Parecer 132/2001. - Pagamento do imposto - Crime de emissão de cheque sem cobertura - Desistência de queixa - Procuradoria-Geral da República - Competência implícita - Direito de queixa - Direcção-Geral dos Impostos - Director de finanças - Regime da tesouraria do Estado - Competência concorrente.
1.ª A desistência da queixa por crime de cheque sem provisão para pagamento de impostos devidos ao Estado é da competência do magistrado que assume a representação do Ministério Público no processo, carecendo a prática do acto de autorização do Procurador-Geral da República (artigo 11.º-A, n.º 4, do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro);
2.ª Titular do direito de queixa pelo crime aludido na conclusão 1.ª é o Estado, competindo a formulação da mesma, no domínio, paradigmaticamente, dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e das pessoas colectivas (IRC), aos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos e às direcções distritais de finanças (artigo 10.º, n.º 5, do Decreto-Lei 492/88, de 30 de Dezembro, na redacção do artigo único do Decreto-Lei 172-A/90, de 31 de Maio);
3.ª O regime de competências concorrentes na arrecadação de receitas fiscais descrito no parecer, atribuídas a órgãos e serviços do Ministério das Finanças, assume vocação de aplicabilidade, directa ou implicitamente, a outros impostos cuja disciplina jurídico-positiva possa não incluir normas explícitas sobre a queixa crime por cheques penalmente protegidos.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:
Excelência:
I - S. Ex.ª o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XIV Governo Constitucional apresentou à Procuradoria-Geral da República a existência de divergências interpretativas entre magistrados do Ministério Público - conducentes a indefinição "susceptível de gerar sérios prejuízos para a prossecução do interesse público" incumbido à Direcção-Geral dos Impostos -, acerca da entidade competente para o exercício do direito de queixa por crime de cheque sem provisão para pagamento de impostos (ver nota 1).
A título exemplificativo referem-se dois inquéritos em que a remessa dos cheques ao Ministério Público, com vista à instauração do procedimento criminal, fora accionada pelos respectivos tesoureiros da Fazenda Pública, vindo a ser determinado o arquivamento nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Num dos processos entendeu-se que "a competência para exercitar o direito de queixa de que é titular o Estado" radica no director-geral dos Impostos, enquanto no outro se concluía pela falta de legitimidade do correspondente tesoureiro, ordenando-se a notificação do Ministro das Finanças na qualidade de "membro do órgão executivo, o Governo".
Mais elucida a comunicação sub iudicio que "a competência para apresentar ou desistir de queixa ao Ministério Público, nos termos da lei aplicável", "tem sido objecto de delegação, pelo Sr. Director-Geral dos Impostos, nos Srs. Directores de Finanças, com a faculdade de subdelegação nos tesoureiros de finanças" (ver nota 2).
Em face do exposto, dignou-se S. Ex.ª o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais despachar em 27 de Agosto de 2001, solicitando a emissão de parecer urgente do Conselho Consultivo "sobre a entidade a quem compete a apresentação e desistência de queixa crime, na hipótese de crime de emissão de cheque sem provisão para pagamento de dívidas de impostos" ao Estado, assim se interpreta.
Cumpre proferir parecer nos termos pretendidos.
II - 1 - Na perspectiva das questões colocadas, interessa antes de mais conhecer os aspectos nucleares do regime penal do cheque, definidos especialmente no Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro - redacção do Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro (ver nota 3).
1.1 - Depois de se ocupar no capítulo I (artigos 1.º e 1.º-A a 7.º) "Das restrições ao uso do cheque" - tal a sua epígrafe - e no capítulo II (artigos 8.º a 10.º) da "Obrigatoriedade de pagamento", dispõem no capítulo III ("Regime penal do cheque") os artigos 11.º e 11.º-A:
"Artigo 11.º
Crime de emissão de cheque sem provisão
1 - Quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro:
a) Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a 12 500$00 que não seja integralmente pago por falta de provisão ou por irregularidade do saque;
b) Antes ou após a entrega a outrem de cheque sacado pelo próprio ou por terceiro, nos termos e para os fins da alínea anterior, levantar os fundos necessários ao seu pagamento, proibir à instituição sacada o pagamento desse cheque, encerrar a conta sacada ou, por qualquer modo, alterar as condições da sua movimentação, assim impedindo o pagamento do cheque; ou
c) Endossar cheque que recebeu, conhecendo as causas de não pagamento integral referidas nas alíneas anteriores;
se o cheque for apresentado a pagamento nos termos e prazos estabelecidos pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa ou, se o cheque for de valor elevado, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (ver nota 4).
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se valor elevado o montante constante de cheque não pago que exceda o valor previsto no artigo 202.º, alínea a), do Código Penal (ver nota 5).
3 - O disposto no n.º 1 não é aplicável quando o cheque seja emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador.
4 - Os mandantes, ainda que pessoas colectivas, sociedades ou meras associações de facto, são civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento de multas e de indemnizações em que forem condenados os seus representantes pela prática do crime previsto no n.º 1, contanto que estes tenham agido nessa qualidade e no interesse dos representados.
5 - A responsabilidade criminal extingue-se pela regularização da situação, nos termos e prazo previstos no artigo 1.º-A (ver nota 6).
6 - Se o montante do cheque for pago, com reparação do dano causado, já depois de decorrido o prazo referido no n.º 5, mas até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena pode ser especialmente atenuada."
Artigo 11.º-A
Queixa
1 - O procedimento criminal pelo crime previsto no artigo anterior depende de queixa.
2 - A queixa deve conter a indicação dos factos constitutivos da obrigação subjacente à emissão, da data de entrega do cheque ao tomador e dos respectivos elementos de prova.
3 - Sem prejuízo de se considerar apresentada a queixa para todos os efeitos legais, designadamente o previsto no artigo 115.º do Código Penal, o Ministério Público, quando falte algum dos elementos referidos no número anterior, notificará o queixoso para, no prazo de 15 dias, proceder à sua indicação.
4 - Compete ao Procurador-Geral da República, ouvido o departamento respectivo, autorizar a desistência da queixa nos casos em que o Estado seja ofendido."
1.2 - Tratando-se de crime semipúblico, posto que o procedimento criminal depende de queixa, regem ao respeito os artigos 113.º a 116.º do Código Penal, disciplina que, em aspectos não regulados pelo Decreto-Lei 445/91, convém desde já evidenciar nos limites das questões a dirimir.
Quando o procedimento criminal depender de queixa - reza o n.º 1 do artigo 113.º - "tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação".
E o preâmbulo do Decreto-Lei 316/97 elucida a propósito que "a tutela penal do cheque" nele consubstanciada "visa sobretudo a protecção do respectivo tomador".
É, todavia, apodíctico que, no caso de cheques sem provisão tendo como relações subjacentes as obrigações emergentes de impostos visados na consulta, o ofendido, e titular dos interesses especialmente protegidos pela incriminação, é o Estado, muito embora não seja este formalmente o "tomador" do cheque, como havemos de ver.
Por outro lado, "a apresentação da queixa contra um dos participantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes" (artigo 114.º).
Acresce que o direito de queixa deve ser exercido, sob pena de extinção, no prazo de seis meses a contar, designadamente, "da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores" (artigo 115.º, n.º 1).
Finalmente, o queixoso "pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1.ª instância" (artigo 116.º, n.º 2, primeira parte).
2 - O regime exposto permite já, na sua linearidade, dar solução a uma das questões que, apesar de estranha à divergência inicialmente ilustrada, vem de qualquer modo enunciada na consulta: a competência para a desistência da queixa.
É a este respeito significativa a norma do n.º 4 do artigo 11.º-A do Decreto Lei 454/91 - na redacção do artigo 2.º do Decreto-Lei 316/97 - na medida em que confere ao Procurador-Geral da República competência para autorizar a desistência da queixa sendo o Estado ofendido no crime.
Na verdade, a representação processual do Estado em juízo, à sombra do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, está por lei confiada ao Ministério Público [artigos 1.º, 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público], magistratura hierarquicamente organizada (artigos 219.º, n.º 4, da lei fundamental e 76.º, n.º 1, do Estatuto respectivo), cuja representação nas diversas espécies de tribunais é, por seu turno, assegurada pelos magistrados das diferentes categorias indicadas no artigo 4.º do Estatuto.
Nada, pois, de estranhar que ao mais alto servidor do Ministério Público, pela sua colocação no topo da escala hierárquica, assista a competência autorizativa relativamente ao acto de desistência da queixa, a praticar, evidentemente, pelos magistrados que representam aquela magistratura nas diferentes ordens de tribunais [cf., v. g., os artigos 58.º, alínea b), 59.º, alínea a), e 64.º, n.º 2, do Estatuto].
Da competência de autorização do Procurador-Geral, vertida explicitamente na citada norma do Regime Jurídico do Cheque sem Provisão, deduz-se, em conjugação com aquelas outras normas do Estatuto do Ministério Público a que vem de se aludir, a "competência implícita" (ver nota 7), se se quiser, desses outros magistrados para a prática processual do acto de desistência em sentido estrito.
A figura processual penal da desistência da queixa configura-se assim, no caso dos crimes sub iudicio, como "acto complexo", em que intervêm dois agentes do Ministério Público, e acto de "complexidade desigual", dado o diferente grau de participação nele implicado (ver nota 8).
A concepção delineada e a teleologia que lhe vai subjacente, fluem com impressividade do despacho adrede proferido em 18 de Outubro de 2001 por S. Ex.ª o Conselheiro Procurador-Geral da República, que se transcreve a título de elucidação (ver nota 9):
"Despacho. - Desistência de queixa nos processos por crime de emissão de cheque sem provisão nos quais o Estado figure como ofendido. - O artigo 11.º-A, n.º 4, do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, resultante de aditamento operado pelo Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro, atribuiu expressamente competência ao Procurador-Geral da República para autorizar a desistência de queixa nos processos por crime de emissão de cheques sem provisão em que o Estado seja ofendido.
A esta atribuição de competência presidiram objectivos de justiça e equidade, que se entenderam alcançáveis através da uniformização de critérios e da centralização.
Propósitos idênticos estiveram subjacentes à emissão das circulares n.os 4/82 e 3/86, da Procuradoria-Geral da República.
Constatou-se, no entanto, divergência de actuações dos Srs. Magistrados e agentes do Ministério Público, no que concerne a sujeitar a apreciação superior, para efeitos de eventual desistência de queixa, situações em que esteja documentado nos autos o pagamento da dívida, mas não se mostrem reunidos todos os elementos a que se reportam as mencionadas circulares.
Assim, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, alínea a) da Lei 47/86 de 15 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, determino aos Srs. Magistrados e Agentes do Ministério Público que, em substituição das orientações contidas naquelas directivas, as quais se revogam, observem o seguinte:
Logo que houver conhecimento do pagamento da dívida, seja através do arguido, através do denunciado ou através do próprio departamento de Estado lesado com o crime, o magistrado ou agente do Ministério Público competente deverá diligenciar no sentido de serem remetidos à Procuradoria-Geral da República, para efeitos de decisão sobre a desistência de queixa:
a) Cópia do cheque;
b) Certificado de registo criminal do arguido ou denunciado;
c) Informação do departamento de Estado sobre o pagamento da dívida, a pendência de outros casos semelhantes que envolvam aquela pessoa e o eventual interesse no prosseguimento dos autos.
..."
Em suma. A desistência da queixa por crime de emissão de cheque em que o Estado seja ofendido é da competência do magistrado que assume a representação do Ministério Público no processo, carecendo a prática do acto de autorização do Procurador-Geral da República.
III - 1 - Volva-se neste conspecto a atenção para a questão da titularidade do direito de queixa que está no cerne da motivação da consulta.
À luz da normação há momentos recortada, o problema obtém uma primeira resposta indiscutível.
Sendo o Estado o ofendido no crime, o titular, por conseguinte, dos interesses especialmente protegidos pela incriminação, a ele assiste a legitimidade para a queixa (artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal).
Resta saber qual a entidade a que compete, pelo ente jurídico estadual, o exercício do direito.
Debalde se invocará a este propósito, obviamente, a representação processual do Estado pelo Ministério Público, para a prática, exactamente, do acto a semet ipsum genético do processo.
Interessa, pois, determinar em que sector da Administração Pública se radicam atribuições e competências inerentes.
No diferendo que originou o parecer aponta-se para órgãos do Ministério das Finanças.
2 - E, na verdade, segundo o artigo 1.º da sua Lei Orgânica consubstanciada no Decreto-Lei 158/96, de 3 de Setembro, o Ministério das Finanças tem a natureza de "departamento governamental responsável pela definição e condução da política financeira do Estado, designadamente nos domínios orçamental, monetário e creditício, pela definição e execução da política fiscal, pela coordenação das finanças das outras entidades públicas e pelas relações financeiras do Estado com a União Europeia, os outros Estados e as organizações internacionais, no quadro da política económica definida pelos órgãos de soberania, designadamente a Assembleia da República e o Governo, e pelos órgãos competentes da Comunidade Europeia".
Entre as suas atribuições, elencadas no artigo 2.º, n.º 1, figuram, justamente, a "concepção e execução da política fiscal" [alínea b)] e a "gestão directa dos instrumentos financeiros do Estado, designadamente o Orçamento, o Tesouro e o património" [alínea c)].
E com vista à sua prossecução é constituído, além de outros organismos, por serviços integrados na administração directa do Estado, entre os quais se confere realce à Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) (ver nota 10) e à Direcção-Geral do Tesouro (DGT) [artigos 3.º e 4.º, alíneas h) e l)].
3 - Debrucemo-nos sobre a primeira.
3.1 - A DGCI é "o serviço do Ministério das Finanças que tem por missão administrar os impostos sobre o rendimento, sobre o património e os impostos gerais sobre o consumo - 'além de outros que lhe sejam atribuídos por lei ou por determinação do Ministro das Finanças' -, de acordo com as políticas definidas pelo Governo em matéria tributária" (artigo 18.º, n.os 1 e 3).
"Compete em geral à DGCI, relativamente aos impostos que lhe incumbe administrar", "assegurar a respectiva liquidação e cobrança" [artigo 18.º, n.º 2, alínea a)], "exercer a acção de justiça tributária e assegurar a representação da Fazenda Nacional junto dos órgãos judiciais" - tributários, assim o entendemos [alínea e)].
No desempenho dessas incumbências actua a DGCI "em estreita colaboração com os restantes serviços do Ministério das Finanças que intervenham na administração fiscal" - preceitua o n.º 3 do artigo 18.º, aditando uma particular menção à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros.
Interessa ademais salientar que da DGCI fazem hoje parte as "tesourarias da Fazenda Pública, integradas na Direcção-Geral do Tesouro pelo Decreto-Lei 564/76, de 17 de Julho", que transitaram "para a Direcção-Geral dos Impostos" pelo artigo 37.º da Lei Orgânica do Ministério.
3.2 - Caberia agora prosseguir com o exame deste diploma passando em breve relance as normas alusivas à Direcção-Geral do Tesouro, mas importa completar ainda o esboço da DGCI que vem de se delinear, centrando antes de mais a atenção no Decreto-Lei 366/99, de 18 de Setembro, que aprovou a sua orgânica.
Diga-se, todavia, em primeiro lugar que as normas gerais dos artigos 1.º e 2.º, n.os 1, alíneas a) e c), e 2, deste instrumento legal reproduzem grosso modo os artigos 18.º, n.os 1, 2, alíneas a) e e), e 3, do Decreto-Lei 158/96, relativos às funções e competências da DGCI.
Posto isto, o artigo 4.º considera órgãos superiores de administração da DGCI o director-geral e o conselho de administração fiscal.
Ao director-geral competem "a direcção superior dos serviços da DGCI" (artigo 5.º, n.º 1) e, em especial, as matérias enunciadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 deste artigo, tais como: "promover a correcta execução da política e das leis tributárias" [alínea b)], "zelar pelos interesses da Fazenda Pública, no respeito pelos direitos e garantias dos obrigados fiscais" [alínea d)].
O conselho de administração fiscal - constituído pelo director-geral, que preside, e pelos nove subdirectores-gerais que o coadjuvam (artigos 5.º, n.º 4, e 6.º, n.º 1) - detém, por sua vez, competências de natureza decisória e consultiva enumeradas nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º, de relevo secundário no tema que nos ocupa.
No capítulo da "organização" (capítulo III, artigos 7.º a 19.º) evidencia-se uma estrutura territorial compreendendo serviços centrais (secção I, artigos 8.º a 10.º) e periféricos (secção II, artigos 11.º a 19.º), podendo estes ainda ser regionais (subsecção I, artigos 12.º a 15.º) e locais (subsecção II, artigos 16.º a 19.º) - artigo 7.º
Os serviços centrais, que funcionam junto do director-geral (artigo 8.º), vêm enumerados no artigo 9.º, distinguindo-se entre eles o Departamento de Cobrança [n.º 1, alínea b)], ao qual compete em geral, nomeadamente, "o desempenho das actividades relacionadas com a coordenação, controlo e arrecadação dos impostos e outros tributos administrados pela DGCI, bem como os respectivos reembolsos, com a contabilidade das receitas", "as ligações com a tesouraria central do Estado, entidades intervenientes na cobrança e outras cujas receitas próprias são cobradas através da referida Direcção-Geral [...]" [artigo 10.º, n.º 1, alínea b)].
Os serviços periféricos, regionais e locais, são, respectivamente, as "direcções de finanças" e os "serviços de finanças" (artigo 11.º).
As primeiras constituem unidades territoriais intermédias cuja criação e âmbito especial de actuação constam de portaria do Ministro (artigo 12.º).
Incumbe às direcções de finanças em geral na área do seu território "assegurar a orientação, coordenação e controlo da administração tributária e dos respectivos serviços locais, exercer as actividades da DGCI que, por lei ou decisão superior, devam ser prosseguidas no âmbito regional, bem como assegurar a prática de actos de gestão corrente que não sejam próprios dos serviços centrais ou locais" (artigo 13.º).
São dirigidas por "directores de finanças, hierarquicamente dependentes do director-geral" (artigo 14.º, n.º 1).
Os serviços de finanças, por sua vez, são "unidades territoriais de base sediadas em todos os municípios", criadas igualmente mediante portaria do Ministro das Finanças (artigo 16.º, n.º 1).
Compete-lhes genericamente "executar as actividades de natureza operativa e de gestão corrente da DGCI que, por lei ou decisão superior, devam ser prosseguidas no âmbito local e, em especial, assegurar as funções de informação e apoio directo aos contribuintes" (artigo 17.º).
São chefiados por "chefes de finanças, directamente dependentes dos directores de finanças e as respectivas secções por chefes de finanças-adjuntos" (artigo 19.º, n.º 1).
No "período transitório de três anos a contar da data de entrada em vigor" do Decreto-Lei 366/99, de 18 de Setembro (ver nota 11) - dispõe o n.º 2 do artigo 19.º, integrado, como sabemos, na subsecção relativa aos serviços locais - "os serviços de finanças são chefiados por chefes de finanças, directamente dependentes dos directores de finanças, as respectivas secções por chefes de finanças-adjuntos e as tesourarias de finanças por um tesoureiro de finanças, directamente dependente do director de finanças, e que poderá ser coadjuvado por um tesoureiro de finanças -adjunto".
Recorde-se, efectivamente, que as então denominadas tesourarias da Fazenda Pública haviam sido integradas na DGCI pelo artigo 37.º do Decreto-Lei 158/96 (supra, 3.1), constituindo, por conseguinte, como flui do artigo 19.º, n.º 2, serviços periféricos locais da Direcção-Geral dos Impostos.
Providenciando o capítulo IV do Decreto-Lei 366/99 acerca do "Regime financeiro e instrumentos de gestão" da DGCI (artigos 20.º a 23.º), em que não nos deteremos, restam no derradeiro capítulo V determinadas "disposições finais e transitórias" (artigos 24.º a 29.º) a que convém aludir.
"A estrutura, competências específicas e demais aspectos organizativos e funcionais dos serviços centrais e periféricos da DGCI - prevê-se no artigo 24.º, n.º 1 - constarão de portaria do Ministro das Finanças" (ver nota 12), a qual, tanto quanto se sabe, não foi entretanto publicada.
Mantém-se por isso "a actual estrutura e competências dos referidos serviços", tal como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, até à entrada em vigor desse diploma.
Observe-se a propósito, introduzindo uma vez mais breve recorte do exórdio do Decreto-Lei 366/99, de 18 de Setembro, que "a estrutura orgânica da DGCI" se encontrava à data "substancialmente vertida no Decreto-Lei 408/93, de 14 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 42/97, de 7 de Fevereiro".
E daí que o artigo 28.º do Decreto-Lei 366/99 tenha desde logo revogado expressamente certos dos preceitos do Decreto-Lei 408/93 (n.º 1), prevendo de forma explícita a revogação dos demais (ver nota 13) "a partir da entrada em vigor da portaria a que se refere o artigo 24.º".
A análise destes últimos não oferece verdadeiramente contributos relevantes para a problemática sub iudicio (ver nota 14).
3.3 - Importa, todavia, não olvidar ainda as tesourarias de finanças, integradas primeiramente na Direcção-Geral do Tesouro pelo Decreto-Lei 564/76 e transitando mais tarde para a DGCI onde assumem a natureza de serviços locais (artigos 37.º do Decreto-Lei 158/96 e 19.º do Decreto-Lei 366/99).
No entanto, a descrição histórico-evolutiva em pormenor desses serviços, sob o signo de toda uma legislação fragmentária e conjuntural, extravasaria manifestamente da economia do parecer, bastando às finalidades da consulta a ilustração de aspectos significativos do respectivo regime nas suas afirmações mais recentes.
Vejamos então.
Nos termos da "reorganização do Ministério das Finanças estabelecida pelo Decreto-Lei 49-B/76, de 20 de 20 de Janeiro" - lê-se no n.º 1 do relatório preambular do citado Decreto-Lei 564/76 - a vetusta "Direcção-Geral da Fazenda Pública é cindida em dois novos departamentos: Direcção-Geral do Tesouro e Direcção-Geral do Património" (ver nota 15).
Pois bem. O Decreto-Lei 564/76 limitou-se declaradamente (n.º 3 do preâmbulo), por um lado, a definir as atribuições desde logo julgadas indispensáveis ao funcionamento da primeira das duas direcções-gerais e, por outro, a permitir a cisão do vigente quadro da Direcção-Geral da Fazenda Pública.
"Com efeito - afirma-se no mesmo passo do exórdio -, só poderá promover-se a publicação do regime orgânico definitivo da Direcção-Geral do Tesouro logo que, aliás com o desejável concurso dela, estejam concluídos os estudos que para tanto manifestamente são necessários."
À Direcção-Geral do Tesouro são nestas condições cometidas pelo artigo 1.º do decreto-lei mencionado "as funções que até à data da entrada em vigor do presente diploma se encontravam legalmente atribuídas à Direcção-Geral da Fazenda Pública, por intermédio da Repartição do Tesouro e das tesourarias da Fazenda Pública".
Além das quais uma série de outras lhe são confiadas pelo artigo 2.º, cujo exercício "até à publicação da lei orgânica da Direcção-Geral do Tesouro, compete ao Secretário de Estado do Tesouro regular por despacho" - estatui o artigo 18.º
Em cumprimento do segundo objectivo delineado no preâmbulo, a maioria das disposições do Decreto-Lei 564/76 respeita ao pessoal.
Diga-se apenas que o pessoal da nova Direcção-Geral consta "dos quadros e do mapa anexos" (artigo 4.º, n.º 1), regulando-se a sua situação "em tudo o que se não ache previsto" no mesmo diploma, "pelas disposições que eram aplicáveis ao pessoal da extinta Direcção-Geral da Fazenda Pública" (n.º 2).
E o pessoal das Tesourarias da Fazenda Pública, nomeadamente, v. g., tesoureiros, ajudantes de tesoureiro, auxiliares de tesouraria, ingressa nos aludidos quadros (artigo 7.º).
Especial menção merece sequentemente a reestruturação das tesourarias da Fazenda Pública levada a efeito pelo Decreto-Lei 519-A1/79, de 29 de Dezembro (ver nota 16).
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º, as tesourarias da Fazenda Pública "constituem, nas sedes dos concelhos ou fora deles, os serviços locais da Direcção-Geral do Tesouro", incumbindo-lhes, em geral, as funções enunciadas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do mesmo artigo, respeitantes à cobrança de receitas e pagamento de despesas públicas.
Assim, a "arrecadação e cobrança das receitas do Estado liquidadas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos" [alínea a)]; a "arrecadação e cobrança de outras receitas do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público" atribuídas por lei [alínea b)]; o "serviço de pagamento das despesas do Estado que lhes seja cometido por lei" [alínea c)].
As funções que vêm de se exemplificar competem em especial aos "tesoureiros gerentes" [artigo 51.º, I), alíneas a), b) e e)], conquanto seja dever de todo o pessoal do quadro geral das tesourarias "zelar pelos interesses do Estado, designadamente no que toca à defesa dos valores existentes em cada tesouraria e à observância das indispensáveis normas de segurança" [artigo 13.º, alínea e)].
No tocante à sua criação e classes rege o artigo 2.º
De acordo "com o volume de serviço, deverá haver em cada concelho mais de uma tesouraria da Fazenda Pública, criada por portaria emanada do Ministério das Finanças, sob proposta da Direcção-Geral do Tesouro, sempre que no respectivo concelho ou localidade seja criada mais de uma repartição de finanças" (n.º 1).
Em Lisboa e Porto, o número e a área das tesourarias devem outrossim ser alterados mediante portaria emanada em idênticas condições, quando o número dos bairros fiscais e respectivas áreas sejam, por sua vez, alterados (n.º 2).
Por fim, "as tesourarias da Fazenda Pública são de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, nos mesmos termos em que o são as correspondentes repartições de finanças, devendo a alteração da sua classificação constar de portaria" similar às aludidas nos anteriores n.os 1 e 2, "sempre que idênticas alterações se verifiquem nas respectivas repartições de finanças" (n.º 3).
Elucidando a natureza da relação entre os dois tipos de serviços, o Decreto -Lei 223/80, de 12 de Julho - tendo por objectivo assegurar a entrada em funcionamento de forma articulada, por um lado, dos novos bairros fiscais em Lisboa e Porto e das novas repartições de finanças em vários concelhos, criados pela Portaria 419/77, de 12 de Julho, e, por outro, das tesourarias da Fazenda Pública instituídas pela Portaria 508/78, de 5 de Setembro -, o citado diploma dispunha, justamente, no artigo 3.º, n.º 1:
"Artigo 3.º
1 - As repartições de finanças e as tesourarias da Fazenda Pública constituem ordens paralelas de serviços independentes entre si, mas ligados por uma relação jurídica interorgânica, através da qual as tesourarias da Fazenda Pública são constituídas por aquelas no dever funcional de cobrança."
As tesourarias da Fazenda Pública encontravam-se, nos termos expostos, integradas na Direcção-Geral do Tesouro, até que sobreveio a Lei Orgânica do Ministério das Finanças, consubstanciada, recorde-se, no Decreto-Lei 158/96, de 3 de Setembro, cujo artigo 37.º operou, como vimos, a sua transição para a DGCI.
4 - É, assim, oportuno reverter às normas deste diploma concernentes àquela Direcção-Geral, em demanda ainda de competências relativas à apresentação da queixa crime questionada na consulta.
4.1 - Constatou-se que a Direcção-Geral do Tesouro é um dos serviços de administração directa do Estado, ao lado, por exemplo, da DGCI, que, na concepção do Decreto-Lei 158/96, constituem o Ministério das Finanças [artigos 3.º e 4.º, alínea l)].
A sua natureza funcional e as missões que lhe incumbem vêm genericamente desenhadas no artigo 21.º
Trata-se, por conseguinte, de um serviço "que tem a seu cargo a administração da tesouraria central do Estado, bem como a efectivação das operações de intervenção financeira do Estado na economia, competindo-lhe igualmente o estudo, preparação e acompanhamento das matérias respeitantes ao exercício da tutela financeira do sector público, administrativo e empresarial" (artigo 21.º, n.º 1).
Estas basilares funções da Direcção-Geral do Tesouro analisam-se, por seu turno, em vectores enunciados nos n.os 2 e 4 do referido artigo, não oferecendo contudo explicitações dignas de registo na tónica que preside à nossa indagação.
Compreende-se, uma vez que o diploma orgânico do Ministério das Finanças, como se observaria mais tarde, se limitou a adoptar "um conjunto de decisões organizatórias fundamentais que vieram adequar antigas estruturas do Ministério às exigências actuais da prossecução das suas atribuições" (ver nota 17).
De resto, nos termos do artigo 47.º, a Direcção-Geral do Tesouro e, bem assim, os demais serviços de administração directa integrados no Ministério, continuam, em princípio, "a reger-se pelas disposições normativas que os instituíram" (ver nota 18), prevendo embora o artigo 48.º a publicação em determinado prazo de diplomas "contendo as normas referentes à organização e competências, funcionamento, regime jurídico de pessoal, incluindo os respectivos quadros e demais disposições necessárias para assegurar a prossecução dos objectivos" de todos aqueles serviços.
4.2 - Surge assim a Lei Orgânica da Direcção-Geral do Tesouro, concretizada no citado Decreto-Lei 186/98, de 7 de Julho.
Considere-se, todavia, não se encontrarem aí explicitadas as competências de queixa criminal que nos interessam, a despeito de se incluir entre as incumbências da Direcção de Recuperação de Créditos, do Departamento de Regularização e de Recuperações Financeiras - um dos serviços operativos da Direcção-Geral do Tesouro -, a de, na generalidade, "assegurar a defesa dos interesses do Estado em situações litigiosas em que o Tesouro seja parte" [artigos 5.º, n.º 2, alínea c), e 10.º, n.os 1, alínea b), e 3, alínea d)].
O n.º 1 do artigo 1.º não deixa em todo o caso de reafirmar a natureza da Direcção-Geral como "serviço público operacional do Ministério das Finanças que integra a administração directa" estadual.
Enquanto o n.º 2 do mesmo normativo confere relevo, entre outras, à missão, realçada já no artigo 21.º, n.º 1, da Lei Orgânica do Ministério, de "assegurar a administração da tesouraria central do Estado".
E posto que o preâmbulo do diploma sublinha "que a DGT evoluiu da condição de um mero banqueiro do Orçamento do Estado, arrecadando receitas e efectuando o pagamento de despesas, para a de um órgão fundamentalmente de tesouraria", encarecendo do mesmo passo a "aprovação do regime da tesouraria do Estado, pelo Decreto-Lei 275-A/93, de 9 de Agosto," como um dos "marcos importantes para a modernização da DGT", torna-se mister, nesse conspecto, que sobre esse regime também nos debrucemos.
4.3 - Contudo, o artigo único do Decreto-Lei 191/99, de 5 de Junho, aprovou em anexo, dele fazendo parte integrante, o Regime da Tesouraria do Estado, revisto, cujo artigo 51.º, n.º 1, alínea c), revogou o Decreto-Lei 275-A/93.
Examinar-se-á, por conseguinte, a versão aggiornata do referido regime, sem prejuízo de alguma incursão comparatística pelo diploma revogado.
O instrumento sub iudicio compreende cinco capítulos - "Enquadramento" (capítulo I, artigos 1.º a 3.º), "Entrada de fundos" (capítulo II, artigos 4.º a 22.º), "Saída de fundos" (capítulo III, artigos 23.º a 29.º), "Operações específicas do Tesouro" (capítulo IV, artigos 30.º a 33.º), "Contabilidade do Tesouro" (capítulo V, artigos 34.º a 44.º); "Disposições finais e transitórias" (capítulo VI, artigos 45.º a 52.º) -, interessando-nos fundamentalmente os dois primeiros (ver nota 19).
A "actividade da tesouraria do Estado - dispõe o artigo 1.º, n.º 1 - compreende a movimentação de fundos públicos, quer em execução do Orçamento do Estado, quer através de operações específicas do Tesouro (OET)".
E compete "à Direcção-Geral do Tesouro a gestão global dos movimentos de fundos públicos referidos no número anterior, designados, em geral, por operações de tesouraria, e a correspondente relevação na contabilidade do Tesouro, sem prejuízo do disposto no n.º 5" (ver nota 20) (n.º 2).
Relativamente às OET, "a respectiva contabilização e controlo" cabe ainda à mesma Direcção-Geral (n.º 3), a qual é, por outro lado, admitida a "efectuar operações próprias dos bancos na medida do estritamento necessário à realização das operações de tesouraria" previstas no diploma (n.º 4).
O sistema assenta, aliás, no princípio da "unidade de tesouraria" delineado no artigo 2.º
Em consequência deste princípio, incumbe, em primeiro lugar, à Direcção-Geral do Tesouro "colaborar na execução do orçamento dos serviços integrados do Estado, efectivando a cobrança das receitas e o pagamento das despesas públicas" [artigo 2.º, n.º 1, alínea a)], bem como "assegurar aos serviços e fundos autónomos a prestação de serviços equiparados aos da actividade bancária, nas mesmas condições de eficiência" [alínea b)].
Por outro lado, para efeitos do disposto na alínea b), "devem os serviços e fundos autónomos, de carácter administrativo ou empresarial, dispor de contas abertas na Direcção-Geral do Tesouro, através das quais promovem as respectivas operações de cobrança e pagamento e onde mantêm depositados os seus excedentes e disponibilidades de tesouraria" (artigo 2.º, n.º 2) (ver nota 21).
Regulando o capítulo II a "entrada de fundos" públicos, diz-nos o artigo 4.º que a gestão destas operações - pela Direcção-Geral do Tesouro, como estipula o artigo 1.º, n.º 2 - "compreende a organização, o acompanhamento e o controlo da cobrança das receitas e a correspondente centralização dos fundos".
E a cobrança das receitas - que para efeitos do diploma em exame "corresponde à sua arrecadação" (artigo 5.º, n.º 2) - é efectuada por "serviços públicos com funções de caixa, bem como pelas entidades colaboradoras na cobrança que se encontrem habilitadas a prestar tais serviços" (n.º 1).
Existe, pois, uma "rede de cobranças do Estado", integrada por esses "serviços públicos com funções de caixa do Tesouro" e "entidades colaboradoras na cobrança" (artigo 6.º, n.º 1), cuja "gestão e controlo" "são assegurados pela Direcção-Geral do Tesouro" (n.º 2).
Pois bem. São serviços com funções de caixa, além dos "serviços da Direcção-Geral do Tesouro" e de "outros serviços públicos autorizados para o efeito por despacho do Ministro das Finanças", "as tesourarias da Fazenda Pública" (artigo 7.º, n.º 1).
Anote-se ainda que o pagamento dos fundos "pode ser efectuado junto de qualquer das entidades" "autorizadas a cobrar cada receita, independentemente do lugar do domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento do devedor" (artigo 9.º), devendo a Direcção-Geral do Tesouro promover a divulgação e identificação dos "locais de cobrança de cada receita através dos meios adequados para o efeito" (artigo 10.º).
Um dos elementos fulcrais do regime da tesouraria do Estado é, porém, representado pelo denominado "documento único de cobrança (DUC)" (ver nota 22).
Trata-se de um "título que exprime a obrigação pecuniária decorrente da relação entre o Estado e o devedor" (artigo 11.º, n.º 1), emitido pelos "serviços que administram as receitas" e por estes enviado "directamente ao devedor" - estatui o n.º 3 daquele artigo -, do qual devem constar os elementos de notação enunciados nas alíneas a) a g) do mesmo número (v. g., identificação do serviço processador, natureza e montante da receita, data limite de pagamento, etc.).
O documento único de cobrança "é apresentado no acto de pagamento, sendo a dívida que titula satisfeita por inteiro nesse mesmo acto, através de um dos meios de pagamento enumerados do n.º 1 do artigo 15.º" (artigo 11.º, n.º 5) (ver nota 23).
Entre estes meios de pagamento avulta, além da moeda corrente [artigo 15.º, n.º 1, alínea a)], o cheque [alínea b)].
A utilização do cheque obedece às regras vertidas no artigo 16.º, entre as quais merece realce que "deve ser emitido à ordem da Direcção-Geral do Tesouro e cruzado" [n.º 1, alínea c)] (ver nota 24).
Observe-se em remate que o pagamento efectuado junto das entidades competentes para a cobrança - há momentos aludidas a propósito dos artigos 5.º e seguintes -, através de qualquer dos meios, incluindo obviamente o cheque, enunciados no artigo 15.º, "libera o devedor da respectiva obrigação - preceitua o artigo 20.º -, salvo nas situações previstas no n.º 2 do artigo 14.º e no artigo 19.º".
Deixando de parte o artigo 14.º, respeitante a incorrecções do documento único de cobrança, o n.º 1 do artigo 19.º fulmina efectivamente de nulidade "os pagamentos que não permitam a cobrança da receita devido a vícios que afectem o respectivo pagamento".
E, tratando-se de utilização de cheque, considera-se que o mesmo "não permite a cobrança da receita" caso se verifique alguma das hipóteses previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo.
Assim sucede, em quanto mais concerne à temática do parecer: quando "a entidade sacada recuse o seu pagamento por falta ou insuficiência de provisão" [alínea b)]; ou o "sacador tenha levantado os fundos necessários ao seu pagamento, proibido à entidade sacada o pagamento desse cheque, encerrado a conta sacada ou alterado as condições da sua movimentação, impedindo dessa forma o pagamento do cheque" [alínea c)] (ver nota 25).
Passaram-se em breve revista princípios fundamentais de enquadramento da tesouraria do Estado plasmados no capítulo I do Decreto-Lei 191/91 e o regime de gestão da entrada de fundos contemplado no capítulo II, abrangendo a organização, acompanhamento e controlo da cobrança de receitas pela Direcção-Geral do Tesouro.
Restam as disposições finais e transitórias incluídas no capítulo VI, uma vez que os capítulos III, IV e V, concernentes, respectivamente, às saídas de fundos, às operações específicas e à contabilidade do Tesouro, se revestem de interesse secundário na óptica da consulta.
De entre essas disposições oportunamente se aludiu já ao artigo 51.º, n.º 1, alínea c), que revogou expressamente, entre outros diplomas, o antecedente regime da tesouraria do Estado aprovado pelo Decreto-Lei 275-A/93.
Mas isto, declaradamente, sem prejuízo do disposto no artigo 50.º, segundo o qual, "enquanto não estiverem criados os dispositivos legais e administrativos necessários à aplicação do Decreto-Lei 191/99 - reza o n.º 1 - mantém-se, na medida do necessário, o regime anterior e respectiva regulamentação".
O certo de todo o modo é que, por força do n.º 2 do artigo 51.º, as normas constantes do Decreto-Lei 191/99 "prevalecem sobre quaisquer disposições gerais ou especiais que disponham em contrário, designadamente as que se referem a procedimentos de cobrança".
Interessa precisamente testar, porventura em meros aspectos pontuais, a capacidade de resistência deste normativo - e do regime da tesouraria do Estado relativo à arrecadação de receitas que lhe vai implicado - face à disciplina de cobrança de impostos que está, ultima ratio, no cerne da consulta.
No entanto, a economia de urgência que rodeia o parecer e a importância paradigmática dos impostos sobre o rendimento no universo das fontes de receitas fiscais do Estado autoriza-nos a restringir o confronto a este domínio.
5 - Rege a propósito o Decreto-Lei 492/88, de 30 de Dezembro, o qual, na síntese do sumário da folha oficial, veio estabelecer a "disciplina da cobrança e reembolso do IRS e do IRC" (ver nota 26).
E sendo pertinente apenas o primeiro aspecto, regulada a cobrança nos capítulos I ("Da cobrança", artigos 1.º e 2.º) e II ("Do pagamento", artigos 3.º a 18.º), pode perfeitamente prescindir-se nesta oportunidade do exame dos demais capítulos III a VII ("Dos reembolsos", "Da gestão das contas bancárias e transferências de fundos", "Dos pagamentos em prestações", "Dos registos" e "Disposições finais", respectivamente, artigos 19.º a 41.º).
O n.º 1 do artigo 1.º - na redacção agora do artigo único do Decreto-Lei 172-A/90 - começa por formular o princípio segundo o qual "o controlo dos pagamentos dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, das pessoas colectivas e da contribuição autárquica cabe à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI) - Direcção-Geral dos Impostos, desde a Lei Orgânica do Ministério das Finanças aprovada pelo Decreto-Lei 158/96, como sabemos (supra, n.º III, n.º 2) - nos termos do presente diploma".
É certo que tanto a Lei Orgânica do Ministério [artigo 18.º, n.os 1 e 2, alínea a)] como a Lei Orgânica da DGCI, aprovada pelo Decreto-Lei 366/99 [artigo 2.º, n.º 1, alínea a)], conferem a esta similares incumbências (supra, n.º III, n.º 3 - 1), as quais devem, porém, ser entendidas sem prejuízo das atribuições de gestão da tesouraria do Estado que vimos pertencerem à Direcção-Geral do Tesouro.
Tanto assim que o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 492/88 acrescenta que a cobrança é efectuada, entre outras entidades, "através das tesourarias da Fazenda Pública", hoje integradas na DGCI, que o próprio "Regime da Tesouraria do Estado" (artigo 7.º) qualifica como "serviços com funções de caixa" (supra, n.º 4.3).
Quanto, por sua vez, aos meios de pagamento dos impostos em questão, o artigo 3.º, à semelhança do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do regime da tesouraria do Estado, admite também, entre outros, a utilização do cheque [alínea b)] - cf. ainda o artigo 7.º, n.º 1.
Em relação aos requisitos, dispõe o artigo 8.º, n.º 1, nomeadamente, que "os cheques para pagamentos a efectuar nas tesourarias da Fazenda Pública serão sempre cruzados e emitidos à ordem do respectivo tesoureiro".
Em conexão, estatui o artigo 10.º, na redacção do artigo único do Decreto-Lei 172-A/90:
"Artigo 10.º
Cheques sem provisão
1 - Havendo lugar à devolução de cheques por falta ou insuficiência de provisão em pagamentos efectuados nas tesourarias da Fazenda Pública, o tesoureiro, no dia seguinte, remetê-los-á, sob registo, ao director distrital de finanças da área da respectiva tesouraria, devidamente endossados.
2 - Relativamente aos cheques utilizados para pagamentos nos termos do presente diploma que venham a ser devolvidos por falta ou insuficiência de provisão, os serviços centrais da DGCI expedirão de imediato, sob registo, ofício ao sacador, bem como ao devedor, para, no prazo de cinco dias úteis, ser regularizada a situação, mediante pagamento da importância respectiva com moeda corrente, cheque visado ou vale postal, fazendo-se ciente de que o pagamento apenas pode ser efectuado numa tesouraria da Fazenda Pública.
3 - O pagamento a que se refere o n.º 2 será acrescido da importância resultante da aplicação de uma taxa de regularização de 10% sobre o valor do cheque, sem qualquer adicional, e que constitui receita do Estado, não podendo o produto dessa percentagem ser inferior a 5000$00 nem superior a 1 000 000$00.
4 - Se a devolução dos cheques referidos nos números anteriores for imputável a erro da instituição de crédito sacada, será a mesma responsável para com o Estado pela importância da regularização, devendo o seu pagamento ser efectuado no prazo de 15 dias após notificação, sob pena de cobrança coerciva.
5 - Os serviços centrais da DGCI e as direcções distritais de finanças, conforme os casos, a quem haja sido endossado cheque com falta ou insuficiência de provisão deverão participar a infracção ao tribunal territorialmente competente, quando o pagamento não seja regularizado nos termos do presente artigo (ver nota 27).
6 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se como cheques devolvidos por falta ou insuficiência de provisão os que contenham qualquer declaração aposta pela entidade sacada ou pelo serviço de compensação que permita extrair a conclusão de que, no momento da sua apresentação à cobrança, o saldo da conta do sacador é insuficiente para se concretizar a referida cobrança." (ver nota 28)
6 - Resulta do exposto que a competência para o exercício do direito de queixa do Estado pelos crimes de cheque sem provisão sub iudicio pertence, para além dos serviços centrais da DGCI, nuclearmente às direcções distritais de finanças a quem os títulos são endossados pelos tesoureiros de finanças formalmente tomadores.
Afigura-se, porém, que neste peculiar aspecto da emissão dos cheques o regime descrito conflitua com o sistema de cobrança delineado no regime da tesouraria do Estado aprovado ultimamente pelo Decreto-Lei 191/99, de 5 de Julho.
Na verdade, confiando este regime à Direcção-Geral do Tesouro competências fundamentais na gestão global da tesouraria estadual e dos movimentos de fundos públicos nela envolvidos, em particular a organização, o acompanhamento e o controlo da cobrança das receitas, não descuidou do mesmo passo a definição de regras essenciais de utilização do cheque como meio de pagamento.
Entre esses requisitos sobressai justamente, como em momento oportuno se viu, a exigência incontornável da emissão à ordem da Direcção-Geral do Tesouro [artigo 16.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 191/99].
Crê-se, por conseguinte, ser esta uma das normas que, nos termos do artigo 51.º, n.º 2, do citado regime, prevalece sobre a "disposição especial em contrário" do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei 492/88.
E os cheques carecem, pois, de ser emitidos à ordem da Direcção-Geral do Tesouro (ver nota 29), ficando necessariamente prejudicado o endosso pelo tesoureiro aludido no artigo 10.º, n.º 1, do mesmo decreto-lei.
Deixando, porém, de haver lugar à emissão dos cheques à ordem do tesoureiro, nem por isso deixa de ter sentido, à luz do regime da tesouraria do Estado, a competência dos serviços da DGCI, máxime das direcções de finanças, prevista no n.º 5 do citado artigo 10.º, uma vez assegurada a necessária articulação com a Direcção-Geral do Tesouro.
Vejamos. A competência das direcções distritais de finanças para a queixa crime não radica a título principal na circunstância de mera forma de o cheque lhes haver sido transmitido mediante endosso do tesoureiro de finanças - quando na realidade é o Estado o titular do direito subjacente.
Antes substancialmente se explicando pela colocação privilegiada do organismo numa certa circunscrição territorial em que tendencialmente se diriam situados o tribunal e serviços do Ministério Público competentes em razão de território para o exercício da acção penal (ver nota 30).
Dito de outro modo. Se o endosso se justifica, decerto, pela emissão do cheque à ordem do tesoureiro, já não é o endosso que justifica a competência do director de finanças, mas, bem ao invés, esta que legitima aquele.
Pelo que, prejudicada a competência do primeiro, nem por isso fica inutilizada a competência do segundo.
Propendemos, assim, a pensar que se mantém a competência das direcções distritais de finanças - e sem falar dos serviços centrais da DGCI - para a formulação da queixa crime a que se reporta a consulta, nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do Decreto-Lei 492/88, de 30 de Dezembro.
7 - Uma nota mais a finalizar.
Trata-se, é certo, de competência avulsamente explicitada no domínio dos mais vultuosos impostos estaduais sobre o rendimento.
Mas de uma competência que vem na realidade a enquadrar-se num conspecto alargado de poderes jurídico-administrativos orientados para a cobrança e arrecadação em geral de outras receitas fiscais.
O percurso trilhado pelos meandros sinuosos da legislação respeitante ao Ministério das Finanças revelou-nos efectivamente a radicação, numa rede de órgãos e serviços diversificados que apenas se deixou esboçada, de competências convergindo no escopo final da percepção efectiva dos réditos tributários.
Recordem-se em breve resenha, cingindo-nos aos domínios da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral do Tesouro.
À DGCI incumbe a liquidação e cobrança em geral dos impostos estaduais, em estreita colaboração com os restantes serviços do Ministério das Finanças [artigo 18.º, n.os 2, alínea a), e 3, do Decreto-Lei 158/86, supra, n.º III, n.º 3.1].
Ao director-geral compete zelar pelos interesses da Fazenda Pública [artigo 5.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei 366/99, supra, n.º III, n.º 3.2].
O Departamento de Cobrança, um dos serviços centrais da DGCI, tem por seu turno funções de coordenação, controlo e arrecadação dos impostos e outros tributos administrados pela DGCI, e assegura as ligações com a tesouraria central do Estado, com as entidades intervenientes na cobrança e outras cujas receitas próprias são cobradas através da DGCI [artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, supra, n.º III, n.º 3.2].
As direcções de finanças, ainda, garantem a orientação, coordenação e controlo da administração tributária e dos serviços locais, bem como o exercício das actividades da DGCI no âmbito regional [artigo 13.º do referido decreto-lei, supra, 3.2].
Compete, ademais, aos serviços de finanças executar as actividades de natureza operativa e de gestão corrente da DGCI a nível local (artigo 17.º, também do Decreto-Lei 366/99, supra, n.º 3.2).
E por fim as tesourarias de finanças, integradas desde o Decreto-Lei 564/76 na Direcção-Geral do Tesouro, que transitaram em 1996 para a DGCI, onde vêm a assumir, outrossim, a natureza de serviços locais (artigos 37.º do Decreto-Lei 158/96 e 19.º do Decreto-Lei 366/99, supra, n.º III, n.º 3.3].
Na primeira fase constituem simetricamente serviços locais da DGT, competindo-lhes a arrecadação e cobrança das receitas do Estado liquidadas pela DGCI, bem como de outras receitas estaduais e de pessoas colectivas de direito público [artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei 519-A1/79, supra, n.º III, n.º 3.3].
Encontram-se ligadas às repartições de finanças respectivas por uma relação jurídica interorgânica, através da qual se constituem no dever funcional de cobrança (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 223/80, supra, n.º III, n.º 3.3).
As funções aludidas vêm, de resto, a acentuar-se com o Decreto-Lei 191/99, que aprovou o regime da tesouraria do Estado.
Isto no tocante ao âmbito da DGCI.
Recordemos agora especificamente a DGT.
Nos termos da sua Lei Orgânica, consubstanciada no Decreto-Lei 186/98, compete à Direcção-Geral a função primacial de administração da tesouraria do Estado (artigo 1.º, n.º 2) e à Direcção da Recuperação de Créditos, do Departamento de Regularização e Recuperações Financeiras, assegurar a defesa dos interesse do Estado nas situações litigiosas em que o Tesouro seja parte [artigos 5.º, n.º 2, alínea e), e 10.º, n.º 1, alínea b), e 3, alínea d), supra, n.º III, n.º 4.2].
A função de gestão global da tesouraria estadual confiada à DGT compreende os movimentos de fundos públicos e, em especial, a organização, o acompanhamento e o controlo da cobrança das receitas (artigo 1.º, n.os 1 e 2, do referido regime, supra, n.º III, n.º 4.3).
Assiste-lhe particularmente, neste conspecto, a gestão e o controlo da rede de cobranças do Estado integrada pelos serviços públicos com funções de caixa do Tesouro (artigos 5.º e 6.º, n.os 1 e 2), nomeadamente as tesourarias da Fazenda Pública, além dos serviços da própria Direcção-Geral (artigo 7.º, n.º 1, supra, n.º III, n.º 4.3).
Por tudo a necessidade de os cheques, enquanto meios de pagamento na percepção das receitas, serem emitidos à ordem da DGT [artigos 15.º, n.º 1, alínea b), e 16.º, n.º 1, alínea c)].
Posto isto, acrescente-se que a fenomenologia das competências convergentes, mobilizando-se no nosso caso em direcção ao escopo terminal da arrecadação de receitas fiscais, não tem escapado à observação e laborar teorético da dogmática administrativista.
Conquanto, subsistindo divergências terminológicas, fala-se, a propósito, de "competências concorrentes", ou "comparticipadas" (também "repartidas"), para traduzir similares realidades normativas em que "diversos aspectos, facetas ou momentos da mesma matéria" são adstringidos à "confluência de diversos órgãos com titularidade de funções diversas que concorrem para o mesmo procedimento" (ver nota 31).
Formas de competência, por outras palavras, que "supõem a convergência de diferentes órgãos sobre um determinado objecto, contemplando diversos aspectos ou facetas do mesmo" (ver nota 32) (ver nota 33).
Pois bem. O movimento de poderes funcionais concorrendo na arrecadação das receitas em geral que acaba de se rememorar atinge, no caso do IRS e do IRC - n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei 492/88 -, concretização expressiva, inclusive, de que a queixa criminal pela frustração dolosa do meio de pagamento se torna finalisticamente partícipe da natureza material dos actos de cobrança.
E cremos por isso que um semelhante regime de competências assume vocação de aplicabilidade, directa ou implicitamente, no sector de outras receitas fiscais cuja disciplina jurídico-positiva possa não incluir normas explícitas sobre a queixa crime por cheques penalmente protegidos.
Essencial é que na formalização do direito de queixa do Estado perante as instituições judiciárias competentes se deixe transparecer a articulação das competências concorrentes.
Pensa-se em todo o caso desejável, atenta a importância dos interesses patrimoniais do Estado co-envolvidos, a emanação de providência legislativa tendente a clarificar e simplificar o exercício do aludido direito.
IV - Do exposto se conclui:
1.ª A desistência da queixa por crime de cheque sem provisão para pagamento de impostos devidos ao Estado é da competência do magistrado que assume a representação do Ministério Público no processo, carecendo a prática do acto de autorização do Procurador-Geral da República (artigo 11.º-A, n.º 4, do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro);
2.ª Titular do direito de queixa pelo crime aludido na conclusão 1.ª é o Estado, competindo a formulação da mesma, no domínio, paradigmaticamente, dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e das pessoas colectivas (IRC), aos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos e às direcções distritais de finanças (artigo 10.º, n.º 5, do Decreto-Lei 492/88, de 30 de Dezembro, na redacção do artigo único do Decreto-Lei 172-A/90, de 31 de Maio);
3.ª O regime de competências concorrentes na arrecadação de receitas fiscais descrito no parecer, atribuídas a órgãos e serviços do Ministério das Finanças, assume vocação de aplicabilidade, directa ou implicitamente, a outros impostos cuja disciplina jurídico-positiva possa não incluir normas explícitas sobre a queixa crime por cheques penalmente protegidos.
(nota 1) Ofício n.º 308, de 28 de Agosto de 2001, do Gabinete do aludido membro do Governo, com registo de entrada n.º 16 297, de 30 do mesmo mês, distribuído em 16 de Outubro, e redistribuído, por cessação de funções do primitivo relator, em 22 de Outubro de 2002.
(nota 2) Citam-se neste sentido, exemplificativamente, os despachos n.os 16 980 (2.ª série) e 24 806/2000 (2.ª série), publicados no Diário da República, 2.ª série, n.os 193 e 280, de 22 de Agosto e de 5 de Dezembro de 2000.
(nota 3) Rectificado mediante Declaração de Rectificação 1-C/98, de 31 de Janeiro. O Decreto-Lei 454/91 foi republicado em anexo ao Decreto-Lei 316/97 com as alterações por este introduzidas, passando a constituir o regime jurídico do cheque sem provisão (artigo 4.º do último diploma citado). Por outro lado, veio à luz o Decreto-Lei 323/2001, de 17 de Dezembro, que procedeu à conversão em euros dos valores expressos em escudos na "legislação da área da justiça" (artigo 1.º), alterando em especial os artigos 2.º, 8.º, 11.º e 14.º do Decreto-Lei 454/91 no aspecto em causa.
(nota 4) Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, o "tribunal pode aplicar, isolada ou cumulativamente, conforme os casos, as seguintes sanções acessórias a quem for condenado por crime de emissão de cheque sem provisão:
a) Interdição do uso do cheque;
b) Publicidade da decisão condenatória."
(nota 5) Ou seja, 50 UC, à razão de Euro 79,81 por UC, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 323/2001.
(nota 6) O artigo 1.º-A - aditado ao Decreto-Lei 454/91 pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 316/97 - cujo n.º 3 foi objecto da Declaração de Rectificação 1-C/98, aludida supra, nota 1, é do seguinte teor:
"Artigo 1.º-A
Falta de pagamento de cheque
1 - Verificada a falta de pagamento do cheque apresentado para esse efeito, nos termos e prazos a que se refere a Lei Uniforme Relativa ao Cheque, a instituição de crédito notifica o sacador para, no prazo de 30 dias consecutivos, proceder à regularização da situação.
2 - A notificação a que se refere o número anterior deve, obrigatoriamente, conter:
a) A indicação do termo do prazo e do local para a regularização da situação;
b) A advertência de que a falta de regularização da situação implica a rescisão da convenção de cheque e, consequentemente, a proibição de emitir novos cheques sobre a instituição sacada, a proibição de celebrar ou manter convenção de cheque com outras instituições de crédito, nos termos do disposto no artigo 3.º, e a inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco.
3 - A regularização prevista no n.º 1 faz-se mediante depósito na instituição de crédito sacada, à ordem do portador do cheque, ou pagamento directamente a este, comprovado perante a instituição de crédito sacada, do valor do cheque e dos juros moratórios calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais."
(nota 7) Cf., por todos, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª ed. (6.ª reimpressão), Almedina, Coimbra, Setembro de 2001, p. 610.
(nota 8) Freitas do Amaral, op. cit., vol. II (reimpressão), com a colaboração de Lino Torgal, Almedina, Coimbra, Abril de 2002, p. 277.
(nota 9) O despacho foi tornado objecto da circular n.º 8/01 - L.º R/C, processo 506/96, L.º 115, de 6 de Novembro de 2001.
(nota 10) Assim passando a designar-se, conquanto conservando a sigla tradicional DGCI, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (artigos 8.º, n.º 1, e 40.º, n.º 2).
(nota 11) Conforme o artigo 29.º, o diploma entrava "em vigor no dia 1 de Janeiro de 2000, salvo as normas legais de habilitação de poder regulamentar", que começavam a vigorar "no 5.º dia após a sua publicação". Mas o artigo 2.º do Decreto-Lei 3/2000, de 29 de Janeiro - com efeitos a partir de 1 deste mês (artigo 3.º) -, deu àquele artigo a seguinte redacção: "O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Maio de 2000, salvo as normas legais de habilitação de poder regulamentar" (frisado agora).
(nota 12) Com efeito, um dos "eixos fundamentais" em que assenta a reestruturação orgânica da DGCI operada pelo Decreto-Lei 366/99 - salienta o relatório preambular - consiste em definir mediante "decreto-lei apenas a estrutura organizativa básica", remetendo-se "os demais aspectos organizativos" para "portaria, o que permitirá uma melhor adaptação às condições económicas, sociais e políticas, sem perturbação das relações jurídicas da função pública".
(nota 13) Previsão em que apenas se omitiram determinadas normas (artigos 39.º a 54.º) concernentes fundamentalmente a recrutamento, provimento e mobilidade de pessoal; extinção de carreiras e transição dos funcionários respectivos; alterações legislativas operadas pelo anterior diploma.
(nota 14) Salta à vista, em todo o caso, a alínea r) do n.º 1 do artigo 10.º, segundo a qual compete à Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado (DSCIVA), um dos serviços centrais operativos da DGCI [cf. os artigos 4.º e 5.º, n.º 1, alínea g)]: accionar os meios legais tendentes à regularização dos meios de pagamento rejeitados pelas instituições de crédito. A explicitação não se repete, porém, no elenco de competências da Direcção de Serviços de Cobrança dos Impostos sobre o Rendimento [DSCIR, artigos 4.º, 5.º, n.º 1, alínea c), e 7.º].
(nota 15) Ficando aquela integrada na Secretaria de Estado do Tesouro [artigo 6.º, n.º 2, alínea c)] e esta na Secretaria de Estado das Finanças [artigo 3.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei 49-B/76].
(nota 16) Alterado, nomeadamente, pelos Decretos-Leis 223/80, de 12 de Julho, 36/90, de 26 de Janeiro e 314/93, de 21 de Setembro, em termos não significativos quanto ao objecto do presente parecer.
(nota 17) Tal a apreciação que pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei 186/98, de 7 de Julho, Lei Orgânica da Direcção-Geral do Tesouro, que seguidamente se examinará.
(nota 18) Refira-se, por exemplo, o Decreto-Lei 163/81, de 12 de Junho, que definiu a estrutura orgânica e os quadros de pessoal dos serviços centrais, aliás revogado pelo diploma organizativo aludido na nota 17 [artigo 25.º, alínea g)].
(nota 19) A sistemática do Decreto-Lei 275-A/93 era semelhante e abrangia igualmente um articulado de 52 artigos.
(nota 20) Segundo o qual a "segurança social dispõe de uma tesouraria única, em articulação com a tesouraria do Estado e regulada por diploma próprio [...]".
(nota 21) Às Regiões Autónomas e às autarquias locais, com seus serviços e fundos autónomos, é também reconhecida a prerrogativa de disporem de contas abertas na Direcção-Geral, para efeitos de prestação, por parte desta, de serviços equiparados aos da actividade bancária em apoio às suas tesourarias (n.º 3). As contas aludidas são, aliás, remuneradas (n.º 4).
(nota 22) Uma inovação do precedente Decreto-Lei 275-A/93, de 9 de Agosto, que no respectivo exórdio lhe conferia o seguinte destaque: "Peça fundamental do novo sistema é o documento único de cobrança, título pelo qual se exprime a relação obrigacional entre o Estado e o devedor, embora possa também ser utilizado para titular a entrada de fundos de terceiros na tesouraria do Estado."
(nota 23) O artigo 11.º decalca, com diferenças de redacção, quase textualmente o artigo 9.º do Decreto-Lei 275-A/93, que originalmente esboçava a configuração jurídica do documento único de cobrança.
(nota 24) Retenha-se para memória futura apenas o requisito da emissão à ordem da Direcção-Geral, que já vinha do homólogo artigo 14.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 275-A/93, de 9 de Agosto. Quanto ao cruzamento, suas modalidades e reflexos o pagamento do cheque, aspectos para nós aqui sem interesse, é de momento pertinente a remissão para os artigos 37.º e 38.º da Lei Uniforme.
(nota 25) Conquanto na consulta se aluda apenas ao crime de emissão de cheque sem provisão, anote-se que a alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º transpôs já muito ao pé da letra o texto daquelas outras incriminações tipificadas na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro (cf., supra, n.º II, n.º 1.1), que ampliou as incriminações originais de 1991. Em todo o caso, o n.º 2 do correspondente artigo 18.º do Decreto-Lei 275-A/93 apenas aludia, na alínea b), à impossibilidade de cobrança da receita no caso de recusa do pagamento do cheque por falta ou insuficiência de provisão.
(nota 26) Isto era assim originalmente, antes das alterações introduzidas nesse diploma pelo Decreto-Lei 172-A/90, de 31 de Maio, que a respectiva nota preambular justifica nos termos seguintes: "o Decreto-Lei 492/88, de 30 de Dezembro, regulamenta a cobrança e as formas de reembolso do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas. Decorrido mais de um ano sobre a sua entrada em vigor, a experiência recomenda que se efectuem pequenos ajustamentos relacionados com a simplificação do respectivo regime e se adapte a sua redacção à cobrança da contribuição autárquica, que, pelas suas especificidades, nomeadamente por se tratar de um imposto municipal a arrecadar pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, justifica tratamento ligeiramente diferenciado, quer no âmbito da cobrança propriamente dita quer no âmbito das transferências de fundos." O Decreto-Lei 492/88 passou assim a compreender explicitamente a cobrança da contribuição autárquica, justificando-se algumas das alterações nele operadas pelas especificidades da cobrança deste imposto municipal, de que tenderemos a abstrair.
(nota 27) A redacção original do n.º 5 do artigo 10.º, correspondente ao n.º 6, era a seguinte: "6 - O director distrital de finanças a quem haja sido endossado cheque com falta de provisão deve participar a infracção ao tribunal territorialmente competente quando o pagamento não seja regularizado nos termos do presente artigo." Tendo presente a alusão actual aos serviços centrais da DGCI, não se esqueça que um destes serviços com funções de cobrança é precisamente o Departamento de Cobranças [artigos 9.º, n.º 1, alínea b), e 10.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 366/99; cf., supra, n.º 3.2].
(nota 28) O artigo 10.º é aplicável em certos termos, ex vi do n.º 1 do artigo 11.º - artigo a que foi dada nova redacção pelo artigo único do Decreto-Lei 172-A/90 -, à regularização de cheque "recebido em qualquer tesouraria da Fazenda Pública" "com preterição de requisitos essenciais, inobservância de condições legais ou outras que impeçam a cobrança e que originem a sua devolução por parte da instituição de crédito sem pagamento".
(nota 29) Tal como dispõe, permita-se a adução do caso paralelo, o artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei 229/95, de 11 de Setembro - relativo à cobrança e reembolso do IVA -, o qual, publicado na vigência do regime da tesouraria do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei 275-A/93, de 9 de Agosto (cf., supra, nota 24, veio já prever a emissão dos cheques para pagamento do imposto à ordem da Direcção-Geral do Tesouro.
(nota 30) Prescreve neste particular o artigo 13.º do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro: "É competente para conhecer do crime previsto neste diploma o tribunal de comarca onde se situa o estabelecimento da instituição de crédito em que o cheque foi inicialmente entregue para pagamento."
(nota 31) José Cândido de Pinho, Breve Ensaio sobre a Competência Hierárquica, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2000, pp. 65 e segs., citando a doutrina espanhola referenciada na nota subsequente, e ampla informação sobre o tema.
(nota 32) Francisco Gonzalez Navarro, Derecho Administrativo Español, 2.ª edição actualizada e ampliada, EUNSA, Ediciones Universidad de Navarra, S. A., Pamplona, 1994, p. 324; Rafael Entrena Cuesta, Curso de Derecho Administrativo, I. 2, Organizacion Administrativa, 9.ª edição, Tecnos, Madrid, 1988, p. 81; Jesus Gonzalez Perez/Francisco Gonzalez Navarro, Comentarios a la Ley de Regimen Juridico de las Administraciones Publicas y Procedimiento Administrativo Comum (Ley 30/1992, de 26 de Noviembre), 2.ª edição, Civitas, Madrid, 1999, pp. 661 e segs., analisando e tipificando variados exemplos no "mundo proteico das competências concorrentes".
(nota 33) A temática não deixa de aflorar no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Abril de 1973 - apud Cândido de Pinho, op. cit., p. 135 -, apêndice ao Diário do Governo de 30 de Setembro de 1974, pp. 105 e segs., o qual, ponderando a competência, em regra, do autor do acto anulado para a execução do acórdão anulatório, firmou doutrina no sentido de haver casos "em que essa competência pode pertencer também, em parte, a outra entidade, v. g., quando, para se obter a reintegração efectiva da ordem jurídica violada, seja necessário praticar mais de um acto ou operação e que o poder legal de as praticar se encontre por lei atribuído a autoridades diferentes".
Este parecer foi votado na sessão do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República de 18 de Dezembro de 2002.
José Adriano Machado Souto de Moura - Eduado de Melo Lucas Coelho (relator) - António Silva Henriques Gaspar - Alberto Esteves Remédio - Carlos Alberto Fernandes Cadilha - João Manuel da Silva Miguel - Mário António Mendes Serrano - Maria Fernanda dos Santos Maçãs - Nelson Rui Gomes Carmo Rocha.
(Este parecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 20 de Janeiro de 2003.)
17 de Fevereiro de 2003. - O Secretário, Jorge Albino Alves Costa.