de 17 de Junho
O presente diploma destina-se a reforçar as garantias da legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração Pública.Da insuficiência da actual legislação é sintoma, por um lado, o grande número de recursos contenciosos rejeitados pelos tribunais administrativos, por falta da, até hoje obrigatória, impugnação dos chamados actos tácitos, resultantes da passividade da Administração, os quais, admitidos nas legislações a benefício dos particulares, operam, no entanto, em prejuízo dos menos precavidos ou menos familiarizados com a técnica jurídica. Urge evitar tal frustração.
Por outro lado, a falta de fundamentação das decisões da Administração dificulta, muitas vezes, a sua impugnação, ou sequer uma opção consciente entre a aceitação da sua legalidade e a justificação de um recurso contencioso.
É elevada a percentagem de anulações de actos administrativos decretados pelos competentes tribunais, aliás superior à dos actos cuja legalidade é por eles confirmada.
Assim sendo, é razoável que antes da decisão do recurso seja dada aos órgãos da Administração oportunidade de reverem os seus actos, em face das razões expostas em reclamação dos intressados e as dos serviços ou entidades que sobre elas sejam mandados ouvir.
Importa, ainda, introduzir alterações em matéria de execução das sentenças dos tribunais administrativos, por forma a ampliar os meios adequados a assegurar o perfeito cumprimento dos julgados ou, pelo menos, a efectivar o direito a indemnização substitutiva.
As medidas agora aprovadas não fazem esquecer a necessidade de uma mais profunda revisão da orgânica dos tribunais administrativos e do respectivo processo.
Mas não se há-de perder de vista que o Código Administrativo vai, ele também, passar por uma radical metamorfose, que há-de necessariamente reflectir-se na reestruturação da jurisdição administrativa. E não devem as melhorias conseguíveis a prazo prejudicar as susceptíveis de aplicação imediata, como é o caso das agora aprovadas, cujo significado e alcance não deve ser menosprezado.
Bem pensadas, têm virtude para dar do contencioso dos actos administrativos uma nova imagem, sem dúvida mais consentânea com uma instante preocupação de defesa dos direitos do homem em face da Administração.
Posto isto, e usando da autorização conferida pela Lei 24/77, de 18 de Abril, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou por qualquer modo afectem direitos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Afectem, de igual modo, e no uso de poderes discricionários, interesses legalmente protegidos;
c) Decidam reclamação ou recurso;
d) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
e) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes ou na interpretação e aplicação dos mesmos preceitos legais;
f) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
2. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto.
3. É equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
4. A fundamentação dos actos orais abrangidos pelo n.º 1 que não constem de acta deve, a requerimento dos interessados, para efeitos de impugnação, ser reduzida a escrito e comunicada integralmente àqueles, no prazo de três dias, através da expedição de ofício sob registo postal, ou da entrega de mandado de notificação pessoal, a cumprir no prazo de quarenta e oito horas.
5. O não exercício, pelos interessados, da faculdade conferida pelo número anterior não prejudica os efeitos de eventual falta de fundamentação do acto.
Art. 2.º - 1. Os actos administrativos definitivos e executórios estão sujeitos a recurso contencioso, a interpor mediante petição dirigida ao tribunal competente e apresentada perante a autoridade que os haja praticado.
2. A autoridade recorrida poderá, no prazo de trinta dias, revogar ou sustentar, no todo ou em parte, o acto impugnado.
3. Até ao termo do referido prazo a autoridade recorrida remeterá, em qualquer caso, ao respectivo tribunal, o processo com os documentos pertinentes.
4. Na falta de remessa, o recorrente poderá requerer ao tribunal que avoque o processo e a respectiva documentação, seguindo-se os ulteriores termos do recurso contencioso.
5. Se for requerida na petição de recurso a suspensão da executoriedade do acto impugnado e a autoridade recorrida a não determinar no prazo de oito dias, o recorrente apresentará no tribunal competente o duplicado da petição, acompanhado do recibo de entrada desta, de documento comprovativo do acto recorrido e de quaisquer outros elementos, para decisão do incidente.
Art. 3.º - 1. A falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão administrativa sobre pretensão dirigida a autoridade que tenha o dever legal de a proferir confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação.
2. O prazo a que se refere o número anterior é, salvo o fixado por lei especial, de noventa dias para os demais casos.
3. Os prazos previstos neste artigo contam-se, na falta de preceito especial:
a) Da data de conclusão das formalidades especiais que a lei imponha para o processo preparatório da decisão, ou do termo do prazo para a sua realização, quando a lei o fixar;
b) Da data de entrada do requerimento ou petitição no serviço competente, quando devam seguir-se exclusivamente os termos do processo administrativo comum.
Art. 4.º - 1. A impugnação facultativa a que se refere o artigo precedente pode ser formulada dentro do prazo de um ano, enquanto não for levada ao conhecimento do interessado a prática de acto expresso.
2. A decisão expressa pode, em qualquer caso, ser impugnada por fundamentos diferentes daqueles com que o haja sido o indeferimento tácito e por quaisquer fundamentos na falta de impugnação deste.
3. O objecto da impugnação do indeferimento tácito considera-se ampliado ao conhecimento de ulterior decisão expressa, desde que esta seja levada ao processo.
Art. 5.º - 1. A execução de sentença proferida em contencioso administrativo, quando não seja efectuada espontaneamente pela Administração, no prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado, pode ser requerida pelo interessado ao órgão que tiver praticado o acto recorrido, ou, tratando-se de acção, ao competente órgão da pessoa colectiva nela demandada.
2. Se a execução competir, cumulativa ou exclusivamente, a outro ou outros órgãos, deverá o órgão referido no número anterior enviar-lhes os elementos necessários para o efeito, no prazo de dez dias, a contar da apresentação do requerimento de execução.
Art. 6.º - 1. A sentença deve ser integralmente executada dentro do prazo de sessenta dias, a contar da apresentação do requerimento a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
2. Só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença.
3. A causa legítima de inexecução pode respeitar a toda ou parte da sentença.
4. A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respectivos fundamentos.
5. Quando a execução da sentença consistir no pagamento de quantia certa, não é invocável causa legítima de inexecução.
Art. 7.º - 1. Se a Administração invocar causa legítima de inexecução, ou não der, no prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, execução integral à sentença, pode o interessado requerer ao tribunal que em primeiro grau de jurisdição tiver proferido sentença, ou a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, nos termos do artigo 8.º, ou, no caso de concordar com a Administração acerca da existência de causa dessa natureza, a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do acto anulado pela sentença e da inexecução desta, nos termos do artigo 10.º 2. A petição do interessado conterá a indicação dos fundamentos de facto e de direito com interesse para o pedido e será apresentada dentro dos trinta dias seguintes, conforme os casos, ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo antecedente ou à notificação, que anteriormente lhe tenha sido feita pela Administração, de não execução por causa legítima.
3. A declaração de existência de causa legítima de inexecução poderá ser solicitada ao tribunal pela própria Administração, em exposição fundamentada, desde que o interessado não tenha ainda apresentado petição nos termos do n.º 1.
4. O processo previsto nos números anteriores correrá por apenso aos autos de recurso contencioso ou de acção e seguirá, conforme o pedido, os termos prescritos nos artigos 8.º e 9.º ou 10.º Art. 8.º - 1. Quando seja pedida decisão sobre a existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ouvirá a Administração sobre a petição do interessado, ou este sobre a exposição daquela, pelo prazo de oito dias, sendo admitida réplica à resposta, por igual prazo, a contar da notificação da junção desta.
2. Cumprido o disposto no número anterior, o tribunal ordenará quaisquer diligências que considere necessárias, incluindo a prestação de informações e a apresentação de documentos pela Administração ou pelo interessado.
3. A realização de diligências poderá ser requisitada à instância inferior, se pela natureza das mesmas assim se mostrar adequado.
4. Instruído o processo, irá com vista ao Ministério Público por oito dias, e por igual prazo aos juízes do tribunal superior, se este for competente, procedendo-se a julgamento, neste caso, na primeira sessão seguinte.
Art. 9.º - 1. Nos casos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o tribunal julgará se se verifica ou não causa legítima de inexecução e, se decidir negativamente, ouvirá a Administração e o interessado, que deverão responder no prazo de oito dias, sobre os actos e operações em que a execução deverá consistir e o prazo necessário para a sua prática.
2. Cumprido o disposto na parte final do número anterior, o tribunal, com observância dos n.os 2 a 4 do artigo antecedente, especificará os actos e operações em que a execução deverá consistir e o prazo em que deverão ter lugar, declarando nulos os actos praticados em desconformidade com a sentença e anulando aqueles que tenham sido praticados com invocação ou ao abrigo de causa legítima de inexecução não reconhecida.
3. Se estiver pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos referidos no número anterior, será feita a sua apensação ao processo regulado neste artigo, para os fins previstos no mesmo número.
4. Se a autoridade competente para a execução estiver sujeita a poder hierárquico ou tutelar, o tribunal, a pedido do interessado, e verificada a inexecução da sentença, depois de cumprido o disposto no número anterior, mandará notificar o titular do referido poder para, em substituição daquela autoridade, proceder à execução.
Art. 10.º - 1. Se o interessado requerer a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do acto anulado pela sentença e da inexecução desta por causa legítima, nos termos da última parte do n.º 1 do artigo 7.º, o tribunal ordenará a notificação da Administração e do interessado para, no prazo de quinze dias, acordarem no montante da indemnização devida.
2. O prazo a que se refere a parte final do número antecedente pode ser prorrogado, a pedido do interessado.
3. Na falta de acordo, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 8.º, sendo, porém, de quinze dias os prazos a que se referem os n.os 1 e 4 desse preceito, procedendo-se a julgamento nos termos gerais.
4. O processo findará se entretanto tiver sido proposta acção de indemnização com o mesmo objecto, ou se o tribunal para ela remeter as partes, por considerar a matéria de complexa indagação.
Art. 11.º - 1. A inexecução de sentença proferida em contencioso administrativo, e transitada em julgado, fora dos casos em que, por acordo do interessado ou declaração judicial, for considerada justificada por causa legítima, envolve responsabilidade civil, nos termos gerais, quer da Administração, quer das pessoas que nela desempenhem funções, além de responsabilidade disciplinar, também nos termos gerais, dessas mesmas pessoas.
2. A fixação da indemnização devida pela Administração terá lugar, a pedido do interessado, nos termos prescritos no artigo 10.º 3. Importa a pena de desobediência, sem prejuízo de outro procedimento especialmente fixado na lei, a inexecução de sentença proferida em contencioso administrativo transitada em julgado desde que, tendo a execução sido requerida pelo interessado, ela se não verifique, nos termos estabelecidos pelo tribunal, ou o órgão a quem caiba a execução revele inequivocamente a intenção de não dar cumprimento à sentença, sem invocação de causa legítima de inexecução.
Art. 12.º - 1. No orçamento das pessoas colectivas de direito público será inscrita obrigatoriamente dotação destinada ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais.
2. As dotações a que se refere o número anterior ficam à ordem do Conselho Superior da Magistratura, que emitirá a favor dos respectivos credores as ordens de pagamento que lhe forem requisitadas pelos tribunais, observando, no caso de insuficiência de verba, e enquanto não for devidamente reforçada, a ordem do trânsito em julgado das sentenças.
Art. 13.º O presente diploma entrará em vigor no sexagésimo dia posterior ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares - Manuel da Costa Brás - António de Almeida Santos.
Promulgado em 17 de Junho de 1977.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.