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Parecer 98/98, de 18 de Janeiro

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Texto do documento

Parecer 98/98. - Magistrado judicial - Magistrado do Ministério Público - Colaboração na preparação de diplomas legislativos - Remuneração - Princípio da exclusividade - Incompatibilidade.

1.ª A expressão "qualquer outra função pública ou privada", constante do n.º 3 do artigo 216.º da Constituição da República, explicitada nas normas estatutárias pelas expressões "qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional" - artigo 13.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) - e "qualquer outra função pública ou privada de índole profissional" - artigo 81.º, n.º 1, da Lei 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público) -, tem o sentido de uma outra actividade típica, do Estado ou privada, com as características de estabilidade, habitualidade e propósito de dela auferir proventos ou remunerações inerentes ao exercício de uma profissão.

2.ª A colaboração prestada por magistrados judiciais e do Ministério Público nos trabalhos de preparação de diplomas legislativos - quer integrando comissões, quer prestando colaboração avulsa em matérias da sua especialidade - é compatível com o regime dos artigos 216.º da Constituição da República, 13.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 81.º do Estatuto do Ministério Público, por não constituir actividade própria de uma profissão, ser necessariamente temporária e tendencialmente esporádica ou ocasional.

3.ª As normas dos artigos 22.º e 23.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e dos artigos 95.º e 96.º do Estatuto do Ministério Público fixam exclusivamente as retribuições pelo exercício das funções próprias, estatutárias, dos juízes e dos magistrados do Ministério Público.

4.ª A colaboração de juízes e de magistrados do Ministério Público nos trabalhos de preparação de diplomas legislativos consubstancia uma actividade que não se contém no âmbito das funções próprias dos respectivos cargos, pelo que a respectiva remuneração não só não desrespeita as normas referidas na conclusão anterior como observa o princípio constitucional do direito à retribuição do trabalho.

Sr. Ministro da Justiça:

Excelência:

I

Por nota de 25 de Novembro de 1998, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça sugeriu a V. Ex.ª que fosse solicitado parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a questão da remuneração dos serviços prestados por magistrados judiciais e do Ministério Público nos trabalhos de preparação de diplomas legislativos, quer integrando comissões, quer prestando colaboração avulsa em matérias da sua especialidade.

Nessa nota, afirmando-se que se pretende retribuir os serviços prestados, e embora se invoque que a doutrina deste Conselho "aponta no sentido da licitude do pagamento de retribuição aos magistrados por actividades não duradouras, sem conotação profissional, que não correspondem ao exercício normal das suas funções (ver nota 1)", alude-se à "transparência da situação, tendo em conta a condição profissional dos destinatários das retribuições", para justificar a conveniência da audição deste Conselho.

Acolhendo a sugestão, dignou-se V. Ex.ª solicitar parecer, que cumpre, pois, emitir.

II

1 - A questão posta na consulta pressupõe, até por razões de precedência lógica, que se aborde, num primeiro momento, o tema da compatibilidade do exercício das funções de juiz e de magistrado do Ministério Público com a prestação de colaboração em trabalhos de preparação de diplomas legislativos.

1.1 - A Constituição dedica o capítulo III do título V, "Tribunais", ao estatuto dos juízes.

Sobre incompatibilidades dos juízes dispõe o artigo 216.º da Constituição (ver nota 2):

"Artigo 216.º

Garantias e incompatibilidades

1 - ...

2 - ...

3 - Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.

4 - Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior competente.

5 - A lei pode estabelecer outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz."

Na versão originária da Constituição, o artigo 222.º, com a epígrafe "Incompatibilidades", estatuía:

"1 - Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada remunerada.

2 - Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade judicial sem autorização do Conselho Superior da Magistratura."

Com a 1.ª revisão constitucional, operada pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, os n.os 1 e 2 do artigo 222.º passaram a constituir os n.os 3 e 4 do novo artigo 221.º, sendo substituídos por:

"3 - Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.

4 - Os juízes dos tribunais judiciais em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do Conselho Superior da Magistratura."

Na 2.ª revisão constitucional - Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho -, o artigo 221.º passou a artigo 218.º, sofrendo alteração apenas o seu n.º 4, substituído por:

"4 - Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior competente."

Com a 3.ª revisão constitucional - Lei Constitucional 1/92, de 25 de Novembro -, o artigo 218.º manteve-se inalterado.

O princípio da dedicação exclusiva, contido no n.º 3 do artigo 216.º, decorre do entendimento de que a função de juiz é uma actividade profissional que absorve a tempo inteiro o titular do cargo e prende-se, ainda, com a salvaguarda do princípio da independência dos juízes, enquanto elementos pessoais de órgãos de soberania independentes (ver nota 3).

"O sentido do princípio está não apenas em impedir que o juiz se disperse por outras actividades, pondo em risco a sua função de juiz, mas também em evitar que ele crie dependências profissionais ou financeiras que ponham em risco a sua independência." (ver nota 4)

A excepção das funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, admitida com a 1.ª revisão constitucional, terá resultado da ponderação do princípio da independência e de um critério pragmático, como decorre da reunião de 25 de Novembro de 1981 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC) (ver nota 5). Procurou encontrar-se uma solução que tivesse em conta, por um lado, a necessidade de garantir a independência dos juízes perante o poder político e perante o poder económico e, por outro lado, um critério pragmático, "que se traduz, para alguns tribunais, na dificuldade que haverá em encontrar ou em se recrutarem pessoas com as qualidades necessárias, se lhes forem proibidas certas actividades, nomeadamente o exercício de funções docentes, e, por outro lado, a dificuldade ou o empobrecimento que podemos ter nas próprias escolas de direito, se não for possível recorrer a algumas pessoas qualificadas, que podem estar a exercer funções em tribunais" (ver nota 6).

Embora no seio da CERC a maioria se inclinasse para admitir a excepção apenas em relação ao Tribunal Constitucional, ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Administrativo, a excepção das funções de ensino ou de investigação científica de natureza jurídica foi consagrada sem restrições, o que pressupõe que se justifica para todos os juízes independentemente dos tribunais em que estejam colocados.

E não são raros os casos de juízes que exercem funções docentes, com vantagens quer para o aperfeiçoamento da função judicial quer para o ensino do direito.

"A vocação docente conduz numerosos juízes ao mundo do ensino universitário. Sem dúvida alguma, a universidade enriquece-se com isso, pois se amplia, desse modo, o discurso jurídico que pode oferecer aos seus alunos, transmitindo-lhes conhecimentos eminentemente práticos." (ver nota 7)

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (ver nota 8), a "excepção das funções de ensino ou de investigação jurídicas explica-se porque: (a) não são incompatíveis com a função judicial, antes podem contribuir para o aperfeiçoamento desta; (b) com a condição da não remuneração, não criam dependências financeiras; (c) a garantia constitucional da liberdade de ensino (artigo 43.º) impede qualquer indevida dependência funcional (ver nota 9)".

Com a 4.ª revisão constitucional foi aditado um novo n.º 5 ao artigo 218.º - que passou a artigo 216.º -, estabelecendo a possibilidade de a lei poder determinar outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz. A Constituição da República permite, assim, que a lei ordinária possa estabelecer outras incompatibilidades com o cargo de juiz.

1.2 - O Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho (ver nota 10), contém uma norma sobre incompatibilidades dos juízes:

"Artigo 13.º

Incompatibilidades

1 - Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial.

2 - O exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica carece de autorização do Conselho Superior da Magistratura e não pode envolver prejuízo para o serviço.

3 - Os magistrados judiciais que executam funções no órgão executivo de associação sindical da magistratura judicial gozam dos direitos previstos na legislação sindical aplicável, podendo ainda beneficiar de redução na distribuição de serviço, mediante deliberação do Conselho Superior da Magistratura."

No artigo 13.º, n.º 1, afirma-se, assim, o princípio da dedicação exclusiva dos juízes em termos substancialmente idênticos aos contidos no estatuto constitucional dos juízes a partir da 1.ª revisão constitucional. Saliente-se, no entanto, que o artigo 13.º, n.º 1, contém uma precisão quanto à natureza das funções que os magistrados judiciais em exercício não podem desempenhar que não é expressa no texto constitucional. Na verdade, enquanto neste se afirma que "os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo [...]", naquele diz-se que "os magistrados judiciais [...] não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo [...]" (ver nota 11).

Esta precisão foi introduzida pela Lei 10/94, de 5 de Maio: na versão primitiva, o artigo 13.º, n.º 1, do EMJ, dispunha que "os magistrados judiciais em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial", reproduzindo o n.º 3 do artigo 221.º da Constituição (na redacção da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro) com o acréscimo da excepção das funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial (ver nota 12).

1.3 - Dedicando o capítulo III do título V, "Tribunais", ao estatuto dos juízes, a Constituição, no capítulo IV, com a epígrafe "Ministério Público", deixa o estatuto dos magistrados do Ministério Público em grande parte para a lei:

"Artigo 219.º

Funções e estatuto

2 - O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.

3 - ...

4 - ...

5 - ..."

A Constituição não contém norma idêntica à do artigo 216.º, n.º 3, para os magistrados do Ministério Público, remetendo, pois, a matéria das incompatibilidades para a lei ordinária, em conformidade, aliás, com os n.os 4 e 5 do seu artigo 269.º, onde se estatui que "não é permitida a acumulação de empregos (ver nota 13) ou cargos públicos (ver nota 14) (ver nota 15), salvo nos casos expressamente admitidos por lei" - n.º 4 - e que "a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades" - n.º 5 (ver nota 16).

Não havendo na Constituição norma especial sobre incompatibilidades dos magistrados do Ministério Público, "afigura-se dever valer para os agentes do MP também a incompatibilidade com outras funções (exclusividade), que está prevista para as magistraturas judiciais" (ver nota 17).

A Lei 47/86, de 15 de Outubro (ver nota 18) - Estatuto do Ministério Público (EMP) -, veio fixar as incompatibilidades com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público, dispondo actualmente (ver nota 19) o artigo 81.º:

"Artigo 81.º

Incompatibilidades

1 - É incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público o exercício de qualquer outra função pública ou privada de índole profissional, salvo funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica ou funções directivas em organizações representativas da magistratura do Ministério Público.

2 - O exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica pode ser autorizado, desde que não remunerado e sem prejuízo para o serviço.

3 - São consideradas funções do Ministério Público as de magistrado vogal a tempo inteiro do Conselho Superior do Ministério Público, de magistrado membro do gabinete do Procurador-Geral da República, de direcção ou docência no Centro de Estudos Judiciários e de responsável, no âmbito do Ministério da Justiça, pela preparação e revisão de diplomas legais."

O Estatuto do Ministério Público define, no artigo 81.º, incompatibilidades idênticas às estabelecidas para os juízes, no artigo 13.º da Lei 21/85, em conformidade com o artigo 216.º, n.º 3, da Constituição. Essa definição passou por uma evolução legislativa paralela à sofrida pelo artigo 13.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Na primitiva redacção do actual EMP, então chamado "Lei Orgânica do Ministério Público", dispunha o artigo 60.º, com a epígrafe "Incompatibilidades", no n.º 1, que "é incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público o exercício de qualquer outra função pública ou privada, salvo funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica ou funções directivas em organizações sindicais da magistratura do Ministério Público" e, no n.º 2, que "o exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica pode ser autorizado, desde que não remunerado e sem prejuízo para o serviço".

Não continha, pois, qualquer caracterização da natureza ou índole das funções cujo exercício era incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público, a qual só surgiu com a Lei 10/94, de 5 de Maio, cujo artigo 3.º determinou a aplicação aos magistrados do Ministério Público, além de outros, do artigo 13.º da Lei 21/85.

O regime de incompatibilidades dos magistrados do Ministério Público, previsto no respectivo Estatuto, no período anterior à Lei 10/94, reproduzia o definido para os juízes no artigo 221.º, n.º 3, da Constituição (na redacção da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro), com o acréscimo da excepção das funções directivas em organizações sindicais da magistratura do Ministério Público (ver nota 20).

1.4 - Este corpo consultivo já teve ocasião de se pronunciar sobre o sentido do conceito contido na expressão "qualquer outra função pública ou privada" que consta do artigo 216.º, n.º 3, da Constituição, mas que vem do artigo 222.º da versão originária e foi retomada nas normas sobre incompatibilidades dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público.

1.4.1 - No parecer 90/76, de 9 de Agosto de 1976 (ver nota 21) escreveu-se (ver nota 22):

"Até aqui não nos preocupámos com a disposição do n.º 1 do artigo 222.º da Constituição. Efectivamente, o que a norma proíbe ao juiz em exercício é o desempenho de qualquer outra função pública, no sentido rigoroso do preenchimento de uma forma típica da actividade do próprio Estado ou de pessoas colectivas que com ele cooperam na satisfação das necessidades colectivas, diferente da função judicial. De resto, é curioso salientar que enquanto a regra do n.º 2 do mesmo artigo foi objecto de discussão na Assembleia Constituinte, a do n.º 1 não foi discutida; e daquela discussão percebe-se que os Deputados tinham presente a ideia que distingue uma 'qualquer outra actividade' do exercício de 'qualquer outra função pública', reservando esta segunda locução para os casos em que o juiz é distraído, por tempo inteiro, do exercício específico das suas funções e a primeira para as hipóteses de 'necessidade de os juízes poderem dar o seu contributo, por ser um contributo sério e, sem dúvida de homens competentes, a outros sectores da nossa administração' (ver nota x).

Retomando um exemplo já atrás aproximado, pode afirmar-se que o legislar é uma função do Estado; mas, num país onde não existe um órgão individualizado, encarregado da elaboração dos diplomas legais, adiantar um projecto de decreto não é exercitar uma função pública. E, para o caso concreto, ponderamos que a designação de dois juízes em exercício para membros da Comissão para a Reintegração dos Servidores do Estado constitui precisamente aquele caso de uma 'qualquer outra actividade', ou seja, um contributo sério para o desempenho da missão confiada, a certo termo de prazo, e transitoriamente, à referida Comissão."

Em conformidade, concluiu-se:

"2.º A circunstância de esses magistrados se incumbirem de desempenhar as actividades para que foram designados - e pelas quais recebem uma gratificação - cumulativamente com o exercício das suas funções judiciais não viola qualquer disposição legal, nomeadamente os artigos 222.º da Constituição da República Portuguesa e 132.º do Estatuto Judiciário.

3.º Efectivamente, além de não ser uma comissão de serviço, o desempenho das actividades de membro da Comissão não preenche o conceito de 'qualquer outra função pública', no sentido que a este é dado no n.º 1 do aludido artigo 222.º da Constituição."

1.4.2 - No parecer 4/88, de 24 de Março de 1988 (ver nota 23), apoiado no parecer 90/76, escreveu-se:

"A actual norma - o citado n.º 3 do artigo 221.º da Constituição resultante da revisão constitucional de 1982 - admite que os 'juízes em exercício' possam desempenhar outras 'funções públicas' - aliás, apenas 'funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica' -, logo, em acumulação e, como se viu, não remuneradas.

Considera-se, no entanto, de manter o entendimento (do referido parecer) (ver nota 24) de que, no apontado preceito fundamental, o exercício de 'outra função pública' corresponde ao desempenho de uma (outra) actividade 'típica' do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, portanto, uma actividade permanente, estável, por corresponder (-) a uma tarefa especializada da Administração, da 'função pública'.

Por outras palavras: a expressão 'qualquer outra função pública' tem uma conotação profissional, corresponde a uma função própria de uma profissão, que, em princípio, é exercida a tempo inteiro, mas poderá também sê-lo em acumulação.

É, aliás, o caso das referidas 'funções docentes' - que aquela norma fundamental e os citados Estatuto dos Magistrados Judiciais de 1985 e Lei Orgânica do Ministério Público de 1986 qualificam de 'outra função pública' -, que os magistrados podem (excepcionalmente) exercer, em acumulação, portanto, a tempo parcial e, obrigatoriamente, sem remuneração.

Ora o serviço aqui em causa - intervenção de magistrado do Ministério Público em assembleias de apuramento eleitoral - não tem as apontadas características.

Não se trata de uma actividade duradoura, estável.

Não se trata de funções típicas (próprias) de uma profissão.

Trata-se, apenas, de um serviço ocasional, de curta duração, sem conotação profissional" (ver nota 25).

1.4.3 - E escreveu-se no parecer 56/92, de 27 de Novembro de 1992 (ver nota 26), que retomou a doutrina dos pareceres que anteriormente referimos:

"Ressalta de todo o exposto estar em causa a regra da dedicação exclusiva, regra que pressupõe ser o cargo de magistrados, em princípio, uma actividade profissional a tempo inteiro.

O diploma fundamental, no n.º 3 do artigo 218.º, abre excepções relativamente aos juízes que poderão exercer - cumulativamente - 'funções docentes' ou de 'investigação científica' de 'natureza jurídica'.

Embora o exercício dessas 'funções' conduza - ou possa conduzir - a uma certa (e inconveniente) dispersão, é fácil encontrar uma explicação (e vantagem) para essas excepções: não sendo incompatíveis com a função judicial, podem contribuir para o aperfeiçoamento desta função.

A Lei Orgânica do Ministério Público, no silêncio do diploma fundamental, estatuiu a mesma proibição e as mesmas excepções relativamente aos magistrados do Ministério Público.

Mas uma coisa é a regra da dedicação exclusiva atrás referida, que, como se viu, implica o exercício de uma actividade profissional tendencialmente a tempo inteiro, e outra é o exercício esporádico de actividades que, não tendo a ver directamente com as 'funções' próprias, principais dos magistrados, lhes estão, pela sua natureza, particularmente ligadas, a ponto de se poder dizer que aqueles, mais do que quaisquer outros profissionais, estão vocacionados para o seu desempenho (em acumulação), daí advindo vantagens de diversa natureza.

Efectivamente, há actividades relativamente às quais os magistrados estão particularmente habilitados para o seu desempenho, como sejam as apreciadas no citado parecer 90/76 e no presente (ver nota 27).

Seria desvantajoso não aproveitar as particulares habilitações dos magistrados desde que o exercício dessas actividades - pela sua natureza e duração - não ponha em causa a independência dos magistrados e o regular exercício da função estatutária.

Como o exercício dessas actividades depende sempre de autorização hierárquica, caberá às instâncias superiores evitar situações (de acumulação) de que possa resultar quebra de independência e prejuízo para o cabal desempenho da função estatutária.

Este entendimento respeita as normas do n.º 3 do (actual) artigo 218.º e dos n.os 4 e 5 do artigo 269.º da Constituição da República, nos termos e pelas razões apontadas nos pareceres n.os 90/76 e 4/88, e não compromete a independência dos magistrados. Daí que seja de manter e seguir no caso ora em apreço."

Em conformidade, considerou-se ser de concluir "pela compatibilidade do regime do artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88 - nomeadamente dos seus n.os 2 e 4 - com os artigos 13.º, n.os 1 e 2, da Lei 21/85 e 60.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei 47/86, visto aquelas disposições preverem e regularem, no tocante aos magistrados, 'actividades' (públicas) não duradouras, não estáveis, e sem conotação profissional, que os magistrados podem desempenhar com manifesta vantagem (eficiência) dadas as relações da mesma com a sua actividade estatutária".

Das conclusões formuladas nesse parecer, destacamos - de momento -, as seguintes:

"1.ª A expressão 'qualquer outra função pública ou privada', a que se refere o n.º 3 do artigo 218.º da Constituição da República, na redacção da Lei Constitucional 1/89, o n.º 1 do artigo 13.º da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) e o n.º 1 do artigo 60.º da Lei 47/86 (Lei Orgânica do Ministério Público), abarca, na sua previsão, uma (outra) actividade típica, permanente, estável, tendo tal expressão uma conotação profissional, correspondente a uma actividade própria de uma profissão, exercida, embora, em acumulação;

2.ª O regime (de acumulação) previsto nos n.os 2 e 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, na redacção do Decreto-Lei 206/91, de 7 de Junho, é compatível com o regime dos n.os 1 e 2 do artigo 13.º da Lei 21/85 e dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 60.º da Lei 47/86, visto aquelas disposições preverem, no tocante aos magistrados, actividades (públicas) não duradouras, sem conotação profissional;"

1.5.1 - Não há razões para alterar a doutrina deste Conselho quanto ao sentido do conceito contido na expressão "qualquer outra função pública ou privada", constante do n.º 3 do artigo 216.º da Constituição.

A expressão "qualquer outra função pública ou privada" tem o sentido de qualquer outro lugar permanente remunerado, de qualquer outro emprego ou cargo, correspondendo ao preenchimento de uma (outra) forma típica de actividade, ou seja, ao exercício de uma (outra) profissão.

Este entendimento mostra-se, até, reforçado pela alteração legislativa sofrida pelas normas sobre incompatibilidades inseridas nos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, a partir da Lei 10/94, a que já aludimos.

Na verdade, as normas dos Estatutos deixaram de se limitar a reproduzir a fórmula constitucional passando a caracterizar pela sua natureza, pela sua índole, as funções públicas ou privadas que os magistrados não podem desempenhar. E, assim, os magistrados judiciais não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional - artigo 13.º, n.º 1, da Lei 21/85 - e os magistrados do Ministério Público não podem exercer qualquer outra função pública ou privada de índole profissional - artigo 81.º, n.º 1, da Lei 47/86.

A explicitação que as normas estatutárias passaram a conter clarifica o sentido da expressão constitucional e acolhe a doutrina deste corpo consultivo sobre a sua interpretação.

Portanto, quer da norma constitucional, quer das normas estatutárias decorre a incompatibilidade do exercício das funções de magistrado judicial e de magistrado do Ministério Público com o desempenho de uma outra actividade típica, do Estado ou privada, com as características de estabilidade, habitualidade e propósito de dela auferir proventos ou remunerações inerentes ao exercício de uma profissão.

Trata-se de uma incompatibilidade absoluta (ver nota 28) que comporta a única excepção das funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, que os magistrados podem ser autorizados a exercer, desde que esse exercício não envolva prejuízo para o serviço, obrigatoriamente não remuneradas.

A acumulação de funções (ver nota 29) está, pois, por regra, vedada aos juízes e aos magistrados do Ministério Público.

1.5.2 - Todavia, importa distinguir a acumulação de funções dos casos em que os magistrados são chamados a desempenhar uma tarefa, a participar de uma comissão, a prestar um serviço eventual simultaneamente com o exercício dos seus cargos.

E as razões da distinção decorrem da delimitação do sentido da expressão constitucional "qualquer outra função pública ou privada", na compreensão das expressões, com o mesmo significado, "qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, qualquer outra função pública ou privada de índole profissional", das normas estatutárias, a que já procedemos.

"Ao restringir a incompatibilidade a funções públicas ou privadas de índole profissional, o actual Estatuto recolheu ensinamentos da experiência. A participação em comissões de peritos em organismos internacionais, por exemplo, é um espaço em que as duas magistraturas têm intervindo e onde seria chocante não estarem representadas, ao contrário do que acontece com outros países membros." (ver nota 30)

Se o que se proíbe, em nome do princípio da dedicação exclusiva, é o exercício de uma outra actividade profissional, em acumulação, na proibição não está compreendido o desempenho esporádico, ocasional e temporário de certas tarefas ou actividades, para as quais os magistrados - embora tais actividades não estejam compreendidas no âmbito das suas funções próprias - se encontrarão particularmente habilitados.

É o caso subjacente à consulta. Em causa encontram-se serviços prestados por juízes e magistrados do Ministério Público em trabalhos de preparação de diplomas legislativos, quer integrando comissões, quer prestando colaboração avulsa em matérias da sua especialidade.

Trata-se de tarefas que não têm as características de uma profissão, que não correspondem ao desempenho de uma actividade típica pública.

Por manter actualidade - não obstante ter por referência o artigo 27.º da Constituição de 1933 - e abordar um caso com estreitas conexões com a questão que nos ocupa, passamos a citar alguns passos do acórdão no chamado "Caso do Conselheiro Eduardo Coimbra" (ver nota 31):

"Ora a prestação de serviço numa comissão encarregada de rever um código não constitui exercício habitual nem perdurável de uma actividade para auferir proventos ou remunerações.

Quer dizer, não representa o exercício de um cargo ou de uma profissão.

Se para a comissão em causa houvesse sido escolhido um jurista que fosse unicamente um estudioso do direito, sem exercer qualquer outro emprego, ninguém diria que ele havia passado a exercer a profissão de membro da comissão de revisão do Código de Processo Civil.

O trabalho de revisão consistiu essencialmente em coligir elementos e formular opiniões ou emitir sugestões para o Estado exercer a sua função legislativa. Colaborar, portanto, nessa função. Qualificar esta colaboração de exercício de um cargo contraria o significado corrente dessa palavra.

Parece que levava a admitir o cargo ou a profissão de legislador, contra a realidade.

É certo que por tal colaboração auferiu o recorrente uma remuneração mensal que durou mais de um ano [...]

Deste modo, apesar de no ano que aqui interessa - o de 1960 - o recorrente ter exercido o cargo de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e ter também trabalhado como membro da comissão encarregada de preparar a reforma do Código de Processo Civil, nem por isto se deverá concluir que acumulou empregos ou cargos, que exerceu o cargo de juiz e simultaneamente o cargo de membro das várias vezes mencionada comissão.

Profissional ou empregado de uma comissão encarregada de preparar a reforma de um código é qualificação para que não encontramos acolhimento nem na lei, nem no sentido comum ou corrente das palavras em causa."

A colaboração na preparação, elaboração, alteração e revisão de diplomas legislativos constitui tarefa para a qual os juízes e os magistrados do Ministério Público se encontram, pela experiência adquirida no exercício das suas funções, particularmente habilitados e, até, vocacionados.

Tal colaboração não constitui actividade própria de uma profissão, é necessariamente temporária e tendencialmente esporádica ou ocasional, já que não deixará de ser considerada a especialização dos magistrados.

Como tal, a proibição constitucional e estatutária de acumulação de funções não abrange os casos de colaboração na preparação, elaboração, alteração e revisão de diplomas legislativos. Vinculados constitucional e estatutariamente à exclusividade de funções, os magistrados, por via dela, não estão impedidos de, simultaneamente, desempenhar tarefas e exercer actividades, ocasionais, esporádicas e temporárias, que não correspondam ao preenchimento de uma forma típica de actividade, ou seja, ao exercício de uma profissão.

De todo o modo, aos órgãos de gestão e disciplina das magistraturas - os conselhos superiores respectivos -, sempre ficará reservada a possibilidade de verificar a conformidade do desempenho de tarefas e exercício de actividades com os estatutos e as obrigações dos cargos.

Como observa Cunha Rodrigues (ver nota 32):

"Para definir as incompatibilidades dos magistrados, o legislador utilizou critérios materiais, destacados da natureza das funções. É elemento decisivo destes critérios o carácter judiciário, ainda que por extensão, das funções exercidas."

2 - Resolvida esta questão, impõe-se, agora, responder àquela que constitui o objecto central da consulta - a questão da remuneração dos serviços prestados por juízes e por magistrados do Ministério Público em trabalhos de preparação de diplomas legislativos.

2.1 - A Lei 2/90, de 20 de Janeiro, alterou significativamente o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público, ao dar nova redacção aos artigos 22.º e 23.º da Lei 21/85 e aos artigos 73.º e 74.º da Lei 47/86.

Os artigos 22.º e 23.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1.º da Lei 2/90, passaram a ter a seguinte redacção (ver nota 33):

"Artigo 22.º

Componentes do sistema retributivo

1 - O sistema retributivo dos magistrados judiciais é composto por:

a) Remuneração base;

b) Suplementos.

2 - Não é permitida a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadre nas componentes remuneratórias referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 25.º

Artigo 23.º

Remuneração base e suplementos

1 - A estrutura da remuneração base a abonar mensalmente aos magistrados judiciais é a que se desenvolve na escala indiciária constante do mapa anexo a este Estatuto, de que faz parte integrante.

2 - A remuneração base é anualmente revista, mediante actualização do valor correspondente ao índice 100.

3 - A partir de 1 de Janeiro de 1991 a actualização a que se refere o número anterior é automática, nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei 26/84, de 31 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei 102/88, de 25 de Agosto (ver nota 34).

4 - A título de suplementos, mantêm-se as compensações a que se referem os artigos 24.º a 27.º e 29.º (ver nota 35) do presente Estatuto."

As normas referidas neste n.º 4 prevêem:

A atribuição de um subsídio de fixação a magistrados judiciais que exerçam funções nas Regiões Autónomas e aí não disponham de casa própria (artigo 24.º);

O direito a um subsídio por parte do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dos vice-presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura e dos presidentes das relações, a título de despesas de representação (artigo 25.º);

O direito ao reembolso das despesas resultantes da sua deslocação e transporte de bagagem por parte dos magistrados judiciais, quando promovidos, transferidos ou colocados por motivos de natureza não disciplinar, em determinadas circunstâncias (artigo 26.º);

O direito a ajudas de custo sempre que um magistrado se desloque em serviço para fora da comarca onde se encontre sediado o respectivo tribunal ou serviço (artigo 27.º, n.º 1); o direito a ajudas de custo por parte dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, residentes fora de determinados concelhos, abonada por cada dia de sessão do tribunal em que participem (artigo 27.º, n.º 2);

O direito dos magistrados a disporem de casa de habitação mobilada, durante o exercício da sua função, mediante o pagamento de uma contraprestação mensal, ou, quando não disponham de casa de habitação, o direito a um subsídio de compensação, equiparado a ajudas de custo (artigo 29.º).

O artigo 2.º da Lei 2/90 deu nova redacção aos artigos 73.º e 74.º da Lei Orgânica do Ministério Público em termos idênticos, ou seja, compondo o sistema retributivo dos magistrados do Ministério Público por remuneração base e suplementos [artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b)], proibindo a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadre naquelas componentes remuneratórias (artigo 73.º, n.º 2), fixando a estrutura da remuneração base, estabelecendo o princípio da revisibilidade anual do valor correspondente ao índice 100 e estatuindo que, a partir de Janeiro de 1991, tal actualização passaria a ser automática, nos termos estabelecidos para a actualização das remunerações dos titulares de cargos públicos (artigo 74.º, n.os 1, 2 e 3) e mantendo, a título de suplementos, as compensações previstas nos artigos 75.º a 78.º e 80.º (artigo 74.º, n.º 4), similares às dos artigos 24.º a 27.º e 29.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

A Lei 60/98 introduziu alterações - todavia de pormenor - no sistema retributivo dos magistrados do Ministério Público. Os anteriores artigos 73.º e 74.º passaram, respectivamente, a artigos 95.º e 96.º; o primeiro, sobre as componentes do sistema retributivo, mantém, no n.º 1, o anterior n.º 1 do artigo 73.º e, no n.º 2, proíbe a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadre nas componentes remuneratórias referidas no n.º 1, "sem prejuízo do disposto no artigo 98.º"; o artigo 96.º reproduz nos n.os 1, 2 e 3, respectivamente, os anteriores n.os 1, 2 e 3 do artigo 74.º e, no n.º 4, mantém, a título de suplementos, as compensações a que se referem os artigos 97.º a 100.º e 102.º daquela lei. As compensações previstas, a título de suplementos, são idênticas às previstas para os juízes no respectivo Estatuto.

2.2 - As referidas normas das Leis n.os 21/85 e 47/86 reportam-se ao sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público, inserindo-se em capítulos epigrafados "Deveres, incompatibilidades, direitos e regalias dos magistrados judiciais" e "Incompatibilidades, deveres e direitos dos magistrados", respectivamente.

As componentes do sistema retributivo, definido nas normas citadas, reportam-se unicamente ao exercício de funções próprias dos magistrados judiciais e do Ministério Público. Ou seja, as remunerações base e suplementos previstos são devidos - mas são exclusivamente devidos -, pelo exercício das funções próprias, estatutárias, dos juízes e dos magistrados do Ministério Público.

Como se escreveu no já mencionado parecer 56/92:

"Tais normas referem-se, pois, exclusivamente, às retribuições dos magistrados, como tais, isto é, às retribuições (abonos) correspondentes às funções próprias de magistrados."

Ora, "é função da magistratura judicial administrar a justiça de acordo com as fontes a que, segundo a lei, deva recorrer e fazer executar as suas decisões" - artigo 3.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais -, e são funções do Ministério Público "representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática" - artigo 219.º da Constituição (ver nota 36).

A colaboração na preparação, elaboração, alteração e revisão de diplomas legais não está, pois, compreendida nas funções próprias dos juízes e não se contém, por regra, no âmbito das funções próprias dos magistrados do Ministério Público (ver nota 37).

Quando os magistrados prestam tal colaboração estão a desenvolver uma actividade cumulativamente com o exercício das suas funções próprias, mas que com estas não se confunde.

As remunerações que aufiram pelo exercício das suas funções próprias não retribui, como é evidente, essa colaboração.

2.3 - A vertente da questão que agora se deve suscitar consiste em saber se essa colaboração deve ser remunerada.

E a resposta afigura-se-nos afirmativa.

Desde logo, porque a remuneração das tarefas ocasionalmente realizadas por magistrados cumulativamente com o exercício das suas funções não colide com qualquer preceito legal, nem com as normas estatutárias sobre o sistema retributivo, já que estas - como vimos - só se aplicam no âmbito da retribuição de funções próprias, nem com a regra constitucional, e reafirmada estatutariamente, da proibição da remuneração das funções docentes e de investigação científica de natureza jurídica, na medida em que tal regra rege, tão-só, para o exercício dessas funções (ver nota 38), aliás, as únicas que os magistrados podem ser autorizados a exercer, em acumulação, e, no caso, não estamos - como julgamos ter evidenciado - perante o exercício de outra função.

Também, porque a remuneração das tarefas realizadas por magistrados, cumulativamente com o exercício das suas funções, observa o princípio constitucional do direito à retribuição do trabalho plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição (ver nota 39).

Finalmente, porque a remuneração da colaboração prestada por magistrados na preparação, elaboração e revisão de diplomas legislativos, além do exercício das suas funções (ver nota 40), encontra apoio em casos paralelos de exercício de actividades de algum modo afins. É o caso da percepção por magistrados de direitos de autor. É o caso, ainda, das remunerações previstas no artigo 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei 214/88 (ver nota 41) (ver nota 42).

Entendemos, portanto, que o esforço suplementar exigido aos magistrados pelo desempenho de tarefas ou exercício de actividades que transcendem o exercício das funções próprias dos cargos, com prejuízo, necessariamente, dos tempos de descanso e lazer, consubstanciado no trabalho que acresce ao trabalho normalmente requerido pelo exercício das funções próprias, é merecedor de remuneração.

Aliás, o legislador tem reconhecido dever ser remunerado o esforço suplementar que é exigido aos magistrados, quer quando acumulam funções próprias, tanto por substituição, como por acumulação propriamente dita (ver nota 43), quer quando prestam serviço de turno, para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Saúde Mental e na Organização Tutelar de Menores, em dias normalmente de descanso (ver nota 44).

III

Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª A expressão "qualquer outra função pública ou privada", constante do n.º 3 do artigo 216.º da Constituição da República, explicitada nas normas estatutárias pelas expressões "qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional" - artigo 13.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) - e "qualquer outra função pública ou privada de índole profissional" - artigo 81.º, n.º 1, da Lei 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público) -, tem o sentido de uma outra actividade típica, do Estado ou privada, com as características de estabilidade, habitualidade e propósito de dela auferir proventos ou remunerações inerentes ao exercício de uma profissão;

2.ª A colaboração prestada por magistrados judiciais e do Ministério Público nos trabalhos de preparação de diplomas legislativos - quer integrando comissões, quer prestando colaboração avulsa em matérias da sua especialidade - é compatível com o regime dos artigos 216.º da Constituição da República, 13.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 81.º do Estatuto do Ministério Público, por não constituir actividade própria de uma profissão, ser necessariamente temporária e tendencialmente esporádica ou ocasional;

3.ª As normas dos artigos 22.º e 23.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e dos artigos 95.º e 96.º do Estatuto do Ministério Público fixam exclusivamente as retribuições pelo exercício das funções próprias, estatutárias, dos juízes e dos magistrados do Ministério Público;

4.ª A colaboração de juízes e de magistrados do Ministério Público nos trabalhos de preparação de diplomas legislativos consubstancia uma actividade que não se contém no âmbito das funções próprias dos respectivos cargos, pelo que a respectiva remuneração não só não desrespeita as normas referidas na conclusão anterior como observa o princípio constitucional do direito à retribuição do trabalho.

(nota 1) É mencionado o parecer 56/92, de 27 de Novembro de 1992, ao qual, mais adiante, nos referiremos.

(nota 2) Versão da Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro (4.ª revisão constitucional).

(nota 3) Cf. artigo 203.º da Constituição.

(nota 4) J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, p. 824.

(nota 5) A acta da reunião encontra-se publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, suplemento ao n.º 49.

(nota 6) Palavras do Deputado Nunes de Almeida, loc. cit. na nota anterior.

(nota 7) Joan Picó i Junoy, "Límites a la actividad docente de jueces y magistrados (Estudio del artigo 389.5.º LOPJ)", Poder Judicial, n.º 38, p. 241.

(nota 8) Ob. cit. e loc. cit.

(nota 9) No quadro da CERC (v. referida acta da reunião do dia 25 de Novembro de 1981), Vital Moreira levantou, contudo, o "problema de sujeição do juiz a uma disciplina, uma disciplina de escola, e, então, em certos tipos de escola, essa disciplina pode ser de molde a, à partida, inquinar o estatuto de independência do juiz".

(nota 10) Alterada pelo Decreto-Lei 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro e 143/99, de 31 de Agosto.

(nota 11) Sublinhado nosso.

(nota 12) No primeiro Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 85/77, de 13 de Dezembro, a norma sobre incompatibilidades dos juízes era, em termos gramaticais diferentes, a reprodução do conteúdo do artigo 222.º, n.º 1, da Constituição (versão originária). Dispunha o artigo 15.º, desse Estatuto, que "É incompatível com o desempenho do cargo de magistrado judicial o exercício de qualquer outra função pública ou privada remunerada".

(nota 13) O termo "emprego" é usado no sentido de lugar permanente remunerado - cf. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., 2.ª reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1983, t. II, p. 720.

(nota 14) O cargo (ou ofício) é o lugar a desempenhar por um agente - cf. Marcello Caetano, ob. cit., t. I, p. 223.

Escreveu o mesmo autor, ob. cit., t. II, p. 649:

"Os departamentos administrativos são 'organizações permanentes de actividades humanas'. Tais actividades são desenvolvidas pelos agentes. Sendo organizações permanentes, a estabilidade da sua estrutura e a continuidade do seu funcionamento dependem da garantia de que haja sempre quem desenvolva as actividades que são a razão de ser do serviço. Por isso faz parte da estrutura do departamento a definição das diversas tarefas, especializadas segundo critérios de divisão do trabalho, a que correspondem cargos a desempenhar por agentes certos. Para haver pessoas habilitadas em número suficiente ao desempenho desses cargos fixa-se certo número de lugares remunerados a prover por pessoas idóneas, muito embora existam cargos para ser exercidos a título eventual, ou por agentes gratuitos que não ocupam lugar dos quadros (-)."

(nota 15) Na Assembleia Constituinte não houve discussão sobre o sentido da expressão "empregos ou cargos públicos".

(nota 16) A proibição de acumulação de empregos ou cargos públicos já constava da Constituição de 1933 (artigo 27.º), que também remetia para a lei a definição do regime das incompatibilidades.

(nota 17) Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 830.

(nota 18) Rectificada por declaração publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 263, de 14 de Novembro de 1986, e alterada pelas Leis 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio e 60/98, de 27 de Agosto, tendo sido rectificado o texto publicado em anexo à Lei 60/98 pela Declaração de Rectificação 20/98, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 253/98, de 2 de Novembro de 1998.

(nota 19) Na redacção da Lei 60/98.

(nota 20) Na primeira Lei Orgânica do Ministério Público - Lei 39/78, de 5 de Julho -, a norma sobre incompatibilidades dos magistrados do Ministério Público era, também, em termos gramaticais diversos, a fiel reprodução adaptada do conteúdo do artigo 222.º, n.º 1, da Constituição, na versão originária. Dispunha o artigo 76.º, n.º 1, dessa lei: "É incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público o exercício de qualquer outra função pública ou privada remunerada."

(nota 21) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 266, p. 43.

(nota 22) O parecer debruçou-se sobre a legalidade, face ao artigo 222.º da Constituição (versão originária), da situação de dois juízes que vinham exercendo funções efectivas em tribunais de 2.ª instância e simultaneamente desempenhavam as funções de membros da Comissão para a Reintegração dos Servidores do Estado, percebendo uma gratificação pelo desempenho de funções nessa Comissão.

(nota x) No Diário da Assembleia Constituinte aludido na nota anterior (Diário da Assembleia Constituinte, n.º 98, de 19 de Dezembro de 1975, leia-se).

(nota 23) Inédito.

(nota 24) O parecer 90/76, entenda-se.

(nota 25) Em conformidade concluiu-se no parecer:

"3.ª A expressão 'qualquer outra função pública ou privada', do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei 47/86, de 15 de Outubro), não abrange a intervenção em assembleia de apuramento eleitoral."

(nota 26) Inédito.

(nota 27) No parecer apreciava-se a compatibilidade dos regimes de acumulação de funções fixados, por um lado, no artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, e, por outro, nos artigos 13.º da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), e 60.º da Lei 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério Público).

Dispunha o artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, na redacção do Decreto-Lei 206/91, de 7 de Junho (a que se encontrava em vigor à data do parecer), no que ora releva:

"Artigo 25.º

Informática nos tribunais

1 - A utilização da informática nos tribunais é desenvolvida com a cooperação do Conselho Superior da Magistratura, da Procuradoria-Geral da República, da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça e da Direcção-Geral dos Serviços de Informática, mediante planos e acções a aprovar pelo Ministro da Justiça.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, podem ser constituídas equipas de projecto integrando magistrados judiciais e do Ministério Público, funcionários de justiça e técnicos designados pelo Ministério da Justiça em regime de acumulação de funções ou em comissão de serviço, destacamento ou requisição, observadas as normas estatutárias respectivas.

3 - ...

4 - Durante a fase de estudos, trabalhos preparatórios e implantação de projectos de informática, nas instituições judiciárias, incluindo os respeitantes à constituição de bases de dados judiciais e até final de 1992, é aplicável aos magistrados que desempenhem funções nesse âmbito o disposto no artigo 19.º do presente diploma, com as devidas adaptações.

5 - ...

6 - ..."

E dispunha o artigo 19.º desse diploma:

"Artigo 19.º

Acumulação de funções

1 - Podem o Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-Geral da República, face à insuficiência do número de magistrados e ponderadas as necessidades de serviço, determinar que um magistrado exerça funções em mais de um tribunal, ainda que de comarcas diferentes.

2 - Os magistrados que exerçam funções em regime de acumulação por mais de 30 dias têm direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça, com base na informação a prestar pelas entidades referidas no número anterior, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento correspondente ao cargo.

3 - A informação a que se refere o n.º 2 deverá atender ao estado do serviço no lugar acumulado e no lugar de origem e ainda ao esforço e às particulares circunstâncias em que a acumulação é exercida pelo magistrado."

(nota 28) Segundo João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Livraria Almedina, Coimbra, 1.º vol., 1985, p. 171: "Denomina-se incompatibilidade a impossibilidade de desempenhar, além do cargo correspondente ao lugar ocupado, outras funções, ou de ocupar outro lugar"; "São absolutas as incompatibilidades irremovíveis, aquelas em relação às quais é impossível obter autorização que as elimine". Cf. também, entre outros, Marcelo Caetano, ob. cit., t. II, p. 721.

(nota 29) "A acumulação de funções verifica-se quando o funcionário ou agente desempenha, além das abrangidas no cargo correspondente ao lugar que ocupa, outras funções (públicas ou privadas)" - João Alfaia, ob. cit., p. 168.

(nota 30) Cunha Rodrigues, Em Nome do Povo, Coimbra Editora, 1999, p. 117.

(nota 31) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso das Contribuições e Impostos) de 13 de Janeiro de 1965, in O Direito, ano 99.º, 1967, fasc. 1, Janeiro-Março, pp. 70-76. Discutiu-se se um juiz conselheiro, que cumulativamente prestou serviço remunerado numa comissão encarregada de rever um código, acumulou empregos ou cargos.

(nota 32) Ob. cit. e loc. cit.

(nota 33) Os artigos 22.º e 23.º não sofreram alteração com as leis que posteriormente alteraram o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

(nota 34) A Lei 63/90, de 26 de Dezembro, veio suspender a aplicação do princípio de actualização automática - na medida em que se mostre excedido o montante correspondente à remuneração base do cargo de Primeiro-Ministro - como decorrência da suspensão das actualizações dos vencimentos dos titulares de cargos públicos, dando origem a toda uma problemática, centrada nos vencimentos dos magistrados, que, por alheia ao objecto da presente consulta, não tem de ser aqui analisada.

Salienta-se, todavia, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 237/98, ainda inédito, e no Acórdão 625/98, de 3 de Novembro de 1998, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 18 de Março de 1999, decidiu:

"Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 63/90, de 26 de Dezembro, em conjugação com a norma do n.º 1 do mesmo artigo, na medida em que elimina as diferenciações de vencimentos entre categorias de magistrados judiciais, por violação das normas conjugadas dos artigos 13.º, 59.º, n.º 1, alínea a), e 210.º, n.os 1, 3 e 4, da Constituição da República."

Note-se, contudo, que a Lei 19/93, de 25 de Junho, com o aditamento de um n.º 3 ao artigo 1.º da Lei 63/90, alterando-o relativamente ao vencimento dos magistrados, veio restabelecer diferenciações de níveis remuneratórios.

(nota 35) A redacção dos artigos 25.º, 26.º, 27.º e 29.º foi alterada pela Lei 143/99; a redacção do artigo 26.º tinha sido anteriormente alterada pela Lei 10/94.

(nota 36) Ou, nos termos do artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público: "O Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei."

Sobre a evolução legislativa do artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público, Cunha Rodrigues, ob. cit., p. 34, refere:

"A redacção evoluiu de uma definição para uma norma de competência. Tem agora a virtualidade de enunciar o tipo complexo de atribuições cometidas ao Ministério Público e, nessa medida, os traços da sua identidade."

No artigo 3.º do Estatuto a lei fixa as competências do Ministério Público de forma enunciativa.

(nota 37) Sem prejuízo de ao Ministério Público serem conferidas por lei funções em áreas conexas. É caso típico, por exemplo, o da Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça, dirigida por um procurador-geral-adjunto, que constitui um órgão de consulta jurídica e de apoio legislativo, competindo-lhe, além de outras atribuições, elaborar projectos de diplomas legais, nos termos do artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei 871/76, de 28 de Dezembro, que a criou. Podem, ainda, referir-se as competências do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, constantes das alíneas b) e d) do artigo 37.º do EMP, de se pronunciar, "a pedido do Governo, acerca da formulação e conteúdo jurídico de projectos de diplomas legislativos" e de "informar o Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e propor as devidas alterações".

(nota 38) Cunha Rodrigues, ob. cit. e loc. cit., a propósito do exercício gratuito das funções de docência ou de investigação jurídica, observa:

"Fica, porém, por resolver se, exigindo a gratuitidade de funções, imposição que, no caso dos juízes, tem dignidade constitucional, o legislador não foi longe demais, tanto na concepção da norma, que sociologicamente se presta a leituras duvidosas (o voluntariado benévolo não é o modo corrente de organização do ensino e da investigação jurídica), como no próprio respeito pelos cânones constitucionais sobre prestação de trabalho."

(nota 39) Dispõe o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição:

"Artigo 59.º

Direitos dos trabalhadores

1 - Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;"

(nota 40) A propósito, refira-se que, quando o n.º 3 do artigo 81.º do Estatuto do Ministério Público considera "funções de Ministério Público as [...] de responsável, no âmbito do Ministério da Justiça, pela preparação e revisão de diplomas legais", se reporta a funções exercidas a tempo inteiro, pelo que da norma não se podem extrair argumentos que contrariem o entendimento que vimos sustentando para os casos de exercício cumulativo de outras actividades.

(nota 41) Cf. nota 27.

O já mencionado parecer 56/92 ocupou-se, também, da questão da conformidade legal da remuneração prevista no n.º 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88 e, desenvolvendo uma linha de argumentação que, por vezes, seguimos de perto, sobre essa questão formulou as seguintes conclusões:

"3.ª As normas dos artigos 22.º e 23.º da Lei 21/85 e dos artigos 73.º e 74.º da Lei 47/86, na redacção da Lei 2/90, de 20 de Janeiro, fixam (exclusivamente) as retribuições dos magistrados, como tais, isto é, as retribuições correspondentes às funções próprias de magistrados;

4.ª A actividade desenvolvida pelos magistrados, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei 214/88, embora conexa com a actividade própria destes, não corresponde ao exercício das funções de magistrado, pelo que a respectiva retribuição, prevista nos artigos 25.º, n.º 4, e 19.º, n.º 2, desse diploma legal, não desrespeita as normas referidas na conclusão anterior."

(nota 42) Essas remunerações foram mantidas até final de 1999, pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 39/99, de 9 de Fevereiro, que deu nova redacção aos n.os 4 e 5 do artigo 25.º

(nota 43) Nos termos do artigo 68.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) - aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro, rectificada pela Declaração de Rectificação 7/99, publicada no Diário da República, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 1999, e alterada pela Lei 101/99, de 26 de Julho -, a substituição de um juiz de direito, nas suas faltas e impedimentos, por outro juiz de direito, por período superior a 30 dias, é remunerada.

De acordo com o artigo 69.º do mesmo diploma, o Conselho Superior da Magistratura pode, ponderando as necessidades de serviço, com carácter excepcional, determinar que um juiz, obtida a sua anuência, exerça funções em mais de um juízo ou em mais de um tribunal, sendo tal acumulação de funções remunerada.

Quer no caso de substituição, quer no caso de acumulação, a remuneração é fixada por despacho do Ministro da Justiça, sob parecer favorável do Conselho Superior da Magistratura, que - nos termos do artigo 11.º do regulamento da Lei 3/99 (aprovado pelo Decreto-Lei 186-A/99, de 31 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 290/99, de 30 de Julho) - deve mencionar as circunstâncias em que a substituição ou acumulação se efectuaram, bem como a relação entre a quantidade e a qualidade do serviço prestado, e tem como limites um quinto e a totalidade do vencimento do juiz substituto que acumula.

(nota 44) A organização de turnos para assegurar o serviço urgente que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feriados consecutivos, é imposta pelo artigo 73.º, n.º 2, da LOFTJ, cujo n.º 4 estatui que por esse serviço é devido suplemento remuneratório. O artigo 38.º do Decreto-Lei 186-A/99 estabelece, por seu lado, as bases de cálculo do suplemento remuneratório pelo serviço de turno.

Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 28 de Outubro de 1999.

José António da Rosa Dias Bravo - Isabel Celeste Alves Pais Martins (relatora) - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Eduardo de Melo Lucas Coelho - José Adriano Machado Souto de Moura - Luís Novais Lingnau da Silveira - Alberto Esteves Remédio - Carlos Alberto Fernandes Cadilha - Maria Cândida Guimarães Pinto de Almeida - Rui Manuel Lisboa Epifânio.

(Este aprecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Justiça de 23 de Novembro de 1999.)

Está conforme.

Lisboa, 17 de Dezembro de 1999. - O Secretário, José Luís Lopes da Mota.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1740463.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-12-28 - Decreto-Lei 871/76 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Cria a Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça.

  • Tem documento Em vigor 1977-12-13 - Lei 85/77 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1978-07-05 - Lei 39/78 - Assembleia da República

    Aprova a lei orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1984-07-31 - Lei 26/84 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de remuneração do Presidente da República, designadamente no que se refere ao vencimento mensal e abono para despesas de representação e prevê as regalias a que têm direito os ex-titulares do cargo de presidente da República.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1986-10-15 - Lei 47/86 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 1988-06-17 - Decreto-Lei 214/88 - Ministério da Justiça

    Regulamenta a nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1988-08-25 - Lei 102/88 - Assembleia da República

    Altera o regime remuneratório dos titulares de cargos políticos (Lei n.º 4/85, de 9 de Abril), bem como o regime de remuneração do Presidente da República (Lei n.º 26/84, de 31 de Julho).

  • Tem documento Em vigor 1988-09-28 - Decreto-Lei 342/88 - Ministério da Justiça

    Altera a redacção do n.º 1 do artigo 68.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho que aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1989-07-08 - Lei Constitucional 1/89 - Assembleia da República

    Segunda revisão da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1990-01-20 - Lei 2/90 - Assembleia da República

    Altera o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do ministério público.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-26 - Lei 63/90 - Assembleia da República

    Suspende a vigência do artigo 2.º da Lei n.º 26/84, de 31 de Julho (regime de remuneração do Presidente da República), e das alíneas b) e c) do n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro (regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes e em regime de contrato dos três ramos das forças armadas).

  • Tem documento Em vigor 1991-06-07 - Decreto-Lei 206/91 - Ministério da Justiça

    Altera o Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, que regulamenta a nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1992-08-20 - Lei 23/92 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, que aprova a lei orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 1992-11-25 - Lei Constitucional 1/92 - Assembleia da República

    APROVA A TERCEIRA REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA , DE 2 DE ABRIL DE 1976, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELAS LEIS CONSTITUCIONAIS 1/82, DE 30 DE SETEMBRO, E 1/89, DE 8 DE JULHO. PUBLICA EM ANEXO O NOVO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

  • Tem documento Em vigor 1993-06-25 - Lei 19/93 - Assembleia da República

    ALTERA A LEI NUMERO 63/90, DE 26 DE DEZEMBRO, RELATIVAMENTE AO VENCIMENTO DOS MAGISTRADOS. A PRESENTE LEI ENTRA EM VIGOR NO DIA 1 DE JANEIRO DE 1994. O GOVERNO PODE DETERMINAR, POR DECRETO LEI, A SUA IMEDIATA ENTRADA EM VIGOR, COM EFEITOS RETROACTIVOS A JANEIRO DE 1993.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-05 - Lei 10/94 - Assembleia da República

    Altera o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1996-09-03 - Lei 44/96 - Assembleia da República

    Prevê tribunais de primeira instância organizados por turnos para assegurar serviço urgente e a criação de 50 tribunais de turno, publicados em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-27 - Lei 60/98 - Assembleia da República

    Altera a orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86 de 15 de Outubro passando a denominar-se Estatuto, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1998-11-02 - Declaração de Rectificação 20/98 - Assembleia da República

    De ter sido rectificado o texto publicado em anexo à Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, sobre o Estatuto do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-03 - Lei 81/98 - Assembleia da República

    Aprova a alteração da Lei 21/85 de 30 de Junho, que aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1999-01-13 - Lei 3/99 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1999-02-09 - Decreto-Lei 39/99 - Ministério da Justiça

    Altera o Dec Lei 214/88, de 17 de Junho, que regulamenta a lei orgânica dos Tribunais Judiciais, no que diz respeito à utilização da informática para o tratamento de dados relativos à gestão dos tribunais e tramitação processual.

  • Tem documento Em vigor 1999-02-16 - Declaração de Rectificação 7/99 - Assembleia da República

    Rectifica a Lei 3/99, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 10, de 13 de Janeiro de 1999.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-31 - Decreto-Lei 186-A/99 - Ministério da Justiça

    Aprova o regulamento da Lei 3/99, de 13 de Janeiro - Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1999-07-26 - Lei 101/99 - Assembleia da República

    Adopta providências em matéria de organização e funcionamento dos tribunais judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1999-07-30 - Decreto-Lei 290/99 - Ministério da Justiça

    Altera o Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio (aprova o regulamento da Lei 3/99, de 13 de Janeiro - Lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais). Republicado o mapa III anexo ao Dec Lei 186-A/99.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-31 - Lei 143/99 - Assembleia da República

    Altera o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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