de 27 de Maio
Por imperativo constitucional, e em nome das mais elementares exigências do direito, a Lei 77/77, de 29 de Setembro, criou, nos seus artigos 50.º e 51.º, os princípios que deveriam passar a reger a entrega de terras expropriadas ou nacionalizadas.O presente diploma destina-se a regular com mais pormenor essa matéria, desenvolvendo os princípios contidos na citada lei.
Procurou-se que a regulamentação não fosse de tal maneira rígida que impedisse a salutar diversificação de modelos conforme as circunstâncias geográficas e os ditames técnicos. Mas igualmente se julgou inconveniente deixar apenas à casuística a aplicação dos grandes critérios a cada região ou sub-região.
Por isso se prevê que a pormenorização dos critérios que devam presidir à entrega de terras para exploração possa ser aprovada por portaria.
Teve-se em vista a aprovação da básica ossatura jurídica que dará forma às relações jurídicas entre o Estado e os beneficiários da exploração da terra.
E houve em tudo, sem prejuízo do desejável espírito de iniciativa e imaginação que as empresas deverão pôr em prática nessa exploração, a óbvia preocupação de proteger convenientemente os interesses de um património que é do Estado e cujo uso importa que reverta em benefício directo ou indirecto da comunidade nacional.
Assim, em obediência ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 75.º da Lei 77/77, de 29 de Setembro:
O Governo decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Tipos de contrato para entrega da exploração
Artigo 1.º A entrega para exploração dos prédios expropriados ou nacionalizados no âmbito da Reforma Agrária pode ser efectivada mediante:
a) Concessão de exploração;
b) Licença de uso privativo;
c) Arrendamento rural;
d) Exploração de campanha;
e) Contrato associativo;
f) Comodato.
Art. 2.º Na entrega para exploração dos prédios expropriados ou nacionalizados será utilizado, de preferência, o contrato de concessão de exploração.
Art. 3.º Para efeitos deste diploma, entende-se por:
a) Concessão de exploração - contrato oneroso pelo qual o Estado transfere para uma empresa agrícola a gestão de um estabelecimento agrícola, conferindo-lhe o direito de o usar, fruir e administrar, no respeito do seu destino económico e do estabelecido nos artigos 3.º e 4.º da Lei 77/77, de 29 de Setembro;
b) Licença de uso privativo - contrato oneroso pelo qual o Estado consente que uma empresa agrícola explore temporária e precariamente certo estabelecimento agrícola;
c) Contrato associativo - contrato oneroso pelo qual o Estado interessa uma ou mais empresas agrícolas na exploração de estabelecimentos agrícolas;
d) Comodato - contrato gratuito pelo qual o Estado entrega um estabelecimento agrícola a uma empresa agrícola para que esta se sirva dele com a obrigação de o restituir.
CAPÍTULO II
Da competência para dispor do direito de exploração dos prédios
Art. 4.º O Ministro da Agricultura e Pescas determinará, por portaria e em relação a cada região agrícola ou sub-região, se estas existirem ou vierem a ser criadas, a área dos prédios que serão afectos a cada estabelecimento agrícola, o tipo de empresa agrícola que poderá candidatar-se à celebração dos contratos para entrega de exploração e o tipo de contrato a utilizar.
Art. 5.º Compete às direcções regionais e ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária elaborar e acompanhar o processo administrativo de contratação.
CAPÍTULO III
Da capacidade para adquirir direitos de exploração sobre os prédios
Art. 6.º Os prédios expropriados ou nacionalizados que não sejam exclusivamente geridos pelo próprio Estado ou por qualquer outra pessoa pública dentro dos limites da lei serão entregues para exploração a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores que constituam uma empresa agrícola sob qualquer das formas estabelecidas pela lei geral, nomeadamente as previstas nas bases gerais da Reforma Agrária.
Art. 7.º Serão considerados em condições de preferência:
a) Pequenos agricultores da região que não tenham a posse útil da terra e vivam exclusiva ou predominantemente da agricultura;
b) Cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores.
Art. 8.º Apresentando-se a concorrer mais do que um dos titulares de cada classe de preferência, a entrega dos prédios para exploração obedecerá aos seguintes critérios, por ordem de menção:
a) Redimensionamento de explorações minifundiárias;
b) Dimensionamento equilibrado das novas unidades de produção, tendo em conta as necessidades de uma gestão técnica e económica na prossecução dos objectivos traçados pelo plano;
c) Valorização e experiência profissional e capacidade de gestão dos candidatos;
d) Solução de problemas sociais candentes na região, protecção aos agregados familiares mais numerosos e aos agricultores mais jovens.
CAPÍTULO IV
Da área
Art. 9.º Na determinação da área dos prédios que será afecta a cada estabelecimento agrícola para instalação de empresas economicamente viáveis ter-se-á em especial atenção a capacidade de uso do solo, as culturas nele existentes ou possíveis e a configuração do prédio expropriado ou nacionalizado no passado mais próximo, de forma a conseguir-se um ordenamento equilibrado do território.Art. 10.º O Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, antes de propor ao Ministro da Agricultura e Pescas a definição da área dos prédios que será afectada a cada estabelecimento agrícola, efectuará os estudos necessários para o efeito e ouvirá os trabalhadores permanentes em serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados e as associações de classe da respectiva zona concelhia ligadas à agricultura.
CAPÍTULO V
Dos direitos e deveres das partes
SECÇÃO I
Disposições comuns aos vários contratos
Art. 11.º Todos os contratos serão obrigatoriamente reduzidos a escrito.
Art. 12.º Sobre os prédios expropriados ou nacionalizados não podem ser adquiridos direitos por prescrição ou acessão imobiliária.
Art. 13.º Os direitos que por meio de contrato se adquiram sobre prédios expropriados ou nacionalizados são inalienáveis sem autorização do Ministro da Agricultura e Pescas.
Art. 14.º Não são devidas indemnizações pelo desapossamento do terreno entregue para exploração que venha a ser necessário para a abertura de vias de comunicação e respectivas zonas non oedificandi, bem como para a construção de canais e valas de enxugo que o Estado venha a construir, ou para a construção de outras infra-estruturas de interesse nacional, regional ou local.
Art. 15.º O Estado poderá a qualquer momento rescindir unilateralmente o contrato sempre que a empresa agrícola deixe de cumprir sem justa causa as obrigações a que se vinculou.
Art. 16.º Sem prejuízo do disposto no artigo 15.º, a empresa agrícola é obrigada a observar, sob pena de rescisão unilateral do contrato, as condições que legal ou contratualmente lhe forem impostas para a racional utilização dos recursos naturais e a submeter-se a qualquer programa que para o mesmo efeito venha a ser estabelecido para a região, nomeadamente ao regime do uso da terra.
Art. 17.º O Ministro da Agricultura e Pescas fixará, por portaria, relativamente a cada região agrícola e em relação a cada tipo de contrato oneroso, a contraprestação em dinheiro que as empresas agrícolas contratantes terão de pagar no fim de cada ano, a qual não poderá ser superior ao valor das tabelas de rendas máximas nacionais em vigor para o arrendamento rural.
Art. 18.º A portaria a que se refere o artigo anterior será revista de dois em dois anos, passando as alterações a aplicar-se automaticamente aos contratos já celebrados à medida que atinjam o termo do período contratual em curso.
SECÇÃO II
Da concessão da exploração
Art. 19.º As empresas agrícolas candidatas à celebração de um contrato de concessão de exploração apresentarão um plano de exploração técnico-económico elaborado com o apoio dos serviços de extensão rural do Ministério da Agricultura e Pescas, que, uma vez aprovado, fará parte integrante do contrato.Art. 20.º As empresas candidatas proporão um prazo para o contrato que lhes permita amortizar os investimentos previstos no plano de exploração apresentado.
Art. 21.º A exploração de prédios expropriados ou nacionalizados poderá ser concedida pelo prazo máximo de noventa e nove anos.
Art. 22.º Caso o contrato seja omisso quanto à sua duração, vigorará pelo prazo supletivo de seis anos.
Art. 23.º Findo o prazo estabelecido, o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos sucessivos de três anos, enquanto não for denunciado nos termos do presente diploma.
Art. 24.º Nos contratos por prazo superior a seis anos as contraprestações a entregar anualmente pela empresa agrícola concessionária serão actualizadas de seis em seis anos, de acordo com os valores constantes da portaria a que se refere o artigo 17.º que então estiverem em vigor.
Art. 25.º A empresa agrícola concessionária poderá fazer todas as benfeitorias previstas no plano de exploração aprovado, independentemente de posterior autorização.
Art. 26.º As benfeitorias realizadas no prédio reverterão para o Estado no fim do contrato e, salvo se a empresa agrícola concessionária der causa à rescisão do contrato, haverá lugar ao pagamento de uma justa indemnização relativamente às benfeitorias úteis ou necessárias cuja realização tenha sido aprovada.
Art. 27.º A empresa agrícola concessionária pode denunciar o contrato para o fim do período contratual desde que avise o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano relativamente ao termo do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações.
Art. 28.º O Estado poderá rescindir o contrato, sem que haja lugar ao pagamento de qualquer indemnização, sempre que a empresa agrícola concessionária não cumpra as obrigações a que contratualmente se vinculou, nomeadamente quando se encontre numa das seguintes situações:
a) Não execução integral do plano de exploração aprovado, no caso de não ser devidamente justificado;
b) Falta de pagamento da contraprestação convencionada ou fixada;
c) Falta de cumprimento das condições que lhe forem impostas para a racional utilização dos recursos naturais, nomeadamente o desrespeito pelo regime do uso da terra;
d) Utilização de processos de cultura comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos;
e) Cessão por qualquer título da exploração do prédio a terceiros;
f) Alteração do seu estatuto ou estrutura interna, em termos de já não apresentar as características que justificaram a concessão.
Art. 29.º A empresa agrícola concessionária prestará anualmente contas da sua gestão ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária.
Art. 30.º Constará do contrato o número e habilitações mínimas dos técnicos agrícolas que a empresa agrícola concessionária se compromete a ter como seus colaboradores, salvo se se tratar de pequenos agricultores.
SECÇÃO III
Da licença de uso privativo
Art. 31.º O contrato de licença de uso privativo é celebrado pelo prazo máximo de um ano, findo o qual termina se não for entretanto objecto de prorrogação.Art. 32.º Ao contrato de licença de uso privativo aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do contrato de concessão de exploração que lhe forem aplicáveis.
SECÇÃO IV
Do arrendamento rural
Art. 33.º Os contratos de arrendamento rural relativos a prédios expropriados ou nacionalizados regular-se-ão pela lei do arrendamento rural e pelo estabelecido nos artigos seguintes.Art. 34.º Para o efeito do disposto no presente diploma, todas as funções atribuídas pela lei do arrendamento rural às comissões concelhias serão desempenhadas pelas direcções regionais de agricultura e pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária.
Art. 35.º Os contratos de arrendamento rural serão celebrados pelo prazo de seis anos, entendendo-se o contrato renovado por períodos sucessivos de três anos, enquanto o mesmo não for denunciado.
Art. 36.º A renda será estipulada em dinheiro e automaticamente actualizada no fim de cada período contratual, de acordo com os valores fixados na portaria a que se refere o artigo 17.º que então estiverem em vigor.
SECÇÃO V
Da exploração de campanha
Art. 37.º Os contratos de exploração de campanha de prédios expropriados ou nacionalizados serão celebrados por uma campanha em especial ou por um ou mais anos, até o máximo de um ano agrícola por cada folha de cultura, sendo-lhes aplicável, com as necessárias adaptações, o regime geral de exploração de campanha que entretanto vier a ser publicado.
SECÇÃO VI
Do contrato associativo
Art. 38.º O contrato associativo poderá assumir qualquer modalidade que as partes convencionem de acordo com o princípio de liberdade contratual, podendo revestir nomeadamente qualquer das figuras tipo previstas na lei civil ou comercial.Art. 39.º O contrato associativo será celebrado com base num plano de exploração e discriminará as obrigações específicas de cada uma das partes.
Art. 40.º Caso exista mais de uma empresa agrícola associada, cada uma responderá individualmente pelas metas que se comprometeu a atingir e, caso uma delas dê causa à rescisão do contrato, este poderá manter-se em relação às restantes, sem prejuízo do direito de rescisão unilateral por parte do Estado.
SECÇÃO VII
Do comodato
Art. 41.º O contrato de comodato só será utilizado excepcionalmente.
CAPÍTULO VI
Do processo
Art. 42.º O contrato será celebrado por meio de ajuste directo sempre que circunstâncias sócio-económicas especiais o justifiquem, como seja encontrarem-se os prédios já a ser explorados de acordo com uma gestão técnica e económica equilibrada, por empresas agrícolas com capacidade para celebrarem contratos de entrega para exploração.Art. 43.º Salvo motivo ponderoso, os contratos de entrega para exploração serão precedidos de concurso público, que observará as disposições constantes dos artigos seguintes.
Art. 44.º O processo inicia-se pela publicação e divulgação do programa do concurso através de editais a afixar na sede do concelho e nas juntas de freguesia das regiões dos prédios expropriados ou nacionalizados em causa e a publicar num dos jornais mais lidos da região, donde conste, nomeadamente, informação pormenorizada da área e localização dos prédios ou da parte deles que serão afectos a cada estabelecimento agrícola, do tipo de empresa agrícola que poderá candidatar-se e do tipo de contrato a utilizar.
Art. 45.º Dentro do prazo fixado para a entrega de propostas, que nunca poderá ser inferior a vinte dias, qualquer interessado poderá reclamar contra a ofensa dos seus direitos.
Art. 46.º O despacho do Ministro da Agricultura e Pescas que, sob informação e parecer do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, determinar a empresa à qual será entregue o estabelecimento agrícola e as condições e termos em que deve ser efectuada a exploração será publicado no Diário da República.
Art. 47.º O contrato definitivo será assinado pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, sob minuta aprovada pelo Ministro da Agricultura e Pescas.
Art. 48.º O instrumento contratual compõem-se de duas partes, sendo a primeira destinada às cláusulas contratuais especialmente aplicáveis a cada caso e a segunda à planta do prédio entregue para exploração.
Art. 49.º Os instrumentos contratuais farão prova plena, em juízo e fora dele, nomeadamente da identificação do prédio, e constituirão título bastante para as empresas agrícolas defenderem a sua posse erga omnes.
CAPÍTULO VII
Da substituição no processo e da transmissão
Art. 50.º A posição no processo ou no contrato de agricultor autónomo ou empresário transmite-se por sua morte nos termos gerais de direito.
Art. 51.º Salvo no caso de sucessão por morte, a substituição no processo e a transmissão das posições contratuais só poderá ter lugar mediante acordo expresso do Estado.
CAPÍTULO VIII
Disposições finais e transitórias
Art. 52.º Todas as questões emergentes dos contratos previstos neste diploma são da competência do contencioso administrativo e das decisões definitivas e executórias do Ministro da Agricultura e Pescas e dos Secretários de Estado, ou tomadas por delegação sua, no âmbito das matérias constantes do presente diploma, cabe recurso para a 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo.Art. 53.º - 1 - As importâncias devidas pelos beneficiários da entrega de terras para exploração, quer ao abrigo do presente diploma, quer no domínio da legislação anterior, serão pagas directamente ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária.
2 - Para a cobrança coerciva das importâncias devidas pelos beneficiários da entrega da terra para exploração são competentes os tribunais do contencioso da contribuições e impostos, seguindo-se o processo das execuções fiscais, e sendo título bastante o documento comprovativo da dívida, emitido pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, donde conste a identificação do devedor e a natureza e montante do débito.
Art. 54.º Aos contratos de arrendamento rural relativos a prédios expropriados ou a parte deles outorgados anteriormente à expropriação aplicam-se as disposições do presente diploma, pelo que os mesmos contratos deverão ser reduzidos a escrito dentro do prazo de seis meses a contar da entrada na respectiva posse útil.
Art. 55.º As prestações devidas pela exploração de prédios expropriados ou nacionalizados durante o ano de 1977-1978 serão pagas nos termos que vierem a ser regulamentados por portaria do Ministro da Agricultura e Pescas.
Art. 56.º O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Mário Soares - Luís Silvério Gonçalves Saias.
Promulgado em 10 de Maio de 1978.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.