de 24 de Fevereiro
1. No âmbito da comercialização dos cereais, a harmonização do actual sistema com o praticado na Comunidade Económica Europeia considera-se particularmente ajustada aos interesses da produção nacional, na medida em que a protege dos preços mais baixos do mercado mundial, constituindo, portanto, a prazo, o objectivo do Governo, que a considera uma medida fundamental para a dinamização da cerealicultura portuguesa.Tendo em atenção a importância que este sector tem na vida económica nacional, qualquer alteração à actual estrutura do comércio de cereais tem de ser planeada de modo equilibrado e progressivo, assegurando aos agentes económicos e às estruturas encarregadas da sua gestão uma adaptação gradual, sem rupturas ou tensões indesejáveis.
2. Para o efeito retirou-se à EPAC - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais o direito de exclusivo de compras de trigo no mercado interno, continuando, no entanto, a exercer funções de intervenção no mercado, comprando à produção, nas condições que forem determinadas.
Quanto à importação, a EPAC deixou igualmente de usufruir do direito de exclusivo, estabelecendo-se determinados contingentes que o Governo considera possível, sem afectar o mercado, importar em regime livre, aliás mediante concurso público.
Estes contingentes serão fixados aos níveis que o Governo considerar aceitáveis para que a transição entre o regime actual e o instituído por este diploma se efectue por forma a não criar soluções de continuidade nem tão pouco a afectar a viabilidade da EPAC.
Assim, para a campanha de comercialização de 1984-1985, o contingente de importação em regime livre não deverá, em princípio, ultrapassar 10% das necessidades totais de importação. Perante os resultados verificados nesta campanha, o Governo definirá então o ritmo de aumento anual dos contingentes.
As providências agora adoptadas não impedem a EPAC de continuar a importar, mesmo dentro dos contingentes, mas fá-lo-á apenas em regime concorrencial.
3. As alterações introduzidas obrigam à adopção de um novo sistema de preços para os cereais, os quais têm em conta, por um lado, a substituição do preço único e fixo de compra do trigo à produção por um preço de intervenção e, por outro lado, a fixação de preços de venda dos cereais importados a um nível suficientemente mais elevado, que assegure a existência de um verdadeiro mercado.
Os produtores nacionais ver-se-ão, deste modo, protegidos da concorrência exterior, ficando ainda com a vantagem de vender os seus produtos aos preços de intervenção, tendo a opção de os vender no mercado livre, a preços naturalmente mais altos.
4. Por outro lado, para garantir que os cereais importados entrem no País ao denominado «preço limiar», isto é, aos preços fixados para a entrada no País dos cereais provenientes da importação, são instituídos direitos reguladores, variáveis, iguais à diferença entre o preço mais favorável de aquisição do cereal no mercado mundial, determinado segundo o sistema utilizado na Comunidade Económica Europeia, e o respectivo preço limiar previamente fixado.
A importação de contingentes em regime concorrencial depende da emissão de certificados de importação, a atribuir, através de concurso público, aos operadores autorizados, incluindo a EPAC, que se propuserem pagar ao Estado os direitos reguladores mais elevados.
Deste modo se garantirá que as importaçõs sejam concretizadas da forma mais eficiente e com o menor custo para o País.
5. Finalmente, para assegurar uma correcta e eficaz gestão do mercado de cereais e evitar quaisquer perturbações que ponham em risco o seu normal funcionamento, são criados a Comissão do Mercado de Cereais, à qual competirá tomar as medidas necessárias para eliminar eventuais dificuldades ou irregularidades, e o Conselho Consultivo do Mercado de Cereais, que representará os interesses das actividades económicas organizadas.
Assim:
Ouvida a comissão de trabalhadores da EPAC - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições preliminares
Artigo 1.º A gestão do mercado de cereais, a que se refere este diploma, visará prioritariamente assegurar o seu adequado funcionamento, bem como disciplinar o comportamento dos agentes económicos que nele intervêm, em ordem a permitir o aproveitamento racional e harmonioso dos recursos existentes.Art. 2.º A regulamentação do mercado referido no artigo anterior abrange:
a) Um sistema de preços e de intervenção;
b) Um regime de importação e exportação.
Art. 3.º Para o funcionamento do mercado de cereais são criados os seguintes órgãos:
a) A Comissão do Mercado de Cereais;
b) O Conselho Consultivo do Mercado de Cereais;
c) O orçamento de intervenção.
CAPÍTULO II
Sistema e preços de intervenção
Art. 4.º - 1 - Em cada campanha de comercialização de cereais serão fixados, nos termos da alínea a) do artigo 14.º do presente diploma, um preço indicativo, um preço limiar de importação, um preço de intervenção e um preço de revenda, que serão referidos a uma qualidade tipo.2 - A campanha de comercialização do trigo, centeio, aveia, cevada, milho e sorgo inicia-se em 1 de Julho e termina em 30 de Junho do ano seguinte e a do arroz inicia-se em 1 de Outubro e termina em 30 de Setembro do ano seguinte.
Art. 5.º Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:
a) Preço indicativo, o preço de mercado considerado desejável para os cereais nos locais de consumo;
b) Preço limiar de importação, o preço fixado para os cereais importados, por forma a que, nas zonas de consumo, o respectivo preço se situe, tendo em conta as diferenças de qualidade, ao nível do preço indicativo;
c) Preço de intervenção, o preço a pagar à produção nacional pelo organismo de intervenção, ou pela EPAC - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais enquanto aquele não entrar em funcionamento, durante toda a campanha de comercialização;
d) Preço de revenda, o preço a praticar pelo organismo de intervenção, ou pela EPAC enquanto aquele não entrar em funcionamento, para os cereais importados fora do regime concorrencial.
Art. 6.º Se a qualidade do cereal entregue ao organismo de intervenção, ou à EPAC enquanto aquele não entrar em funcionamento, diferir da qualidade tipo a que se refere o preço de intervenção, este será ajustado, de acordo com a aplicação de tabelas de depreciações ou bonificações, definidas nos termos da alínea g) do artigo 14.º do presente diploma.
Art. 7.º - 1 - O preço indicativo, o preço limiar de importação, o preço de intervenção e o preço de revenda são objecto de majorações mensais escalonadas durante toda ou parte da campanha de comercialização.
2 - O número e o montante das majorações mensais, assim como a sua distribuição pela campanha de comercialização, são definidos nos termos da alínea b) do artigo 14.º deste diploma.
CAPÍTULO III
Regime de importação e exportação
Art. 8.º - 1 - O Governo fixará, nos termos da alínea c) do artigo 14.º, os contingentes de cereais que poderão ser importados fora do regime de exclusivo da EPAC.2 - A importação destes contingentes fica sujeita à obtenção de um certificado de importação, a emitir pela Comissão do Mercado de Cereais, e ao pagamento de um direito regulador calculado por forma a elevar o preço de aquisição do cereal no mercado mundial até ao respectivo preço limiar de importação.
3 - A atribuição dos certificados de importação será efectuada por concurso aberto aos agentes económicos interessados, mediante o depósito prévio de uma caução.
4 - A abertura do concurso será previamente anunciada pela Comissão do Mercado de Cereais, mediante aviso do qual constará a quantidade e o tipo de cereal a importar, a data prevista para essa operação e o período de recepção das propostas.
5 - Os interessados no concurso depositarão na Comissão do Mercado de Cereais um documento comprovativo da constituição da caução, uma proposta indicando a quantidade que pretendem importar, assim como o montante do direito regulador que se dispõem a pagar por tonelada de cereal importado.
6 - Os certificados de importação, para o contingente em concurso, serão atribuídos aos agentes económicos que se proponham pagar o direito regulador mais elevado.
7 - A Comissão do Mercado de Cereais utilizará o preço do mercado mundial mais favorável determinado pela Comissão das Comunidades Europeis como termo de comparação com os direitos reguladores propostos.
8 - A Comissão do Mercado de Cereais poderá não atribuir os certificados de importação por considerar insuficientes os direitos reguladores propostos, reabrindo o concurso quando entender oportuno.
9 - As normas respeitantes aos procedimentos relativos aos números anteriores serão estabelecidas nos termos da alínea d) do artigo 14.º deste diploma.
Art. 9.º - 1 - A exportação de cereais e seus derivados fica sujeita à obtenção de um certificado de exportação, a emitir pela Comissão do Mercado de Cereais.
2 - Aquando da exportação haverá lugar à devolução dos subsídios ou de outras importâncias de efeito equivalente de que o respectivo produto tenha beneficiado ao longo do seu circuito económico.
3 - A Comissão do Mercado de Cereais poderá autorizar a importação de cereais fora dos contingentes referidos no artigo anterior e sem pagamento de direitos reguladores desde que aqueles se destinem exclusivamente à exportação de produtos transformados.
4 - A concessão de um certificado de importação para os efeitos previstos no n.º 3 implica a aceitação simultânea de um certificado de exportação para a quantidade equivalente de produto transformado.
5 - A obtenção dos certificados a que se referem os n.os 1 e 4 do presente artigo é condicionada ao depósito de uma caução que garanta a realização da operação durante o período de validade dos certificados, a qual reverterá a favor do Estado, no todo ou em parte, sempre que a operação se não realize ou realize apenas parcialmente.
6 - As normas respeitantes aos procedimentos relativos aos números anteriores serão estabelecidas nos termos da alínea e) do artigo 14.º do presente diploma.
Normas de concorrência
Art. 10.º É aplicável ao mercado de cereais regido pelo presente diploma o disposto na legislação sobre a defesa da concorrência.
CAPÍTULO V
Órgãos
Art. 11.º A Comissão do Mercado de Cereais é composta pelos membros designados pelos Ministros das Finanças e do Plano, da Agricultura, Florestas e Alimentação, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo, sendo a sua constituição, atribuições, competência e regras de actuação definidas por decreto regulamentar.Art. 12.º O Conselho Consultivo do Mercado de Cereais é composto por representantes dos sectores ligados ao funcionamento do mercado de cereais, sendo a sua constituição, atribuições e competência definidas nos termos da alínea h) do artigo 14.º deste diploma.
Art. 13.º - 1 - O organismo de intervenção, ou a EPAC, enquanto aquele não entrar em funcionamento, fica obrigado a comprar, ao preço de intervenção, durante a campanha de comercialização, o cereal de produção nacional que lhe for oferecido, desde que o mesmo corresponda às normas de qualidade mínima previamente fixadas.
2 - O organismo de intervenção, ou a EPAC, enquanto aquele não entrar em funcionamento, venderá o cereal proveniente da sua acção de intervenção, ficando obrigado a abastecer com o cereal nacional ou importado disponível todos os interessados, segundo as normas e os preços estabelecidos nos termos da alínea f) do artigo 14.º do presente diploma.
CAPÍTULO VI
Disposições gerais e transitórias
Art. 14.º Serão estabelecidos por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano, da Agricultura, Florestas e Alimentação e do Comércio e Turismo:a) Para cada campanha de comercialização, o preço indicativo, o preço limiar de importação, o preço de intervenção e o preço de revenda referidos no artigo 4.º;
b) Para cada campanha de comercialização, o número e o montante das majorações mensais dos preços referidos na alínea anterior;
c) Para cada campanha de comercialização, até ao dia 31 de Março anterior ao seu início, os contingentes de cereais, cuja importação será efectuada em regime concorrencial;
d) As normas respeitantes aos direitos reguladores, bem como aos procedimentos para abertura dos concursos, adjudicação e período de validade dos certificados de importação, assim como à constituição e libertação das respectivas cauções;
e) As normas respeitantes aos períodos de validade dos certificados de exportação, constituição e libertação das cauções e às relações entre o cereal de base e a quantidade de produto transformado a exportar a que se refere o artigo 9.º do presente diploma;
f) As normas e preços para a venda de cereais pelo organismo de intervenção, ou pela EPAC, enquanto aquele não entrar em funcionamento;
g) As tabelas de depreciações ou bonificações da qualidade do cereal para a operação de intervenção;
h) A constituição, atribuições e competência do Conselho Consultivo do Mercado de Cereais.
Art. 15.º Enquanto não entrar em funcionamento o organismo de intervenção referido na alínea c) do artigo 3.º, serão as respectivas funções exercidas pela EPAC - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais, que, para o efeito, receberá as necessárias instruções dos ministros competentes.
Art. 16.º Em caso de justificadas dificuldades resultantes da aplicação do novo sistema de comercialização, ou na ocorrência de perturbações no mercado nacional que ponham em perigo o abastecimento público, poderão os Ministros das Finanças e do Plano, da Agricultura, Florestas e Alimentação e do Comércio e Turismo, por iniciativa própria ou mediante proposta da Comissão do Mercado de Cereais, determinar, por portaria conjunta, as medidas adequadas ao restabelecimento do equilíbrio do mercado, suspendendo, se for caso disso, total ou parcialmente, por prazo não superior a 3 meses, a execução das normas constantes deste decreto-lei.
Art. 17.º - 1 - Na campanha de comercialização de 1984-1985 apenas poderão adquirir cereais à produção nacional em regime de mercado livre ou proceder à importação de cereais em regime concorrencial os agentes económicos que, para o efeito, se inscrevam previamente na Comissão do Mercado de Cereais.
2 - O Governo poderá fixar nas campanhas seguintes condições objectivas de acesso dos agentes económicos à possibilidade de importação ou de aquisição dos cereais nacionais em regime de mercado livre.
Art. 18.º - 1 - Fica revogado o regime de exclusivo da EPAC na aquisição de trigo de produção nacional e na importação de cereais que, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º, forem incluídos no regime concorrencial.
2 - A EPAC passará a actuar no mercado nacional de cereais e na importação dos contingentes a fixar nos termos do n.º 1 do artigo 8.º, de modo que fique assegurada a sã concorrência com os outros agentes económicos.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Fevereiro de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Ernâni Rodrigues Lopes - Manuel José Dias Soares Costa - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Promulgado em 16 de Fevereiro de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 17 de Fevereiro de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.