Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6/2021, de 29 de Dezembro

Partilhar:

Sumário

A existência de uma declaração sub-rogatória pelo credor, de acordo com o artigo 589.º do Código Civil, no confiador solidariamente responsável que satisfez o crédito, não afasta a aplicação do regime da sub-rogação legal e do direito ao reembolso pelos outros confiadores, na medida das suas quotas, resultante da conjugação dos artigos 650.º, n.º 1, e 524.º do Código Civil

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2021

Sumário: A existência de uma declaração sub-rogatória pelo credor, de acordo com o artigo 589.º do Código Civil, no confiador solidariamente responsável que satisfez o crédito, não afasta a aplicação do regime da sub-rogação legal e do direito ao reembolso pelos outros confiadores, na medida das suas quotas, resultante da conjugação dos artigos 650.º, n.º 1, e 524.º do Código Civil.

RUJ n.º 1730/13.2TBSTB.E1.S1-A

Autores: AA

BB

Réus: Valarme - Representação e Exportação, Limitada

CC

DD

EE

FF

*

I - Relatório

Os Autores propuseram ação declarativa com processo comum, demandando Pestana Bus, Atividades Turísticas, Limitada, GG, CC, DD, EE e FF, pedindo que os Réus fossem condenados a, solidariamente, pagarem-lhes a quantia de (euro) 34.664,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, custas e demais encargos do processo executivo que os Autores vierem a satisfazer.

Como fundamento deste pedido alegaram o seguinte:

- Em processo de execução movido por Irmãos Mota & Companhia, Limitada, contra Autores e demandados, foi exigido inicialmente aos Executados, em regime de solidariedade passiva, o pagamento da quantia de (euro) 7.081,85.

- Posteriormente, por cumulação de execuções, a quantia exequenda passou a ser de (euro) 40.027, 55, valor este acrescido de juros, custas e demais encargos.

- Esta dívida respeitava ao preço de dois autocarros que Irmãos Mota haviam vendido a crédito, titulado por letras de câmbio, a Pestana Bus, tendo os demais demandados se responsabilizado pelo pagamento, solidária e pessoalmente, como fiadores e principais pagadores, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.

- Sob a ameaça de venda de um imóvel onde os Autores têm instalado um estabelecimento comercial que constitui a principal fonte da sua subsistência, já penhorado no processo de execução acima referido, decidiram estes proceder ao pagamento da quantia exequenda, a qual, por acordo entre eles e a Exequente, foi fixada em (euro) 34.664,00, a pagar em 12 prestações mensais e sucessivas, sendo as 11 primeiras de (euro) 1.926,00, cada uma, e a última de (euro) 13.478,00, prestações e quantias que os Autores pagaram integralmente à Exequente.

- Em consequência do pagamento e por força da cláusula 6.ª do referido acordo, o credor transferiu para os Autores, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes Executados.

- Executados que, por outro lado, tinham assumido pessoal e solidariamente, na qualidade de fiadores e principais pagadores, a dívida da sociedade Pestana Bus à sociedade Irmãos Mota, com renúncia ao benefício da divisão e da excussão.

- Pelo que, quer pela via da sub-rogação - artigos 589º e seguintes do Código Civil - quer pela via do direito de regresso - artigo 524.º do mesmo diploma legal - têm os Autores direito a exigir dos demandados a importância que pagaram a Irmãos Mota & Companhia, Limitada, no valor de (euro) 34.664,00, acrescida de custas e demais encargos do processo executivo, ainda por determinar.

Citados os demandados, apenas contestou a Ré CC, concluindo pela improcedência da ação e requerendo a sua absolvição do peticionado.

Os Autores deduziram réplica, mantendo a posição assumida na petição inicial.

Foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu GG, com fundamento em ter sido declarada a sua insolvência, por sentença transitada em julgado.

Foi ordenada a citação da sociedade Valarme - Representação e Exportação, Limitada, na qualidade de única sócia da Ré, Pestana Bus, Actividades Turísticas, Limitada, para substituir esta última na presente lide, nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a primitiva Ré foi extinta, por dissolução.

A sociedade Valarme - Representação e Exportação, Limitada, foi citada editalmente, sendo representada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 21.º do Código de Processo Civil, não tendo sido apresentada contestação.

Efetuado julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar procedente a ação e, em consequência, condenou:

- A R. Pestana Bus - Atividades Turísticas, Lda., nesta altura representada pela única sócia, Valarme Representação e Exportação, Lda., a pagar aos AA. a quantia de 9.904,00 (euro), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4 % desde 18/2/2016 e até efetivo e integral pagamento;

- A R. CC a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00 (euro), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4 % desde 18/2/2016 e até efetivo e integral pagamento;

- O R. DD a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00 (euro), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4 % desde 18/2/2016 e até efetivo e integral pagamento;

- A R. EE a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00 (euro), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4 % desde 18/2/2016 e até efetivo e integral pagamento;

- O R. FF a pagar aos AA. a quantia de 4.952,00 (euro), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4 % desde 18/2/2016 e até efetivo e integral pagamento.

Os Autores interpuseram recurso de apelação desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido acórdão, em 08.11.2018, que revogou a decisão recorrida, condenando, solidariamente, todos os Réus a pagar aos Autores a quantia de (euro) 34.664,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da citação dos Réus, até efetivo e integral pagamento.

Deste decisão recorreu a Ré CC para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 27.02.2020, julgou a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.

A Ré reclamou desta decisão para a Conferência, tendo sido proferido acórdão em 26.09.2020 que indeferiu a reclamação.

A Ré CC interpôs recurso de uniformização de jurisprudência do acórdão proferido em 27.02.2020 (indicou, por lapso, o acórdão de 26.09.2020), tendo concluído as respetivas alegações do seguinte modo:

1 - Verifica-se uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2017 sobre a mesma questão fundamental de direito, não existindo Jurisprudência Uniformizada que consagre a interpretação perfilhada no acórdão recorrido.

2 - No caso concreto dos autos, o acordo entre credor e dois dos sete fiadores não é válido como sub-rogação voluntária, não podendo enquadrar-se nos pressupostos da mesma previstos no artigo 589.º do Código Civil, pois que:

a) Não foi um terceiro que pagou a dívida, mas dois dos fiadores;

b) Tal pagamento foi efetuado depois do cumprimento da obrigação.

c) A dívida foi extinta, não podendo haver sub-rogação convencional em relação a uma dívida extinta.

3 - O fiador que pagou a dívida tem sub-rogação legal em relação ao devedor, mas apenas direito de regresso contra os demais fiadores.

4 - Sendo sete os fiadores, a responsabilidade de cada Réu é correspondente à sua quota-parte (1/7).

5 - O devedor principal, sim, responde pela totalidade da dívida (artigo 524.º do C.C.).

6 - A sentença de primeira instância está correta, uma vez que os Autores da ação responsabilizaram, cumulativamente, o devedor principal e os fiadores.

7 - Isto se não se entender que todos os fiadores devem ser absolvidos e apenas condenado o devedor principal, por força do artigo 526.º n.º 2 do Código Civil.

8 - O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 524.º, 526º n.º 2, 589º, 592º, 644º, 649º e 650ºdo Código Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho pelo Conselheiro Relator, admitindo o recurso interposto.

Distribuído o recurso para uniformização de jurisprudência, foi emitido Parecer pelo Ministério Público no sentido de ser lavrado acórdão para uniformização de jurisprudência com o seguinte sentido:

Nem o confiador nem o co-avalista podem ser considerados terceiros, para efeito do disposto no artigo 589.º do Código Civil - sub-rogação voluntária. Por isso, em caso de estabelecimento de uma cláusula de sub-rogação voluntária do credor no confiador ou no co-avalista que pagou, o regime de sub-rogação voluntária não pode afastar o regime da sub-rogação legal.

*

II - Da admissibilidade do recurso

O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, regulado nos artigos 688.º e seguintes do Código de Processo Civil, está previsto para as situações em que o acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça se encontra em contradição com outro acórdão proferido anteriormente pelo mesmo Tribunal.

Essa contradição verifica-se quando existe uma oposição frontal, relativamente à mesma questão de direito, a qual foi essencial para a decisão proferida nos dois acórdãos.

O acórdão recorrido, aderindo à fundamentação do acórdão da Relação, em revista, considerou que, tendo o credor emitido uma declaração sub-rogatória a favor dos confiadores que haviam satisfeito o seu direito de crédito, nos encontrávamos perante uma sub-rogação voluntária, à qual era aplicável o disposto no artigo 589.º do Código Civil, pelo que os confiadores solvens, passaram a ser titulares daquele direito de crédito, na medida em que o satisfizeram, não sendo aplicável o regime da sub-rogação legal previsto no artigo 650.º do Código Civil. E, com este pressuposto, confirmou o acórdão da Relação que havia condenado o devedor e os demais confiadores a, solidariamente, pagarem aos confiadores sub-rogados a totalidade da quantia por estes satisfeita ao credor.

Por sua vez, o acórdão fundamento foi proferido num incidente de habilitação de adquirente, que corria por apenso a uma ação executiva em que o exequente reclamava da devedora e dos confiadores do crédito exequendo, o pagamento deste.

Através desse incidente, um confiador que havia satisfeito o crédito exequendo, tendo o Exequente emitido declaração sub-rogatória a seu favor, pretendia habilitar-se na posição processual do Exequente, na execução que este havia movido contra a devedora e os confiadores, cobrando, assim, de todos eles, o valor por ele pago ao Exequente.

O Supremo Tribunal de Justiça, através de acórdão proferido em 22.02.2017, confirmou o acórdão da Relação, na parte em que não admitiu que o Requerente fosse habilitado para prosseguir na execução, agora na posição de exequente, relativamente aos Executados confiadores.

Esse acórdão fundamentou a sua decisão no facto da declaração sub-rogatória emitida pelo credor não ser suficiente para afastar o regime da sub-rogação legal previsto no artigo 650.º do Código de Processo Civil, uma vez que ela não vincula os demais confiadores, perfilhando, assim, uma posição diametralmente oposta à seguida no acórdão recorrido.

A questão fundamental de direito que desencadeou a ratio decidendi das duas decisões foi idêntica e assentou na interpretação do disposto no artigo 589.º do Código Civil, discutindo-se se o regime da sub-rogação voluntária pelo credor previsto nessa disposição legal se aplica à posição jurídica do confiador solvens, perante os restantes confiadores, depois daquele satisfazer a dívida garantida e celebrar acordo com o credor no qual se convencionou ficar sub-rogado no crédito satisfeito.

A divergência entre as posições adotadas nos acórdãos em confronto sobre esta questão foi decisiva para o resultado obtido em cada um deles.

No acórdão fundamento, foi a constatação que o artigo 589.º do Código Civil não era aplicável, que levou a que se considerasse que o confiador pagante da dívida não beneficia de qualquer sub-rogação voluntária que pudesse tornar admissível a sua habilitação no lugar do exequente para cobrança do crédito aos demais confiadores.

No acórdão recorrido, foi a aplicação do artigo 589.º do Código Civil que permitiu a conclusão de que os confiadores pagantes da dívida ficaram sub-rogados na titularidade do mesmo direito de crédito que o credor originário possuía, pelo que, ao abrigo do artigo 519.º, n.º 1, do Código Civil, podem exigir de qualquer restantes confiadores (artigos 627.º e 634.º do Código Civil) toda a prestação.

São também análogas as realidades fácticas apreciadas por cada acórdão - em ambos os casos, um ou mais confiadores, executados pelo credor, em conjunto com o devedor principal, celebraram um acordo com o respetivo exequente, mediante o qual procederam ao pagamento da dívida exequenda e, em contrapartida, ambos os credores-exequentes declararam que os sub-rogavam no crédito satisfeito, perante o devedor principal e os restantes confiadores.

Apesar dos diferentes momentos processuais em que foi apreciada a questão fundamental de direito acima referida (no acórdão fundamento, no âmbito de um incidente de habilitação de adquirente instaurado por apenso a uma ação executiva e, nestes autos, no âmbito de uma ação declarativa instaurada após a extinção de uma ação execução), verificando-se uma diferente resolução da mesma questão de direito, conclui-se que estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso.

III - Da delimitação do objeto do recurso

Antes de apreciarmos o mérito do recurso interposto, convém delimitar o seu âmbito, precisando o seu objeto.

Em primeiro lugar, apesar de no caso a que respeita o acórdão recorrido se aludir a um aval cambiário, da matéria de facto assente retira-se que, embora inicialmente a execução se tenha baseado em letras de câmbio emitidas pela sociedade executada Pestana Bus, Lda., e avalizadas pelos Autores e restantes demandados, para cobrança da quantia de (euro) 7.081,85, na mesma execução foi depois admitida a cumulação de execuções pela quantia de (euro) 32.945,70, com base na relação subjacente à emissão daquelas letras de câmbio.

Apresentou-se como título executivo um contrato de compra e venda a crédito de dois autocarros, sendo vendedora a sociedade Irmãos Mota & Companhia, Limitada, e compradora a 1.ª demandada, no qual se convencionou que, para garantia do pagamento do preço de compra daqueles veículos, os Autores e restantes demandados constituíam fiança a favor da compradora, responsabilizando-se de forma pessoal, solidária e principal, pelo cumprimento integral de todas as responsabilidades que resultassem para aquela do contrato de compra e venda celebrado, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.

Ora, como se referiu no acórdão recorrido, tendo sido o valor titulado nas letras aglutinado pelo acordo de pagamento, do qual resultou um valor não coincidente com a soma dos valores titulados naquelas, restam, daqueles títulos de crédito, as garantias que acompanhavam o seu eventual incumprimento. Essas garantias eram a satisfação dos valores em dívida, de forma solidária e com renúncia aos benefícios de divisão e excussão. Sendo assim, há que lançar mão do instituto da fiança e ter em consideração o que diz o n.º 1, do artigo 650.º, do Código Civil.

O direito de reembolso invocado pelos Autores foi, pois, apreciado tendo por fundamento a sua posição de garantes fiadores, relativamente ao crédito por eles satisfeito, e não enquanto avalistas das letras de câmbio aceites como garantia do mesmo crédito, pelo que este recurso deve apenas ter por objeto o direito dos Autores enquanto confiadores solvens.

Respeitando igualmente o caso apreciado pelo acórdão fundamento ao direito que assiste a um confiador que liquida a dívida afiançada, é estranho ao objeto do recurso uniformizador o direito dos co-avalistas que liquidam o título de crédito avalizado.

Por outro lado, no caso apreciado pelo acórdão recorrido, a fiança foi prestada no mesmo título por uma pluralidade de fiadores, com renúncia aos benefícios da divisão e da excussão. Igualmente, no caso do acórdão fundamento, a fiança prestada por diversos fiadores constava do mesmo título e foi prestada, com renúncia ao benefício da excussão, garantindo o cumprimento integral do crédito garantido, sem convenção do benefício da divisão.

Estamos, pois, em ambos os casos, perante uma situação de pluralidade de fianças, em regime de solidariedade (artigo 649.º, n.º 1, do Código Civil), em que o credor pode exigir de cada fiador a realização integral da prestação afiançada, pelo que é este tipo de fiança plúrima que será objeto do presente recurso.

III - Do direito do confiador solvens

A questão que importa dilucidar, face à oposição verificada entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, é a de saber se o regime da sub-rogação voluntária pelo credor, previsto no artigo 589.º do Código Civil, se aplica à posição jurídica do confiador solvens, perante os demais confiadores, depois daquele satisfazer a dívida garantida, mediante acordo celebrado com o credor, no qual este declarou que sub-rogava o confiador solvens no crédito satisfeito.

Dispõe o artigo 589.º do Código Civil que o credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.

Este preceito inicia uma secção autónoma do capítulo do nosso Código Civil dedicado à transmissão de créditos e de dívidas, nela se acolhendo uma figura jurídica de utilidade muito discutida, face à liberdade de cessão de créditos, e de difícil enquadramento dogmático, tendo a eliminação da sua vertente voluntária sido ponderada nos trabalhos preparatórios daquele diploma (1).

Com origem na combinação de duas distintas instituições romanas, sendo uma delas o beneficium cedendarum actionum, que colocava o fiador que cumprisse a obrigação afiançada na posição do credor, foi no direito francês, no século XVI, com o renascimento do direito romano, que se desenvolveu a construção de um princípio geral de substituição da pessoa do credor, por efeito do pagamento por terceiro, possibilitando-se ao solvens a utilização da relação obrigacional originária, como meio de obter o reembolso do pagamento de dívida alheia. Esta corrente doutrinária culminou na consagração, no Código de Napoleão, na secção respeitante ao pagamento das obrigações, nos artigos 1249. a 1252. (2), de um regime próprio de extinção de créditos denominado "pagamento com sub-rogação" (3).

Este acolhimento do mecanismo da sub-rogação pessoal no Código de Napoleão veio a ser seguido pela maioria das codificações posteriores, incluindo o nosso Código de Seabra (artigos 778.º a 784.º), tendo, contudo, o direito alemão se limitado a adotar, em determinadas situações, algumas manifestações deste princípio, atribuindo, designadamente, ao fiador solvens o direito de crédito por este satisfeito, contra o devedor principal (§ 774 do B.G.B.).

Através da figura da sub-rogação, a ordem jurídica admite que, aquele que satisfaz a obrigação de outrem utilize a relação obrigacional primitiva como um meio para obter o reembolso do que despendeu com o cumprimento.

Seguindo de perto o articulado proposto por Vaz Serra (4), o nosso Código Civil, nos artigos 589.º a 594.º, prevê duas espécies de sub-rogação: a voluntária e a legal, conforme a sua fonte constitutiva.

A sub-rogação voluntária tem na sua origem uma declaração de vontade do credor, prevista no artigo 589.º do Código Civil, ou do devedor, a qual pode, neste último caso, assumir duas modalidades distintas, diferenciadas nos artigos 590.º e 591.º do Código Civil.

A sub-rogação legal é a que resulta diretamente da lei, estando genericamente regulada no artigo 592.º do Código Civil e especialmente prevista noutras disposições deste diploma, como sejam os artigos 477.º, n.º 2, 717.º e 956.º, n.º 4, assim como em legislação avulsa (v.g. artigo 54.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto, artigo 17.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, ou o artigo 5.º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de maio).

Quando a sub-rogação se encontra prevista na lei é desnecessária qualquer declaração do credor ou do devedor, para que o solvens fique sub-rogado no direito de crédito satisfeito, passando a ocupar a posição do credor originário. Essa substituição da pessoa do credor decorre ope legis da satisfação do crédito, pelo que, numa situação dessas, co-existindo uma declaração sub-rogatória, a mesma é inócua, ocorrendo a sub-rogação por "vontade" da lei e não pela vontade manifestada nesse sentido pelo credor ou pelo devedor.

Relativamente às situações de pluralidade de fiadores, em que um deles paga o crédito afiançado, dispõe o artigo 650.º do Código Civil, no seu primeiro n.º (5), dedicado às situações de pluralidade de fianças, em regime de solidariedade:

Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.

Este preceito, inspirado no disposto no § 774 do B.G.B. (6), provém do artigo 26.º do Anteprojeto sobre a matéria apresentado por Vaz Serra (7), resultando a sua redação, no essencial, da 1.ª Revisão Ministerial, dela constando que, em caso de pluralidade de fiadores, em regime de solidariedade, o confiador que satisfizer o crédito afiançado, fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor, reafirmando a solução que já resulta, quer do disposto no artigo 592.º, n.º 1, do Código Civil (regime geral da sub-rogação legal), quer do artigo 644.º do mesmo diploma, e também contra os outros fiadores, nos termos do regime das obrigações solidárias.

Se esta remissão para o regime das obrigações solidárias é coerente com o tipo de obrigação plural que unia os diferentes fiadores perante o credor, ao ter-se optado por aí consagrar um direito de regresso sobre cada um dos condevedores (artigo 524.º do Código Civil), sem que, neste domínio, exista uma sobreposição das figuras do direito de regresso e da sub-rogação, como havia idealizado VAZ SERRA (8), tal remissão criou um problema interpretativo sobre qual o tipo de direito que é conferido ao confiador solvens.

Na doutrina, alguns autores referem esse direito como um direito de regresso, conforme as regras da solidariedade (9). Explica ALMEIDA COSTA (10):

A redação do artigo 650.º não se apresenta muito feliz. Dados os seus termos, poderia pensar-se que o fiador que cumpriu fica sub-rogado nos direitos do credor tanto contra o devedor como contra os outros fiadores. Mas não oferece dúvidas que, em relação a estes últimos, se trata de um simples direito de regresso segundo as normas de solidariedade.

Já VAZ SERRA entende que estamos perante uma situação de sub-rogação legal (11), no que é seguido por JANUÁRIO GOMES que afirma (12):

Não nos parece, porém, que o artigo 650.º/1 consagre um 'mero' direito de regresso como pretensão alternativa à sub-rogação contra o devedor. Conforme resulta da própria letra do artigo 650/1, o fiador que, respondendo pela totalidade da prestação, tenha cumprido integralmente, ganha uma dupla sub-rogação: uma sub-rogação, digamos, total contra o devedor e, em alternativa, tantas subrogações parciais quantos os restantes confiadores.

Se é verdade que no nosso ordenamento jurídico o direito de regresso e a sub-rogação são figuras distintas (13), em que o primeiro é um direito constituído ex novo, na titularidade daquele que extinguiu um direito de crédito anterior, enquanto a sub-rogação coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito crédito por ele satisfeito, relativamente ao âmbito do direito que assiste ao confiador que satisfez o crédito afiançado sobre os outros confiadores as consequências do recurso a uma ou à outra figura são as mesmas.

Com efeito, independentemente do direito do confiador solvens ser um novo direito de regresso sobre os outros confiadores ou o anterior direito satisfeito, em cuja titularidade ele ingressou por sub-rogação legal, a obrigação de reembolso dos outros confiadores é limitada às quotas de cada um na garantia prestada, quotas essas determinadas pela especificidade das relações internas entre eles (14), presumindo-se, nos termos do artigo 516.º do Código Civil, a igualdade de quotas, na ausência de estipulação em contrário.

Na verdade, aqueles que entendem que estamos perante o direito de regresso previsto no artigo 524.º do Código Civil leem essa limitação do direito de reembolso sobre os outros confiadores na parte final deste preceito legal, utilizando depois a presunção estabelecida no artigo 516.º do mesmo diploma, enquanto aqueles que entendem que estarmos perante uma sub-rogação legal, conferem sentido à remissão para o regime das obrigações solidárias, constante do artigo 650.º do Código Civil, restringindo essa remissão precisamente para a referida parte final do artigo 524.º do Código Civil, limitando, assim, de igual modo, a sub-rogação apenas à quota de cada um na fiança plúrima prestada (15).

O disposto no artigo 650.º, n.º 1, do Código Civil, se, relativamente à sub-rogação contra o devedor, se limita a repetir o que já constava de outras disposições deste diploma (artigos 592.º, n.º 1 e 644.º), no que respeita ao direito de reembolso do confiador solvens contra os outros confiadores, prevê um regime específico ao remeter para as regras das obrigações solidárias.

Por isso, a existência de uma declaração sub-rogatória emitida pelo credor, aquando da satisfação do crédito por um dos confiadores, se é inócua relativamente à sub-rogação legal contra o devedor, prevista, não só na 1.ª parte do n.º 1, do artigo 650.º, do Código Civil, mas também, nos referidos artigos 592.º, n.º 1, e 644.º do mesmo diploma, no que respeita ao direito de reembolso do confiador solvens contra os outros confiadores, é ineficaz face à aplicação das regras das obrigações solidárias, por determinação da 2.ª parte do n.º 1, do artigo 650.º do Código Civil.

Apesar do conceito de terceiro abranger toda a pessoa que à data do cumprimento não ocupe a posição de devedor, quando esse terceiro tiver garantido o cumprimento, como sucede com o fiador, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito, este transmite-se por sub-rogação legal para o terceiro solvens (artigo 592.º, n.º 1, do Código Civil) e não por sub-rogação convencional (16).

A simples vontade do credor, mesmo que tenha o acordo do confiador solvens e até do devedor, não é suficiente para afastar o regime definido na lei para as consequências que resultam da satisfação do crédito por um dos confiadores.

O princípio da autonomia privada se, nos domínios onde a lei não dispõe de modo imperativo, confere às partes o direito de definirem as relações jurídicas entre elas, também exige a sua livre participação nessa definição, não admitindo que ela resulte de atos de terceiro ou de acordos a que elas são alheias. Na dimensão do princípio da relatividade dos contratos, estes são res inter alios acta, não sendo idóneos a prejudicar a posição de terceiros, apenas produzindo efeitos entre as partes. Como consta do artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

Daí que a sub-rogação voluntária, por declaração do credor, não seja idónea a afastar a aplicação do regime previsto no artigo 650.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil, nem sequer a constituir um meio alternativo do confiador solvens obter o reembolso do pagamento efetuado, uma vez que a vontade destes não é suficiente para impor aos restantes confiadores um regime diferente daquele que a lei prevê para estas situações.

Se é lícito aos confiadores definirem entre si as relações internas, designadamente as quotas da contribuição de cada um na satisfação do crédito afiançado, não pode uma simples declaração sub-rogatória do credor permitir que o confiador solvens exija de qualquer um dos outros confiadores a satisfação integral do crédito que foi objeto da sub-rogação, interferindo e desvirtuando o regime das relações entre os confiadores (17).

IV - O caso concreto

Revertendo ao caso concreto, importa apurar, aplicando a doutrina acima desenvolvida, se os Autores, enquanto confiadores solvens, podem exigir, em regime de solidariedade, do devedor e dos outros confiadores (CC, DD, EE e FF) o pagamento integral da quantia que satisfizeram ao credor (Irmãos Mota & Companhia, Limitada), ou seja, (euro) 34.664,00, munidos da declaração de sub-rogação emitida pelo credor a seu favor.

Note-se que, apesar do recurso ter sido interposto apenas pela confiadora CC, ele aproveita aos demais confiadores e até à sociedade devedora, nos termos do artigo 634.º, n.º 2, c), do Código de Processo Civil.

Encontram-se provados os seguintes factos:

1) Irmãos Mota & Companhia, Limitada intentaram em 30.07.2008 um processo de execução contra Autores e Réus (Proc. 4894/08.3..., do ...Juízo Cível da Comarca de ...), sendo a quantia exequenda de (euro) 7.081,85, com base em letras emitidas por Pestana Bus - Actividades Turísticas, Limitada, e avalizadas pelos Autores e restantes demandados.

2) Nos mesmos autos de execução, a Exequente requereu a cumulação de execuções, pela quantia de (euro) 32.945,70, ascendendo assim a quantia exequenda ao total de (euro) 40.027,55, valor este acrescido de juros, custas e demais encargos, com base em documento particular assinado pelos Executados, de onde consta que a dívida resultou do preço de dois autocarros que Irmãos Mota vendeu a crédito titulado por letras a Pestana Bus, tendo os aqui Autores e restantes demandados declarado que para garantia do bom cumprimento de todas as obrigações do presente contrato mantêm fiança a favor da Segunda Outorgante (a Pestana Bus) responsabilizando-se de forma pessoal, solidária e principal pelo cumprimento integral de todas as responsabilidades que do mesmo resultem para a Segunda Outorgante, renunciando desde já ao benefício da divisão e da excussão em qualquer das suas modalidades, cumulação admitida por despacho de 01.06.2010 (18).

3) No processo de execução, os Autores decidiram proceder ao pagamento da parte da dívida da quantia exequenda, pelo que celebraram, em 06.06.2011, um acordo com a Exequente, através do qual fixaram a quantia exequenda em (euro) 34.664,00, a pagar em 12 prestações mensais e sucessivas, sendo as 11 primeiras de (euro) 1926,00 cada uma e a última de (euro) 13.478,00.

4) Nos termos da cláusula 6.ª do acordo celebrado entre os aqui Autores e Exequente, a Exequente declara que, cumprido o acordo, fica completamente paga dos valores constantes das execuções e que transfere para os Autores, por sub-rogação, todos os direitos que possuía relativamente aos restantes Executados.

5) Em 25.10.2012 a Exequente declara que os aqui Autores liquidaram a quantia exequenda.

6) Por escritura pública de cessão de quotas, renúncia e nomeação de gerência e alteração do pacto, celebrada em 29.03.2011, DD e EE, como Primeiros outorgantes e HH como Segunda outorgante, declararam que a Segunda outorgante, sem formalidades prévias nos termos do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais delibera por unanimidade que a sociedade "Valarme - Representação e Exportação, Limitada", da qual é a única sócia, adquira aos Primeiros outorgantes a totalidade do capital social da sociedade "Pestana Bus - Atividades Turísticas, Limitada", o que o Primeiro outorgante, na qualidade de único sócio desta sociedade deliberou que a mesma não pretende exercer o direito de preferência nas cessões de quotas e autoriza as mesmas, pelo que pela mesma escritura cedem as quotas de que dispõem, o que foi aceite pela segunda Outorgante.

7) Pela mesma escritura, a Segunda outorgante, em representação da sociedade "Valarme - Representação e Exportação, Limitada" assume, entre outras, a dívida de (euro) 33.000,00 da "Pestana Bus - Atividades Turísticas, Limitada", à sociedade "Irmãos Mota".

8) O inicialmente demandado GG foi declarado insolvente por sentença de 15.12.2015, proferida no Processo 10246/15.1...do Tribunal da Comarca de ..., Instância Central, Secção do Comércio - J..., transitada em julgado em 31.12.2015.

9) Pela Ap. 186/20160118 foi inscrito no Registo Comercial a dissolução e encerramento da Liquidação da demandada Pestana Bus - Atividades Turísticas, Limitada.

Descritos os factos provados, analisemos o direito que lhes é aplicável.

Nesta ação, estamos perante a satisfação por dois confiadores de um conjunto de créditos, cujo pagamento se encontrava globalmente garantido por estes e outros fiadores que se vincularam à sua satisfação, de forma solidária, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.

Pretendem os fiadores solvens, através da presente ação, que a sociedade devedora desses créditos e os outros confiadores lhes paguem o valor por eles satisfeito à sociedade credora, alegando que esta, aquando do pagamento, emitiu uma declaração, subrogando-os na titularidade desses créditos.

O artigo 650.º, n.º 1, do Código Civil, prevê que, havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.

O artigo 524.º do Código Civil, que rege o "direito de regresso" entre devedores solidários, dispõe que o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.

Como já acima concluímos, relativamente ao direito contra os outros confiadores, independentemente do direito do confiador solvens ser um novo direito de regresso ou o anterior direito satisfeito, em cuja titularidade ele ingressou por sub-rogação legal, a obrigação de reembolso dos outros confiadores é limitada às quotas de cada um na garantia prestada, quotas essas determinadas pela especificidade das relações internas entre eles, presumindo-se, nos termos do artigo 516.º do Código Civil, a igualdade de quotas, na ausência de estipulação em contrário.

Tendo um dos confiadores sido declarado insolvente (GG), é aplicável a solução do artigo 526.º, n.º 1, do Código Civil, por remissão do artigo 650.º, n.º 1, do mesmo diploma: se um dos devedores estiver insolvente é a sua quota parte repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso...(19)

Assim, no presente caso, não tendo sido alegada qualquer convenção em contrário, presume-se que as quotas na fiança conjunta prestada eram iguais, pelo que, cada um dos confiadores, nas relações internas, é apenas responsável pelo pagamento de 1/6 do valor satisfeito pelos Autores, ou seja (euro) 5.777,33 ((euro) 34.664,00: 6).

Já o devedor, por aplicação do artigo 650.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, responde por inteiro perante os confiadores solvens que, relativamente a ele, ficaram sub-rogados no direito do credor, na medida em que o satisfizeram, pelo que a Valarme - Representação e Exportação, Limitada, enquanto única sócia da entretanto extinta Pestana Bus - Atividades Turísticas, Limitada, nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, é responsável pelo pagamento integral aos Autores da quantia de (euro) 34.664,00, por eles satisfeita à credora Irmãos Mota & Companhia, Limitada.

Se, a sub-rogação total contra o devedor não pode ser adicionada aos "direitos de regresso" parciais contra os demais fiadores, sob pena de se verificar um enriquecimento injustificado do solvens (20), nada impede que, num processo declarativo, seja reconhecida a responsabilidade do devedor pelo reembolso do valor total despendido pelos Autores, solidariamente (solidariedade imperfeita), com os demais confiadores, na medida das quotas de cada um, nessa parte.

Por estas razões, deve o acórdão recorrido ser revogado e, em sua substituição, deve ser revogado o acórdão da Relação de Évora sob revista, na parte em que condenou os Réus CC, DD, EE e FF, a pagarem, solidariamente, aos Autores, a quantia de (euro) 34.664,00, devendo antes, cada um destes Réus, ser apenas condenado a pagar a quantia de (euro) 5.777,33, acrescida de juros de mora, nos termos dos artigos 804.º, 805.º e 806.º, do Código Civil, sendo a Ré Valarme - Representação e Exportação, Limitada, condenada, solidariamente com os demais Réus, na parte coincidente com a medida das suas quotas, a pagar a referida quantia de (euro) 34.664,00.

*

Decisão

Pelo exposto, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis no seguinte:

a) Revogar o acórdão recorrido;

b) Revogar o acórdão da Relação de Évora proferido nestes autos em 08.11.2018;

c) Condenar cada um dos Réus CC, DD, EE e FF, a pagar, aos Autores, a quantia de (euro) 5.777,33, acrescida de juros de mora, desde a data da citação de cada um deles na presente ação, até integral pagamento da quantia por cada um devida, contabilizados à taxa definida por lei;

d) Condenar a Ré Valarme - Representação e Exportação, Limitada, a pagar, solidariamente com os demais Réus, na parte coincidente com a medida das suas quotas, a quantia de (euro) 34.664,00, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa definida por lei, desde a data da sua citação na presente ação, até integral pagamento daquela quantia;

e) Em uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

A existência de uma declaração sub-rogatória pelo credor, de acordo com o artigo 589.º do Código Civil, no confiador solidariamente responsável que satisfez o crédito, não afasta a aplicação do regime da sub-rogação legal e do direito ao reembolso pelos outros confiadores, na medida das suas quotas, resultante da conjugação dos artigos 650.º, n.º 1, e 524.º do Código Civil.

*

Custas do recurso pela Recorrente, na proporção de 2 %, e pelos Recorridos, na proporção de 98 %.

*

Notifique e oportunamente publique-se no Diário da República, 1.ª série.

*

Lisboa, 10 de novembro de 2021. - João Cura Mariano (relator) - Manuel Capelo - Tibério Nunes da Silva - António Barateiro Martins - Fernando Baptista de Oliveira - José Manuel Cabrita Vieira e Cunha - Luís Espírito Santo - António Isaías Pádua - Nuno Ataíde das Neves - Maria dos Prazeres Beleza - Abrantes Geraldes - Maria Clara Sottomayor - Fernando Pinto de Almeida - Manuel Tomé Soares Gomes - José Manso Rainho - Maria da Graça Trigo - Pedro de Lima Gonçalves - Maria Rosa Oliveira Tching - Fátima Gomes - Graça Amaral - Maria Olinda Garcia - Catarina Serra - António Oliveira Abreu - Fernando Augusto Samões - Maria João Vaz Tomé - António Moura de Magalhães - Fernando Jorge Dias - Rijo Ferreira (entendo, contudo, que deveria ter sido ordenada a tributação pela tabela I-C anexa ao RCP porquanto, pela sua própria natureza, o recurso para uniformização de jurisprudência, uma vez admitido, dever ser considerado de especial complexidade, conforme o disposto nas als. b) e c) do n.º 7 do artigo 530.º do CPC e do n.º 5 do artigo 6.º do RCP) - José Maria Ferreira Lopes - Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto) - Ricardo Costa (Votei vencido em parte, relativamente às alíneas c) e d) do dispositivo, nos termos da declaração de voto que junto.)

***

PROC 1730/13.2TBSTB.E1.S1-A

RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

DECLARAÇÃO DE VOTO

Não subscrevo a tese que faz vencimento uma vez que entendo não existir qualquer oposição jurisprudencial.

Temo que a questão essencial não esteja a ser devidamente analisada, na medida em que, residindo esta, necessariamente, na diversa ratio essendi dos Arestos em confronto, tendo em atenção o disposto no artigo 688.º, n.º 1 do CPCivil, nenhuma divergência aqui existe que possa convocar a uniformização pretendida.

Se não.

Resulta daquele mencionado ínsito legal que «As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.», acrescentando o n.º 2 que «Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.».

Constituem, assim, requisitos para a admissão de tal recurso: i) que exista um Acórdão do STJ transitado em julgado, proferido nos autos onde se suscita a uniformização; ii) contradição entre o Acórdão proferido e outro que o mesmo Tribunal haja produzido anteriormente; iii) que essa contradição tenha ocorrido no domínio da mesma legislação e que respeite à mesma questão essencial de direito.

Em sentido técnico, a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação, pressupondo a contradição relevante para efeitos de uniformização de jurisprudência, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação díspar dos mesmos institutos jurídicos ou da mesma legislação, cfr Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, 122; Castro Mendes, Obras Completas - Direito Processual Civil, III Volume, 117/118; Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil, 141.

O quadro normativo considerado não foi o mesmo, não podendo aí residir, ao contrário do que se afirma na tese que faz vencimento, a essencialidade da questão decidenda, pois tal questão, como se deixou expresso, é diversa, o que leva à rejeição de uma qualquer solução uniformizadora, por impossibilidade legal objectiva no que aos seus pressupostos diz respeito.

No Acórdão recorrido decidiu-se que se o credor emitiu uma declaração sub-rogatória a favor dos confiadores que haviam satisfeito o seu direito de crédito, encontrar-nos-iamos perante uma sub-rogação voluntária, à qual seria aplicável o disposto no artigo 589.º do Código Civil, pelo que os confiadores solvens, passariam a ser titulares daquele direito de crédito, na medida em que o satisfizeram, não sendo aplicável o regime da sub-rogação legal previsto no artigo 650.º do Código Civil, tendo confirmado o Acórdão da Relação que havia condenado o devedor e os demais confiadores a, solidariamente, pagarem aos confiadores sub-rogados a totalidade da quantia por estes satisfeita ao credor.

Por sua vez, o Acórdão fundamento foi proferido num incidente de habilitação de adquirente, que corria por apenso a uma ação executiva em que o exequente reclamava da devedora e dos confiadores do crédito exequendo o pagamento deste, tendo-a julgado improcedente, uma vez que o habilitando era o executado/fiador e requereu nessa qualidade, e não como terceiro, a sua habilitação na posição processual da exequente, com vista a executar a devedora e os confiadores pela totalidade do valor que havia pago à anterior credora, exequente na acção principal.

Ora como decorre do teor do Acórdão fundamento, sufragando o Acórdão recorrido dele objecto, se o Executado pagou a quantia exequenda extinguiu-se o direito em relação ao credor exequente (artigo 534.º do CC), o que determina o fim da execução e acrescenta-se estando finda a execução surge tão só um direito de regresso do recorrente (habilitando) Este direito de regresso terá de ser exercido em acção própria, que não o presente incidente de habilitação de adquirente.

Esta fundamentação é diversa daquela que se diz ter sido a ratio essendi do mesmo na tese que faz vencimento quando se invoca que Esse acórdão fundamentou a sua decisão no facto da declaração sub-rogatória emitida pelo credor não ser suficiente para afastar o regime da sub-rogação legal previsto no artigo 650.º do Código de Processo Civil, uma vez que ela não vincula os demais confiadores, perfilhando, assim, uma posição diametralmente oposta à seguida no acórdão recorrido, pois o que se diz em sede decisória naquele Aresto é coisa dissemelhante, sem prejuízo de se poder entender que implicitamente seja essa a ideia que o enforma.

Tratando o Aresto em oposição de uma questão de índole especificamente processual, a qual não cura, nem poderia sequer curar da bondade do direito que lhe subjaz, mas antes da validade do título da aquisição do crédito que deu origem à habilitação suscitada, por forma a constatar-se da verificação desta, nos termos do artigo 356.º do CPCivil, nunca se poderia concluir que a questão fundamental de direito era a mesma: trata-se de questões distintas que levaram a um tratamento jurídico-processual diverso.

A contradição de julgados pressupõe que, no âmbito do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento adoptem soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, contudo, tem-se entendido que essa contradição só pode ser apreciada se se verificar entre decisões expressas e não entre decisão expressa e decisão implícita, cfr neste sentido os Ac STA de 25 de Janeiro de 2018 (Relatora Benedita Urbano) e do STJ de 10 de maio de 2018 (Relatora Rosa Ribeiro Coelho), in www.dgsi.pt.

As questões em tela não têm a mínima correspondência fáctico-jurídica consubstanciadora dos requisitos exigidos pelo artigo 688.º, n.º 1 do CPCivil, pois a situação material é diversa, como diversa é a sua subsunção normativa: no acórdão recorrido está em causa a análise de uma declaração sub-rogatória a favor dos confiadores que satisfizeram o seu direito de crédito e as consequências jurídicas daí advenientes; no Acórdão fundamento está em causa uma questão meramente processual, a de saber se um executado que paga a divida exequenda, pode na mesma execução habilitar-se para prosseguir na mesma execução, agora como credor contra os restantes co-executados, confiadores (para além de ter sido considerado habilitado a prosseguir no lugar do Credor contra a devedora principal, questão esta de que aqui não está em causa), o que não foi admitido, sem embargo do pressuposto implícito que motivou o indeferimento do incidente, mas que por si só não poderá justificar a contradição e, consequentemente dar lugar à pretendida uniformização.

Ana Paula Boularot

***

Processo 1730/13.2TBSTB.E1.S1-A

Recurso para Uniformização de Jurisprudência

DECLARAÇÃO DE VOTO

Fui Relator vencido no acórdão recorrido neste RUJ, tendo proferido declaração de voto em conformidade.

Daí resulta que sufrago o essencial da fundamentação que conduz à revogação desse acórdão recorrido (al. a) da Decisão) e do acórdão da Relação relativamente ao qual foi interposta revista (al. b) da Decisão).

Porém, nas alíneas c) e d) da Decisão, dispõe-se:

"Condenar cada um dos Réus CC, DD, EE e FF, a pagar, aos Autores a quantia de (euro) 5.777,33, acrescida de juros de mora, desde a data da citação de cada um deles na presente ação, até integral pagamento da quantia por cada um devida, contabilizados à taxa definida por lei";

"Condenar a Ré Valarme - Representação e Exportação, Limitada, a pagar, solidariamente com os demais Réus, na parte coincidente com a medida das suas quotas, a quantia de (euro) 34.664,00, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa definida por lei, desde a data da sua citação na presente ação, até integral pagamento daquela quantia".

Salvaguardado o devido respeito, discordo da interpretação e aplicação do art. 650.º, 1 e 2, do CCiv., em harmonia com os pertinentes arts. 592.º, 1, 593.º, 644.º, 524.º e 516.º, ao pedido de condenação feito pelos Autores, com repercussão nas aludidas als. c) e d) do dispositivo.

1 - Tal interpretação e aplicação foram detalhadas na minha declaração de voto de vencido, aposta ao acórdão recorrido, nos seguintes excertos:

"Uma vez liquidada a dívida e satisfeito na íntegra o direito creditício, os Autores, enquanto garantes pagantes:

- no plano das relações com o devedor principal (e avalizado cambiário), ficam sub-rogados nos direitos do credor contra esse devedor na medida do que satisfizeram;

- no plano das relações internas com os co-devedores garantes solidários, têm o direito de regresso respeitante à quantia que seja superior à sua quota e que tenham pago a mais.";

"[...] é necessário tratar da articulação implicada pelos dois direitos - o direito de crédito sub-rogado pelo credor no devedor garante (independentemente dos diferentes objectos de garantia) e pagante e o direito de regresso contra os outros garantes (enquanto "direito de reintegração do devedor que, sendo obrigado com outros, cumpre para além do que lhe cabe na perspectiva das relações internas"(21).

Ora, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, os dois direitos não poderiam - nem precisariam, acrescento - de ser exercidos conjuntamente(22). Na lógica funcional das garantias, em que cabe ao devedor garantido suportar o risco económico total das operações negociais e ao garante vir em socorro do credor insatisfeito, o garante solvens actuará sub-rogado contra o devedor principal com a exigência do pagamento de tudo o que pagou (sub-rogação legal total) e actuará em direito de regresso contra os co-obrigados com a exigência do pagamento das quotas determinadas pelas suas relações internas, acautelando-se processualmente um enriquecimento que surgiria da duplicação de pagamentos(23). A esta solução não obsta o art. 650.º, 1, do CCiv. e a ela se acomodam inequivocamente os referidos arts. 32.º, § 3.º, e 49.º, 1.º, da LULL.

No entanto, se o garante pagante exercer o direito de regresso em cumulação com a sub-rogação no pedido de responsabilidade, demandando a título principal e na mesma hierarquia o devedor principal e os co-garantes - como é o caso dos autos -, a solução deverá ser reconhecer que a sub-rogação em relação ao devedor principal só se opera em relação à parte que lhe cabe, a final, na responsabilidade, e não na parte que simultaneamente demanda aos outros co-garantes como direito regressivo(24). Isto significa que nessa hipótese:

(i) o direito de regresso opera em relação aos co-garantes nas quotas ou parcelas da dívida que a cada um cabia proporcionalmente garantir (presumidas iguais entre si(25) na responsabilidade comum e que correspondem ao que o garante cumpriu(-liquidou) a mais no momento de se cumprir a solidariedade no plano externo;

(ii) a sub-rogação opera em relação ao devedor principal na quota ou parcela da dívida que cabia ao pagante garantir no conjunto dos garantes, ficando com o direito a exigir desse devedor principal essa quota parte que lhe caberia na responsabilidade garantida, isto é, a parte restante no confronto das parcelas pelas quais não respondem os seus co-garantes(26).

In casu, tendo em conta a regência dos princípios do dispositivo (mesmo que flexibilizado) e do contraditório, há que fazer no dispositivo decisório a repartição de responsabilidade para os demandados. Assim, os Autores ficam sub-rogados perante o devedor na parte do crédito que não pode demandar aos seus co-obrigados - ou seja, exige ao devedor como se fosse o credor na sua quota de obrigação conjunta com os restantes garantes (neste caso, os 2/7 dos 7 quinhões dos garantes); as restantes quotas (5/7) são exigidas no regresso das relações internas (regime das obrigações solidárias) e, uma vez ulteriormente pagas, ficam os co-obrigados sub-rogados na medida das suas quotas contra o devedor principal, a quem sempre incumbe pagar tudo a final(27)."

2 - Ao contrário do sustentado no acórdão, não julgo que haja inibição para levar esta repartição de responsabilidade ao corpo da decisão nesta fase processual declarativa, tendo em conta que os co-garantes pagantes demandam simultaneamente o devedor principal e os seus co-garantes solidários depois de paga anteriormente a totalidade da dívida, exercendo o "duplo direito" que se adquiriu ao cumprir integralmente a obrigação(28). Nem creio que tal repartição deva ser protelada para a fase ulterior (executiva, se existente, na ausência de cumprimento voluntário) - supostamente em nome do privilégio da vontade dos credores que tenham êxito na presente acção declarativa de condenação -, uma vez que a eles coube a configuração do objecto processual e a correspondente pretensão em face de todos os demandados desde logo em sede de acção declarativa (arts. 3.º, 1, 552.º, CPC).

A convicção resulta da necessidade de, atendendo à conjugação do pedido feito na globalidade da dívida paga com a demanda simultânea do devedor principal e dos co-garantes solidários, se proceder de acordo com a teleologia do regime legal consignado pelo art. 650.º, 1 e 2, em ligação com os arts. 592.º, n.º 1, 593.º, 644.º, 524.º e 516.º do Código Civil - essa é o acertamento definitivo das contas nos quinhões da responsabilidade, uma vez pago o credor e extinta a dívida garantida, sem que se desencadeiem subrogações supervenientes integrais nem solidariedades sucessivas. E essa razão de ser pode e deve ser preenchida nesta circunstância, sem ferir os limites da qualidade e da quantidade do pedido (art. 609.º, 1, CPC) e com a promoção inequívoca da efectividade do processo à luz da pretensão dos Autores(29): deverá proferir-se uma decisão que se ampara na verdade material e efectividade adjectiva que o dever de gestão processual também almeja (art. 6.º, 1, CPC: «justa composição do litígio») e, respeitada a causa de pedir, se inscreve no âmbito do efeito prático-jurídico a obter com a providência jurisdicional requerida(30).

Enfatize-se: ainda e sempre o que está em causa neste processo é o reconhecimento e a definição de um direito de crédito, que tem como objecto a restituição do que foi pago em garantia junto do devedor principal (reitere-se: em direito sub-rogatório e em direito regressivo) e, sendo essa restituição peticionada a todos eles, de acordo com a exacta medida da sua responsabilidade(31), traduzida na decisão condenatória que servirá de título executivo.

3 - Além disso, acontece que, no caso, foi proferido despacho de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277.º, e), CPC), por aplicação do segmento uniformizador precipitado no AUJ n.º 1/2004. Tal extinção de instância teve como pressuposto a tramitação de um processo de insolvência, ulterior à acção declarativa, na pendência da qual se verificou a sentença declaratória da insolvência de um dos garantes solidários (v. facto provado 8)); e deverá ter como outro pressuposto (assim será de sustentar) a reclamação do crédito no processo de insolvência por parte dos autores na acção declarativa (art. 128.º, 1, CIRE) ou o seu relacionamento por parte do administrador da insolvência (art. 129.º, 1, CIRE), que assim conduziram reflexamente à decadência do interesse processual em agir dos credores-autores.

Seja como for, a partir do momento em que se declara a insolvência e se extingue a instância declarativa para a demanda contra o co-garante insolvente, a prevalência é assumida pelo regime insolvencial na satisfação da parcela do crédito regressivo respectivo. E, nesta perspectiva, o credor-autor fica integrado na categoria de «titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior a essa declaração» (v. ainda factos provados 3) e 5)), nos termos, portanto, do art. 47.º, 1, do CIRE - ou seja, credor da insolvência.

O art. 90.º do CIRE impõe que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência só podem exercer os seus direitos para satisfação dos créditos de que sejam titulares à custa da massa insolvente, ainda que eles se encontrem reconhecidos num outro processo, de acordo com os meios processuais previstos no CIRE (carácter pleno e universal do processo de insolvência) - conjuga-se, portanto, com os arts. 1.º, 1, 46.º, 1, 128.º e ss, 146.º e ss, do CIRE.

De tal sorte que o crédito regressivo a satisfazer na insolvência não pode ser, ainda assim, ignorado ou superado neste processo declarativo, pois esse crédito também contribui para aferir a medida de repartição de responsabilidade dos garantes (e também para o co-garante declarado insolvente), resultante da divisão feita em função do número correspondente a todos os fiadores/avalistas cambiários que são garantes do crédito originário.

Assim sendo, na parte em que se mobiliza uma quota de 1/7 na repartição de responsabilidade, ao invés de uma quota de 1/6 em função da insolvência de um dos garantes co-fiadores, para tal contribui decisivamente a aplicação prevalecente do art. 90.º do CIRE sobre o art. 526.º, 1, do CCiv., em nome do princípio da especialidade do regime insolvencial (senão mesmo através de uma interpretação revogatória parcial dessa norma do CCiv.), uma vez desencadeados os efeitos da extinção da instância em face da insolvência superveniente de um dos co-garantes.

Deste regime (também substancial, naturalmente) resulta que - insiste-se - sobre os credores da quota de responsabilidade do garante insolvente neste processo recaia (tenha recaído, recte) o ónus de reclamar e/ou verificar esse quinhão de responsabilidade do insolvente (1/7) - como crédito regressivo, neste caso litigioso e condicional (art. 50.º, 1, CIRE) - nesse processo de insolvência; ou, mesmo sem observância do ónus, permite-se que tal seja reconhecido pelo administrador da insolvência, de acordo com o art. 129.º, 1, CIRE (mesmo que os créditos sejam «por outra forma do seu conhecimento»). O mesmo aconteceria ainda se esse crédito já estivesse verificado por sentença transitada em julgado, pois só na insolvência se poderá obter o seu reconhecimento para o correspondente pagamento (v. art. 173.º do CIRE).

Não nos interessa aqui indagar se esse ónus foi observado ou se o administrador da insolvência diligenciou, como terá sido pressuposto da extinção da instância decretada. Interessa antes compreender qual a relevância desse regime insolvencial para o processo em que um credor peticiona uma parcela de um crédito de restituição a um devedor solidário que foi declarado insolvente e foi extinta a instância em razão da sua condição de insolvente, no que toca à ponderação do seu quinhão ou quota no cálculo de repartição de responsabilidade.

Não vejo que, no processo em que se extinguiu a instância relativamente ao insolvente, possa ser eliminada essa ponderação. Se assim o fizéssemos, por força de uma invocada especialidade do art. 526.º, 1, do CCiv., aplicável ao crédito regressivo sobre os devedores solidários, estaríamos a privilegiar tais credores (como são os autores neste processo) no que toca ao respectivo risco de pagamento em relação aos demais credores da insolvência do co-garante insolvente e aqui não condenado. Credores estes que, pelo facto de não serem abrangidos por um suposto regime de excepção, teriam que sempre ser pagos pela massa insolvente, ao contrário do que acontece com este credor regressivo, que se satisfaria logo pela repartição proporcional da quota do insolvente pelos demais devedores garantes solidários.

Estaríamos, pois, a aplicar regime geral do CCiv. para o direito de regresso nas obrigações solidárias (que compreende também o devedor que «não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito») que subverte - o que não se concede - o regime especial (de um processo concursal e igualitário) de satisfação do crédito correspondente a esse quinhão de responsabilidade, que se encontra destinado a todos os credores da insolvência - particularmente expresso no art. 128.º, 5, do CIRE («A verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.»).

Assim sendo, continuo a julgar que é de corroborar a conclusão proferida em 1.ª instância:

"Resulta das letras e contrato em causa que foram sete os avalistas das letras e fiadores intervenientes no contrato em causa, pelo que os AA. apenas podem exigir a cada um dos RR. 1/7 da dívida em causa./[...] tendo os AA. procedido ao pagamento de 34.664,00 (euro), podem assim exigir a cada um dos RR., com excepção da 1.ª R., o pagamento da quantia de 4.952,00 (euro), sendo que a 1.ª R. [o devedor principal] responde pelo remanescente, correspondente à quota parte que aos AA. caberia (2/7); ou seja, 9.904,00 (euro).".

Logo, o dispositivo relativo à condenação subsequente à revogação do acórdão recorrido desembocaria, em detrimento das als. c) e d), na repristinação da condenação em 1.ª instância, que se reproduz no acórdão que agora se profere.

Neste contexto, sem prejuízo da bondade da interpretação e aplicação do regime legal que justifica a revogação do acórdão recorrido, justifica-se que vote vencido quanto aos dispositivos condenatórios formulados sob c) e d) da Decisão e à respectiva fundamentação.

Ricardo Costa

(1) VAZ SERRA, Sub-rogação nos direitos do credor, B.M.J. n.º 37, pág. 5-19.

(2) Que correspondem atualmente aos artigos 1346. a 1346-5, do Código Civil Francês.

(3) Sobre a história deste instituto, CARLOS MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1970, pág. 136-138, JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, pág. 875-877, JÚLIO GOMES, Do Pagamento com Sub-rogação, Mormente na Modalidade de Sub-rogação Voluntária, "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, I volume, Almedina, 2003, pág. 115-119, e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX, Almedina, 2019, pág. 806-811.

(4) Publicado no B.M.J. n.º 98, pág. 110 a 114.

(5) O n.º 2, do mesmo artigo, regula as situações em que o confiador solvens, podendo invocar o benefício da divisão da fiança, satisfaz o crédito em medida que ultrapassa a sua quota.

(6) Este artigo remete para o regime das obrigações solidárias do § 426.

(7) No B.M.J. n.º 71, pág. 320.

(8) Vide a alínea b), do artigo 4.º, do articulado proposto por Vaz Serra, integrando nos casos de sub-rogação legal, o dos condevedores solidários, no B.M.J. n.º 37, pág. 64.

Mesmo após a aprovação do atual Código Civil, VAZ SERRA continuou a defender essa sobreposição, na anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.1969, na R.L.J., Ano 103, pág. 390 e seg.

Sobre a questão de o direito de regresso referido no artigo 524.º do Código Civil corresponder ou não a uma sub-rogação do artigo 592.º do mesmo diploma, em sentidos não coincidentes, JORGE LEITE FARIA, Direito das Obrigações, II, Almedina, 1990, pág. 564-566, e JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória..., cit., pág. 894-903.

(9) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, pág. 668, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2013, pág. 506, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 902, MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, Almedina, 2006, pág. 127, e JOANA FARRAJOTA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 830.

(10) Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 902, nota 2.

(11) Anotações aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.1971 e de 28.11.1972, na R.L.J., respetivamente, Ano 105, n.º 3743, pág. 113, e Ano 106, pág. 381-382, nota 1.

No mesmo sentido, JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida..., cit, pág. 914-917, e Pluralidade de Fiadores e Liquidação das Situações Fidejussórias, em "Estudos de Direito das Garantias", vol. II, Almedina, 2010, pág. 55-59, e EVARISTO MENDES, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 843.

(12) Assunção Fidejussória..., cit., pág. 915.

(13) ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 346, ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 826, JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória... cit., pág. 874-875 e 889-890 e JÚLIO GOMES, ob. cit., pág. 122-129.

(14) É essa também a solução do § 416 do B.G.B., para o qual remete o § 774 deste mesmo diploma, do artigo 1954 do Código Civil Italiano, do artigo 497 (4) do Código Suíço das Obrigações, do artigo 1844 do Código Civil Espanhol, e do artigo 2310 do Código Civil Francês.

(15) VAZ SERRA, JANUÁRIO GOMES, e EVARISTO MENDES, nas ob. e loc. cit., na nota 11.

(16) ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 1000-1001.

(17) Foi assim que também decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.2006, no Proc. 2253/2006-6 (Rel. Fernanda Isabel), acessível em www.dgsi.pt, numa situação em que o credor também havia sub-rogado expressamente o confiador solvens no seu direito de crédito.

(18) Redação corrigida de modo a reproduzir o teor da cláusula 9.ª do contrato apresentado como título executivo.

(19) Esta norma incluída no Código Civil, repetindo o que já se dispunha nos artigos 754.º e 845.º, § 1.º, do Código de Seabra, neste caso, impede que o risco de insolvência de um dos confiadores se transfira do credor para o confiador solvens, evitando que este tenha de reclamar o crédito resultante do que pagou a mais e que cabia ao confiador insolvente no processo de insolvência deste, tal como se dispõe no artigo 90.º do CIRE para todos os credores da insolvência. O disposto no artigo 526.º do Código Civil assume-se, pois, como uma norma especial, relativamente ao regime do CIRE, designadamente à norma do artigo 90.º, estabelecendo uma repartição (mais justa) do risco de insolvência de um devedor (aqui confiador) solidário por todos os demais devedores (aqui confiadores).

Sobre a aplicação deste preceito, aquando da transição do Código de Seabra para o atual Código Civil, num caso de negligência do solvens na cobrança do crédito em que ficou sub-rogado, VAZ SERRA, na acima referida anotação ao Acórdão do S.T.J. de 11.05.1971, na R.L.J., Ano 105, pág. 113-115.

(20) Tal como alertam, ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 506, ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 902, e JANUÁRIO GOMES, Pluralidade de Fiadores e Liquidação das Situações Fidejussórias, cit., pág. 59, já na fase de exercício destes direitos, há que evitar uma duplicação de reembolsos, pelo que se o confiador pagador exerceu com êxito o "direito de regresso" contra os seus confiadores, já só poderá exercer o direito em que ficou sub-rogado contra o devedor no que toca à parte restante; e se conseguiu reaver do devedor tudo quanto pagou ao credor, nada poderá exigir dos demais fiadores.

(21) ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 826.

(22) Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, sub art. 650.º, pág. 668.

(23) Neste sentido: JANUÁRIO GOMES, "Pluralidade de fiadores e liquidação das situações fidejussórias", Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles. 90 Anos. Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 827-828, 830.

(24) V. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume I cit., sub art. 650.º, págs. 668-669, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pág. 506 (o fiador que exerce o direito de regresso contra os demais co-fiadores depois de pagar a totalidade da dívida, "é evidente que ele só fica sub-rogado perante o devedor na parte do crédito que não recebeu dos seus co-obrigados"), ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 902. Convergente: Ac. do STJ de 30/10/2002, processo 02B2739, Rel. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.

(25) V. art. 516.º do CCiv.

(26) Recorde-se que o quinhão de um dos co-devedores garantes e Réu não foi tido em conta na condenação em 1.ª instância, considerando a sua declaração judicial de insolvência transitada, a prevalência da reclamação e verificação do respectivo crédito regressivo no processo de insolvência respectivo e o decretamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente a esse Réu, considerando-se nesse despacho [...] o segmento uniformizador plasmado no AUJ n.º 1/2014 («Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.»).

(27) V. JANUÁRIO GOMES, "Pluralidade de fiadores...", loc. cit., pág. 830.

(28) ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II cit., pág. 506.

(29) V. MIGUEL MESQUITA, "A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno Processo Civil - Anotação ao Acórdão de 8 de Julho de 2010 do Tribunal da Relação do Porto", RLJ n.º 3983, Ano 143.º, 2013, págs. 137 e ss, em esp. 145 e 150.

(30) V. LOPES DO REGO, "O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença", Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 789-790, 793-796.

(31) Note-se que a solidariedade dos garantes nas relações externas cessa e transforma-se em conjunção nas relações internas aquando do exercício do direito de restituição: v., elucidativo, JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, II Volume, Almedina, Coimbra, 1990 (reimp. 2011), pág. 565 ("se um condevedor solidário cumpre, não tem ou adquire ele a posição jurídica de credor solidário em relação aos seus co-devedores").

114839536

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4753643.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1999-05-13 - Decreto-Lei 164/99 - Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade

    Regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei 75/98, de 19 de Novembro.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-21 - Decreto-Lei 291/2007 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE (EUR-Lex), 84/5/CEE (EUR-Lex), 88/357/CEE (EUR-Lex) e 90/232/CEE (EUR-Lex), do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE (EUR-Lex), relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel»).

  • Tem documento Em vigor 2009-09-04 - Lei 98/2009 - Assembleia da República

    Regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda