Decreto-Lei 48784
Os terrenos do domínio público marítimo, fluvial e lacustre estão, fora do comércio, não podendo, portanto, ser objecto de actos e contratos de direito privado.
Daqui resulta que a alienação de quaisquer desses terrenos só pode ser feita depois da sua desafectação, a qual, porém, só deverá verificar-se quando aconselhada por fortes razões de interesse geral que devam prevalecer sobre os fins justificativos da integração dos mesmos terrenos no domínio público.
As desafectações de terrenas do domínio público marítimo têm sido operadas por leis ou decretos-leis de carácter especial restritos às parcelas que em cada caso se pretende desafectar.
São exemplos a Lei 1490, de 8 de Novembro de 1923, relativa à zona da povoação de S. Pedro de Muel e à zona envolvente de Vieira de Leiria, e o Decreto-Lei 40718, de 2 de Agosto de 1956, respeitante a uma parte da ilha de Ancão.
Mas esta forma de declarar a cessação da dominialidade é morosa e desnecessàriamente complicada, pelo que convém estabelecer um processo mais simples, à semelhança do que já foi estabelecido para outros bens do domínio público.
É o caso, por exemplo, do Decreto-Lei 39083, de 17 de Janeiro de 1953, sobre transferência e alienação de imóveis do domínio público afectos às administrações portuárias, e do artigo 168.º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei 2037, de 19 de Agosto de 1949, sobre a desafectação de troços de estradas nacionais que deixem de interessar para a circulação.
E a simplificação do processo de desafectação dos terrenos do domínio público marítimo interessa em vários aspectos, dos quais se podem apontar, como dos mais salientes, a valorização hidroagrícola das áreas de cultura onde se encontram terrenos de sapal (terrenos que podem ser defendidos contra as águas das marés, tornando-se assim aptos para a agricultura) e a ligação entre os planos de aproveitamento marginal e a urbanização de certas zonas da orla marítima, nomeadamente aquelas que estão ou podem ser defendidas por obras definitivas de regularização da costa.
Nos primeiros casos, o Estado facilitará o arroteamento de terrenos improdutivos, com evidente vantagem para a economia nacional; nos últimos, facilitará e impulsionará a elaboração e a execução dos planos de aproveitamento das margens e de urbanização local, facultando, designadamente, as infra-estruturas indispensáveis a zonas de grande interesse turístico, também com manifesto proveito para a economia nacional.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os terrenos do domínio público sob a administração da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos podem ser desafectados quando se considerem prevalentes, em relação ao uso público a que estão destinados, outros fins de interesse geral para que os terrenos sejam aptos e para cuja conveniente satisfação seja inadequado o regime de dominialidade.
Art. 2.º - 1. A desafectação será da iniciativa do Ministério das Obras Públicas e revestirá a forma de decreto referendado pelo respectivo Ministro e pelo Ministro das Finanças.
2. Tratando-se de terrenos situados no litoral ou nas faixas marginais dos rios, dentro das zonas de jurisdição dos departamentos marítimos e capitanias, a desafectação depende de parecer favorável da Comissão do Domínio Público Marítimo, homologado pelo Ministro da Marinha.
3. No decreto de desafectação deverão ser indicados os fins a que os terrenos ficam destinados e o condicionamento a que eventualmente a sua utilização fique sujeita.
Art. 3.º - 1. Os bens desafectados poderão, conforme as circunstâncias, ser arrendados, vendidos, trocados ou cedidos, gratuita ou onerosamente e a título definitivo ou precário, ou, ainda, transferidos para outros serviços do Estado.
2. A competência para a prática destes actos pertence à Direcção-Geral da Fazenda Pública, à qual a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos remeterá o processo de desafectação para efeitos de incorporação dos terrenos no património do Estado.
Art. 4.º - 1. Poderão ser vendidos com dispensa de hasta pública os lotes ocupados com construções devidamente licenciadas e os necessários para a construção de estabelecimentos hoteleiros ou de outras instalações de interesse colectivo.
2. Os terrenos encravados e destinados à exploração agrícola, florestal, pecuária ou salineira ou a outra forma de exploração com aproveitamento do solo poderão também ser vendidos, com dispensa de hasta pública, a proprietários de prédios confinantes.
3. O preço das vendas, com dispensa de hasta pública, será fixado pelo Ministro das Finanças.
Art. 5.º - 1. Reverterão ao domínio público os terrenos a que for dada utilização diferente da fixada no decreto de desafectação ou em relação aos quais não seja observado o condicionamento nele estabelecido.
2. A reversão importa a perda a favor do Estado das obras e benfeitorias realizadas nos terrenos e não confere direito a qualquer indemnização nem à restituição do preço por eles pago ou dos bens por eles permutados.
3. A reversão revestirá a forma de decreto fundamentado e referendado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - Mário Júlio Brito de Almeida Costa - João Augusto Dias Rosas - Manuel Pereira Crespo - Rui Alves da Silva Sanches.
Promulgado em 18 de Dezembro de 1968.
Publique-se.
Presidência da República, 21 de Dezembro de 1968. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.
Para ser presente à Assembleia Nacional.