de 11 de Setembro
Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das
Infra-Estruturas e Serviços de Telecomunicações
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), e 169.º, n.º 2, da Constituição, o seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 - A presente lei tem por objecto a definição das bases gerais a que obedecerá o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e serviços de telecomunicações.2 - Por telecomunicações entende-se a transmissão, recepção ou emissão de sinais, representando símbolos, escrita, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fios, meios radioeléctricos, ópticos ou outros sistemas electromagnéticos.
Artigo 2.º
Classificação
1 - Consoante a natureza dos utilizadores, as telecomunicações podem ser públicas ou privativas, incluindo-se nas primeiras as telecomunicações de uso público e de teledifusão.2 - Consideram-se telecomunicações públicas as que visam satisfazer a necessidade colectiva genérica de transmitir e receber mensagens e informação.
3 - Consideram-se telecomunicações privativas:
a) As privativas do Estado ou de outros entes públicos, para sua comunicação ou para fins de apoio à meteorologia, ajuda e socorro à navegação aérea ou marítima, ou fins semelhantes de interesse público;
b) As que sejam estabelecidas pelas forças armadas e forças ou serviços de segurança, para seu próprio uso;
c) As que sejam estabelecidas pelas entidades com competência no domínio da protecção civil;
d) As estabelecidas pelas empresas ferroviárias, desde que exclusivamente afectas ao controlo do tráfego;
e) As estabelecidas pelas empresas de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, sempre que utilizem a própria rede de transporte e distribuição de energia e se trate de comunicações afectas à própria actividade dessas empresas;
f) As radioeléctricas privativas de entidades para o efeito licenciadas;
g) As que se prestam dentro de uma mesma propriedade ou condomínio, desde que não utilizem o domínio público radioléctrico e só tenham ligação com o exterior através de um interface com as telecomunicações de uso público;
h) Outras comunicações reservadas a determinadas entidades públicas ou privadas, mediante autorização do Governo nos termos de tratados ou acordos internacionais ou de legislação especial.
4 - Consideram-se telecomunicações de uso público as telecomunicações públicas que implicam endereçamento.
5 - Consideram-se telecomunicações de difusão, designadas de teledifusão, as telecomunicações públicas em que a comunicação se realiza num só sentido, simultaneamente para vários pontos de recepção e sem prévio endereçamento.
Artigo 3.º
Domínio público radioeléctrico
1 - O espaço por onde podem propagar-se as ondas radioeléctricas constitui o domínio público radioeléctrico, cuja gestão, administração e fiscalização competem ao Estado, obedecendo ao disposto em legislação especial, com respeito do estabelecido nos tratados e acordos internacionais aplicáveis.2 - É permitida, nos termos da lei, a expropriação de imóveis, bem como a constituição das servidões administrativas indispensáveis à construção e protecção radioeléctrica das instalações necessárias à fiscalização da utilização do espectro radioeléctrico.
Artigo 4.º
Tutela das telecomunicações
1 - Compete ao Estado o exercício das atribuições de superintendência e fiscalização das telecomunicações e da actividade das empresas operadoras de telecomunicações, nos termos das leis e regulamentos aplicáveis, cabendo-lhe estabelecer as linhas estratégicas de orientação do desenvolvimento do sistema nacional de telecomunicações.2 - Incluem-se, ainda, nas atribuições do Estado em matéria de regulamentação, superintendência e fiscalização das telecomunicações:
a) A gestão do espectro radioeléctrico e das posições orbitais;
b) A representação em organizações internacionais intergovernamentais no âmbito das telecomunicações;
c) A definição das políticas gerais e o planeamento global do sector;
d) A aprovação da legislação e regulamentação aplicável, designadamente quanto ao uso público dos serviços;
e) A normalização e homologação dos materiais e equipamentos de telecomunicações e a definição das condições da sua ligação à rede de telecomunicações de uso público;
f) A concessão, licenciamento e autorização do estebelecimento e exploração de redes e serviços de telecomunicações;
g) A fiscalização do cumprimento, por parte das empresas operadoras de telecomunicações, das disposições legais e regulamentares relativas à actividade, bem como a aplicação das respectivas sanções;
h) A definição dos preços e tarifas dos serviços de telecomunicações, nos termos da legislação aplicável;
i) A declaração de utilidade pública das expropriações e a constituição de servidões necessárias ao estabelecimento de infra-estruturas de telecomunicações e à fiscalização do domínio público radioeléctrico.
Artigo 5.º
Planeamento e coordenação da rede nacional de telecomunicações
1 - A rede de infra-estruturas dos vários sistemas de telecomunicações civis, incluindo os de teledifusão, deve obedecer a uma adequada coordenação, tendo em vista o aproveitamento desses sistemas, para melhor satisfação das necessidades de desenvolvimento económico-social, de defesa nacional, de segurança interna e de protecção civil.
2 - O desenvolvimento e a modernização da rede básica de telecomunicações, das redes próprias dos entes públicos que operem sistemas de teledifusão e dos serviços fundamentais de telecomunicações devem satisfazer as condições fixadas num plano director das infra-estruturas de telecomunicações, articulado com o plano de ordenamento do território.
3 - O Governo deve tomar as providências indispensáveis à boa execução do disposto nos números anteriores, articulando-as com as políticas de defesa nacional, segurança interna, protecção civil, industrial, de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de desenvolvimento regional do País e de correcção das assimetrias regionais.
Artigo 6.º
Conselho Superior de Telecomunicações
O órgão consultivo do Governo em matéria de coordenação dos diferentes sistemas de telecomunicações civis, das forças armadas e das forças e serviços de segurança é o Conselho Superior de Telecomunicações, sem prejuízo das competências próprias dos ministros que superintendam nas áreas da defesa nacional, da segurança interna, do planeamento civil de emergência e da protecção civil.
Artigo 7.º
Infra-estruturas de telecomunicações
1 - Consideram-se infra-estruturas de telecomunicações o conjunto de nós, ligações e equipamentos que permitem a interconexão entre dois ou mais pontos para a telecomunicação entre eles, abrangendo, designadamente:a) Os nós de concentração, comutação ou processamento;
b) Os traçados, cabos ou conjuntos de fios de telecomunicações aéreos, subterrâneos, subfluviais ou submarinos e outros sistemas de transmissão;
c) As estações de cabos submarinos;
d) Os centros radioeléctricos;
e) Os sistemas de telecomunicações via satélite;
f) Os feixes hertzianos.
2 - O estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de telecomunicações competem, em exclusivo, aos operadores do serviço público de telecomunicações nos termos dos artigos 8.º e seguintes.
3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) As infra-estruturas exclusivamente afectas à emissão, recepção e transmissão de serviços de teledifusão, definidos nos termos do n.º 5 do artigo 2.º;
b) As infra-estruturas afectas às telecomunicações privativas, tal como definidas no n.º 3 do artigo 2.º;
c) As infra-estruturas de telecomunicações complementares, a que se refere o artigo 11.º 4 - Os operadores de serviço público de telecomunicações e os operadores de teledifusão podem contratar reciprocamente a utilização da capacidade disponível nas respectivas redes.
5 - Em caso de comprovada insuficiência de capacidade por parte dos operadores de serviço público que operem a rede básica de telecomunicações, para facultarem circuitos aos operadores de telecomunicações complementares, pode excepcionalmente ser autorizada a estes a instalação, a título precário, de infra-estruturas de que careçam para a prestação de serviços, em termos a regular.
TÍTULO II
Das telecomunicações de uso público
Artigo 8.º
Serviço público de telecomunicações
1 - Compete ao Estado assegurar a existência e disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de uso público, adiante designado por serviço público de telecomunicações, que cubra as necessidades de comunicação dos cidadãos e das actividades económicas e sociais no conjunto do território nacional e assegure as ligações internacionais, tendo em conta as exigências de um desenvolvimento económico e social harmónico e equilibrado.
2 - O serviço público de telecomunicações, que pode ser explorado pelo Estado, por pessoa colectiva de direito público ou por pessoa colectiva de direito privado, mediante contrato de concessão de serviço público, adiante designados por operadores de serviço público, obriga ao estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas que constituam a rede básica de telecomunicações e à prestação dos serviços que sejam considerados como fundamentais, nas condições definidas na lei ou em contratos de concessão das empresas operadoras.
3 - Os serviços fundamentais a que se refere o número anterior compreendem os serviços fixos de telefone e telex, bem como um serviço comutado de transmissão de dados.
Artigo 9.º
Rede básica de telecomunicações
1 - A rede básica de telecomunicações é composta pelo sistema fixo de acesso de assinantes e pela rede de transmissão, sendo ainda seus elementos os nós de concentração, comutação ou processamento essencialmente destinados à prestação dos serviços fundamentais a que se refere o artigo anterior.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:
a) Sistema fixo de acesso de assinante - o conjunto dos meios de transmissão localizados entre um ponto fixo, ao nível da ligação física ao equipamento terminal de assinante e outro ponto, situado ao nível da ligação física no primeiro nó de concentração, comutação ou processamento;
b) Rede de transmissão - o conjunto de meios físicos ou radioeléctricos que estabelecem as ligações para transporte de informação entre os nós de concentração, comutação ou processamento;
c) Nós de concentração, comutação ou processamento - todo o dispositivo ou sistema que encaminhe ou processe a informação com origem ou destino no sistema de acesso de assinante.
3 - A rede básica de telecomunicações é exclusivo dos operadores de telecomunicações de serviço público e deve funcionar como uma rede aberta, servindo de suporte à transmissão da generalidade dos serviços, independentemente de o respectivo prestador ser ou não titular da própria rede.
4 - As infra-estruturas que integram a rede básica de telecomunicações constituem bens do domínio público do Estado, sendo afectadas, nos termos da lei, aos operadores de serviço público que as explorem.
Artigo 10.º
Serviços de telecomunicações complementares
1 - A exploração de serviços de telecomunicações envolvendo a utilização de infra-estruturas de telecomunicações complementares pode ser feita pelos operadores do serviço público de telecomunicações ou por empresas de telecomunicações complementares, devidamente licenciadas para o efeito.
2 - As empresas operadoras de telecomunicações complementares devem obedecer a requisitos de idoneidade e capacidade técnica e económico-financeira, a definir em regulamento de acesso à actividade a aprovar pelo ministro responsável pelas comunicações.
3 - Nos títulos de licenciamento do exercício da actividade dos operadores de telecomunicações complementares são definidas as condições em que estes ficam autorizados a actuar e, designadamente, as infra-estruturas próprias que pode instalar para a sua exploração e para ligação à rede básica de telecomunicações.
Artigo 11.º
Infra-estruturas de telecomunicações complementares
1 - Consideram-se infra-estruturas de telecomunicações complementares todas as infra-estruturas de telecomunicações de uso público que não integram a rede básica de telecomunicações, definidas nos termos do artigo 9.º 2 - O estabelecimento, exploração e gestão das infra-estruturas de telecomunicações complementares competem às entidades previstas no n.º 1 do artigo anterior nos termos que vierem a ser definidos em diploma de desenvolvimento.
Artigo 12.º
Rede de telecomunicações de uso público
1 - As infra-estruturas que integram a rede básica de telecomunicações e as infra-estruturas de telecomunicações complementares constituem a rede de telecomunicações de uso público.
2 - É permitida, nos termos da lei, a expropriação de imóveis, bem como a constituição das servidões administrativas indispensáveis à instalação, protecção e conservação das infra-estruturas da rede de telecomunicações de uso público.
Artigo 13.º
Serviços de valor acrescentado
1 - Por serviços de valor acrescentado entendem-se os que, tendo como único suporte os serviços fundamentais ou complementares, não exigem infra-estruturas de telecomunicações próprias e são diferenciáveis em relação aos próprios serviços que lhes servem de suporte.2 - A prestação de serviços de valor acrescentado pode ser feita por qualquer pessoa singular ou colectiva que para esse efeito seja autorizada nos termos de regulamento de acesso à actividade a aprovar pelo ministro responsável pelas comunicações, para além dos operadores do serviço público de telecomunicações e de empresas de telecomunicações complementares.
Artigo 14.º
Defesa da concorrência
1 - Os operadores do serviço público de telecomunicações devem assegurar a utilização das suas redes por todos os operadores de telecomunicações em igualdade de condições de concorrência.2 - Quando os operadores do serviço público de telecomunicações prestem serviços de telecomunicações complementares, são proibidas quaisquer práticas que falseiem as condições de concorrência ou que se traduzam em abuso de posições dominantes.
3 - A utilização de circuitos alugados aos operadores do serviço público é limitada ao uso próprio do utilizador ou à prestação de serviços complementares e de serviços de valor acrescentado.
Artigo 15.º
Uso público dos serviços de telecomunicações
1 - Todos têm o direito de utilizar os serviços de telecomunicações de uso público, mediante o pagamento das tarifas e preços correspondentes, desde que sejam observadas as disposições legais e regulamentares aplicáveis.
2 - Com os limites impostos pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, é garantida a inviolabilidade e o sigilo das telecomunicações de uso público, nos termos da lei.
3 - A aprovação dos regulamentos de exploração dos serviços de telecomunicações de uso público prestados em exclusivo é feita pelo Governo e precedida da audição das organizações representativas dos consumidores, como medida de protecção dos direitos dos utilizadores.
4 - Os consumidores podem controlar o preço cobrado pela utilização dos serviços de telecomunicações de uso público, nos termos a definir nos respectivos regulamentos de exploração dos serviços.
Artigo 16.º
Equipamento terminal
1 - É livre a aquisição, instalação e conservação dos equipamentos terminais de assinante, devendo a sua ligação à rede de telecomunicações de uso público obedecer às condições estabelecidas em regulamento, tendo em vista a salvaguarda do bom funcionamento da rede.2 - A prestação de serviços de instalação e conservação dos equipamentos terminais de assinante só pode ser efectuada por pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas.
3 - Os operadores do serviço público de telecomunicações devem assegurar ligações adequadas às suas redes, independentemente de o equipamento terminal de assinante ser ou não da propriedade dos utilizadores.
Artigo 17.º
Princípios gerais de fixação de tarifas e preços
1 - As tarifas e preços relativos às telecomunicações de uso público exploradas em exclusivo ficam sujeitos a aprovação do Governo, nos termos da legislação aplicável.
2 - Os preços dos restantes serviços são fixados pelos operadores, sem prejuízo do disposto no regime geral de preços e nas regras estabelecidas nos respectivos títulos de licenciamento.
TÍTULO III
Disposições finais e transitórias
Artigo 18.º
Salvaguarda de direitos adquiridos
O disposto na presente lei não prejudica o regime jurídico vigente aplicável às concessões de serviços de telecomunicações de uso público.
Artigo 19.º
Capital estrangeiro
A participação, directa ou indirecta, de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras no capital social dos operadores de serviço público de telecomunicações, bem como dos operadores de telecomunicações complementares, não pode exceder 25%.
Artigo 20.º
Telecomunicações com regimes especiais
Os títulos II e III da presente lei apenas se aplicam às telecomunicações de uso público como tal definidas no artigo 2.º, sendo as restantes objecto de legislação especial.
Artigo 21.º
Regulamentação e entrada em vigor
1 - O Governo deve promover o desenvolvimento e regulamentação da presente lei e proceder à adaptação dos estatutos das pessoas colectivas de direito público que forem operadoras de telecomunicações aos princípios nela definidos.2 - A publicação dos regulamentos respeitantes aos serviços de telecomunicações complementares deve ser feita progressivamente, de acordo com a evolução das necessidades do mercado e das obrigações decorrentes da legislação comunitária.
3 - O Governo deve assegurar a participação dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas no desenvolvimento e regulamentação desta lei, naquilo que as opções tiverem implicações nas regiões, e nestas necessitarem de um tratamento específico.
Artigo 22.º
Legislação revogada
1 - São revogadas todas as disposições do Decreto-Lei 188/81, de 2 de Julho, relativas a telecomunicações, salvo o artigo 7.º 2 - É revogado o Decreto-Lei 317/79, de 23 de Agosto.
Aprovada em 11 de Julho de 1989.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 15 de Agosto de 1989.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 29 de Agosto de 1989.
Pelo Primeiro-Ministro, Eurico Silva Teixeira de Melo.