v. artigo 167.º, alínea g)] nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional» (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, pp. 375-376);
o) Mas, com interesse directo para a hipótese em questão, temos a afirmação de que o princípio da fixação da competência legislativa pela Constituição, como «corolário do princípio geral da competência e do princípio da separação de órgãos constitucionais (artigo 114.º)», implica «que, ocorrendo modificações das normas constitucionais de competência, os actos praticados à sombra das antigas normas são inteiramente válidos e eficazes, mas, doravante, a sua interpretação, a sua modificação, a sua suspensão ou a sua revogação têm de se fazer de acordo com as normas (assim, se um órgão praticou certo acto legislativo e depois deixou de ter competência na matéria, já não pode interpretar, suspender ou revogar tal acto» (Prof. Jorge Miranda, «O actual sistema português de actos legislativos», in Legislação - Cadernos de Ciências de Legislação, n.º 2, Outubro-Dezembro de 1991);
p) Do que ficou exposto resultará, por conseguinte, demonstrada a incompetência da Assembleia Legislativa Regional da Madeira para, no exercício do poder conferido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República, proceder à definição do estatuto dos seus deputados, ainda que isso apenas represente a modificação, ou mesmo tão-somente a interpretação, do anterior Decreto Regional 9/81/M, de 2 de Maio, surgido quando o texto da lei fundamental não lhe retirava expressamente a competência nessa matéria;
q) Consideração de incompetência essa que se colocará em relação ao diploma agora aprovado, no conjunto das suas normas, uma vez que a amplitude e a sistemática postas na sua elaboração, com vista a dar corpo ao Estatuto do Deputado da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, parecem sugerir um propósito de normação em bloco, conducente à necessidade de reavaliar, no novo contexto de que passaram a fazer parte, mesmo as normas que, quando encaradas isoladamente, não tragam qualquer novidade em relação ao quadro estatutário já em vigor;
r) Mas, ainda que assim se não entenda, acresce que algumas das normas fornecidas pelo diploma em apreço apresentam inovações substanciais, não só em relação ao Estatuto do Deputado aprovado pelo citado Decreto Regional 9/81/M, como também no confronto com o Estatuto Político-Administrativo aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, onde, em conformidade com o determinado pelo n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, o Estatuto dos Deputados consta da secção II do capítulo I do título II (aliás, o novo tratamento dado à matéria no Estatuto Político-Administrativo, conjugado com a mencionada perda de competência por parte da Assembleia Legislativa Regional, justificará o entendimento de que isso terá conduzido à revogação tácita do anterior Estatuto, fornecido pelo Decreto Regional 9/81/M);
s) Nomeadamente, estão na situação agora referida os seguintes preceitos do diploma regional em apreço:
a) A alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, onde o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo, é ampliado com a referência a «factos anteriores à eleição» susceptíveis de fazerem incorrer na perda de mandato, por incapacidades ou incompatibilidades;
b) O n.º 5 do mesmo artigo 8.º, que confere a qualquer deputado o direito de recurso previsto no n.º 2 do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo;
c) A retirada do n.º 1 do mesmo artigo 8.º da condenação por participação em organizações de ideologia fascista, incluído pelo n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo, no elenco das causas de perda de mandato, em sintonia com o estabelecido para Assembleia da República na alínea d) do n.º 1 do artigo 163.º da Constituição;
d) O n.º 1 do artigo 12.º, que não só alarga a previsão do n.º 1 do artigo 21.º do Estatuto Político-Administrativo, a fim de impedir a audição não autorizada dos deputados como declarantes e arguidos, como lhe retira a limitação referente ao período de funcionamento efectivo da Assembleia Legislativa Regional;
e) O n.º 1 do mesmo artigo 12.º, que, indo além do previsto no artigo 21.º do Estatuto Político-Administrativo, aplica aos deputados o regime de que gozam os militares quanto a aulas e exames:
f) A alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º, que amplia o alcance da alínea b) do artigo 22.º do Estatuto Político-Administrativo, através da omissão da referência «no exercício das suas funções ou por causa delas»;
g) O artigo 16.º, que, embora sem correspondente no Estatuto Político-Administrativo, representará, em matéria de deslocações, um sistema substancialmente diferente do aplicável aos deputados à Assembleia da República, nos termos do artigo 15.º da Lei 3/85, de 13 de Março;
h) Os n.os 1 a 3 do artigo 19.º, que divergem do artigo 23.º do Estatuto Político-Administrativo, nas referências que fazem ao exercício de cargos de chefia e à «dispensa de todas as actividades profissionais, públicas ou privadas, durante a legislatura», e ainda na restrição colocada à contagem de tempo de serviço.
2 - Notificado o autor da norma, nos termos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nada veio ele dizer. 3 - Cumpre, então, decidir.
II - Fundamentos
4 - Dir-se-á, para começar, que objecto do pedido são todas as normas do decreto aqui sub iudicio.Na verdade, de um lado, vem pedida «a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas do diploma [...]», sem qualquer restrição. E, de outro, afirma-se, a dado passo do requerimento, que a incompetência da Assembleia Legislativa Regional da Madeira se coloca «em relação ao diploma agora aprovado, no conjunto das suas normas».
5 - Passemos, então, a analisar a questão da competência para editar as normas sub iudicio.
Dispõe-se no decreto aqui questionado, que se propôs fazer alterações ao Estatuto do Deputado:
CAPÍTULO I
Do mandato
Artigo 1.º
Natureza e âmbito do mandato
Os deputados representam toda a Região e não apenas os círculos por que são eleitos.
Artigo 2.º
Início e termo do mandato
1 - O mandato dos deputados inicia-se com a primeira reunião da Assembleia Legislativa Regional, nos termos do Estatuto Político-Administrativo, e cessa com a primeira reunião da Assembleia após as eleições subsequentes, sem prejuízo da suspensão ou cessação individual do mandato.2 - O preenchimento das vagas que ocorrerem na Assembleia, bem como a substituição temporária de deputados, são regulados pelo Estatuto Político-Administrativo e pela Lei Eleitoral.
Artigo 3.º
Verificação de poderes
Os poderes dos deputados são verificados pela Assembleia, nos termos fixados no respectivo Regimento.
Artigo 4.º
Suspensão do mandato
Determinam a suspensão do mandato:a) O deferimento do requerimento de substituição temporária, nos termos do artigo seguinte:
b) A deliberação da Assembleia para efeito de seguimento do procedimento criminal contra algum deputado, nos termos do artigo 10.º;
c) A ocorrência de situações referenciadas na Lei Eleitoral e no artigo 21.º do presente decreto legislativo regional que preencham os requisitos de incompatibilidade ou impedimento de funções.
Artigo 5.º
Substituição temporária
1 - Os deputados podem pedir ao Presidente da Assembleia, por motivo relevante, a sua substituição por uma ou mais vezes, por período global não superior, em cada mandato, a dois anos.2 - Por motivo relevante entende-se:
a) Doença grave;
b) Actividade profissional inadiável;
c) Exercício de funções específicas no respectivo partido.
3 - O requerimento de substituição será apresentado directamente pelo próprio deputado ou através da direcção do grupo parlamentar ou do órgão próprio do partido a que pertença, acompanhado, nestes casos, de declaração de anuência do deputado a substituir.
4 - Os deputados que se encontrem vinculados à função pública ou a empresa pública, nacionalizada ou maioritariamente participada por capitais públicos, bem como os restantes trabalhadores por conta de outrem, podem não reassumir as correspondentes funções, sem perda de direitos e regalias, salvo o direito à retribuição, em caso de suspensão do mandato por um período de 30 dias, seguidos ou interpolados, em cada sessão legislativa.
5 - A suspensão temporária do mandato não pode ocorrer por período inferior a 15 dias.
Artigo 6.º
Cessação da suspensão
1 - A suspensão do mandato cessa:a) No caso da alínea a) do artigo 4.º, pelo decurso do período de suspensão ou pelo regresso antecipado do deputado, directamente indicado por este, ou através da direcção do grupo parlamentar em que se encontre integrado, ou do órgão próprio do partido a que pertença, ao Presidente da Assembleia;
b) No caso da alínea b) do artigo 4.º, por decisão absolutória ou equivalente ou com o cumprimento da pena;
c) No caso da alínea c) do artigo 4.º, pela cessação da função incompatível com a de deputado.
2 - Com a retoma pelo deputado do exercício do mandato, cessam automaticamente todos os poderes do último deputado da respectiva lista que nessa altura esteja a exercer o mandato.
3 - O regresso antecipado do deputado não pode ocorrer antes de decorridos os 15 dias previstos no n.º 5 do artigo 5.º 4 - A retoma do exercício do mandato, nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, conta-se a partir da data da apresentação do respectivo requerimento.
Artigo 7.º
Renúncia do mandato
1 - Os deputados podem renunciar ao mandato, mediante declaração escrita apresentada pessoalmente ao Presidente da Assembleia ou com a assinatura notarialmente reconhecida.2 - Não será dado andamento ao pedido de renúncia sem prévia comunicação ao presidente do respectivo grupo parlamentar ou ao órgão competente do partido.
3 - A renúncia torna-se efectiva desde a sua publicação no Diário da Assembleia ou a sua distribuição em folhas avulsas.
Artigo 8.º
Perda do mandato
1 - Perdem o mandato os deputados que:a) Venham a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei, mesmo por factos anteriores à eleição, não podendo, contudo, a Assembleia reapreciar factos que tenham sido objecto de decisão judicial com trânsito em julgado ou de deliberação anterior da própria Assembleia;
b) Sem motivo justificado, não tomarem assento na Assembleia até à quinta reunião, deixarem de comparecer a 5 reuniões consecutivas do plenário ou das comissões ou a 10 interpoladas, na mesma sessão legislativa;
c) Se inscreverem, candidatarem ou assumirem funções em ou por partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio.
2 - A perda do mandato será declarada pelo Presidente, de acordo com a deliberação da Mesa, ouvida a Comissão de Regimento e Mandatos, em face do conhecimento comprovado de qualquer dos factos enunciados no número anterior.
3 - A deliberação da Mesa será notificada ao interessado e publicada no Diário da Assembleia.
4 - O deputado posto em causa terá o direito de ser ouvido e de recorrer para o Plenário nos 10 dias subsequentes, mantendo-se em funções até deliberação definitiva deste, por escrutínio secreto.
5 - Qualquer outro deputado tem igualmente o direito de recorrer no mesmo prazo, mediante requerimento escrito e fundamentado, que é publicado no Diário.
CAPÍTULO II
Das imunidades
Artigo 9.º
Irresponsabilidade
Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
Artigo 10.º
Inviolabilidade
1 - Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito.2 - Movido procedimento criminal contra algum deputado, e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso, para efeito do seguimento do processo.
3 - A decisão prevista no presente artigo será tomada por escrutínio secreto e maioria absoluta dos deputados presentes, precedendo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
4 - A suspensão prevista no n.º 2 tem efeitos a partir da presença do deputado no processo e cessa nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º deste diploma.
CAPÍTULO III
Dos direitos e regalias
Artigo 11.º
Condições de exercício da função de deputado
1 - São garantidas aos deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores.
2 - Todas as entidades públicas estão sujeitas ao dever geral de cooperação com os deputados no exercício das suas funções ou por causa delas.
3 - Os serviços de administração regional ou dela dependentes devem facultar aos deputados condições para o exercício do mandato, nomeadamente fornecendo os elementos, informações e publicações oficiais solicitados e, sempre que possível, instalações para reuniões de trabalho, desde que tal não afecte o funcionamento dos próprios serviços.
Artigo 12.º
Direitos e regalias dos deputados
1 - Os deputados não podem, sem autorização da Assembleia, ser jurados, peritos ou testemunhas nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em caso de flagrante delito a que corresponda pena superior a três anos.2 - A autorização referida no número anterior, ou a sua recusa, serão precedidas de audição do deputado.
3 - A falta de deputados, por causa das reuniões ou missões da Assembleia, a actos ou diligências oficiais a ela estranhos constitui sempre motivo justificado de adiamento destes, sem qualquer encargo.
4 - Ao deputado que frequentar curso de qualquer grau ou natureza oficial é aplicável, quanto a aulas e exames, o mesmo regime de que gozam os militares.
Artigo 13.º
Outros direitos e regalias
1 - Os deputados gozam ainda dos seguintes direitos e regalias:a) Adiamento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
b) Livre trânsito, considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado, mediante exibição do cartão especial de identificação;
c) Passaporte especial;
d) Cartão especial de identificação;
e) Seguro de acidentes pessoais;
f) Remunerações e subsídios.
2 - O cartão especial de identificação deve mencionar, para além do nome do deputado, das assinaturas do próprio e do Presidente da Assembleia, o número, arquivo e data da emissão do respectivo bilhete de identidade.
3 - O cartão especial de identificação deve ter um prazo de validade preciso, fixado em razão do período de mandato do deputado.
4 - Com a cessação ou a suspensão do mandato de deputado deve o cartão especial de identificação ser entregue, de imediato, nos competentes serviços da Assembleia Legislativa Regional.
Artigo 14.º
Direito a remuneração
Os vice-presidentes da Assembleia Legislativa têm direito a um vencimento igual ao dos vice-presidentes do Governo Regional.
Artigo 15.º
Senhas de presença
Os deputados não têm direito a senhas de presença pelo exercício das suas funções.
Artigo 16.º
Deslocações
1 - Os deputados podem deslocar-se na Região, tendo direito à utilização de transportes colectivos terrestres, sejam eles públicos ou privados, mediante a respectiva requisição da Assembleia às empresas fornecedoras.2 - Os deputados terão direito por cada sessão legislativa a duas passagens áreas ou marítimas Funchal-Porto Santo-Funchal.
3 - Os deputados podem deslocar-se para fora da Região, tendo direito, para o efeito, a um montante para despesas de viagens que não poderá ultrapassar o valor equivalente a duas passagens aéreas Funchal-Açores-Funchal, por cada sessão legislativa.
4 - Para os efeitos do número anterior, a Assembleia, a requerimento do respectivo grupo parlamentar, poderá requisitar os serviços necessários.
5 - Não tendo o deputado utilizado os serviços da Assembleia para efeitos de requisição, deve o mesmo apresentar documentos comprovativos das despesas efectuadas.
Artigo 17.º
Direito de opção
Os deputados que sejam funcionários da Região ou de outras pessoas colectivas públicas podem optar pelos respectivos vencimentos e subsídios de origem.
Artigo 18.º
Regime de previdência
1 - Os deputados, bem como os ex-deputados que gozem da subvenção a que se refere o artigo 24.º da Lei 4/85, de 9 de Abril, beneficiam do regime de assistência e previdência social mais favorável aplicável ao funcionalismo público.2 - No caso de os deputados optarem pelo regime da sua actividade profissional, cabe à Assembleia Legislativa Regional a satisfação dos encargos que corresponderiam à entidade patronal.
Artigo 19.º
Garantias de trabalho e benefícios sociais
1 - Os deputados não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente, bem como nos cargos de chefia que exerçam por virtude do desempenho do mandato.
2 - Os deputados têm direito a dispensa de todas as actividades profissionais, públicas ou privadas, durante a legislatura.
3 - O desempenho do mandato conta como tempo de serviço para todos os efeitos, salvo para aqueles que pressuponham o exercício efectivo da actividade profissional, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 5.º do presente estatuto.
4 - No caso de função temporária por virtude de lei ou de contrato, o desempenho do mandato de deputado suspende a contagem do respectivo prazo.
CAPÍTULO IV
Das disposições finais
Artigo 20.º
Faltas
1 - Ao deputado que falte a qualquer reunião plenária sem motivo justificado nos termos do Regimento da Assembleia é descontado 1/30 do vencimento mensal por cada dia de falta, além de uma por mês.2 - Verificada a falta de quórum, o Presidente convoca os deputados ao Plenário, registando as ausências para os efeitos previstos no regime geral de faltas.
Artigo 21.º
Incompatibilidades
O regime de incompatibilidades aplicável aos deputados da Assembleia Legislativa Regional será o que vier a ser definido nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 56/90, de 5 de Setembro, para os deputados à Assembleia da República com as adaptações que a especificidade regional justificar.
Artigo 22.º
Outras disposições legais
Mantêm-se em vigor todas as disposições legais referentes ao Estatuto dos Deputados que não sejam contrariadas pelo presente diploma, designadamente as contidas nos Decreto Regional 9/81/M, de 2 de Maio, e Decreto Legislativo Regional 14/85/M, de 28 de Junho.
Artigo 23.º Encargos
Os encargos resultantes da aplicação do presente diploma são satisfeitos pelo orçamento da Assembleia Legislativa Regional.
Artigo 24.º
Entrada em vigor
1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - O disposto no artigo 16.º produz efeitos desde o início da IV Legislatura.
Prosseguindo, pois.
6 - A Assembleia Legislativa Regional da Madeira carece de competência para legislar sobre a matéria que constitui objecto do diploma em apreciação.
As assembleias legislativas regionais têm competência para «legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as Regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania» [cf. artigo 229.º, n.º 1, alínea a), conjugado com os artigos 234.º, n.º 1, e 115.º, n.º 3, da Constituição da República].
Significa isto que as assembleias legislativas regionais, quando editarem legislação ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, se hão-de mover dentro dos limites seguintes:
a) As matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a Região (limite positivo);
b) Tais matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (limite negativo);
c) ao tratar legislativamente essas matérias, as assembleias legislativas regionais para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie «leis gerais da República» (cf. Acórdão deste Tribunal n.º 326/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18 de Dezembro de 1986, que remete para os Acórdãos n.os 91/84, 82/86 e 164/86, publicados no Diário da República, 1.ª série, de 6 de Outubro de 1984, 2 de Abril de 1986 e 7 de Junho de 1986, respectivamente; cf., também no mesmo sentido, o Acórdão 246/90, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Agosto de 1990).
Sendo isto assim, o que então importa saber é se a matéria - que constitui objecto do diploma sub iudicio, relativa ao estatuto do deputado regional - está (ou não) reservada à competência própria dos órgãos de soberania, máxime, à competência legislativa da Assembleia da República, pois que ali «onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', [...] não há 'interesse específico para as Regiões' que legitime o poder legislativo das regiões autónomas» (cf. Acórdão 160/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Agosto de 1986).
7 - Depois da revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro), a Constituição da República passou a dispor, no n.º 5 do artigo 233.º, que «o estatuto dos titulares dos órgãos do governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos».
Estes - os estatutos regionais -, tal como já sucedia na versão originária da Constituição [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º e ainda o artigo 302.º, n.º 3], têm de ser aprovados pela Assembleia da República. A iniciativa dos respectivos projectos cabe, no entanto, às respectivas assembleias regionais [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].
Devendo o estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros do Governo Regional e membros das Assembleias Regionais: cf. artigo 233.º, n.º 1) constar do respectivo estatuto político-administrativo e tendo este de ser aprovado pela Assembleia da República, embora mediante iniciativa das Assembleias Regionais; era de entender que o estatuto destes últimos se incluía na reserva de lei estatutária a que se referia o n.º 5 do artigo 233.º A doutrina assim o parecia entender também.
Escreviam, na verdade, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1985, p. 193, anotação X), a esse propósito, o seguinte:
Curioso é notar a omissão [na alínea g) do artigo 167.º] da menção dos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas; todavia, o estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à AR [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].
E, mais adiante, na anotação VI da p. 375, acrescentavam:
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da assembleia e membros do governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º 5) [...]. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum [v. artigo 167.º, alínea g)], nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional.
8 - A revisão constitucional de 1989, operada pela Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho, continuou a incluir na competência indelegável da Assembleia da República a aprovação dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, bem assim, a alteração dos mesmos [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º, n.os 1 e 4]. Continuou também a cometer às assembleias legislativas regionais (antes designadas por assembleias regionais) a elaboração dos respectivos projectos de estatutos e das suas alterações [cf. artigos 228.º, n.os 1 e 4, e 229.º, n.º 1, alínea e) - alínea esta que foi acrescentada pela revisão de 1989]. E manteve a exigência de que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional seja definido nos respectivos estatutos político-administrativos (cf. artigo 233.º, n.º 5).
Parece, pois, não restarem dúvidas de que:
a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional - máxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cf. os artigos 228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição];
b) Esse estatuto - ou seja, o estatuto dos órgãos de governo regional - tem de constar do estatuto político-administrativo da respectiva Região Autónoma (cf.
artigo 233.º, n.º 5);
c) O mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos e, bem assim, «sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (cf. artigo 120.º, n.º 2).
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas que deve ser moldado com respeito pelo que preceitua o artigo 120.º da Constituição - é, pois, matéria que faz parte da reserva de lei estatutária (reserva do estatuto). E o mesmo se diga quanto às suas alterações.
A este propósito, escreve Jorge Miranda (Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, policopiado, p. 302):
Como se disse, há uma reserva de lei estatutária que abarca as atribuições e o sistema de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Por sua parte, J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, Coimbra, 1991, p.
871) escreve:
Os estatutos são leis «organizatórias» das Regiões com competência material limitada nos termos do artigo 229.º da CRP. O seu âmbito normativo está estreitamente condicionado por esta natureza: na reserva do estatuto incluem-se as atribuições das Regiões Autónomas (artigo 229.º), a sua definição relativamente a outras pessoas colectivas territoriais (Estado, autarquias locais), formação, composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 233.º, n.º 5).
9 - O estatuto dos deputados regionais da Madeira - único que agora importa considerar - consta, de facto, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho (cf. artigos 18.º a 28.º).
A alteração desse estatuto carece, com se disse, de ser aprovada pela Assembleia da República, mediante aprovação de uma alteração àquele Estatuto Político-Administrativo (cf. artigo 228.º, n.os 1 a 4). A iniciativa dessa alteração (ou sua, a elaboração do respectivo projecto) cabe, no entanto, à Assembleia Legislativa Regional da Madeira [cf. o mesmo artigo 228.º e a alínea e) do n.º 1 do artigo 229.º].
A Assembleia Legislativa Regional da Madeira não pode, por isso, promover a alteração do estatuto dos seus deputados regionais sem promover a alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região. Ou seja: ela não pode promover aquela alteração, fazendo uso da sua competência legislativa normal - que o mesmo é dizer, aprovando [ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição] um decreto que, depois de assinado pelo Ministro da República, houvesse de ser por este mandado publicar como decreto legislativo regional (cf. artigo 235.º, n.os 1 e 2, da Constituição).
Fazendo-o, aquela Assembleia Legislativa Regional viola a reserva de estatuto, que, como se disse, abrange a matéria relativa ao estatuto (e suas alterações) dos deputados regionais.
Pois isso é o que sucede com as normas do diploma aqui sub iudicio, com que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira intentou alterar os normativos do Estatuto Político-Administrativo da respectiva Região Autónoma atinentes ao estatuto dos deputados regionais - ou seja, concretamente, e como se mostra no requerimento inicial, com os artigos 8.º, n.os 1, e sua alínea a), e 5, 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, alínea b), 16.º e 19.º, n.os 1 e 3.
De facto, aprovou ela, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, um decreto que remeteu ao Ministro da República, nos termos do artigo 235.º, n.os 1 e 2, para assinatura e subsequente publicação como decreto legislativo ou regional.
Tais normas violam, por isso, as disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 e 4, e 233.º, n.º 5, da Constituição.
10 - As normas do mesmo diploma, que, sem as alterar, reproduzem normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, atinentes ao estatuto do deputado regional, também são inconstitucionais.
Com efeito (salvo alguma norma que revista natureza meramente organizatória, como é o caso do artigo 3.º, mas que nem por isso se justificaria deixar subsistir, já que, com ela, a Assembleia Regional pretendeu ainda definir o estatuto do deputado regional), as normas em causa versam matéria que, como se disse, se inscreve na reserva de estatuto. Por isso, violam elas os mencionados artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição. Ao que acresce que nunca as normas do Estatuto Político-Administrativo - designadamente as que concernem ao estatuto do deputado regional - poderiam ser «apropriadas» pela assembleia legislativa regional e por ela «transformadas» em normação regional.
O ordenamento jurídico regional há-de ser, com efeito, um ordenamento (especial) complementar do ordenamento jurídico nacional. Não pode ser um ordenamento paralelo ou de substituição deste último.
O poder normativo regional não pode, por isso, pegar em legislação nacional e transformá-la em legislação regional, procedendo como que a uma novação do título (da fonte) dessa legislação.
Se houvesse interesse específico que legitime a sua intervenção - ou seja: se estiver em presença de matérias que, não estando reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, respeitem exclusivamente às Regiões ou nelas exijam um especial tratamento, por aí assumirem especial configuração (cf. Acórdão 42/85, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 6 de Abril de 1985) -, pode o poder normativo regional editar normas regionais. Não se verificando essa especificidade da matéria ou achando-se ela reservada à competência própria dos órgãos de soberania, não pode o poder normativo regional intervir, sequer para reproduzir a legislação nacional eventualmente existente, transformando-a em legislação regional.
Num tal caso, por falta de interesse específico, sempre se violará o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Cabe aqui recordar o que este Tribunal já teve ocasião de escrever no já citado Acórdão 246/90, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Agosto de 1990, citando, de resto, o Acórdão 333/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 19 de Dezembro de 1986. Escreveu-se aí:
[...] quando um diploma regional se limite a reproduzir (literalmente ou sem alterações relevantes capazes de traduzir uma especificidade regional) as normas constantes de uma lei geral da República, tal diploma é inconstitucional. E é-o porque ele não representa o exercício do poder normativo regional, que pressupõe sempre a existência de um interesse específico. Tal diploma mais não faz, na verdade, do que «apropriar» a legislação nacional e «transformá-la» em legislação regional.
III - Decisão
O Tribunal Constitucional - com fundamento em violação das disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, 229.º, n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, da Constituição - pronuncia-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, na sessão de 11 de Fevereiro de 1992, subordinado ao título «Alterações ao Estatuto do Deputado».Lisboa, 11 de Março de 1992. - Messias Bento - Antero Alves Monteiro Dinis - Vítor Nunes de Almeida - Luís Nunes de Almeida - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Maria da Assunção Esteves - Armindo Ribeiro Mendes - Fernando Alves Correia (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta) - António Vitorino (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta) - Bravo Serra (vencido, em parte, pelo essencial dos termos e das razões constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro António Vitorino, com excepção do que ali se reporta às normas ínsitas nos artigos 5.º e 11.º, n.os 1 e 2, as quais, por conterem matéria que entendo deverem constar do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma em causa, não podiam constar de diploma legislativo emanado da respectiva Assembleia Legislativa Regional e, assim, enfermarem de inconstitucionalidade orgânica) - José Manuel Cardoso da Costa.
Declaração de voto
Concordando com a doutrina geral do acórdão - a de que o diploma apreciado versa, no essencial, sobre matéria que faz parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (cujo conteúdo abrange, nos termos do n.º 2 do artigo 120.º da Constituição, os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares daqueles órgãos, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades), a qual constitui reserva de lei estatutária, da competência da Assembleia da República [cf. Os artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da Constituição] -, afasto-me, no entanto, dela num ponto específico: o relacionado com as normas respeitantes ao estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, constantes dos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 22.º e 24.º, n.º 2, do diploma aprovado na sessão de 11 de Fevereiro de 1992 pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira.Com efeito, referindo o artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, que «a Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos deputados àquela Assembleia», parece-me que, definido, assim, no Estatuto Político-Administrativo, o núcleo essencial do estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira - traduzido na equiparação, quanto à remuneração base, dos deputados regionais aos deputados nacionais -, será constitucionalmente admissível uma intervenção legislativa complementar, naquela matéria, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. O fundamento, em último caso, para o reconhecimento de uma tal competência legislativa, radica, segundo penso, na autonomia político-administrativa, patrimonial, orçamental e financeira constitucionalmente reconhecidas às Regiões Autónomas [cf. os artigos 227.º e 229.º, n.º 1, alíneas h) e i), da Constituição].
Eis, pois, sinteticamente, o que me levou a não me pronunciar pela inconstitucionalidade das acima mencionadas normas do diploma ora apreciado. - Fernando Alves Correia.
Declaração de voto
Votei vencido por entender que nem todas as normas do decreto da Assembleia Legislativa Regional da Madeira estão feridas de inconstitucionalidade.Com efeito, os normativos contidos no diploma em apreço podem ser enquadrados em quatro categorias fundamentais:
a) Normas que reproduzem disposições do Estatuto Político-Administrativo da Região, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho;
b) Normas que versam sobre deveres, responsabilidades, incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades dos deputados à Assembleia Legislativa Regional, que integram o essencial do conceito de estatuto dos titulares dos cargos políticos tal como ele decorre do artigo 120.º da Constituição;
c) Normas que constituem mera projecção organizatória das disposições atinentes ao estatuto dos titulares de cargos políticos;
d) Normas que estabelecem as remunerações e outros benefícios complementares susceptíveis de serem enquadrados num conceito amplo de «estatuto remuneratório».
As normas referidas na alínea a) são inconstitucionais pelas razões constantes do acórdão aprovado, que nesta parte mereceu o meu acolhimento.
As normas referidas na alínea b) são-no de igual forma, tal como bem decidiu o acórdão, também aqui com o meu apoio, porque se reportam ao «núcleo essencial» do estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira (e na medida em que sobre ele disponham), uma vez que nesta dimensão estão abrangidas pela «reserva de estatuto», como dispõe o n.º 5 do artigo 233.º da lei fundamental.
Já não serão inconstitucionais as normas organizatórias a que aludimos na alínea c), que identificamos como as referentes aos artigos 2.º, 3.º, 5.º, n.os 2, 3, 4 e 5, 10.º, n.os 3 e 4, 11.º e 13.º, n.os 2, 3 e 4.
Neste ponto, por isso, afastei-me da tese que fez vencimento. Com efeito, entendo que a «reserva de estatuto» quanto à definição do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas abrange apenas o «núcleo essencial» desse estatuto, tal como ele resulta da formulação do artigo 120.º da Constituição, sendo lícita às Assembleias Legislativas Regionais uma intervenção legislativa regulamentar e conformadora desse estatuto fora daquele «núcleo essencial» e em tudo o mais que se prefigure como projecção organizatória das disposições estatutárias por natureza.
Conforme tive ocasião de afirmar noutra sede (cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 108-RC, pp. 3055 e 3056), a competência da alínea l) do artigo 167.º da Constituição não abrange o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas: sobre tal matéria a Assembleia da República legisla por força do disposto na alínea b) do artigo 164.º da Constituição, podendo as Regiões legislar em complemento da normação estatutária naquilo que não integre a matéria reservada ao Estatuto Político-Administrativo.
De igual forma não padecem do alegado vício de inconstitucionalidade as normas dos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 20.º, 22.º e 24.º, n.º 2, referentes ao estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
E isto porque, se é verdade que o estatuto remuneratório é matéria que integra o conceito de «estatuto dos titulares de cargos políticos», nos termos e para os efeitos do artigo 120.º da Constituição, daí não decorre que o Estatuto Político-Administrativo da Região tenha, ele próprio, que regular directa e totalmente tal matéria. Ou seja, o grau de densificação normativa, nesta sede, do Estatuto há-de ser compaginável com o princípio da autonomia política, administrativa, orçamental e financeira reconhecido pela Constituição às Regiões Autónomas.
Nestes termos, fui do entendimento que, quanto ao estatuto remuneratório, a reserva de estatuto do n.º 5 do artigo 233.º há-de bastar-se com a consagração no Estatuto Político-Administrativo de um critério de fixação da remuneração a atribuir aos deputados regionais e que, por isso, a concreta determinação desse vencimento pode ser feita por acto das Assembleias Legislativas Regionais.
Ora, o que sucede é que, na minha interpretação, o artigo 28.º da Lei 13/91 acolhe esse critério, equiparando o estatuto remuneratório dos deputados regionais ao estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República, pelo que, nesta parte, o diploma em apreço tem credencial estatutária bastante, não sendo, por isso, desconforme à Constituição, por representar a mera adaptação, em função do interesse específico da Região, do estatuto padrão (o dos deputados nacionais) aos específicos condicionalismos do exercício da função de deputado regional. Ponto diverso seria o de saber se essa adaptação se mostra adequada ou não, matéria que estaria sempre subtraída ao conhecimento do Tribunal em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Pelo que entendi que as citadas disposições não eram inconstitucionais e o diploma, nesta parte, deveria entrar em vigor. - António Vitorino.