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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 12/2009, de 5 de Agosto

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Sumário

Fixa a seguinte jurispridência: a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009

Agravo ampliado n.º 682/09 - 6.ª

Acordam, em plenário das secções cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça:

Por requerimento de 20 de Junho de 2007 (a fl. 121), Maria Fernanda Oliveira Ferreira, mãe do menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, veio instaurar o presente incidente de incumprimento de prestação alimentícia, alegando, em síntese, o seguinte:

Por acordo exarado nos presentes autos e judicialmente homologado, Carlos Alberto Fernandes Pires, pai do referido menor, ficou obrigado a depositar, mensalmente, na conta bancária da requerente, até ao dia 8 de cada mês, a título de alimentos, a quantia de (euro) 110, com início no mês de Dezembro de 2006;

O requerido nunca procedeu a qualquer depósito;

A requerente tem como única fonte de rendimento o seu salário, no valor de (euro) 450 por mês;

O seu agregado familiar é composto por duas pessoas.

Concluiu, pedindo:

a) Ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.os 1 e 2, da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, se decida, com a devida urgência, que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve prestar alimentos ao menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, em substituição do requerido, proferindo-se, se necessário, decisão provisória;

b) Caso assim se não entenda, sejam tomadas as medidas necessárias e adequadas ao cumprimento coercivo dos alimentos vencidos e vincendos, de acordo com o estipulado no artigo 189.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro;

c) Com base no artigo 181.º do citado Decreto-Lei 314/78, se condene o requerido no pagamento ao menor de uma indemnização, em montante nunca inferior a (euro) 500.

Cumprido o disposto no artigo 181.º, n.º 2, da OTM, o requerido veio dizer que não tem capacidade económica para pagar a prestação estipulada, pois encontra-se desempregado e não aufere qualquer subsídio de desemprego, garantindo a sua subsistência com a ajuda de sua mãe.

Após a realização das diligências julgadas convenientes para apuramento da situação económica do requerido, foi proferida a decisão a fl. 147, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, da Lei 75/98, de 19 de Novembro, que fixou em (euro) 110 mensais a prestação provisória a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a favor do referido menor.

Oportunamente, foi proferida a decisão definitiva a fls. 186 e segs., que fixou em (euro) 125 mensais a prestação devida pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor do menor Cristiano Filipe Ferreira Pires, desde a data da apresentação do pedido em apreço, sem prejuízo dos montantes já pagos a título provisório, sendo este montante actualizado anualmente, de acordo com o índice inflacionário que se houver verificado no ano anterior.

Inconformado, agravou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., por considerar que os alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não são devidos desde a data da apresentação do respectivo pedido, mas apenas a partir do mês seguinte ao da notificação da respectiva decisão judicial ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

A Relação de Guimarães, através do seu Acórdão de 4 de Dezembro de 2008, concedeu provimento ao agravo e revogou a decisão recorrida, na parte em que condenou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde a data da entrada do pedido, ficando o Fundo obrigado a pagar as prestações fixadas a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão da 1.ª instância.

Agora, foi o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto das secções cíveis da Relação de Guimarães que, com fundamento no artigo 678.º, n.º 4, do CPC, veio interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, por o acórdão recorrido se encontrar em total oposição com o Acórdão da mesma Relação de 9 de Outubro de 2008, proferido no processo 1752/08, da 2.ª Secção, no qual se julgou que tais prestações se vencem desde a data da formulação do respectivo pedido.

Pede que se proceda a agravo ampliado, para efeito de uniformização da jurisprudência, nos termos dos artigos 732.º-A e 762.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, atenta a jurisprudência divergente sobre a mesma questão de direito, proferida pelas Relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça, propondo a fixação da seguinte jurisprudência:

«As prestações de alimentos a menor fixadas pelo tribunal em substituição do devedor, asseguradas pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, cujo pagamento é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, são devidas a partir da entrada do requerimento nos respectivos autos de incumprimento.» Alegando no agravo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, resumidamente, conclui:

1 - Excluídas as prestações alimentícias vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada, importa determinar o momento a partir do qual o Fundo se encontra obrigado, avançando-se, em regra, duas posições: a partir da entrada do requerimento para a intervenção do Fundo ou a partir da data da notificação da decisão judicial.

2 - Salvo melhor opinião, entendemos mais justa e consentânea com o espírito da lei a tese que faz retroagir os efeitos da decisão de intervenção do Fundo à data da entrada do respectivo requerimento.

3 - O artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, que estabelece que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não baliza o momento em que nasce a obrigação do Fundo, apenas se reportando ao momento em que o centro regional de segurança social está obrigado a cumprir a decisão do tribunal.

4 - A verificação dos pressupostos da intervenção do Fundo pode implicar uma demorada tramitação processual, não se compreendendo que o menor, durante esse lapso de tempo, que pode ser longo, não beneficie da prestação alimentar.

5 - Tanto a Lei 75/98, de 19 de Novembro, como o Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, são omissos sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares são devidas.

6 - Verifica-se uma lacuna da lei, que exige a aplicação, pela via da analogia, do artigo 2006.º do Código Civil, uma vez que procedem aqui as razões justificativas da regulamentação prevista para os alimentos naquele dispositivo, que diz que os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção.

7 - Assim, o momento em que as prestações se começam a vencer só poderá ser o definido no artigo 2006.º do Código Civil, ou seja, desde a data da entrada da acção em juízo, que, neste caso, é desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervenção do Fundo.

8 - Considera violados os artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, 3.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, 2006.º do Código Civil, 401.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, e 24.º, n.º 1, e 69.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

Não houve contra-alegações.

O Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou o julgamento ampliado do agravo, para efeito de uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigos 732.º-A e 762.º, n.º 3, do CPC.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, considerando ser o Ministério Público o recorrente, com posição processualmente bem definida quanto ao objecto do recurso, teve por prejudicada a emissão de parecer prevista no artigo 732.º-B, n.º 1, do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A Relação considerou provados os factos seguintes:

1 - Mediante acordo, homologado por sentença, o menor Cristiano Filipe Ferreira Pires foi confiado à guarda da sua mãe, Maria Fernanda Oliveira Ferreira.

2 - Mais foi determinado que o pai, Carlos Alberto Fernandes Pires, pagasse, a título de alimentos, ao mesmo menor, a quantia mensal de (euro) 110, até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito bancário, quantia esta actualizável anualmente de acordo com os índices da inflação registados.

3 - O requerido nunca pagou a referida prestação de alimentos.

4 - Esporadicamente, atribuiu algum dinheiro ao menor para aquisição de peças de vestuário e compra de medicamentos.

5 - O requerido integra o agregado familiar de sua mãe, viúva, reformada, 6 - Está inactivo há cerca de três anos.

7 - Esporadicamente, trabalha na construção civil, auferindo cerca de (euro) 35 por dia.

8 - Por vezes, faz trabalhos ocasionais no sector têxtil, auferindo cerca de (euro) 3,5 por hora.

9 - Beneficia do apoio dos irmãos, amigos e namoradas.

10 - Não se sente motivado para o exercício de uma actividade profissional.

11 - O menor reside com a progenitora em casa pertencente aos pais desta.

12 - Frequenta o 6.º ano de escolaridade, na Escola C + S de Manhente.

13 - Na sequência de uma tentativa de suicídio, o menor é acompanhado pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de São Marcos.

14 - A mãe do menor, que trabalha como operária têxtil, encontra-se actualmente desempregada.

15 - Aufere um salário de desemprego, no valor de (euro) 407.

16 - Apresenta problemas de saúde do foro psiquiátrico, sendo acompanhada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de São Marcos e pelo Grupo de Acção Social Cristã.

17 - A mãe do menor despende mensalmente (euro) 100 na prestação da sua viatura, (euro) 80 em água, luz e gás e (euro) 26 em medicação.

A única questão a apreciar consiste em saber se as prestações alimentares a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores são devidas desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervenção do Fundo ou a partir da notificação da decisão judicial que julgue o incidente do incumprimento.

Vejamos:

Tem sido objecto de controvérsia jurisprudencial a determinação do momento a partir do qual o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se encontra obrigado.

No sentido de que o Fundo fica obrigado a partir da entrada em juízo do requerimento para sua intervenção decidiram, entre outros: Acórdão da Relação de Guimarães de 9 de Outubro de 2008, proferido no processo 1752/08, da 2.ª Secção (acórdão fundamento); Acórdãos da Relação do Porto de 8 de Março de 2007, processo 0731236, e de 14 de Dezembro de 2006, processo 0636008; Acórdãos da Relação de Coimbra de 12 de Abril de 2005, processo 265/05, e de 3 de Maio de 2006, processo 805/06; Acórdãos da Relação de Guimarães de 1 de Junho de 2005, processo 805/06, e de 8 de Novembro de 2007, processo 1823/07.

Na esteira de que o Fundo só se encontra obrigado a partir da data da decisão do respectivo incidente de incumprimento, julgaram, entre outros: Acórdãos da Relação do Porto de 25 de Maio de 2004, processo 0422350, e de 25 de Setembro de 2006, processo 0654366; Acórdãos da Relação de Guimarães de 12 de Janeiro de 2005, processo 2211/04, e de 11 de Maio de 2003, processo 1524/03; Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2008, processo 1608/08.

Ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, decidiram no sentido do nascimento da obrigação do Fundo com a decisão que julgue o requerimento de incumprimento do devedor originário, entre outros: Acórdão de 27 de Janeiro de 2004, processo 03A3648; de 6 de Julho de 2006, processo 05B4278; de 27 de Setembro de 2007 (Col. Ac. STJ, XV, 3.º, 63); de 10 de Julho de 2008, processo 08A1860 (este relatado pelo mesmo relator e publicado na Col. Ac. STJ, XVI, 2.º, 170);

e de 30 de Setembro de 2008, processo 08A2953.

No sentido de que o Fundo fica obrigado desde a data da instauração do respectivo incidente de incumprimento, julgaram: Acórdão de 3 de Junho de 2008, Col. Ac. STJ, XVI, 2.º, 93; também de 10 de Julho de 2008, processo 08A1907; e de 19-10-09, processo 448/09, da 2.ª Secção.

Que posição seguir? Não garantindo o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores o pagamento da prestação de alimentos não cumprida pelo responsável legal e assegurando antes uma prestação própria e diferente daquela, fixada oportunamente pelo tribunal, acolheremos a tese de que a sua obrigação só nasce com a decisão que, apreciando os respectivos pressupostos, julgue o incidente de incumprimento do devedor originário, e a sua exigibilidade ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, em conformidade com o decidido no citado Acórdão de 10 de Julho de 2008, processo 08A1860, relatado pelo mesmo relator, que seguiremos de perto.

O artigo 1.º da citada Lei 75/98 dispõe:

«Quando uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.» Esta prestação nova não tem de ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor.

O artigo 2.º da referida Lei 75/98 enuncia os critérios para fixação do montante das prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e define um tecto limite, para o qual terá de se produzir prova, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio.

A garantia de alimentos devidos a menores cria, assim, uma nova prestação social, que, de acordo com o preâmbulo do mencionado Decreto-Lei 164/99, «traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo do reforço da protecção social devida a menores».

Deste modo, atribui-se ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não podem ser cobrados nos termos do artigo 189.º da OTM, o dever de garantir o pagamento até efectiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor, ficando sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou - artigo 5.º do Decreto-Lei 164/99.

Perante o elevado número de situações de incumprimento das prestações alimentares, a Lei 75/98 criou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com o objectivo de assegurar, através do Estado, direitos constitucionalmente garantidos, como sejam o direito à vida (que implica o acesso a condições de subsistência mínimas) e o direito das crianças ao seu desenvolvimento integral, consagrados nos artigos 24.º, n.º 1, e 69.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo.

A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.

Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.

A garantia de alimentos a menores foi regulamentada pelo citado Decreto-Lei 164/99, que estabelece os pressupostos e requisitos da sua atribuição - artigo 3.º O seu artigo 4.º, n.º 5, prevê que o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

Inexistindo, anteriormente à decisão do requerimento do incidente de incumprimento, qualquer obrigação do Fundo pela satisfação da prestação alimentar, não tem este de assegurar o pagamento das prestações vencidas e não pagas antes desse momento, pelas quais é responsável o devedor que a tal estava obrigado.

Por outro lado, a obrigação do Fundo é uma obrigação criada ex novo pela decisão que a determina e, por isso, só nasce nesse momento, com pressupostos legais próprios, podendo ter um conteúdo diferente da obrigação de alimentos do originário devedor.

Várias soluções poderiam ser concebidas pelo legislador, para fixação do momento a partir do qual são devidos os alimentos, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. v, p. 585).

O artigo 2006.º do Código Civil, ao dispor que «os alimentos são devidos desde a data da proposição da acção», pressupõe que o obrigado a alimentos, uma vez demandado, podia e devia voluntariamente reconhecer a obrigação e cumpri-la.

Daí que seja razoável e justo fazer retroagir a fixação dos alimentos ao momento da instauração da acção.

No caso do Fundo, é diferente a razão de ser da sua intervenção, cuja obrigação tem o carácter de prestação social.

A sua responsabilidade apenas se constitui com a decisão que aprecia os pressupostos para sua intervenção e o condena no pagamento de certa prestação, cuja exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

O Fundo, quando assegura o pagamento de prestações alimentícias, fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia.

A actualidade das prestações que satisfaz afere-se pela verificação judicial da existência cumulativa dos pressupostos e requisitos legais, legitimadores da intervenção do Fundo - artigos 1.º e 3.º da Lei 75/98 e 2.º e 9.º do Decreto-Lei 164/99.

O montante dos alimentos imposto ao Fundo é fixado no incidente de incumprimento e só então se torna líquido e exigível, como direito social do alimentando (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, pp. 221 e segs.).

A obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do originário devedor e demais pressupostos legais, de tal modo que tal obrigação só é criada com a decisão do respectivo incidente.

Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei - artigo 10.º, n.º 2, do CC.

Assim, a analogia das situações mede-se «em função das razões justificativas da solução fixada na lei e não por obediência à mera semelhança formal das situações» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. i, 4.ª ed., p. 59).

Daí que a doutrina do citado artigo 2006.º não seja aplicável por analogia, pois a sua ratio não tem correspondência com a situação do Fundo.

Não valem relativamente ao Fundo as razões justificativas da previsão do artigo 2006.º do CC, que faz retroagir a obrigação de alimentos à data da propositura da acção.

Não há paridade entre o dever paternal e o dever do Estado quanto a alimentos, pois não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo.

Enquanto o artigo 2006.º está intimamente ligado ao vínculo familiar, nos termos do artigo 2009.º do CC (e daí que, quando a acção é proposta, os alimentos já seriam devidos), a Lei 75/98 cria uma obrigação nova, imposta a entidade que, antes da respectiva decisão, não tinha qualquer obrigação de a prestar.

Acresce que o Fundo, enquanto interveniente no incidente, é chamado aos autos apenas com a notificação da decisão do tribunal.

Todo o processado do incidente do incumprimento da obrigação alimentar pelo devedor originário decorre sem o conhecimento do Fundo e sem qualquer intervenção da sua parte.

Não colhe o argumento de que, com o entendimento defendido, a obrigação de prestar fica na dependência da maior ou menor celeridade processual, o que resultaria em prejuízo dos menores e em violação do princípio da igualdade, conforme a maior ou menor celeridade processual.

Efectivamente, a Lei 75/98 acautela a situação dos menores, face a uma possível demora na tramitação do incidente, ao prever no n.º 2 do seu artigo 3.º que o juiz pode estabelecer uma prestação de alimentos provisória, quando a pretensão do requerente for justificada e urgente.

Foi, aliás, o que aconteceu no caso concreto.

E, como é sabido, não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos - artigo 2007.º, n.º 2, do CC.

Em face do exposto, é de concluir que a responsabilidade do Fundo só nasce com a decisão que julgue o requerimento do incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

Deve ser acatada esta opção legislativa, independentemente do juízo de bondade e de justiça que sobre a mesma se possa fazer.

Não pode convocar-se o regime de outras prestações de carácter social, a cargo do Estado, designadamente do rendimento social de inserção, por o legislador ter aí optado, expressamente, por solução diversa.

Com efeito, no âmbito do rendimento social de inserção, o artigo 17.º, n.º 6, da Lei 13/2003, de 21 de Maio, estabelece que a decisão quanto ao pagamento desta prestação produz efeitos desde a data da recepção do requerimento.

Consequentemente, não se mostram violados os artigos 24.º, n.º 1, e 69.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, nem os demais preceitos legais invocados pelo recorrente.

Termos em que acordam em negar provimento ao agravo, confirmando o Acórdão recorrido, sem custas, por o Ministério Público delas se encontrar isento, e uniformizam a jurisprudência nos termos seguintes:

A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.

Lisboa, 7 de Julho de 2009. - Fernando de Azevedo Ramos (relator) - Manuel José da Silva Salazar - Sebastião José Coutinho Póvoas - António Manuel Machado Moreira Alves - Salvador Pereira Nunes da Costa - José Ferreira de Sousa - António Cardoso dos Santos Bernardino - Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira - António Alberto Moreira Alves Velho - Camilo Moreira Camilo - João Mendonça Pires da Rosa (com a declaração que junto) - Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria (vencido, conforme o voto da Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza) - José Joaquim de Sousa Leite - José Amílcar Salreta Pereira (voto vencido nos termos da declaração apresentada pela Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza) - Custódio Pinto Montes - Joaquim Manuel Cabral e Pereira da Silva - José Rodrigues dos Santos - João Luís Marques Bernardo (vencido conforme voto que junto) - Urbano Aquiles Lopes Dias - João Moreira Camilo - Paulo Armínio de Oliveira e Sá (vencido conforme voto que junto) - Artur José Alves da Mota Miranda - Alberto de Jesus Sobrinho - Arlindo de Oliveira Rocha - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta) - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos (conforme voto vencido) - António José Pinto da Fonseca Ramos (junto declaração de voto) - Mário de Sousa Cruz (vencido nos termos da declaração de voto do Conselheiro Fonseca Ramos) - António José Cortez Cardoso de Albuquerque - Ernesto António Garcia Calejo - Henrique Manuel da Cruz Serra Baptista - Lázaro Martins de Faria (de acordo com a declaração de voto da Conselheira Beleza) - Hélder João Martins Nogueira Roque (vencido, conforme a declaração de voto que junto) - José Fernando de Salazar Casanova Abrantes - Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues (vencido nos termos da declaração junta) - Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego - Luís António Noronha Nascimento.

Declaração de voto

João Mendonça Pires da Rosa (acentuando que a decisão provisória prevista no artigo 3.º, n.º 2, da Lei 75/98 deve ser entendida para o juiz não apenas como uma faculdade, mas como uma obrigação procurada para os casos de justificação e urgência). - Pires da Rosa.

Declaração de voto

Votei vencido por razões situadas em plano constitucional.

I - No topo dos direitos fundamentais, a criança tem direito à vida - artigo 24.º da CRP.

Do mesmo modo, tem direito à dignidade enquanto pessoa humana - artigo 1.º Para além deles, estatui o artigo 69.º, no n.º 1, que:

«As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral» E no n.º 2 que:

«O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.» II - O direito à vida envolve o direito à sobrevivência e até, no dizer deste tribunal, o direito à «qualidade de vida» - (Acórdão de 26 de Abril de 1995, na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano iii, i, p. 155).

Quanto à dignidade da pessoa humana, já se tem o Tribunal Constitucional pronunciado, a propósito dos limites da penhorabilidade, incluindo naquela um substrato de «subsistência mínima» - cf., por todos, o Acórdão 177/2002, que se pode ver no respectivo sítio. Com aplauso de Cristina Queiroz nos seguintes termos:

«Nesta perspectiva, será de aplaudir a decisão do Tribunal Constitucional que acentuou esta última dimensão ao proceder à delimitação do conceito jurídico-constitucional de 'pessoa' e respectiva 'dignidade', por referência a um substrato de 'mínima subsistência' sem o qual, na verdade, por diversos que sejam os conteúdos, estes terão de ser aferidos por um mínimo constitutivo no quadro de uma vivência social.» (Direitos Fundamentais Sociais, 21.) Em anotação àquele artigo 69.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:

«A noção constitucional de 'desenvolvimento integral' (n.º 1, in fine) - que deve ser aproximada da noção de 'desenvolvimento da personalidade' (artigo 26.º, n.º 2) - assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1.º), elemento 'estático', mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades.» III - Prende-se, então, o nosso caso com os direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa, acrescentando-lhe a especificidade própria da criança e da situação que a Lei 75/98, de 19 de Novembro, tipifica para que o Estado assegure as prestações nela referidas.

«Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis», dispõe o artigo 18.º Mais dispondo o artigo 17.º, sempre da CRP, que o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica também aos «direitos fundamentais de natureza análoga», nestes se integrando, se autonomizado relativamente àqueles direitos à vida e à dignidade da pessoa humana, o direito da criança a que o Estado lhe assegure as prestações, quando falham a da pessoa «judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor [...] e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre» (artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro).

IV - Daqui entendo resultar que é inconstitucional a interpretação da lei ordinária no sentido de que as prestações asseguradas pelo Estado não sejam devidas a partir da apresentação do requerimento respectivo.

Mais entendendo que, dentro dos casos subsumíveis na referida lei, o presente assume particular relevância em termos de direitos do menor, por se tratar de uma criança já com uma tentativa de suicídio, com acompanhamento psiquiátrico inerente, vivendo com sua mãe, que tem problemas do mesmo foro e está desempregada, recebendo (euro) 407 por mês, sem que se refira sequer outra fonte de rendimento. - João Luís Marques Bernardo.

Declaração de voto

Votei vencido, por entender que a prestação social instituída pela Lei 75/98 veio, nos termos do respectivo preâmbulo, dar satisfação a recomendações da União Europeia, no sentido de o Estado assumir, de forma substitutiva, a falta das prestações alimentares devidas a menores.

Ora, quer o diploma fundamental quer o decreto-lei que o regulamenta não escamoteiam que o que está na base da prestação social é o incumprimento da obrigação de alimentos.

O Código Civil fez da matéria dos alimentos um título autónomo, na expressão de Pires de Lima e Antunes Varela, que defendem (Código Civil Anotado, vol. v, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 574) que «o regime fixado nos artigos 2003.º e segs. só abrange directamente, como logo se deduz da sua implantação legislativa, a obrigação alimentícia cujas raízes mergulham no leito das instituições familiares (seja do casamento, seja da filiação ou da adopção). Quanto à obrigação alimentícia proveniente doutras paragens, só estará sujeita à disciplina contida neste título, não por aplicação directa dos preceitos que o integram, mas através do canal da analogia que leve até junto dela a água normativa que fecunda a relação de nascente familiar. O próprio artigo 2014.º fornece, aliás, nesse sentido, a orientação metodológica mais adequada».

A força expressiva deste texto foi ignorada e também a relevância da norma do artigo 2014.º citada.

A recusa do recurso à analogia parece-me um ponto débil da argumentação, porquanto não se nega a lacuna mas a falta de razões justificativas da equiparação da situação em apreço à disciplina do Código Civil.

A nosso ver, as razões justificativas não apenas existem, como impõem a adopção de um regime similar ao previsto no artigo 2006.º do Código Civil.

A posição assumida não é compatível com o pagamento pelo Fundo de uma prestação alimentar, a título provisório, isto é, não fundada em qualquer decisão judicial, sendo certo que, no caso em apreço, ao contrário da situação normal de pedido de prestação alimentar, nem sequer se sabe se se verificam os pressupostos da prestação social. Ou seja, o menor que pede alimentos tem de invocar a sua necessidade e a capacidade de quem deva prestá-los. Ora, nos termos do artigo 1.º da Lei 75/98, a prestação social depende de prova de haver decisão a obrigar alguém à prestação de alimentos, do incumprimento por parte deste obrigado e de o menor não dispor de rendimentos superiores ao salário mínimo nacional.

Pode não haver prestação social a título definitivo, por não se ter feito a prova necessária.

Mas, entretanto, o menor pode ter estado a receber uma prestação social, a título provisório, cuja fundamentação, a nosso ver, contra lógica do acórdão, só pode fundar-se na natureza alimentar da referida prestação.

Por tais motivos, votaria no sentido proposto pelo Ministério Público. - Paulo Armínio de Oliveira e Sá.

Declaração de voto

Vencida. Teria concedido provimento ao recurso, condenando o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde a data da entrada do pedido e uniformizando jurisprudência nesse sentido.

Em síntese, pelas razões seguintes:

Nem a Lei 75/98, de 19 de Novembro, nem o Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, fixam o momento a partir do qual são devidas as prestações a cargo do Fundo. O n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei 164/99 apenas dispõe sobre a data a partir da qual deve ter início «o pagamento das prestações», assim esclarecendo que não há que esperar pelo trânsito em julgado da decisão que as fixou, nem que averiguar dos efeitos de um eventual recurso interposto;

Deve pois aplicar-se, por analogia (não é aqui possível recorrer à remissão do n.º 2 do artigo 2014.º do Código Civil), a regra constante do artigo 2006.º do Código Civil, por procederem as razões que justificam a fixação do momento da «proposição da acção» (aqui, da entrada em juízo do requerimento de intervenção do Fundo), e que se reconduzem à situação de necessidade em que, em qualquer caso, se encontra o titular do direito a alimentos;

Não procede o argumento de que «não há paridade entre o dever paternal e o dever do Estado quanto a alimentos». Com efeito, no âmbito do «dever paternal», os alimentos não são devidos apenas desde a propositura da acção correspondente, já que integram tal dever independentemente de qualquer acção. E, de qualquer modo, há que ter em conta que o regime definido pelo artigo 2006.º do Código Civil não é aplicável, apenas, quando a obrigação de alimentos se insere no âmbito de relações familiares, como se pode verificar, por exemplo, pelo n.º 2 do citado artigo 2014.º;

É essa interpretação, que protege contra a demora da decisão, que está de acordo com a razão de ser da assunção, pelo Estado, da obrigação de assegurar o direito a prestações de alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, em execução da tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças «com vista ao seu desenvolvimento integral» (artigo 69.º da Constituição e preâmbulo do Decreto-Lei 164/99);

É a única interpretação que permite fundamentar a possibilidade de imposição ao Fundo da obrigação de pagamento de uma prestação de alimentos provisória, enquanto não houver decisão (n.º 2 do artigo 3.º da Lei 75/98). Se «a obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do originário devedor e demais pressupostos legais», apenas sendo «criada com a decisão do respectivo incidente», como se escreveu no acórdão, não tem fundamento aquela obrigação;

Não contraria esta observação a circunstância de em caso algum haver lugar à restituição dos alimentos provisórios, se vier a apurar-se não ser procedente a pretensão de prestação de alimentos (n.º 2 do artigo 2007.º do Código Civil). Na verdade, refiro-me agora à hipótese de vir a proceder o pedido deduzido contra o Fundo, e de, entretanto, terem sido pagos alimentos provisórios;

Está de acordo com a solução expressa na lei para a determinação do momento a partir do qual é devido o rendimento social de inserção, como se observa no acórdão fundamento, tendo toda a razão de ser a analogia nele feita com a obrigação agora em causa, dada a razão de ser de ambas as obrigações assumidas pelo Estado;

A natureza «independente e autónoma, embora subsidiária» da obrigação do Fundo, que não se discute, não se opõe a esta solução; se não fosse «independente e autónoma», o Fundo haveria de responder pelas prestações que o obrigado aos alimentos não realizou, desde o momento do incumprimento, e não apenas desde a data do requerimento da sua intervenção.

Altero, assim, o que votei no processo 2498/07, no qual intervim como adjunta. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Declaração de voto

Votei vencido pelas razões referidas no acórdão proferido na revista n.º 448/09, de que fui relator e que a seguir se expõem.

Nos termos do artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas naquela lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

Esta prestação social, a cargo do Estado, encontra fundamento no direito das crianças à protecção, consagrado constitucionalmente (artigo 69.º), que, como se explicita no preâmbulo do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e ao próprio Estado as prestações que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

Ora entendemos que a prestação do Fundo é devida a partir da data ou do mês seguinte ao requerimento que lhe foi endereçado, através do tribunal, para proceder ao pagamento das prestações alimentares.

Por várias razões.

A primeira razão é porque a questão não vem expressamente resolvida nos diplomas que regulam a intervenção do Fundo, acima referidos, pelo que não é possível com base numa interpretação apenas literal determinar o sentido a dar à questão.

A isto não obsta o disposto no n.º 5 do artigo 4.º do citado Decreto-Lei 164/99, pois o facto de este determinar que o pagamento só se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal não quer necessariamente significar que o mesmo se reporte apenas a prestações futuras.

O pagamento que se inicia pode dizer respeito a prestações passadas.

A segunda razão é porque não se pode entender que as prestações anteriores ao pedido de intervenção do Fundo estão abrangidas pela sua responsabilidade, uma vez que esta intervenção só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desencadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo, que se pretende adequada a colmatar as necessidades do menor em montante que, se bem que tendencialmente equivalente à do obrigado, não está, em princípio, limitada pela mesma.

Isto quer dizer que é sobre a factualidade exposta no requerimento em que se pede a sua intervenção que vai incidir primordialmente o inquérito a que alude o n.º 1 do artigo 4.º do referido Decreto-Lei 164/99, pelo que o Fundo não tem de ocupar-se de necessidades e faltas ocorridas anteriormente, que se presumem superadas.

Do que resulta que o Fundo não pode ser considerado responsável quanto ao pagamento das prestações não pagas pelo devedor antes do requerimento a solicitar a sua intervenção.

Mas se não pode ser responsável por estas prestações pretéritas, já pode e deve ser responsável pelas prestações pretéritas que se vencerem desde a data em que foi feito o pedido da sua intervenção.

Na verdade, para além do que se disse sobre a inexistência de qualquer imposição da lei em sentido contrário e tendo em atenção que os diversos processos podem ter trâmites de averiguação mais ou menos complexos - sem aqui cuidarmos, por ser completamente indiferente à questão que nos ocupa, das razões dessa maior ou menor complexidade ou a quem atribuí-la - a entender-se que as prestações a que o Fundo estava obrigado só eram aquelas que se vencessem depois da notificação da decisão que impôs esse pagamento, então teríamos uma situação patente de desigualdade entre os diversos requerentes da intervenção do Fundo, que receberiam prestações consoante os processos de averiguação referidos no artigo 4.º do Decreto-Lei 164/99 fossem mais ou menos demorados.

Ou seja, receberiam mais prestações se os processos fossem rápidos e menos se os processos fossem demorados.

Dito doutro modo: em igualdade de circunstâncias quanto à necessidade da prestação alimentar, dois menores podiam ser favorecidos ou prejudicados pela aplicação da lei.

Ora um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais é o princípio da igualdade.

Este princípio postula, além do que «todos os cidadãos são iguais perante a lei», que esta lei, ela própria, deve tratar por igual todos os cidadãos.

Ou seja, a criação de um direito igual para todos os cidadãos.

Ou ainda de outra forma: para todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultado jurídicos - Gomes Canotilho in Direito Constitucional, 6.ª ed., p. 563.

A entender-se que o Fundo só estava obrigado a assegurar as prestações que se vencessem após a decisão sobre o pedido da sua intervenção, tal violaria o princípio da igualdade, nos termos acima descritos.

Se a lei fosse aplicada de acordo com esta interpretação, um menor, sem haver qualquer justificação para isso e sem ter qualquer influência nesse resultado, poderia ficar beneficiado ou prejudicado em relação a outro.

Repetimos: sem haver qualquer justificação para essa discriminação.

Concederia, pois, provimento ao agravo e decidiria que a data a partir da qual o Fundo devia assegurar as prestações à menor era a data em foi requerida ao tribunal a intervenção desse Fundo. - Oliveira Vasconcelos.

Voto de vencido Sem desdouro pela tese que fez vencimento, entendo que a prestação a cargo do FGADM, enquanto garante de uma prestação social da maior relevância - trata-se de prestação alimentícia devida a menores - nasce na data em que deu entrada em juízo o pedido incidental de condenação do Fundo, ante o incumprimento do progenitor condenado.

Renovo aqui alguns dos fundamentos do Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Julho de 2008 - que relatei, versando o tema sub judice - acessível in www.dgsi.pt - processo 08A1907 - a que acrescentarei algumas outras considerações:

«Não é novidade para ninguém que, a par dos clássicos direitos fundamentais que constituem categorias jurídico-constitucionais, outras categorias de direitos fundados na dignidade humana se afirmam como 'expressão da soberania do Estado' - traduzindo 'direitos a prestações' que são deveres fundamentais.

Os direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social) [...] A função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos sociais, económicos e culturais: ao problema dos direitos sociais originários, ou seja, se os particulares podem derivar directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex. derivar da norma consagradora do direito à habitação uma pretensão traduzida no 'direito de exigir' uma casa); ao problema dos direitos sociais derivados que se reconduz ao direito de exigir uma actuação legislativa concretizadora das 'normas constitucionais sociais' (sob pena de omissão inconstitucional) e no direito de exigir e obter a participação igual nas prestações criadas (ex. prestações médicas e hospitalares existentes); ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais têm uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos no sentido de obrigarem estes (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas conducentes à criação de instituições (ex. hospitais, escolas), serviços (ex. serviços de segurança social) e fornecimento de prestações (ex. rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações económicas).

A resposta aos dois primeiros problemas é discutível.

Relativamente à última questão, é líquido que as normas consagradoras de direitos sociais, económicos e culturais da Constituição Portuguesa de 1976 individualizam e impõem políticas públicas socialmente activas'.

[...] Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada pela doutrina (sobretudo a doutrina norte-americana) é a que se pode chamar função de não discriminação.

A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na Constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais [...].» - «Direito Constitucional e Teoria da Constituição» - Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª ed., pp. 408 e 409.

Temos, assim, que a Constituição da República impõe a realização de políticas públicas socialmente activas destinadas a proteger titulares de direitos fundamentais.

Neste âmbito, a nosso ver, entronca a questão que nos ocupa, a dos alimentos devidos a menores carenciados e, daí, a lei de garantia de alimentos - Lei 75/98, de 19 de Novembro, e o Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio.

No preâmbulo deste último diploma, que regulamentou aquela lei, pode ler-se:

«A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º).

Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º).

Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade, e em última instância ao próprio Estado, as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.» Depois de afirmar que o diploma cria uma nova prestação social, atribui-se ao Fundo de Garantia «assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor».

Não está em causa que se verifica a necessidade de alimentos pelos menores e que a pessoa judicialmente obrigada - o pai - os não pode prestar desde o momento da condenação inicial - artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro.

O artigo 5.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, estabelece no seu n.º 1: «O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.» A Relação invocou o n.º 5 do artigo 4.º do decreto-lei citado, que estatui:

«O centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.» Daí que tenha concluído que o FGADM apenas está obrigado a pagar as prestações alimentares decretadas no incidente de incumprimento, no mês seguinte ao da notificação dessa decisão judicial ao CRSS.

Com o devido respeito, de modo algum o preceito em causa baliza o momento em que nasce a obrigação do Fundo, sob o ponto de vista substancial, antes se reportando ao momento em que o CRSS está obrigado a cumprir a decisão do tribunal.

Estabelecendo o artigo 5.º, n.º 1, do decreto-lei referido, que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, não só não discrimina o momento em que tal direito nasce, como, tratando-se de uma prestação social ligada a um direito fundamental, tem de se considerar que a sub-rogação abrange, pelo menos, as prestações devidas desde a data em que foi requerido o incidente de incumprimento.

Para haver sub-rogação legal tem de haver um terceiro que cumpre a prestação que a outrem incumbia, cumprimento esse que resulta da lei.

«Nela não há, ou não se exige acordo entre o terceiro que paga e o credor, ou entre aquele e o devedor; pelo simples facto do pagamento efectuado por terceiro, dadas certas circunstâncias, é a lei que considera este sub-rogado, nos direitos do credor» - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, nota n.º 1 ao artigo 592.º Afirmar que o Estado, com os referidos diplomas legais, não se quis substituir ao devedor para garantir o pagamento das prestações devidas é afirmação que apenas deve ter como limite temporal o definido no artigo 11.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio; de outro modo, como se entenderia o cariz necessariamente substitutivo e de garantia do Fundo em relação às prestações já devidas, mas que não puderam ser coercivamente cobradas? A natureza social do direito em causa postula interpretação que salvaguarde o direito do menor a uma prestação já existente, mas não satisfeita, sendo que a intervenção do Fundo de Garantia é supletiva e só ocorre, na veste de garante, porque o devedor principal a incumpriu.

Sinal de que o decreto-lei citado admite algum grau de retroactividade, se assim nos podemos expressar, é o facto de o preâmbulo aludir ao «enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente ao que se refere à prestação de alimentos», o que evidencia que o legislador quis atalhar a situações balizadas pela data da denúncia do incumprimento e pedido de intervenção do garante.

O artigo 2006.º do Código Civil estabelece:

«Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora.» O Fundo é garante das prestações, desde a data em que o direito em relação a ele entrou na esfera jurídica do menor credor, com a verificada impossibilidade de obter o pagamento do devedor originário.

Agindo o Fundo em substituição do devedor, age, autonomamente, mas tendo por base uma obrigação de garantia, que nasce no momento em que o devedor entra em situação de incumprimento, pois, de outro modo, não cumpriria a sua função de garante, que é, por definição, supletiva, substitutiva.

Como vimos, o momento genético da obrigação do Fundo nada tem que ver com o momento que a lei estipula como termo inicial do pagamento a seu cargo, que deve iniciar-se no mês seguinte ao da notificação pelo tribunal - n.º 5 do artigo 5.º do referido decreto-lei.

O diploma não diz que as prestações são devidas pelo Fundo a partir daquele momento, afirma, antes, que o pagamento se inicia no mês seguinte àquela notificação.

O momento em que a prestação é devida só pode ser, na nossa perspectiva, o definido no artigo 2006.º do Código Civil.

Mas será que, no caso, não deve ser aplicado por analogia o artigo 2006.º do Código Civil? Como se sabe a analogia «traduz-se fundamentalmente na transposição, para as hipóteses omissas, das estatuições formuladas na lei a propósito de casos previstos, quando uma e outros razoavelmente - atenta a semelhança dos interesses em jogo - mereçam a mesma regulamentação» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 35).

Antunes Varela, in RLJ, 115.º-348) - escreve:

«A aplicação de qualquer norma, por analogia, não assenta em qualquer similitude de carácter lógico-formal entre a situação omissa e a situação contemplada nessa norma.

Essencial para a aplicação analógica é que a razão substancial justificativa da solução contida na norma proceda em relação ao caso omisso, mesmo que entre este e o caso regulado existam diferenças formais ou substanciais irrecusáveis» (Sublinhamos.) No caso, mais que a analogia legis, há que fazer apelo à analogia juris ante a lacuna que a nosso ver existe quanto a saber quando nasce a obrigação do FGDAM.

A analogia juris faz apelo aos princípios fundamentais do sistema jurídico, o que deve ser entendido, segundo as regras da hermenêutica jurídica, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - artigo 9.º do Código Civil.

Ora, em matéria de alimentos e incumprimento da obrigação a cargo do alimentante, rege na lei geral o artigo 2006.º do Código Civil.

Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. v, pp. 585 e 586, quanto à questão de saber desde quando são devidos os alimentos, apontam hipóteses passíveis de consideração, afirmando:

«O artigo 2006.º optou por uma terceira solução, uma espécie de caminho intermédio, que é a de considerar os alimentos devidos desde a data da proposição da acção, mesmo que a situação de carência remonte a data anterior.

Entende-se, por um lado, que, comprovando-se em juízo a situação de carência do autor, o demandado de algum modo podia e devia contar com a sua obrigação de supri-la, desde a data em que soou a campainha de alarme que é a proposição da acção [...].» Digamos que esta é trave mestra que só excepcionalmente deve ser afastada.

Salvo o devido respeito, considerar que a obrigação do Fundo só nasce com a decisão que julgar o incidente do incumprimento do obrigado a alimentos, com o fundamento que a obrigação do Fundo é uma obrigação nova, autónoma da do obrigado, e que tribunal pode condenar numa pensão provisória, em caso de urgência, não havendo lugar à aplicação analógica do artigo 2006.º do Código Civil, é secundarizar a natureza da prestação - trata-se de alimentos devidos a menores - que, por força do incumprimento do devedor condenado, fica desprovido de qualquer meio para acudir às suas necessidades vitais.

A prestação alimentícia prende-se com o assegurar de uma existência digna, visa assegurar «condições de subsistência mínimas».

Esta consideração e a razão da instituição do Fundo, criando uma nova prestação social em que o Estado se constitui garante do devedor original, importa, desde logo, que se considere na senda de Varela - citado comentário na RLJ - que são irrelevantes diferenças formais ou substanciais irrecusáveis entre o caso omisso e o caso regulado.

O facto de o garante poder ser responsabilizado em medida não coincidente com a prestação do devedor inadimplente não se afigura relevante.

É incongruente, dada a natureza da prestação social em causa, que para o Fundo garante da prestação que o devedor principal deixa de cumprir o momento constitutivo da sua obrigação de garantia seja a decisão judicial cujos efeitos só vigoram desde aí.

Será que a ratio legis do normativo que estabeleceu e regulamentou a responsabilidade do FGADM é compatível com a existência de um hiato, mais ou menos longo, entre o incumprimento e a entrada em acção do Fundo deixando medio tempore o alimentando sem qualquer protecção alimentícia? O facto de o incidente ter natureza urgente e poder ser fixada provisoriamente uma pensão não são argumentos relevantes, porque a celeridade, não sendo um dado inquestionável, faz com que a assistência ao credor dos alimentos fique dependente da maior ou menor rapidez da decisão incidental.

Pense-se na hipótese em que um menor tem 16 anos e é peticionada a intervenção do Fundo.

Se o Tribunal demorar dois anos a instruir o incidente (não se trata de hipótese académica, nem de argumento ad terrorem) e, entretanto, a decisão for proferida quando tiver atingido a maioridade, se se considerar que o direito do Fundo nasce com a decisão incidental e notificação ao Fundo [que só inicia o pagamento no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal], o alimentando, pura e simplesmente, viu ser-lhe coarctado um direito fundamental.

A consideração que a obrigação do Fundo é uma obrigação própria que só nasce se verificados os requisitos legais, desconsidera e coloca em pé de igualdade todos os requisitos de que depende a responsabilização daquela entidade, secundarizando que o principal requisito é o incumprimento do devedor obrigado a alimentos, e que o Fundo é garante legal dessa obrigação.

Este requisito maior emerge da natureza da prestação e da necessidade social de protecção postulada pela Constituição quando no artigo 69.º, n.º 1, estabelece que «[a]s crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão».

Por isso, mais que a ponderação de argumentos de natureza formal, entendemos que preponderam a ratio legis do preceito, o carácter social da prestação e a sua natureza e os valores em jogo, não sendo de admitir que, entre uma solução que atendendo a critérios prevalentemente formais nega um direito e outra que o concede baseada na teleologia da norma, prevaleça aqueloutra, que, salvo o devido respeito, desampara um direito fundamental - o direito a alimentos devidos a menores.

Não entender assim considerando inaplicável a norma do artigo 2006.º do Código Civil seria violar o princípio constitucional da igualdade - artigo 13.º da Constituição da República.

O credor de alimentos encontraria mais protecção ao abrigo daquela norma que ao abrigo de um diploma que, expressamente, em obediência a princípios constitucionais, criou uma nova prestação social a cargo do Estado, visando obviar com celeridade a situações de desprotecção num domínio tão sensível como é o que está em causa - assegurar ao menor a garantia de pagamento de prestações alimentícias em caso de incumprimento.

Estando em causa a interpretação de diplomas que conferem direitos sociais constitucionalmente garantidos, a interpretação deve acolher um sentido que melhor se compagine com os fins que a norma visa.

Recusar ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas desde a propositura do incidente do incumprimento é, pura e simplesmente, recusar-lhe um direito social derivado, com matriz constitucional, relacionado com direitos fundamentais.

Na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre restrições - «in dubio pro libertate».

«O princípio da interpretação conforme a constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei.

Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de conservação de normas.» - Gomes Canotilho, ob. cit., p. 1294.

Interpretar os diplomas em questão, conformemente à Constituição da República, tendo sido, no caso em apreço, intenção expressa do legislador ordinário criar uma nova prestação social, a cargo do Estado, importa que se afirme a prevalência de interpretação que não esvazie de conteúdo a protecção de direitos fundamentais/direitos a prestações, como é o direito de protecção da criança, na vertente do direito a alimentos, que engloba o direito à saúde e à educação, sem dúvida merecedores da mais elevada protecção.

Neste entendimento, decidimos que as prestações devidas pelo FGDAM nascem no momento em que ingressou em juízo o pedido de intervenção do Fundo, caso a decisão seja condenatória.

Entendemos, pelo exposto, que deveria ser uniformizada jurisprudência no sentido propugnado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público. - A. Fonseca Ramos.

Declaração de voto

Dispõem os artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, 2.º, n.º 2, e 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, que «o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação».

Tendo o legislador definido o limite temporal final da intervenção do FGADM, porque não estabeleceu, expressamente, o início do pagamento das prestações a seu cargo? É que tal não se encontra na letra do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, que estipula que o pagamento das prestações a seu cargo tem início «no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal», que contende apenas com a execução burocrática do processo de pagamento.

Mas antes tem que ver com a natureza da obrigação, a cargo do FGADM.

O FGADM responsabiliza -se, perante o credor (menor beneficiário), pelo pagamento de uma obrigação própria, ainda que relacionada com a dívida originária do garantido, e não pelo cumprimento de uma obrigação alheia (do garantido, devedor de alimentos), se este o não fizer, nos termos devidos.

E com o pagamento efectuado pelo garante ao credor beneficiário, extingue-se, nessa medida, a obrigação do devedor garantido para com o seu credor, ficando o garante sub-rogado nos direitos do credor beneficiário, recorrendo, imediatamente, à execução judicial, para assegurar o reembolso das quantias pagas.

É esta a natureza jurídica da prestação, a cargo do FGADM, ou seja, uma garantia autónoma ou independente, ainda que subsidiária, não contratual, distinta da garantia típica da fiança.

Verificados os pressupostos substantivos da legitimidade da intervenção subsidiária e substitutiva do FGADM, consagrados pelos artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, 2.º, n.º 2, e 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, de natureza cumulativa, designadamente o incumprimento pelo obrigado quanto à satisfação de uma necessidade actual de alimentos do menor, logo que o tribunal reconheça que o devedor originário deu início ao incumprimento, nasce o direito do credor à obtenção da garantia do FGADM.

Assim sendo, propugnaria pela uniformização judicial no sentido de que «a obrigação de prestação de alimentos a menores, assegurados pelo FGADM, em substituição do devedor, nos termos dos artigos 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, 2.º, n.º 2, e 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, nasce com o reconhecimento pelo Tribunal da verificação dos pressupostos substantivos legitimadores da sua intervenção, abrangendo as prestações vencidas e não pagas pelo obrigado originário, e as vincendas». - Hélder Roque.

Declaração de voto

Votei vencido, na medida em que subscrevo na íntegra a declaração de voto do Exmo.

Sr. Conselheiro Fernando Oliveira Vasconcelos, por perfilhar a mesma posição, aliás assumida por mim já em anterior decisão proferida no corrente ano. - Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/08/05/plain-258790.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/258790.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-10-27 - Decreto-Lei 314/78 - Ministério da Justiça

    Revê a Organização Tutelar de Menores.

  • Tem documento Em vigor 1998-11-19 - Lei 75/98 - Assembleia da República

    Garantia dos alimentos devidos a menores.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-13 - Decreto-Lei 164/99 - Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade

    Regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei 75/98, de 19 de Novembro.

  • Tem documento Em vigor 2002-07-02 - Acórdão 177/2002 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional. (Processo nº 546/01).

  • Tem documento Em vigor 2003-05-21 - Lei 13/2003 - Assembleia da República

    Cria o rendimento social de inserção e estabelece os requisitos e condições gerais para sua atribuição.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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