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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 9/2023, de 16 de Novembro

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Sumário

Acórdão do STA de 19-04-2023, no Processo n.º 565/16.5BEPRT - Pleno da 1.ª Secção. Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 9/2023

Sumário: Acórdão do STA de 19-04-2023, no Processo 565/16.5BEPRT - Pleno da 1.ª Secção. Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado».

Acórdão do STA de 19-04-2023, no Processo 565/16.5BEPRT - Pleno da 1.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - AA interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do TCA-Norte, de 24/05/2021, que negou provimento ao recurso que interpusera da decisão do TAF do Porto que, com fundamento na verificação da excepção da prescrição do direito de indemnização, absolveu do pedido o R. Estado Português, invocando que aquele estava em contradição com o acórdão proferido pelo TCA-Sul em 8/5/2008, no processo 01509/06.

Na sua alegação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

"A - O Acórdão recorrido, que transitou em julgado em 04/11/2022, interpreta de forma incorreta o disposto nos artigos 323.º, 326.º, 327.º e 498.º, todos do CC e no artigo 279.º do CPC, desconsiderando ainda a vontade do legislador plasmada no n.º 4 do artigo 10.º, no n.º 3 do artigo 41.º e no n.º 3 do artigo 78.º, todos do CPTA na redação em vigor na data da entrada do processo 2962/13.9BEPRT (5.ª versão) assim como nos n.os 4 e 5 do artigo 10.º e no n.º 3 do artigo 78.º do CPTA atual, ao decidir que não ocorre a interrupção do prazo de prescrição dos direitos emergentes de responsabilidade civil que o Autor (ora Recorrente) exerceu contra o Estado Português por via da citação efetuada em ação anterior com o mesmo Autor (ora Recorrente), com o mesmo pedido e causa de pedir, em que foi indicado e citado como Réu o Ministério da Economia e que terminaram por via da absolvição da instância desse mesmo Réu.

B - Tal errónea decisão contradiz, quanto à mesma questão fundamental de direito, a douta decisão proferida pelo TCA Sul em 8/05/2008, no Processo 01509/06, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Rogério Martins, também transitada em julgado, que é, de resto, idêntica a todas as decisões que conhecemos deste insigne Supremo Tribunal Administrativo, pelo que se encontra preenchido o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA e afastada a previsão constante do n.º 3 do mesmo preceito e diploma.

C - O Acórdão identificado na conclusão precedente é o escolhido como Acórdão fundamento do presente recurso, porquanto, à luz dos mesmos preceitos analisados no Acórdão recorrido, decide questão igual, de forma diametralmente oposta à decidida no Acórdão recorrido, considerando que ocorre a interrupção do prazo de prescrição dos direitos que um determinado Autor exerceu contra o Estado Português por via da citação efetuada em ação anterior com o mesmo Autor, com o mesmo pedido e causa de pedir, em que foi indicado e citado como Réu o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho, ainda que a anterior terminasse por via da absolvição da instância desse mesmo Réu, havendo, em consequência, flagrante contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.

D - Verifica-se, pois, identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o Acórdão fundamento, havendo os mesmos pressupostos de facto, designadamente, decisão sobre a mesma legislação e em relação às mesmas partes, ou seja, à dicotomia Ministério/Estado Português e que a oposição entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido, emerge de decisões expressas quanto à mesma matéria, sendo a legislação vigente na data de ambas as decisões, idêntica ou igual, confirmando o próprio Acórdão recorrido que a sua posição não é unanimemente defendida ao fazer constar (Cfr. página 69) que "[...] não desconhecendo entendimento diferente, não acompanhamos".

E - A decisão do TCA Sul constante do Acórdão fundamento é a tida como correta, sendo defendida pela orientação jurisprudencial mais sólida, incluindo deste insigne Supremo Tribunal Administrativo, retirando-se tal constatação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/03/2003, proferido no recurso 02055/02, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Rosendo José, do Acórdão de 6/02/1996, proferido no Processo 037876, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Adelino Lopes e do Acórdão de 27/09/2005, proferido no processo 062/05, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Edmundo Moscoso, o qual incongruentemente foi citado no Acórdão do TCAN de 29/05/2014 proferido no processo 0156/08.4BEBRG, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Antero Pires Salvador, o qual, por sua vez, serviu de fundamento ao próprio Acórdão recorrido), todos disponíveis em www.dgsi.pt, ainda que se verifiquem nestas decisões ténues e irrelevantes diferenças quanto aos órgãos e pessoas coletivas nas mesmas em apreço.

F - A jurisprudência que apoia a tese defendida pelo Recorrente e pelo Acórdão fundamento é profusa e provém de todos os Tribunais superiores, constituindo o Acórdão do TCA Sul, proferido em 06/03/2014, no Processo 05377/09, em que foi Relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Benjamim Barbosa e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/05/2006, proferido no Processo 05S3913, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Mário Pereira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a exemplos da orientação que consideramos padrão, apesar de revelarem fundamentações com ténues diferenças entre si que originam a mesma decisão.

G - A tese propugnada pelo Recorrente e pelo Acórdão fundamento, que é contrária à defendida pelo Acórdão recorrido na mesma questão fundamental de direito, tem ainda o suporte da mais reputada doutrina de Direito Administrativo, como Freitas do Amaral que propugna que "[...] o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos [...] Cada órgão do Estado - cada Ministro, cada diretor-geral [...], vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço)" (in Curso de Direito Administrativo, 2.ª Edição, vol. I, pág. 221).

O recorrido, Estado Português, na sua contra-alegação, enunciou as conclusões seguintes:

"A - Inadmissibilidade do Recurso para uniformização de jurisprudência por não verificação dos seus pressupostos:

a) O recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário que visa decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos Tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias.

b) Daí que, só possam ser admitidos nas circunstâncias fixadas na lei, impondo-se por isso averiguar se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a sua admissão e só depois, se o mesmo for admitido, conhecer do seu mérito.

c) Ainda que a situação de facto vertida no Acórdão Recorrido e no Acórdão fundamento não tenha de ser coincidente, é de exigir que se estabeleça um confronto jurisprudencial na discussão e resolução de situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo, sejam equiparáveis.

d) Assim, não é de somenos salientar que no Acórdão Fundamento, para além do Réu ter vindo suprir, a convite do Tribunal, a excepção da ilegitimidade passiva, a propositura da nova acção ocorreu no prazo que a lei preceitua no artigo 279 n.º 2 e 327 n.º 3, ambos do Código Civil, condição para que os efeitos civis derivados da primeira causa e da citação do Réu se possam manter na acção ulterior, e não foi, in casu, censurada a inércia da Autora, na medida em que no caso concreto o erro na indicação do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho como sujeito passivo na relação processual deu-se num quadro legislativo (do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos) entrado em vigor há menos de um ano quando a acção foi interposta.

e) No caso do Acórdão recorrido, em menção dos autos, e como decorre do seu teor, nem a propositura da nova acção ocorreu no prazo que a lei preceitua no artigo 279 n.º 2 e 327 n.º 2, ambos do Código Civil, e não foi, in casu, justificada a inércia do Autor, tendo-se reprovado, inclusive, a actuação do mesmo, entendendo-se ainda não ser suprível excepção de ilegitimidade passiva, e bem, na medida em que não nos encontramos perante um caso de preterição de litisconsórcio necessário, ilegitimidade passiva plural, mas sim no caso de ilegitimidade passiva singular.

f) Por outro lado, ainda se diga que os casos trazidos a lume na jurisprudência citada em sua defesa pelo aqui recorrente, proferidos no âmbito da LPTA, é evidente que tal jurisprudência não pode ser aplicada ao caso sub judicio.

g) Parafraseando a decisão do STA na não admissão do recurso de revista: [...] Assim, apenas com base na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito esta revista poderia ser admitida. E isto também não ocorre, pois que, dadas as nuances do caso concreto, a «interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes», que foi realizada pelas instâncias - mormente pelo acórdão recorrido - mostra-se, numa abordagem preliminar e sumária, perfeitamente aceitável, não evidenciando claro erro de direito.

h) Não menos importante é que o STA decidiu, no Acórdão de 28-2-2018, proferido no proc. 01006/16, em situação similar à dos autos que "[...] o erro na indicação do Ministério das Finanças como sujeito passivo na relação processual deu-se num quadro legislativo entrado em vigor cerca de doze anos antes da propositura da referida acção n.º 1879/15.7BEPRT, pois, desde a entrada em vigor do CPTA, em 2003, vigora o sistema de que aos Ministérios não é reconhecida legitimidade (logo não lhes é reconhecida personalidade judiciária) nas acções que tenham por objecto relações contratuais e de "responsabilidade pura" (artºs 10.º e 11.º do CPTA), [...]".

i) A ser, assim, resta concluir que são distintos os contornos fácticos entre o Acórdão em causa e o Acórdão fundamento, e, neste contexto, a resposta jurídica que foi encontrada não entra em conflito com a que foi dada no acórdão fundamento em torno da interpretação e aplicação, pelo menos, do art. 327.º, n.º 3, do CC e do artigo 279.º ambos do Código Civil.

j) O que se pode afirmar é que existe uma relação de complementaridade em resultado da apreciação de outras circunstâncias que não foram abordadas no acórdão fundamento, e há fundamentos que foram decisivos para o resultado declarado na presente acção que não foram objecto de apreciação no acórdão fundamento.

l) Destarte, e face ao exposto, atenta a falta de contradição essencial, pelo menos, em parte, entre os dois arestos, atenta a falta de contradição essencial, pelo menos, em parte, entre os dois arestos, a realidade subjacente a cada um dos arestos que não é, repita-se, totalmente coincidente, nem de facto nem de direito, e a pronúncia expressa pelo STA quanto a esta matéria, no aludido no Acórdão de 28-2-2018, permite concluir, sem margem para dúvidas de que não se mostram preenchidos os pressupostos para a admissão do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, que não deverá, em consequência, ser admitido.

B - Sem conceder, do mérito:

m) Em nosso entender não assiste qualquer razão ao recorrente.

n) Como se verifica dos autos, quer a 1.ª instância quer o TCAN foram unânimes na prescrição do seu eventual direito a ser indemnizado por conduta ilícita e culposa imputada ao demandado. Para tanto entenderam, e assim o entendeu o acórdão ora recorrido, que o autor apenas manifestou a sua intenção de exercer esse direito mais de cinco anos após ter tomado conhecimento do mesmo. No percurso jurídico para chegar a tal conclusão, as instâncias procederam à interpretação conjugada de várias normas do CC - 498.º, 323.º, 325.º a 327.º - e do CPC - 279.º -, na versão aplicável ao caso, bem alicerçada em jurisprudência e em doutrina, e concluíram que a interposição anterior de 2 outras acções contra o Ministério da Economia, que findaram com a absolvição do réu da instância, não tiveram o efeito interruptivo que o aqui autor lhes pretende atribuir.

o) Essas açcões prévias a esta, nas quais o recorrente, sucessivamente, demandou o Ministério da Economia - a ação administrativa comum n.º 2962/13.9BEPRT, interposta a 17.12.2013, finda, com trânsito em julgado, por ilegitimidade do réu e a ação administrativa especial n.º 822/15.8SEPRT, interposta a 13.03.2015, finda, com trânsito em julgado, por impossibilidade jurídica e extemporaneidade e que pretende produzirem o efeito interruptivo, previsto no artigo 323.º do CC, relativamente ao aqui demandado Estado Português.

p) E note-se que não houve erro por parte do demandante na indicação do demandado, até porque sempre esteve representado por advogado, já que o patrocínio nestas acções é obrigatório. Tanto assim que, na segunda acção, o Autor insiste em demandar o Ministério da Economia. É que, efectivamente, logo a seguir à acção em que o ME é absolvido da instância, o A propõe nova acção, mas administrativa especial, ou seja, de impugnação, quando, ao invés deveria propor nova acção comum, contra o Réu Estado Português, e no prazo de 2 meses para aproveitar os efeitos civis decorrentes da primitiva acção.

r) Só a ação administrativa comum n.º 2962/13.9BEPRT, interposta a 17.12.2013, finda, com trânsito em julgado, por ilegitimidade do réu, poderá aqui ser equacionada nos moldes pretendidos pelo Recorrente A., ou seja de pretender que produza o efeito interruptivo, previsto no artigo 323.º do CC, relativamente ao aqui demandado Estado Português.

s) O entendimento defendido pelo Recorrente como sendo a melhor jurisprudência, apoia-se do Acórdão fundamento - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo 01509/06 de 08-05-2008, que sentencia que "a citação de um Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho numa acção de responsabilidade interrompe o prazo de prescrição do direito que se pretende fazer valer e que deveria ter sido deduzido em juízo contra o Estado Português, e em demais arestos que menciona, e que antecipe-se, em alguma medida até os desvirtua, por terem sido proferidos no âmbito da LPTA, estarem em causa especificidades muito próprias nas mesmas decisões, relativamente às acções em referência, as quais inviabilizam traçar linhas gerais para uma uniformização da jurisprudência".

t) Simplificando, parece que a questão que o Recorrente pretende ver uniformizada na Jurisprudência é saber se, em acção de responsabilidade civil, se um Ministério (que no caso é o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho) e o Estado Português são pessoas diferentes ou diversas, ou se são em suma a mesma pessoa, para lograr aproveitar da interrupção da prescrição configurada no artigo 323.ºdo Código Civil, pela citação errónea do Ministério.

u) Se bem que ainda houvesse um entendimento inusitado e surpreendente no sentido de que Ministério e Estado são uma mesma pessoa numa acção administrativa de responsabilidade civil, no âmbito do CPTA, note-se que o Recorrente não obteria vencimento neste seu dissídio, já que como anteriormente frisamos não poderia aproveitar os efeitos da propositura da acção e da citação do Réu para efeitos de caducidade e de prescrição, que, respectivamente, devem ser encontrados exclusivamente a partir dos arts 327, n.º 3, e 332, n.º 1, do C. Civil, sendo por isso necessário que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao autor "(pressuposto que deve ser casuisticamente apreciado, sem dogmatismos).", in "Código de Processo Civil Anotado", I, Abrantes Geraldes et alii, em nota ao artigo 279.

v) E, com referência a tais normativos, como a jurisprudência do STJ já o enunciou o motivo é imputável ao autor quando há culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção. Seja, o efeito impeditivo da prescrição encontra-se presentemente condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa de absolvição da instância. E tal juízo não pode dar-se como verificado se a parte actuou "em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, quando, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância, como acontece quando, na condução da acção, a parte, representada pelo seu advogado, não adota um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respectivas peças processuais, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo, considerando a manifesta evidência da caraterização dos pressupostos da legitimidade ativa na acção de preferência. (in ac. do STJ de 16/06/2015, rec. 1010/06. V. tb ac. de 16/02/2012, rec. 566/09). Ora, e o Acórdão recorrido fez esse juízo de reprovação ao Recorrente".

x) De igual forma a propositura da nova acção não ocorreu no prazo que a lei preceitua no artigo 279 n.º 2 e 327 n.º 2, ambos do Código Civil

z) Mas, e para o que agora importa, a natureza pessoal do acto interruptivo impede outra solução, como bem o salientou a Mª Juiz no saneador-sentença recorrido, ao escrever que "... a AA n.º 2962/13.9BEPRT findou com absolvição do Réu Ministério da Economia, da instância, por ilegitimidade passiva, porquanto para as ações de responsabilidade aquiliana era parte legítima o Estado Português, ...à luz do disposto nos artºs 10.º n.º 2 e 11 n.º 2 ambos do CPTA." "... o acto interruptivo da prescrição é de natureza pessoal, só afectando a pessoa a quem se reporta por virtude da citação para a ação que lhe foi dirigida - artigo 323.º n.º 1 e n.º 4 do C.Civil. Consequentemente, a citação realizada em pessoa diversa não tem a virtualidade de operar a interrupção do prazo prescricional."

aa) E não pudemos deixar de sufragar este entendimento acertadíssimo que é, também feito no Acórdão Recorrido que é abundante em fundamentação e jurisprudência acolhida.

bb) Refere na sua vasta fundamentação que no sentido da interpretação do artigo 279.º do CPC efectuada na sentença, e nesta instância acolhida, e em seu reforço, veja-se, para além da jurisprudência citada na sentença, o Acórdão do STJ de 12-12-2017, Pº 420/15.8T8VCT.G1.S2 e o Acórdão do TRL de 1-09-2010, Pº 1190/15.3T8VFX-2 com o seguinte sumário: "A interrupção da prescrição decorrente da citação para a acção relativamente a um réu que é, de seguida, absolvido da instância, não se propaga a um réu diferente contra o qual é dirigida a nova acção."; e especificamente "no que respeita aos limites subjectivos da interrupção da prescrição vigora a regra da eficácia subjectiva do acto interruptivo da prescrição - regra que decorre da aplicação do n.º 2 do artigo 323.º e dos n.os 1 e 3 do artigo 327.º, ambos do CC -, de que decorre, em geral, que a interrupção só se verifica a favor do credor que o pratica e em relação ao devedor sobre que tiver incidido." o Acórdão do TCA Norte, de 07-12-2018.

cc) No âmbito do CPTA, tanto pode ser demandado o Estado como o Ministério da Economia ou outro Ministério ou órgão estadual qualquer, mister é que, no caso, qualquer deles tenha legitimidade passiva para tanto. Para efeito de legitimidade passiva não há, pois, confusão entre o Estado e um seu Ministério governamental.

dd) Numa acção que se visa a indemnização por responsabilidade civil extracontratual parte demandada é a pessoa colectiva pública, in casu, o Estado Português, nas acções de impugnação parte demandada é o Ministério, cuja legitimidade até pode ser alargada para responsabilidade civil nos termos do artigo 10, n.º 7, do CPTA.

ee) Consequentemente, a citação realizada em pessoa diversa não tem a virtualidade de operar a interrupção do prazo prescricional. Tendo aquelas acções sido dirigidas a pessoa diversa do ora Réu, não se verifica qualquer interrupção na contagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 323.º do C.C.

ff) Registe-se que que existe alguma confusão conceptual nesta matéria por parte do Recorrente, que nos parece necessário clarificar. E, fazendo apelo ao Acórdão do TCAN, datado de 7-12-2012, diga-se que o regime legal inserto no n.º 2 do art. 10.º do CPTA reporta-se à disciplina ou definição tão-só da legitimidade processual passiva nas acções administrativas que tenham por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública estabelecendo que quem é a parte demandada "... é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos ...".

gg) Tal regime vale, todavia, apenas para as acções administrativas especiais (impugnação acto, condenação à prática de acto legalmente devido e de impugnação de normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA) e, bem assim, para as acções de reconhecimento de direito ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], mas já não é aplicável às acções administrativas comuns que tenham por objecto, nomeadamente, litígios para a efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado como é o do caso vertente, sendo que o mesmo pelos seus termos, repita-se, não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no quadro duma acção como a "sub judice"

hh) Por outro lado, o previsto no n.º 2 do art. 10.º do CPTA reporta-se a situações processuais com características inteiramente diversas das acções administrativas comuns que têm por objecto a efectivação de responsabilidade civil do Estado [seja contratual ou seja extracontratual], já que ali, em atenção aos interesses/litígios específicos objeto de discussão em acção administrativa, entendeu o legislador prescrever, em relação aos mesmos, normas próprias reguladoras de legitimidade passiva e, consequentemente, também de personalidade judiciária ou susceptibilidade de ser parte, tal como se entendeu no acórdão do STA de 03.03.2010 (Proc. n.º 0278/09 supra citado), cuja jurisprudência confirma o entendimento uniforme deste TCA e que aqui se reitera.

ii) Com efeito, fazendo apelo ao que constituía a jurisprudência anterior neste quadro, a que supra fizemos alusão, e bem assim à doutrina que se produziu no quadro da inovação operada pelo n.º 2 do art. 10.º do CPTA, pode ler-se na sua fundamentação que "... no domínio do contencioso de anulação a legitimidade passiva e a personalidade judiciária, para esse efeito, radicavam não na pessoa coletiva mas antes no órgão da administração que praticou o ato - cf. artigos 26.º, 36.º, n.º 1, alínea c) e 43.º da LPTA [...], e a personalidade judiciária dos ministérios (ou ministros) não era reconhecida para efeito dos meios processuais que seguem os termos do processo civil. [...] Ora, do que os recorrentes invocam (.), não se antolha qualquer razão que convença no sentido de se concluir de modo diferente do exposto, isto é, que ao Ministério, por não ser uma pessoa coletiva mas sim um órgão da pessoa coletiva Estado, falece personalidade judiciária mesmo que por extensão.

jj) [...] É certo que a jurisprudência, concretamente do STA, tem de há muito defendido que não tendo o Município competência administrativa, mas sim atribuições, é nos respetivos órgãos, designadamente no órgão colegial câmara municipal, que há-de radicar-se, como que uma extensão da personalidade e da capacidade judiciárias. [...] Só que, essas atribuições da pessoa coletiva Estado não se verificam relativamente ao Ministério ... e daí que não possa admitir-se, ..., que ao falar-se em Ministério ou Estado tal não representa mais que um mero «modus dicendi»."

ll) Destarte, o Acórdão fundamento surge, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, desacompanhado de jurisprudência actualizada, entendendo-se o Acórdão recorrido, ao invés, o mais representativo da jurisprudência com a fundamentação aí exposta e a solução jurídica que alcança, a mais acertada e consolidada no domínio de tempo que contextualiza. Veja-se o sentido unívoco dos Acórdãos deste TCAN de 15/03/2019, P. 1493/17.2BEPRT e de 19-11-2015, proc. n.º 988/12.9BEAVR e de 31/05/2019, proc. n.º 929/16.4BEPNF, no qual se decidiu «[...] como bem o pressupôs a sentença recorrida, o disposto no art. 279.º n.º 2 do CPC só é aplicável, no que à prescrição se reporta, quando a nova acção é proposta com o mesmo objecto e contra o mesmo Réu da primeira causa. [in Código de Processo Civil Anotado, V. 1.º, 2014 pp 552/553.9].» Interpretação que resulta da conjugação dos n.os 1 e 2, do artigo 279.º do CPC e dos artigos do Código Civil relativos à prescrição, designadamente os artigos 323.º e 327.º e tem apoio na jurisprudência e na doutrina, com a peculiaridade de ter sido subscrito pelo Exmo. Sr. Desembargador Relator Rogério Martins, como segundo adjunto, sufragando, ao que parece entendimento diferente e em total acordo com o Acórdão recorrido, sem que tenha efectuado voto de vencido.

mm) Resta-nos, concluir como o fez o Acórdão recorrido que não havendo controvérsia que sempre antes da acção n.º 2962/13.9BEPRT se iniciou o prazo prescricional, e julgando que entrementes até à citação do réu na presente - até ela não demandado - não promana qualquer acto interruptivo da prescrição, decorreu todo o prazo para ser alcançada.

nn) E, rematar que se porventura for uniformizada jurisprudência a este propósito, sempre o teria de ser em completa dissonância com o pretendido pelo Recorrente, ou seja, sempre no sentido de que: em acção de responsabilidade civil, um Ministério (que no caso é o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho/ Economia) e o Estado Português são pessoas diferentes ou diversas, não podendo ser invocados perante o Estado Português os efeitos civis, previstos no artigo 323.º n.º 1 do Código Civil, derivado da anterior citação feita em pessoa diferente.

oo) Concluindo o recurso não deve ser admitido, mas, se admitido deve ser julgado improcedente nos termos expendidos."

2 - Nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.

3 - De acordo com o preceituado no artigo 152.º, do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: a) que exista contradição entre um acórdão do TCA e outro anteriormente proferido pelo mesmo ou outro TCA ou pelo STA ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado dos acórdãos em oposição; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

A contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito supõe a identidade dos respectivos pressupostos de facto e um quadro normativo substancialmente idênticos e tem de referir-se a decisões expressas e não a julgamentos implícitos, sendo, por isso, apenas o resultado de uma divergente interpretação jurídica.

No caso em apreço, o recorrente coloca a oposição entre os acórdãos, proferidos em acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de facto ilícito, no facto de um (o recorrido) entender que o prazo de prescrição do direito de indemnização não se interrompeu por via da citação de um Ministério numa acção anterior intentada pelo mesmo autor, com o mesmo pedido e causa de pedir e que terminou com uma decisão de absolvição da instância, enquanto o outro (o fundamento) adoptou posição diametralmente oposta, considerando que nessa situação se verificava tal interrupção.

Vejamos então se ocorre a alegada contradição.

O acórdão recorrido negou provimento ao recurso que o ora recorrente interpusera de despacho saneador que, julgando procedente a excepção peremptória da prescrição, absolveu o Estado Português do pedido de condenação no pagamento de indemnização de (euro) 15.000,00 que formulara em acção intentada em 3/3/2016.

Nesse saneador entendera-se que o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do C. Civil, começara a correr em Janeiro de 2011, só se interrompendo na data em que, nessa acção, se verificara a citação do Estado (10/3/2016), por irrelevar para este efeito a citação do Ministério da Economia ocorrida em 8/1/2014, no âmbito da acção administrativa comum n.º 2962/13.9BEPRT, e em 27/5/2015, na acção administrativa especial n.º 822/15.8BEPRT, nas quais fora proferida decisão de absolvição da instância, uma vez que estas citações, tendo sido efectuadas em pessoa diversa do R. Estado, não tinham a virtualidade de interromper a prescrição.

O acórdão, considerando que o Estado não fora demandado nas identificadas acções que haviam terminado com decisão de absolvição da instância por este não se confundir com qualquer Ministério, confirmou o entendimento da decisão recorrida que o prazo de prescrição só se interrompera em 10/3/2016, mostrando-se, assim, decorrido.

Por sua vez, o acórdão fundamento revogou a sentença do TAF de Sintra que julgara procedente a excepção da prescrição do direito de indemnização em acção intentada contra o Estado após, com fundamento em ilegitimidade passiva, ter sido proferida decisão de absolvição da instância na acção proposta contra o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho pelo mesmo autor e de, simultaneamente, este ter sido convidado a suprir aquela excepção apresentando nova petição inicial onde o Estado figurasse como réu.

Para assim decidir, o acórdão, depois de realçar a incongruência de haver uma decisão de absolvição da instância com fundamento na verificação da excepção de ilegitimidade passiva seguida de um convite ao aperfeiçoamento da petição com indicação de um outro R., mas referindo que essa decisão transitou em julgado e que a solução será a mesma independentemente de se entender que existira uma ou duas acções, considerou:

"[...].

Entrando agora no cerne da questão aqui em análise, a de saber se a primeira citação interrompeu ou não o prazo de prescrição, importa desde logo sublinhar a natureza jurídica do instituto da prescrição.

A corrente doutrinal dominante é sem dúvida a que entende que o instituto da prescrição não se confunde com o instituto da caducidade e que enquanto neste estão subjacentes sobretudo os interesses da certeza e da segurança nas relações jurídicas, no instituto que agora nos ocupa está principalmente subjacente a penalização do titular do direito pela sua inércia. E o legislador acabou por tomar posição neste sentido, autonomizando os dois institutos e fixando-lhes regimes em que se depreende os diferentes fins visados por um e por outro, acabados de referir.

Como doutrina Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 4.ª edição, 1984, página 792, «o fundamento da caducidade analisa-se apenas em razões objectivas de certeza e segurança jurídica, ditadas pelo interesse social de definição das situações a que respeita, ao passo que a prescrição se explica ainda como reacção contra a inércia e desinteresse do titular do direito - que, ou significa renúncia, ou, de qualquer modo, o torna indigno de protecção jurídica; a prescrição só resulta da lei, enquanto a caducidade pode derivar da lei ou da vontade das partes; a prescrição não opera 'ipso iure' com o decurso do prazo, não se conferindo ao tribunal, portanto, a faculdade de conhecê-la oficiosamente (art. 303.º), e apresenta-se sempre susceptível de renúncia, uma vez consumada (art. 302.º), ao contrário do que pode acontecer, numa e noutra hipótese, com a caducidade (art.s. 330.º e 333.º), à qual também não se aplicam, em princípio, as causas suspensivas e interruptivas da prescrição (art. 328.º).

No caso presente não pode ser censurada a inércia da Autora. Na pior das hipóteses para esta, poderia dizer-se que se lhe pode censurar a falta de conhecimento de regras processuais - e nem isso como veremos - mas não a sua inércia.

Com efeito, a Autora apresentou a primeira petição, onde se manifesta a vontade de exercer exactamente o mesmo direito que é invocado na segunda petição, e que o Réu pretende ver prescrito, em 27 de Outubro de 2004, antes de decorrido o prazo de prescrição. Ou seja, a Autora não esteve indiferente ao exercício do direito que entende caber-lhe por um período superior ao que a lei permite sem sancionar a inércia com a prescrição.

A falta de citação do Réu Estado Português antes de esgotado o prazo de prescrição não ocorreu por inércia da Autora mas por esta ter adoptado uma interpretação da lei quanto à legitimidade passiva neste tipo de acções diferente da sufragada pelo Tribunal.

Este é um primeiro passo para se entender que não se verificou a prescrição, uma vez que não ocorreu o motivo essencial que faz despoletar o funcionamento do instituto, a inércia do titular do direito.

Acresce que o Ministério das Actividades Economias e do Trabalho não é uma pessoa jurídica diversa do Estado Português. Precisamente por ser um departamento da Administração Central, destituído de personalidade jurídica - artigo 1.º da respectiva Lei Orgânica aprovada pelo Decreto-Lei 186/2003, de 20 de Agosto.

O que significa que ao ser citado este Ministério não foi citada pessoa jurídica distinta do Estado Português.

Isto sendo certo que no caso concreto não se configura qualquer hipótese, mesmo difícil de configurar em abstracto, de conflito de interesses entre o Ministério e o Estado.

Como bem refere a Recorrente, não se trata aqui de uma situação substancialmente distinta daquela em que é de mandada a Câmara Municipal (órgão executivo) em vez do Município (pessoa colectiva).

Também aqui se tem entendido que a citação do órgão da pessoa colectiva interrompe o prazo de prescrição do direito que se pretende exercer contra a própria pessoa colectiva (ver Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-03-2003, no recurso 02055/02).

Por outro lado, entendemos ser irrelevante o facto de o Estado Português ter em juízo uma representação diferente da dos Ministérios e de não ter sido citado, na primeira vez, o magistrado do Ministério Público, representante do Estado Português em juízo - artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A representação em juízo de uma pessoa colectiva destina-se a suprir a sua incapacidade, pela própria natureza das coisas, de exprimir directamente a sua vontade, necessitando para o efeito da intervenção de uma pessoa física (cf., a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, obra citada, pág. 84).

Ora o que está subjacente ao funcionamento do instituto da prescrição é, como vimos, uma razão atinente ao titular do direito, o autor na acção, em concreto a inércia no exercício do direito, e não uma razão atinente ao sujeito passivo da relação jurídica.

O simples requerimento de citação pode interromper o prazo de prescrição ainda que não tenha ocorrido, no prazo de 5 dias, a citação, por motivo não imputável ao requerente - artigo 323.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Esta disposição inculca inequivocamente a ideia de que o relevante, para operar a interrupção da prescrição, é acção do titular do direito e não a possibilidade ou impossibilidade do demandado contrariar a pretensão deduzida em juízo.

Em consonância com a razão de ser do instituto da prescrição: penalizar a inércia do titular do direito.

A intervenção de pessoa física diversa do representante do Estado em juízo, o magistrado do Ministério Público, no acto de citação, relevará em sede do exercício do direito ao contraditório (contestação) e, em particular, no início do respectivo prazo, questão que não importa agora abordar.

Não releva para o efeito de se considerar ou não interrompida a prescrição.

Finalmente, cabe dizer o seguinte, relativamente aos efeitos da primeira citação ocorrida neste processo:

A ineficácia da citação, como facto interruptivo da prescrição, prende-se com uma atitude de inércia ou de negligência do Autor (artigos 323.º, n.º 2, e 327.º, n.º 3, do Código Civil).

Não se enquadra nesta situação o erro, compreensível num quadro de novidade legislativa, de interpretação de normas ou a adopção de um critério distinto do que é adoptado pelo tribunal em que a petição deu entrada (ver neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-01-2002, no recurso 047480).

No caso concreto o erro na indicação do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho como sujeito passivo na relação processual deu-se num quadro legislativo (do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos) entrado em vigor há menos de um ano quando a acção foi interposta.

E num sistema em que aos Ministérios é reconhecida legitimidade (logo personalidade judiciária) para as acções administrativas especiais (artigo 10.º, n.º 2) mas não para as acções que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade (artigo 11.º, n.º 2).

O erro verificado não é, pois, censurável. Neste sentido não pode ser imputado (subjectivamente) à Autora.

Conclui-se, face ao exposto, que a primeira citação, ocorrida em 2 de Novembro de 2004, interrompeu o prazo de prescrição do direito que aqui se pretende fazer valer, pelo que improcede esta excepção, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo.

De todo o modo - e esta afirmação mostra-se quanto a nós líquida -, a citação do Ministro da Economia do processo 40.673-11-A do Supremo Tribunal Administrativo, por carta registada expedida em 24.09.2004, interrompeu o prazo de prescrição do arrogado direito da Autora.

Sempre se entendeu que a execução do julgado anulatório se traduz na prática dos actos necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado (Decreto-Lei 256-A/77 de 17.6 e art.º. 173.º do CPTA, neste sentido ver os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30-10-97, no processo 24460B, e de 14-02-2008, no processo 040673A).

Também o direito de indemnização se traduz na reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - artigo 562.º do Código Civil.

A anulação do acto ilegal obtida em recurso contencioso é, em si mesma, e pela eficácia retroactiva que lhe é reconhecida, a primeira etapa e a mais decisiva dessa indemnização, com acima se referiu.

Depois desta etapa surge o processo de execução propriamente dito que compreende três fases: a da substituição do acto ilegal, a da supressão dos efeitos do acto ilegal e a da eliminação dos actos consequentes do acto ilegal. Não sendo possível a execução do julgado anulatório, surge então o direito à indemnização compensatória, em dinheiro (ver a este propósito Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos tribunais administrativos, 2.ª edição, páginas 58 e 123).

O pedido indemnização pelos danos decorrentes do acto declarado ilegal e o pedido de indemnização pela inexecução do julgado anulatório não são realidades distintas. Em ambos os casos se está a exercer o direito de indemnização pelos resultados da prática do acto declarado ilegal. Trata-se apenas de alternativas e fases diferentes para o exercício do mesmo direito de indemnização.

Daí que se conclua, de forma pacífica, que a "citação do réu numa acção de indemnização interrompe a prescrição do exercido direito e tem efeitos na acção ulterior em que se enuncie a mesma pretensão indemnizatória, ainda que fundada em causa de pedir parcialmente diferente" (Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 24-01-2008, recurso 0829/07, também neste sentido já tinha pronunciado o Acórdão de 12-01-1993, recurso 030864).

O pedido de execução do julgado deduzido pela ora Autora junto do Supremo Tribunal Administrativo, em 29.06.2004, traduziu o exercício do direito à indemnização, embora ainda pela reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Pelo que o prazo de prescrição se deve considerar interrompido em 04.07.2004, 5 dias depois - artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.

Quando a presente acção foi interposta, em 27.10.2004, tinha-se iniciado novo prazo de prescrição, de 3 anos, que terminava apenas em 04.07.2007.

Errou, portanto, o Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção de prescrição.

Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida. Não se pode, no entanto, conhecer de mérito do pedido, em substituição da 1.ª Instância, dado que não estão ainda definidos factos que permitam esse conhecimento."

Este acórdão entendeu, assim, que o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho era um mero departamento da Administração Central destituído de personalidade jurídica, pelo que a sua citação não correspondia à de uma pessoa jurídica distinta do Estado Português, sendo a situação idêntica à que fora tratada no Ac. do STA de 11/3/2003 - Proc. n.º 02055/02, onde se considerou que a citação do órgão Câmara Municipal da pessoa colectiva Município interrompia o prazo de prescrição do direito de indemnização que se pretendia exercer contra este numa nova acção contra ele intentada após a acção proposta contra o órgão ter terminado com uma decisão de absolvição da instância com fundamento na verificação da excepção de ilegitimidade passiva.

Resulta do que ficou exposto que enquanto no acórdão recorrido se considerou que o efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização decorrente da citação do R. Ministério da Economia em acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito onde foi proferida sentença de absolvição da instância por ilegitimidade passiva não se estende ao Estado quando, de seguida, o mesmo A. intenta contra este uma acção idêntica quanto ao pedido e causa de pedir, o acórdão fundamento entendeu que esse efeito interruptivo resultante da citação do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho se mantém quando este é absolvido da instância por ilegitimidade passiva e, na sequência de despacho de aperfeiçoamento, apresenta nova petição inicial onde a acção é dirigida contra o Estado mesmo que esta seja configurada como uma nova acção. Em ambas as situações está-se, pois, perante acções intentadas contra o Estado precedidas de decisões de absolvição da instância de Ministérios por ilegitimidade passiva proferidas, após a citação deste, em acções propostas pelo mesmo autor e com o mesmo pedido e causa de pedir, entendendo-se num caso - o do acórdão recorrido - que esta não interrompera a prescrição do direito de indemnização por ter sido efectuada em pessoa diversa do R. Estado e no outro - o do acórdão fundamento - que se verificava essa interrupção por o Ministério não ser uma pessoa diversa do Estado mas um mero departamento deste e independentemente de se entender que a substituição do réu originário ocorrera no âmbito da mesma ou doutra acção.

Portanto, apesar da diversidade de contornos e de circunstâncias particulares, os acórdãos em confronto apreciaram uma questão comum (a dos limites subjectivos da interrupção da prescrição decorrente da citação para uma acção onde vem a ser proferida decisão de absolvição da instância por ilegitimidade passiva de um Ministério) a que deram soluções jurídicas opostas, formulando proposições jurídicas incompatíveis quando consideraram que na nova acção intentada contra o Estado aproveita ao autor a interrupção da prescrição do direito de indemnização decorrente da citação do Ministério na acção anterior.

Passando agora ao conhecimento do mérito do recurso, importa começar por referir que a questão em causa nos autos tem sido tratada na doutrina civilista e na jurisprudência do STJ sobretudo a propósito da aplicação do artigo 279.º, do CPC, que regula o alcance e efeitos derivados da absolvição da instância e da citação na acção onde é proferida tal decisão quando posteriormente vem a ser intentada outra contra novo réu.

Essa doutrina (cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. I, 3.ª edição, 2014, pág. 552; J. Alberto dos Reis in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. I, 1982, pág. 306) e a jurisprudência do STJ (cf. Acs. de 22/9/89 - Proc. n.º 2176, de 20/4/94 in BMJ 436 - 300, de 31/3/2004 - Proc. n.º 04B1056, de 7/5/2009 - Proc. n.º 382/07.3TBVNG.S1 e de 12/10/2022 - Proc. n.º 766/07.7TTLSB.L2.S1), fundando-se na natureza pessoal da citação que afecta apenas a pessoa a que se reporta e só aproveita àquele que a promoveu, sendo, por isso indiferente para terceiros, têm entendido que se a citação interrompe o decurso do prazo prescricional, inutilizando todo o tempo decorrido e começando a correr um novo prazo a partir desse acto interruptivo (artigo 326.º, n.º 1, do C. Civil), esse efeito não se estende ao novo réu contra quem venha a ser proposta acção idêntica pelo mesmo autor. Na realidade, ainda que não se exija que a citação tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito, se, para que o efeito interruptivo opere, não basta a prática de acto ou qualquer outro facto que demonstre a intenção de exercer o direito, sendo necessário que ele chegue ao conhecimento daquele que está efectivamente obrigado (cf. artigo 323.º, n.º 1, do C. Civil), compreende-se que tal efeito não se estenda a um novo réu demandado.

Neste âmbito não existe qualquer particularidade que justifique a adopção de uma solução diversa no contencioso administrativo, pois também aqui a produção do efeito interruptivo da prescrição decorrente da citação explica-se pelo conhecimento que o obrigado teve através deste acto que o titular do direito o pretende exercer e não, como parece sustentar o acórdão fundamento, pela diligência do autor em instaurar a causa, sendo certo também que a citação do Ministério não é a citação do Estado (cf. artigo 10.º, do CPTA) nem se pode considerar como tendo sido feita no representante processual deste (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 4.ª edição, 2017, pág. 92).

Assim, é de entender que a interrupção da prescrição derivada da citação de um réu que é absolvido da instância não se propaga a um réu diferente contra quem vem a ser dirigida uma nova acção.

Alega, porém, o recorrente que a situação em causa nos autos é idêntica à que foi decidida no Ac. do STJ de 31/5/2006, proferido no processo 05S3913, onde, depois de se referir que a anulação da citação não impedia o efeito interruptivo desta (artigo 323.º, n.º 3, do C. Civil), se entendeu que era de equiparar a essa anulação, "com a consequente interrupção da prescrição, o caso em que, intentada uma acção emergente de contrato individual de trabalho contra o Estádio Universitário de Lisboa, serviço dependente da administração central do Estado, sem personalidade judiciária, e citado aquele, na pessoa do seu director, veio posteriormente o juiz (ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC) convidar o autor a praticar os actos necessários à regularização da instância, tendo, nessa sequência, a parte requerido que fosse demandado o Estado, após o que se procedeu à citação deste, com processamento dos ulteriores termos da acção".

No entanto, conforme realça este acórdão, no caso aí em análise não fora proferida uma decisão de absolvição da instância do Estádio Universitário de Lisboa, mas permitira-se, no quadro do então artigo 265.º, n.º 2, do CPC, a sanação da sua falta de personalidade judiciária, fazendo-se intervir, em substituição daquele, a entidade que deveria ter sido efectivamente demandada, sendo esta circunstância que permitiu considerar que ocorria uma situação que era de equiparar à da anulação da citação depois renovada a que se referia o n.º 3 do citado artigo 323.º Estava-se, pois, perante uma mesma acção onde após a citação do demandado originário se procedeu à daquele que deveria ter sido efectivamente demandado.

Ora, nos acórdãos em confronto foram proferidas decisões transitadas de absolvição da instância do primitivo réu com a apresentação de novas petições iniciais contra outro, estando em causa o aproveitamento do efeito interruptivo da prescrição derivado da citação do primeiro réu na instância que se extinguiu, situação que era insusceptível de ser enquadrada de qualquer forma no artigo 323.º, n.º 3, do C. Civil, que pressupõe que se esteja no âmbito da mesma acção.

Assim, o autor que intentou uma acção administrativa contra um Ministério e, após este ser absolvido da instância por ilegitimidade passiva, propõe acção contra o Estado não pode nesta beneficiar da interrupção da prescrição decorrente da citação de tal Ministério que apenas poderia prejudicar quem nele interveio e não um terceiro.

E, atento ao carácter pessoal da interrupção da prescrição, nunca poderia obstar a esta conclusão a circunstância de os Ministérios serem destituídos de personalidade jurídica porque o que é certo é que o Estado-pessoa colectiva não foi citado para a acção onde foi proferida a decisão transitada de absolvição da instância relativamente à qual era um mero terceiro.

Aliás, pareceria algo contraditório que após decisões transitadas em julgado a extinguirem uma instância com fundamento na verificação da excepção da ilegitimidade passiva - ou seja, por o demandado não ser o R. certo - se viesse a entender que aquele contra quem foi correctamente proposta a nova acção era afinal o mesmo que não se considerara ser o R. certo.

Portanto, o presente recurso não merece provimento.

Nestes termos, a uniformização da jurisprudência conflituante deve ser fixada nos seguintes termos:

O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado.

4 - Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

DN (artigo 152.º, n.º 4, do CPTA).

Lisboa, 19 de Abril de 2023. - José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro.

117055411

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5551377.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1977-06-17 - Decreto-Lei 256-A/77 - Ministérios da Administração Interna e da Justiça

    Reforça as garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais perante a Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-20 - Decreto-Lei 186/2003 - Ministério da Economia

    Aprova a orgânica do Ministério da Economia, reestruturando e extinguindo alguns dos seus serviços e organismos.

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