de 13 de Maio
A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.A protecção à criança, em particular no que toca ao direito a alimentos, tem merecido também especial atenção no âmbito das organizações internacionais especializadas nesta matéria e de normas vinculativas de direito internacional elaboradas no seio daquelas. Destacam-se, nomeadamente, as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, bem como o estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade.
A evolução das condições sócio-económicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos, circunstância que tem determinado um aumento significativo de acções tendo por objecto a regulação do exercício do poder paternal, a fixação de prestação de alimentos e situações de incumprimento das decisões judiciais, com riscos significativos para os menores.
De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais.
Estas situações justificam que o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos.
Ao regulamentar a Lei 75/98, de 19 de Novembro, que consagrou a garantia de alimentos devidos a menores, cria-se uma nova prestação social, que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores.
Institui-se o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quem cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado, após ordem do tribunal competente e subsequente comunicação da entidade gestora. A intervenção destas entidades no processo em causa resulta justificada, no que concerne ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, pela própria natureza da prestação e, no que respeita aos centros regionais de segurança social, pela proximidade territorial do alimentado, podendo estes assegurar, melhor que outro serviço, a rápida e eficaz satisfação da garantia de alimentos devidos ao menor.
Através da articulação de diversas entidades intervenientes, em colaboração com o tribunal, visa-se assegurar a plena eficácia e rapidez do procedimento ora criado, bem como, em obediência ao princípio da segurança, a efectivação regular da prova da subsistência dos pressupostos e requisitos que determinaram a intervenção do Fundo de Garantia e a prestação de alimentos a cargo do Estado.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
CAPÍTULO I
Objecto
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei 75/98, de 19 de Novembro.
CAPÍTULO II
Da competência e da atribuição de prestações de alimentos
Artigo 2.º
Entidades competentes
1 - É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.
Artigo 3.º
Pressupostos e requisitos de atribuição
1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro; e b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Artigo 4.º
Atribuição das prestações de alimentos
1 - A decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o tribunal pode solicitar a colaboração dos centros regionais de segurança social e informações de outros serviços e de entidades públicas ou privadas que conheçam as necessidades e a situação sócio-económica do alimentado e da sua família.
3 - A decisão a que se refere o n.º 1 é notificada ao Ministério Público, ao representante legal do menor ou à pessoa a cuja guarda se encontre e respectivos advogados e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
4 - O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social deve de imediato, após a notificação, comunicar a decisão do tribunal competente ao centro regional de segurança social da área de residência do alimentado.
5 - O centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
CAPÍTULO III
Do reembolso
Artigo 5.º
Garantias de reembolso
1 - O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.2 - O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notifica o devedor para, no prazo mínimo de 40 dias a contar da data do pagamento da primeira prestação, efectuar o reembolso.
3 - Decorrido o prazo para reembolso sem que este tenha sido efectuado, se o devedor não iniciar o pagamento das prestações de alimentos devidos ao menor, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pode, desde logo, requerer a execução judicial para reembolso das importâncias pagas, nos termos da lei do processo civil, salvo se se verificar existir manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que se verifica manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento por parte do devedor quando este se encontre numa situação de ausência ou insuficiência de recursos que lhe permitam pagar a prestação de alimentos, nomeadamente por razões de saúde ou por se encontrar desempregado.
5 - A notificação a que se refere o n.º 2 é comunicada de imediato ao centro regional de segurança social da sua área de residência, com indicação do início do prazo para reembolso da dívida.
6 - Compete ao devedor, até ao termo do prazo referido no n.º 2, comprovar, perante o centro regional de segurança social da sua área de residência, a impossibilidade de pagamento, podendo este solicitar-lhe as informações que julgue necessárias para verificação dessa impossibilidade.
Artigo 6.º
Formas e modalidades de reembolso
O devedor pode efectuar o reembolso directamente ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ou através do centro regional de segurança social da área da sua residência, em dinheiro ou mediante cheque ou vale postal à ordem daquele ou ainda através de meios electrónicos de pagamento, quando existentes.
Artigo 7.º
Manutenção da obrigação principal
O reembolso não prejudica a obrigação de prestar alimentos previamente fixada pelo tribunal competente.
Artigo 8.º
Constituem receitas próprias do Fundo as importâncias provenientes do reembolso efectuado nos termos dos artigos anteriores.
CAPÍTULO IV
Da manutenção e da cessação das prestações
Artigo 9.º
Articulação entre as entidades competentes
1 - O montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
2 - O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, os centros regionais da área de residência do devedor ou do alimentado, o representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem se encontre devem comunicar ao tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação da prestação de alimentos a cargo do Estado.
3 - Para efeitos dos números anteriores, deve o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social comunicar ao tribunal competente os reembolsos efectuados pelo devedor.
4 - A pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.
5 - Caso a renovação da prova não seja realizada, o tribunal notifica a pessoa que receber a prestação para a fazer no prazo de 10 dias, sob pena da cessação desta.
6 - O tribunal notifica o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social da decisão que determine a cessação do pagamento das prestações.
Artigo 10.º
Responsabilidade civil
1 - Se o representante legal ou a pessoa a cuja guarda o menor se encontre receberem indevidamente prestações do Fundo, designadamente porque o devedor iniciou o cumprimento da obrigação de prestações de alimentos, deverão aqueles proceder de imediato à sua restituição.2 - Se o pagamento indevido de prestações pelo Fundo ficar a dever-se ao incumprimento doloso do dever de informação, o representante legal ou a pessoa a cuja guarda o menor se encontre fica obrigado à restituição das importâncias indevidamente recebidas e ao pagamento dos correspondentes juros de mora.
3 - À restituição das importâncias indevidamente recebidas e ao pagamento de juros de mora aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 6.º deste diploma.
4 - As importâncias provenientes das restituições e do pagamento de juros de mora constituem receitas próprias do Fundo.
CAPÍTULO V
Disposição final
Artigo 11.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e produz efeitos na data de entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano 2000.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de Março de 1999. - António Manuel de Oliveira Guterres - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - José Eduardo Vera Cruz Jardim - Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Promulgado em 29 de Abril de 1999.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 4 de Maio de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.