de 2 de Abril
A presença dos não residentes no mercado da dívida pública portuguesa tem sido diminuta. No passado recente, a conjunção da existência de um diferencial de taxas de juro positivo e de estabilidade cambial pôde servir como atractivo a estes investidores. Contudo, o progresso realizado na convergência nominal veio implicar que aquela vantagem se fosse atenuando. Havia, pois, que encontrar fórmulas alternativas à atracção do investimento de não residentes no mercado da dívida pública.No quadro comunitário, assiste-se à adopção de medidas unilaterais visando a não tributação dos rendimentos de dívida pública detida por entidades não residentes nos países emitentes e essa era uma via adequada ao objectivo prosseguido, havendo apenas que salvaguardar a não concessão de benefícios fiscais a entidades residentes em países, territórios ou regiões cujo regime de tributação fosse claramente mais favorável do que o regime vigente em território português e, ao mesmo tempo, prevenir condutas dos agentes económicos internos propiciadoras de práticas susceptíveis de falsearem, ou ameaçarem falsear, a concorrência.
Abre-se, pois, a possibilidade de, mediante a consagração de regras próprias para um sistema de liquidação de operações de valores representativos de dívida pública transaccionável, beneficiarem de isenção de IRS ou de IRC os juros auferidos pelos seus detentores que sejam não residentes em território português e aqui não possuam estabelecimento estável ao qual os rendimentos sejam imputáveis. Esta medida, integrada nos objectivos de recuperação económica, contribuirá, segundo se espera, para a moderação financeira e para facilitar o financiamento das empresas portuguesas no mercado de capitais.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 27.° da Lei n.° 75/93, de 20 de Dezembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.°
Âmbito da isenção
1 - São isentos de IRS ou IRC os rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida pública qualificáveis como rendimentos de capitais, obtidos por entidades que em território português não tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável ao qual os rendimentos possam ser imputáveis.2 - A isenção a que se refere o número anterior abrange os rendimentos obtidos na transmissão dos valores mobiliários representativos de dívida pública, bem como os devidos no momento do vencimento do cupão.
3 - O Ministro das Finanças definirá, por portaria, os valores do Tesouro susceptíveis de beneficiarem da isenção consagrada neste artigo.
Artigo 2.°
Constituição e extinção do direito à isenção
1 - O direito à isenção consagrada no artigo anterior constitui-se com a entrada dos valores mobiliários representativos de dívida pública no sistema de liquidação de operações a que se refere o artigo 4.°, o respectivo registo nas contas das instituições depositárias e o cumprimento, por estas, do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, bem como com a sua transferência, na instituição depositária, de uma conta de entidades sujeitas a retenção na fonte para uma conta de entidades não sujeitas a retenção na fonte, sem prejuízo da liquidação do imposto que se mostre devido.
2 - O direito à isenção consagrada no artigo anterior extingue-se com a transferência dos valores mobiliários representativos de dívida pública de uma conta de entidades não sujeitas a retenção na fonte para uma conta de entidades sujeitas a retenção na fonte, sem prejuízo da manutenção dos direitos adquiridos até à data da transferência dos mesmos valores.
Artigo 3.°
Beneficiários da isenção
1 - Podem beneficiar da isenção a que se refere o artigo 1.° todas as entidades que em território português não tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável ao qual os rendimentos possam ser imputáveis, excepto as que forem residentes em países, territórios ou regiões cujo regime de tributação se mostre claramente mais favorável do que o correspondente à tributação daqueles em território português.2 - Os países, territórios ou regiões a que se refere o número anterior serão definidos por portaria do Ministro das Finanças.
Artigo 4.°
Sistema de liquidação de operações
1 - O sistema de liquidação de operações é constituído:a) Pela Junta do Crédito Público, enquanto entidade gestora de dívida pública portuguesa;
b) Pela Central de Valores Mobiliários, enquanto entidade que efectua a liquidação física das operações;
c) Pelo Banco de Portugal, enquanto entidade que efectua a liquidação financeira das operações;
d) Pelas instituições depositárias filiadas na Central de Valores Mobiliários;
2 - As instituições depositárias, para efeitos de liquidação de operações, deterão junto da Central de Valores Mobiliários as seguintes contas qualificadas em conformidade com o regime fiscal dos titulares dos valores mobiliários representativos de dívida pública integrados no sistema:
a) A conta de entidades não sujeitas a retenção na fonte a título de IRS ou de IRC, que incluirá:
i) Os sujeitos passivos isentos de IRS ou de IRC, residentes em território português;
ii) Os sujeitos passivos de IRC que nos termos legais estejam dispensados de retenção na fonte, residentes em território português;
iii) Os sujeitos passivos de IRS ou de IRC, não residentes em território português e que neste não disponham de estabelecimento estável ao qual os rendimentos sejam imputáveis, cujos rendimentos beneficiem da isenção a que se refere artigo 1.° do presente diploma;
b) A conta de entidades sujeitas a retenção na fonte a título de IRS ou de IRC, que incluirá:
i) Os sujeitos passivos de IRS ou de IRC não isentos nem dispensados de retenção, residentes em território português;
ii) Os sujeitos passivos de IRS ou de IRC que, embora não residentes em território português, neste possuam estabelecimento estável ao qual os rendimentos sejam imputáveis;
iii) Os sujeitos passivos de IRS ou de IRC, não residentes em território português, cujos rendimentos não beneficiem da isenção a que se refere o artigo 1.° do presente diploma.
Artigo 5.°
Centrais de liquidação internacionais
1 - As centrais de liquidação internacionais, para operarem no sistema, obrigam-se a dispor de contas em instituições depositárias filiadas na Central de Valores Mobiliários.
2 - As contas referidas no número anterior devem ser autónomas relativamente a outras contas sob gestão das respectivas instituições depositárias.
3 - As centrais de liquidação internacionais, para operarem no sistema, obrigam-se a fornecer, a solicitação da entidade gestora de dívida pública portuguesa, informação sobre a identificação fiscal dos investidores que operem por seu intermédio, sobre a natureza e sobre o montante das operações praticadas.
Artigo 6.°
Regra de liquidação
As operações praticadas no sistema serão liquidadas mediante a aplicação da taxa de juro nominal bruta, determinando retenção ou reembolso de imposto sempre que aquelas envolvam entidades sujeitas a retenção a título de IRS ou de IRC, mesmo que a retenção deva ser efectuada por taxa liberatória.
Artigo 7.°
Procedimentos de retenção e reembolso
1 - Na liquidação de uma operação de transmissão de valores mobiliários representativos de dívida pública observar-se-á o seguinte:
a) A entidade transmitente, se estiver sujeita a retenção na fonte, pagará o imposto correspondente aos juros contáveis nos termos legais;
b) A entidade transmissária, se estiver sujeita a retenção na fonte, será reembolsada do imposto correspondente aos juros contáveis nos termos legais;
2 - Aplica-se o disposto no número anterior quando, na mesma instituição depositária, os valores mobiliários representativos de dívida pública forem transferidos de ou para uma conta de entidades não sujeitas a retenção na fonte, destinados ou provenientes de uma conta de entidades sujeitas a retenção na fonte, bem como na sua transferência entre instituições depositárias, ainda que, em ambos os casos, as correspondentes operações não modifiquem a titularidade do direito de propriedade.
3 - O imposto pago nos termos da alínea a) do n.° 1 tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, excepto se a entidade transmitente estiver sujeita a tributação liberatória, caso em que o imposto pago tem natureza definitiva e não pode ser exercida a opção pelo englobamento prevista no n.° 6 do artigo 74.° do Código do IRS.
4 - O imposto reembolsado nos termos da alínea b) do n.° 1 tem a natureza de crédito do Estado, devendo como tal ser evidenciado na conta de retenções efectivas, excepto se a entidade transmissária estiver sujeita a tributação liberatória, não ficando neste caso prejudicada a opção pelo englobamento permitida pelo n.° 6 do artigo 74.° do Código do IRS, a qual no entanto deve ser exercida conjuntamente com a dos rendimentos previstos na sua alínea a) e pela totalidade dos juros auferidos no vencimento do cupão, tendo a natureza de pagamento por conta o imposto que naquele tiver sido retido.
5 - Se, por força do disposto na primeira parte do número anterior, a conta de retenções efectivas apresentar, no último dia do exercício, saldo credor, será o mesmo entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte.
Artigo 8.°
Contratos de mútuo e de reporte
1 - As transmissões de valores mobiliários representativos de dívida pública, mesmo que efectuadas ao abrigo de contrato de reporte ou de contrato de mútuo, determinam a aplicação dos procedimentos previstos no artigo anterior, desde que verificados os respectivos pressupostos.2 - Os rendimentos obtidos em resultado de contratos de reporte ou de mútuo são qualificados como rendimentos de capitais e têm o mesmo regime fiscal que os rendimentos dos valores que constituírem o seu objecto.
Artigo 9.°
Contabilização das retenções e reembolsos
1 - As retenções praticadas nos termos dos artigos anteriores são creditadas na conta da Junta do Crédito Público junto do Banco de Portugal, por contrapartida do débito nas contas das instituições depositárias junto do Banco de Portugal, de acordo com as instruções da Central de Valores Mobiliários.
2 - Os reembolsos efectuados nos termos dos artigos anteriores são debitados na conta da Junta do Crédito Público junto do Banco de Portugal, por contrapartida do crédito nas contas das instituições depositárias junto do Banco de Portugal, de acordo com as instruções da Central de Valores Mobiliários.
3 - A Junta do Crédito Público, com base nos elementos fornecidos pela Central de Valores Mobiliários, confere diariamente todos os lançamentos efectuados na conta referida nos números anteriores, procedendo-se de imediato às rectificações que se mostrem devidas por contrapartida das contas das instituições depositárias.
Artigo 10.°
Instituições depositárias
1 - As instituições depositárias ficam obrigadas a manter identificadas as contas dos investidores em conformidade com o seu regime fiscal, devendo ainda possuir relativamente aos titulares não residentes:a) Quando forem bancos centrais, instituições de direito público ou organismos internacionais, bem como quando forem instituições financeiras, fundos de investimento mobiliário ou imobiliário, incluindo fundos de pensões, ou companhias de seguros, domiciliados em qualquer país da OCDE ou em país com o qual Portugal tenha celebrado convenção sobre dupla tributação internacional e estejam submetidos a um regime especial de supervisão ou de registo administrativo, a respectiva identificação fiscal;
b) Quando forem entidades não previstas na alínea anterior, certificado de residência em país estrangeiro, emitido pelas respectivas autoridades fiscais, válido por cada ano civil;
2 - As centrais de liquidação internacionais deverão poder comprovar, perante a entidade gestora de dívida pública portuguesa, a identificação fiscal das entidades que operem por seu intermédio, bem como a identificação fiscal dos titulares finais dos rendimentos provenientes das operações realizadas por seu intermédio, de conformidade com o disposto no número anterior.
Artigo 11.°
Entidades residentes
1 - As entidades residentes que sejam titulares de contas junto de instituições depositárias integradas no sistema de liquidação de operações, ainda que isentas ou dispensadas de retenção, devem manter uma conta que releve todas as operações naquele praticadas.2 - Relativamente à sua própria carteira de títulos, as instituições depositárias são consideradas, para efeitos do presente diploma, como investidores.
3 - Estão dispensados da obrigação prevista no n.° 1 os investidores residentes que sejam pessoas singulares e pratiquem as operações nele referidas fora do âmbito do exercício de uma actividade comercial ou industrial ou agrícola, silvícola ou pecuária.
Artigo 12.°
Substituição tributária
1 - As instituições depositárias são originariamente responsáveis pelo imposto retido ou que o deveria ter sido nas operações previstas no presente diploma que determinem a obrigatoriedade de retenção na fonte.2 - Os titulares dos rendimentos auferidos pela prática das operações previstas no presente diploma são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das importâncias que deviam ter sido deduzidas e entregues nos cofres do Estado, restringindo-se, contudo, a sua responsabilidade à diferença entre o imposto que tenha sido deduzido e o que devesse tê-lo sido.
Artigo 13.°
Obrigações acessórias
1 - A Central de Valores Mobiliários fornecerá mensalmente à Junta do Crédito Público informação, por instituição depositária, relativa às operações praticadas no mês anterior.2 - As instituições depositárias ficam obrigadas, com expressa derrogação de qualquer norma em contrário, a:
a) Cumprir o disposto no artigo 114.° do Código do IRS relativamente às operações realizadas por seu intermédio de que tenha resultado a obrigatoriedade de se proceder à retenção na fonte, bem como às que digam respeito a entidades dispensadas nos termos legais de retenção na fonte quando estas tenham sido transmitentes;
b) Entregar à administração fiscal, até ao fim do mês de Maio do ano seguinte àquele a que respeite, relação a aprovar por portaria do Ministro das Finanças, relativamente às operações praticadas por seu intermédio de que tenha resultado reembolso antecipado de imposto;
c) Fornecer à Junta do Crédito Público ou à administração fiscal todos os elementos que estas lhes solicitarem sobre as operações realizadas por seu intermédio;
d) Permitir à administração fiscal o acesso directo às contas previstas no artigo 4.°, sem dependência de quaisquer formalismos;
3 - A Junta do Crédito Público colaborará estreitamente com a administração fiscal na fiscalização do sistema de liquidação de operações estabelecido pelo presente decreto-lei.
Artigo 14.°
Obrigação de conservar documentos
1 - As instituições depositárias devem conservar cópia ou referências dos documentos comprovativos da identificação durante um período de cinco anos após o termo das suas relações com os respectivos investidores.2 - As referidas entidades devem ainda conservar, durante um período de 10 anos a contar da data de execução das operações, os originais, cópias ou microformas com idêntica força probatória dos documentos comprovativos e registos dessas operações.
3 - As obrigações previstas nos números anteriores são extensivas às centrais de liquidação internacionais.
Artigo 15.°
Disposições finais
1 - O imposto correspondente aos juros contáveis nos termos legais à data da entrada em vigor do sistema de liquidação de operações previsto no artigo 4.° e aos valores mobiliários representativos de dívida pública nele admitidos, detidos por entidades que não tenham residência, sede ou direcção efectiva em território português e que neste não possuam estabelecimento estável ao qual os rendimentos possam ser imputados, será relevado em conta a abrir para o efeito pela instituição depositária e o seu pagamento será efectuado, por retenção na fonte, pela entidade gestora de dívida pública portuguesa na data do vencimento do cupão respectivo.2 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente decreto-lei aplica-se o disposto nos Códigos do IRS e do IRC e no Decreto-Lei n.° 42/91, de 22 de Janeiro.
3 - As infracções ao disposto no presente decreto-lei serão subsumidas nos tipos previstos no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras e punidas em conformidade.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Fevereiro de 1994. - Aníbal António Cavaco Silva - Eduardo de Almeida Catroga.
Promulgado em 16 de Março de 1994.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 18 de Março de 1994.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva