Completa-se agora o programa proposto, estabelecendo a assistência na doença aos servidores civis do Estado, que o presente diploma define e regula.
Pode dizer-se que a previdência social, e com ela o seguro-doença, introduzidos pelo Estatuto do Trabalho Nacional e cujos princípios tiveram a sua primeira estruturação na Lei 1884, de 16 de Março de 1935, deixaram em atraso o próprio Estado, pelo que respeita à situação dos seus servidores nas eventualidades da doença. Com efeito, os trabalhadores das empresas privadas passaram a usufruir um esquema de benefícios muito mais amplo do que o concedido àqueles que constituem o vasto número dos servidores do Estado; além de que, desde a publicação da lei citada, se criaram múltiplas organizações de assistência e se estimularam as entidades patronais, e os grupos profissionais ou de interesses comuns, à acção social protectora dos trabalhadores e das suas famílias.
Publicado o Decreto-Lei 42046, de 23 de Dezembro de 1958, que reajustou as condições de remuneração dos servidores do Estado, vai agora o Governo alargar a protecção aos funcionários, fazendo-os participar num esquema de assistência em todas as formas de doença.
É certo que já hoje é possível deparar com uma assistência de tal tipo, praticada ao abrigo das disposições especiais de um ou outro serviço autónomo. Mas, fora desses casos de excepção, a assistência aos servidores civis do Estado tem sido assegurada apenas em razão da tuberculose e dos desastres ocorridos em serviço.
Pelo presente decreto-lei estabelece-se uma protecção na doença, segundo esquema capaz de abranger, com a maior latitude, as modalidades de assistência médica e cirúrgica, materno-infantil, de enfermagem e medicamentosa, em realização gradual por todo o País, a fim de abranger a totalidade dos servidores. Além disso, prevê-se que tais benefícios possam vir a estender-se aos agregados familiares, e que se institua ainda uma acção social em ordem a completar o esquema agora introduzido, no que se refere à correcção dos problemas surgidos ou interferidos pela doença.
O Governo julga, assim, dar satisfação, em medida adequada, às necessidades assistenciais dos servidores civis do Estado, do mesmo passo que soluciona um problema por largo tempo situado na primeira linha das suas preocupações.
Desnecessário parece acentuar que é num período de luta pela sobrevivência nacional, com todas as consequentes tensões financeiras, que o Governo encara e procura resolver o problema da assistência na doença dos servidores civis do Estado.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É criada a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (A. D. S.
E.), destinada a promover gradualmente a prestação de assistência em todas as formas de doença aos serventuários dos serviços civis do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira, salvo se a sua legislação própria permitir a existência de obras sociais susceptíveis de abranger aquela assistência.
Art. 2.º A A. D. S. E. será um serviço administrativamente autónomo, funcionando transitòriamente no Ministério das Finanças, na dependência directa do respectivo Ministro.
Art. 3.º À A. D. S. E. compete:
a) Organizar, orientar e fiscalizar a prestação da assistência referida no artigo 1.º, sem prejuízo do estabelecido no Decreto-Lei 40365, de 29 de Outubro de 1955, para os funcionários civis tuberculosos;
b) Elaborar e submeter a aprovação ministerial programas de actuação segundo as condições do meio em que os servidores exerçam a sua actividade, e executá-los, uma vez aprovados;
c) Propor as providências que julgar convenientes para a coordenação dos meios que lhe sejam atribuídos, em ordem à prossecução dos seus fins;
d) Celebrar os acordos necessários à obtenção regular e pronta das prestações de serviço que interessem ao desempenho da sua missão;
e) Tomar as providências indispensáveis à verificação do rigoroso cumprimento dos acordos mencionados na alínea anterior;
f) Submeter a aprovação ministerial os planos de vacinação dos servidores, ou os de outras actividades profilácticas, que sejam havidos por convenientes.
Art. 4.º A assistência facultada ao abrigo deste decreto-lei poderá abranger as modalidades de assistência médica e cirúrgica, materno-infantil, de enfermagem e medicamentosa.
§ 1.º A assistência médica e cirúrgica terá, em princípio, a amplitude seguinte:
a) Consultas e visitas domiciliárias, de clínica geral e especialidades;
b) Meios auxiliares de diagnóstico;
c) Meios de terapêutica;
d) Internamentos;
e) Intervenções cirúrgicas.
§ 2.º O alargamento do esquema enunciado no parágrafo anterior a quaisquer outros benefícios, ainda que de idêntica natureza, assim como a sua extensão, no todo ou em parte, ao agregado familiar dos servidores do Estado, dependerá de autorização do Ministro das Finanças.
Art. 5.º A prestação da assistência médica e cirúrgica, nos termos deste diploma, pode ser feita por qualquer médico de clínica geral ou especialista, mediante o cumprimento das formalidades a estabelecer em regulamento.
Art. 6.º A assistência materno-infantil será assegurada, de preferência, mediante acordos a realizar com estabelecimentos e serviços adequados, oficiais ou particulares, que prestem assistência não só no parto, como na gravidez e no puerpério, esta última extensiva ao recém-nascido.
Art. 7.º A A. D. S. E. poderá proporcionar aos servidores do Estado enfermagem em regime ambulatório e domiciliário, para o que celebrará acordos com serviços desta natureza, oficiais ou particulares.
Art. 8.º Os servidores civis do Estado poderão escolher livremente, de entre médicos de clínica geral, o seu médico assistente, com a única restrição derivada do limite máximo estabelecido no § 1.º do artigo 15.º § 1.º A escolha será válida por períodos nunca inferiores a um ano, salvo em casos excepcionais como tais reconhecidos pela A. D. S. E., à qual compete ainda autorizar as alterações no final desses períodos, quando justificadas.
§ 2.º Em casos de urgência ou de impedimento do seu médico assistente, pode o servidor recorrer a outro médico, nas condições que forem regulamentadas, ou às equipas de serviço permanente que sejam criadas nos grandes centros, ou ainda aos serviços de idêntica natureza, oficiais ou particulares, com os quais a A. D. S. E. tenha estabelecido acordos para esse efeito.
Art. 9.º O recurso a especialistas e a obtenção de meios auxiliares de diagnóstico e de meios de terapêutica serão condicionados a indicação dos médicos assistentes, cumpridas as formalidades estabelecidas pela A. D. S. E., sem prejuízo da possibilidade de escolha dos servidores.
Art. 10.º Aos servidores civis do Estado é facultado o internamento em estabelecimento adequado, a indicar pela A. D. S. E. de entre os hospitais oficiais, os das Misericórdias e outros estabelecimentos particulares, com os quais tenham sido celebrados acordos para o efeito.
§ 1.º O internamento poderá resultar de indicação do médico assistente ou de especialista, ou ainda de urgência verificada nos serviços próprios dos estabelecimentos a que o corpo deste artigo se refere.
§ 2.º A A. D. S. E. poderá autorizar o internamento em estabelecimento oficial ou particular diferente dos mencionados neste artigo, mas em tal caso pertencerá inteiramente ao servidor a responsabilidade pelas respectivas despesas, embora a A.
D. S. E. comparticipe nelas, nos termos do § 2.º do artigo 12.º Art. 11.º Para as intervenções cirúrgicas a que hajam de ser submetidos, os servidores poderão escolher livremente o cirurgião, entre os que tenham celebrado acordo com a A. D. S. E., ou entre os dos estabelecimentos onde se der o internamento, quando os regulamentos privativos destes assim o exijam.
§ único. É permitida aos servidores a escolha de cirurgião diferente dos designados no corpo deste artigo, ficando, porém, a seu cargo o pagamento da diferença entre os valores da tabela aprovada e o custo efectivo da intervenção havida e regulando-se a comparticipação da A. D. S. E. pelo disposto no § 2.º do artigo seguinte.
Art. 12.º Os servidores do Estado suportarão parte do custo dos serviços de assistência que solicitem, quer se trate de prestações unitárias, quer de períodos globais de tratamento.
§ 1.º As comparticipações a cargo dos servidores constarão de regulamento e serão determinadas em função dos vencimentos, para o efeito agrupáveis por escalões, sem embargo de poder ser também considerada a composição dos respectivos agregados familiares.
§ 2.º Nos casos previstos no § 2.º do artigo 10.º e no § único do artigo anterior, a comparticipação da A. D. S. E. no custo dos serviços será inferior à que lhe caberia se os servidores utilizassem as soluções referidas no corpo de cada um daqueles artigos.
Art. 13.º O custo dos medicamentos prescritos pelos médicos será comparticipado pela A. D. S. E., sendo fixadas em regulamento as normas do fornecimento e os valores da comparticipação.
§ 1.º A comparticipação a que alude este artigo será igual para todos os produtos nacionais e para os estrangeiros, a menos que estes tenham similar na indústria nacional, caso em que a comparticipação será inferior.
§ 2.º Serão gratuitas para os servidores as vacinações e outras actividades de carácter profiláctico cujas campanhas tenham sido aprovadas superiormente.
Art. 14.º As comparticipações dos servidores, nos termos dos artigos precedentes, serão descontadas nos vencimentos, podendo os respectivos pagamentos ser fraccionados, consoante o seu montante e as condições económicas dos mesmos servidores.
Art. 15.º Os médicos assistentes serão remunerados pela A. D. S. E. com gratificações mensais, variáveis segundo o número de servidores a seu cargo, e complementos correspondentes às prestações unitárias de serviço.
§ 1.º A A. D. S. E. fixará o número mínimo de servidores a cargo de cada médico, e, bem assim, o número máximo que a estes será permitido assistir.
§ 2.º A fixação das gratificações e respectivos complementos, bem como dos limites máximo e mínimo de doentes, a que este artigo se refere, será feita com prévia audiência da Ordem dos Médicos.
Art. 16.º Os especialistas serão pagos segundo tabela oficialmente aprovada, ouvida a Ordem dos Médicos.
Art. 17.º Constituem receitas da A. D. S. E. as dotações anualmente atribuídas no Orçamento Geral do Estado, e bem assim as comparticipações dos servidores no custeio da assistência prestada, além de quaisquer outras cuja cobrança venha a ser-lhe autorizada.
Art. 18.º A organização e o funcionamento da A. D. S. E. serão estabelecidos em regulamento a aprovar pelos Ministros das Finanças e da Saúde e Assistência, aos quais compete ainda aprovar os quadros e remunerações do pessoal e as tabelas dos pagamentos a efectuar pelos servidores.
Art. 19.º A A. D. S. E. organizará um corpo de inspecção, ao qual competirá, sem prejuízo dos princípios deontológicos, exercer a mais ampla fiscalização do funcionamento do sistema estabelecido neste decreto-lei.
Art. 20.º Os médicos que assistam os servidores do Estado ao abrigo do presente diploma poderão passar os atestados de que estes necessitem para justificação das faltas dadas no serviço de que dependem.
Art. 21.º São mantidos todos os benefícios já concedidos aos servidores civis do Estado e dos organismos autónomos, ao abrigo da legislação em vigor.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 27 de Abril de 1963. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - António Augusto Peixoto Correia - Inocêncio Galvão Teles - Luís Maria Teixeira Pinto - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Pedro Mário Soares Martinez.
Para ser presente à Assembleia Nacional.