Acórdão 637/95
Processo 139/93
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer, em 2 de Março de 1993, a apreciação da legalidade, em processo de fiscalização abstracta, ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, das normas constantes dos quatro artigos do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, face ao disposto no artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho.
Esse pedido apoia-se numa fundamentação contida nos 122 artigos do respectivo requerimento, onde se analisam detalhadamente os regimes remuneratórios dos Deputados à Assembleia da República e dos deputados regionais.
Transcreve-se apenas a síntese conclusiva do pedido:
a) O artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M não corresponde a uma adaptação, prevista no artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPA), do regime legal do estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República - nomeadamente do disposto no artigo 16.º da Lei 4/85, de 9 de Abril -, mas cria um estatuto remuneratório próprio dos deputados regionais, incorrendo, assim, em vício de ilegalidade, por violação do mencionado normativo do EPA;
b) O artigo 2.º ao criar, para os vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, um vencimento mensal próprio, sem correspondência no estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, não procede à adaptação deste estatuto, e, por conseguinte, também viola o disposto no artigo 28.º do EPA;
c) O n.º 1 do artigo 3.º, inobservando o enquadramento legislativo que devia respeitar (nomeadamente o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 15.º da Lei 3/85, de 13 de Março, na redacção dada pela Lei 94/89, de 29 de Novembro), não fixa nem estabelece qualquer conexão com as disposições legais que determinam os subsídios dos Deputados à Assembleia da República, violando, por isso, para além do normativo referenciado, ainda o artigo 28.º do EPA;
d) O n.º 2 do mesmo artigo 3.º, ao estatuir que os princípios gerais a que obedece a atribuição dos subsídios aos deputados são fixados por deliberação da Mesa da Assembleia Legislativa Regional, inobserva o quadro normativo atrás citado, violando, da mesma forma, o artigo 28.º do EPA;
e) O artigo 4.º, ao atribuir o direito à remuneração, para o exercício das funções de deputado da nova Assembleia Legislativa Regional, em relação a um período em que ainda não se tinha dado início a tais funções, ofende o princípio geral do direito à remuneração, consagrado no artigo 3.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, que, inevitavelmente, integra o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, e, assim, viola o estatuído no artigo 28.º do EPA;
f) E ainda que se defendesse que a adaptação a fazer não é a do estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, no sentido exposto, mas antes uma mera adaptação de resultado - quantidade remuneratória -, também nessa óptica se afigura que, para além dos vícios já apontados, o disposto nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, na forma como foram ali determinadas as componentes retributivas dos deputados regionais, desrespeitou os princípios gerais da proporcionalidade, da equidade e da harmonia remuneratória, integrantes daquele estatuto, violando, com isso, o estatuto no artigo 28.º do EPA;
g) Aliás, mesmo a entender-se - o que parece de excluir - que o disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, pelo seu teor, integra-se num campo legítimo de actuação, na medida em que consubstancia uma definição do estatuto remuneratório dos deputados e dos vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, feita com base na analogia ao regime legal vigente para a generalidade dos titulares de cargos políticos, tal, porém, não caberia no âmbito da competência legislativa da Assembleia Legislativa Regional, mas sim no do exercício do seu poder de iniciativa estatutária, consagrado nos artigos 228.º, n.º 1, e 229.º, n.º 1, alínea e), da lei fundamental. Consequentemente, a inclusão daquelas normas no diploma legislativo regional, em ultrapassagem ao limite traçado pelo artigo 28.º do EPA da Região, ainda estaria a infringir o disposto na alínea l) do artigo 167.º e no n.º 5 do artigo 233.º, ambos da Constituição, e, com isso, a ofender a reserva absoluta de competência da Assembleia da República.
Depois de concluir pedindo a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, na totalidade das suas normas, com fundamento na violação do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo desta Região, solicita a entidade peticionária que seja ponderada a conveniência da utilização da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 65.º da Lei do Tribunal Constitucional (determinação pelo Presidente do Tribunal Constitucional no encurtamento até metade dos prazos para elaboração do memorando pelo relator, para inscrição na ordem do dia e para elaboração do acórdão definitivo do Tribunal), «tendo em atenção os graves reflexos de ordem financeira que uma eventual declaração de ilegalidade necessariamente acarretará».
2 - A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, através do seu Presidente, respondeu, nos termos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, ao pedido de declaração de ilegalidade acima transcrito, indicando as razões por que entendia que o diploma em apreciação não sofria de ilegalidade.
São, em síntese, os seguintes os fundamentos da posição do Presidente do órgão autor do diploma em apreciação:
A questão posta ao Tribunal Constitucional anda à volta da definição do minimus e do maximus em que o legislador regional se deve mover ou colocar ao aprovar um diploma que tenda a dar cumprimento ao artigo 28.º do EPA, tendo a ver com a definição de dois conceitos de contornos de há muito discutidos e debatidos, o de «adaptação legislativa» e o de «interesse específico regional»;
O legislador regional, face ao disposto no artigo 28.º do EPA, não está impedido de reproduzir parcialmente o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República quando as normas reproduzidas sejam aplicáveis aos deputados regionais, sem ofensa dos princípios diferenciadores dos dois órgãos e sem que haja um interesse específico que justifique ou exija uma alteração adaptadora do normativo;
O artigo 233.º, n.º 5, da Constituição refere que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos, mas não resulta claro da Constituição [artigos 120.º, 167.º, alínea l), 168.º, n.º 1, alínea g), e 233.º, n.º 5] ou da lei qual o conteúdo usado e a rigorosa extensão desse estatuto. Acontece com frequência, ao nível da legislação ordinária, que o estatuto dos titulares de um cargo se não confunde com o estatuto remuneratório desses titulares (tal sucede, no EPA, com o disposto nos artigos 18.º e seguintes, de um lado, e com o artigo 28.º, este último versando apenas o estatuto remuneratório dos deputados regionais);
Acontece que, na versão da Constituição resultante da 1.ª revisão constitucional, a então alínea g) do artigo 167.º considerava da exclusiva competência da Assembleia da República o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do provedor de Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações, ao passo que o artigo 233.º, n.º 5, da lei fundamental não fazia qualquer referência ao regime remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas. A ser assim, o artigo 28.º do EPA seria, em termos constitucionais, um «mais» perfeitamente dispensável;
A partir da 2.ª revisão constitucional, a alínea l) do artigo 167.º deixou de fazer qualquer referência ao estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal. Seja qual for o sentido dessa eliminação - não sendo o mesmo claro, quer ao nível dos trabalhos preparatórios da 2.ª revisão, quer no plano dos comentários doutrinais -, a discussão sobre a questão é irrelevante para o caso sub judicio, pois que nunca será exigível incluir na definição do estatuto de certo titular de cargo político mais do que o regime ou critério geral das remunerações, obedecendo o artigo 28.º do EPA a tal exigência;
O interesse específico a ter presente na adaptação do estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República quanto aos deputados regionais pode e deve ser visto em termos de uma especialidade global que distingue a natureza regional e de órgão não soberano da Assembleia Legislativa Regional face à Assembleia da República, órgão de soberania. Mas, a par disso, deve o mesmo interesse específico ser visto em sentido restrito, em função de factos com incidência e relevância próprias do funcionamento da Assembleia Legislativa Regional e da Região em que ela se insere;
O artigo 1.º do diploma regional em apreciação não constitui a reprodução da Lei 4/85 e, designadamente, do seu artigo 16.º, n.º 1, não se percebendo a crítica feita ao diploma regional por envolver, eventualmente, a adopção de critérios estabelecidos para a generalidade dos titulares de cargos políticos. De facto, esse artigo 1.º referencia o vencimento dos deputados regionais ao vencimento do Presidente da República, estabelecendo uma percentagem (48,75%) inferior à estabelecida para os Deputados à Assembleia da República (50%), o que se justifica em função do interesse específico global que diferencia o órgão regional de um órgão de soberania, evitando as dificuldades resultantes da solução anterior (estabelecimento de uma diferença entre duas letras do regime remuneratório da função pública, regime que veio a ser completamente alterado, deixando de vigorar o sistema de letras correspondentes a vencimentos diversificados);
O artigo 2.º do diploma regional não reproduziu a norma do artigo 16.º, n.º 2, da Lei 4/85, criando uma remuneração diversificada para os vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional, solução que decorrerá da maior proximidade, de facto e de direito, desses vice-presidentes em relação ao Presidente do referido órgão - por comparação com o que sucede com a Assembleia da República -, o que constitui uma especificidade diferenciadora. Acresce que, na Assembleia da República, há quatro vice-presidentes, ao passo que no parlamento regional há só dois (daí resultando uma maior frequência nas substituições do Presidente). Tais vice-presidentes integram um conselho consultivo existente na Assembleia Legislativa Regional, desempenhando um deles as funções de presidente daquele conselho, com voto de qualidade (Decreto Legislativo Regional 24/89/M, alterado pelo Decreto Legislativo Regional 2/93/M);
As diferenças indicadas determinam um interesse específico da Região que justifica plenamente a diferenciação de vencimentos agora consagrada;
A matéria do artigo 3.º do diploma em apreciação não respeita ao estatuto remuneratório, no sentido restrito e adequado da expressão, sendo certo que a mesma matéria consta da Lei 3/85 e não da Lei 4/85. Seja como for, mesmo para os que defendem a inclusão da vertente remuneratória no núcleo do estatuto do titular de certos cargos, tal matéria sempre extravasaria da definição do regime geral ou dos critérios básicos de remuneração. A Assembleia Legislativa Regional é, por isso, livre de legislar nos termos que melhor entender, inspirada ou não em leis da República, mas sem uma vinculação às mesmas ou subordinação às suas soluções;
Em termos de rigor formal poder-se-ia ter por correcto o entendimento de que, numa tarefa de adaptação de um estatuto remuneratório, não deveria o legislador regional inserir, neste diploma, normas que saíssem do âmbito daquela adaptação. Porém, não repugna que o órgão legislativo regional pudesse aproveitar o diploma em apreciação para nele incluir matéria que, embora estranha a tal adaptação, não deixasse de ter com ela conexão;
Não tem sentido interpretar a noção de subsídios no artigo 3.º de forma mais ampla do que a constante do artigo 15.º da Lei 3/85 - preceito que se refere exclusivamente a subsídios de transporte -, pois que resulta do n.º 3 desse artigo 3.º que se manterão transitoriamente em vigor disposições que apenas respeitam ao subsídio de transporte, às ajudas de custo e ao direito ao transporte (que constitui uma modalidade adicional de subsídio específico devido à sua justificação regional, tendo sido consagrado no Decreto Regional 9/81/M, de 2 de Março). Quer dizer, o n.º 3 do artigo 3.º só é compreensível na medida em que o âmbito dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo coincida com o daquele;
Tão-pouco parece ser ilegal o n.º 2 do artigo 3.º, visto o Plenário da Assembleia Legislativa Regional reunir com menos frequência do que o Plenário da Assembleia da República, pelo que solução de eficiência e celeridade sempre justificaria a atribuição de competência à Mesa para fixação dos subsídios. Seja como for, tal matéria não integra o estatuto remuneratório dos deputados regionais, constituindo antes uma franja menor que lhe é exterior e que não está subordinada aos critérios e formas constantes de uma qualquer lei adaptanda, acontecendo que sempre as especificidades já referidas constituiriam interesse específico bastante para justificar as alterações operadas;
Como o direito à remuneração se constitui, de acordo com os princípios gerais, com o início de funções dos deputados regionais, a atribuição de eficácia retroactiva às disposições sobre matéria remuneratória, constante do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, não sofre de nenhuma ilegalidade, pois nem a retroactividade vai até um momento anterior à vigência do EPA de 1991, nem existe impedimento jurídico a que se abranjam os anteriores titulares do órgão;
Ao pretender a entidade peticionária que o diploma em apreciação viola princípios de equidade e de proporcionalidade constantes do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, revela a mesma o erro de base de que enferma todo o seu requerimento, ou seja, o de considerar a Assembleia Legislativa Regional um mero órgão comum da Administração Pública, sujeito às leis administrativas sobre funcionalismo público, sem atender a que se está perante titulares de um órgão político regional;
No caso concreto dos autos e tendo em conta os resultados do labor jurisprudencial e doutrinal sobre a noção de interesse específico regional, sempre a existência de tal interesse se afigura indiscutível - para além do disposto no artigo 28.º do EPA -, por se estar perante uma matéria de interesse exclusivo da Região (só há deputados regionais nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores);
Por último, as tarefas de adaptação envolvem, necessariamente, alterações, tal como acontece com o desenvolvimento de leis de bases, segundo o entendimento da doutrina constitucionalista.
3 - Não foi exercida pelo Presidente do Tribunal Constitucional a faculdade prevista no n.º 4 do artigo 65.º da Lei do Tribunal Constitucional, não obstante a sugestão feita pela entidade requerente.
4 - Entretanto, na pendência deste processo e antes ainda de ter sido elaborado e apresentado memorando pelo relator, deu entrada, em 26 de Novembro de 1993, na secretaria do Tribunal Constitucional um pedido, formulado pelo Procurador-Geral da República, de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, bem como de todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro (processo 720/93).
Atendendo a que, neste segundo processo, o seu objecto era parcialmente idêntico ao do primeiro processo - em ambos se acham impugnadas as normas do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro -, no despacho de admissão do pedido o Presidente do Tribunal Constitucional determinou o seguinte:
Recebidas as respostas (do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira), incorporem-se os presentes autos (processo 720/93) no processo 139/93, ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 1, daquela Lei (do Tribunal Constitucional) - do que se advertirá, desde já, o Exmo. Conselheiro Relator desse processo. [Despacho a fl. 12, proferido em 2 de Dezembro de 1993.]
5 - O pedido do Procurador-Geral da República, incorporado nos presentes autos, apresenta a seguinte fundamentação:
O regime do artigo 28.º do EPA, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho - ao dispor que a Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados àquela assembleia -, infringe o disposto no artigo 233.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, visto que nesta última norma se impõe que a definição do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas conste dos respectivos Estatutos Político-Administrativos, não sendo, desse modo, constitucionalmente legítima a devolução que, relativamente à definição do estatuto remuneratório dos deputados, o preceito questionado efectiva para a competência da Assembleia Legislativa Regional;
No sistema constitucional vigente, a definição (ou as alterações) do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é matéria que faz parte da reserva de lei estatutária (reserva de estatuto), como se julgou no Acórdão 92/92 do Tribunal Constitucional, proferido em sede de fiscalização preventiva do diploma legislativo regional referente a «Alteração ao estatuto de deputado». Nesse aresto pode ler-se o seguinte:
[A] revisão constitucional de 1989, operada pela Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho, continuou a incluir na competência indelegável da Assembleia da República a aprovação dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas e, bem assim a alteração dos mesmos [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º, n.os 1 e 4]. Continuou também a cometer às assembleias legislativas regionais (antes designadas por assembleias regionais) a elaboração dos respectivos projectos de estatutos e das suas alterações [cf. artigos 228.º, n.os 1 e 4, e 229.º, n.º 1, alínea e) - alínea esta que foi acrescentada pela revisão de 1989]. E manteve a exigência de que o estatuto dos titulares dos órgãos do governo regional seja definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos (cf. artigo 233.º, n.º 5);
No mesmo acórdão afirmou-se não restarem dúvidas de que «só a Assembleia da República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional - máxime sobre o estatuto dos deputados regionais», devendo a mesma matéria estatutária dos titulares de órgãos de governo regional constar do respectivo Estatuto Político-Administrativo. O estatuto desses órgãos de governo regional «há-de versar 'sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades' dos titulares daqueles órgãos e, bem assim, 'sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades' (cf. artigo 120.º, n.º 2)»;
Cumpre salientar que, no Acórdão 92/92, foram julgados, por maioria, inconstitucionais os próprios preceitos do diploma questionado pelo Ministro da República que se reportavam ao estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, máxime os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 22.º e 24.º, n.º 2: o que bem revela que o Tribunal Constitucional entendeu ser constitucionalmente inadmissível uma intervenção legislativa complementar da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, baseada precisamente no ora impugnado artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo;
Do exposto, resulta serem também consequencialmente inconstitucionais todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional 1/93/M - diploma que, como resulta do respectivo preâmbulo, traduziu precisamente a actuação da «faculdade» concedida à Assembleia Legislativa Regional da Madeira pelo citado artigo 28.º do EPA: como se decidiu no Acórdão 92/92 do Tribunal Constitucional, este órgão legislativo regional não pode promover a definição ou alteração do estatuto dos deputados regionais, incluindo a matéria respeitante ao respectivo estatuto remuneratório, fazendo uso da sua competência legislativa «normal», já que o preceito legal que serve de suporte ou de fundamento ao exercício de tal faculdade está, ele próprio, viciado por inconstitucionalidade;
Mostram-se, assim, violadas as normas constantes dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, 233.º, n.º 5, e 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
6 - O Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, quanto à matéria do pedido do processo ora incorporado, respeitante ao artigo 28.º do EPA, juntando os n.os do Diário da Assembleia da República relativos à discussão e aprovação da Lei 13/91, de 5 de Junho.
7 - O Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira veio, por seu turno, responder, em 18 de Fevereiro de 1994, ao pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 1.º a 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, reeditando, de um modo geral, a argumentação anteriormente apresentada no processo de fiscalização de legalidade em que é requerente o Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira. Assim, reafirma-se neste articulado e especificamente quanto à questão de constitucionalidade que o ditame constitucional ínsito no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição não pode, de forma alguma, significar que o Estatuto Político-Administrativo da Região tenha, ele próprio, de regular, por forma directa e total, a matéria atinente ao estatuto remuneratório dos titulares do primeiro órgão de governo próprio desta Região Autónoma, como foi posto em relevo em voto de vencido formulado pelo conselheiro António Vitorino relativamente à doutrina contida no Acórdão 92/92 do Tribunal Constitucional.
A partir do artigo 8.º da resposta do Presidente da Assembleia Legislativa Regional, reproduz-se no essencial a argumentação anteriormente apresentada no processo de fiscalização da legalidade, concluindo-se «pela inexistência dos vícios de inconstitucionalidade que o Sr. Procurador-Geral da República no seu requerimento imputa quer ao artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira quer ao Decreto Legislativo Regional 1/93/M, não ocorrendo igualmente qualquer vício de ilegalidade relativamente às disposições deste último diploma, entendendo assim a Assembleia Legislativa Regional da Madeira que o venerando Tribunal Constitucional deverá proferir acórdão que não se pronuncie pela inconstitucionalidade das disposições antes citadas, atenta a sua adequação aos normativos constitucionais e legais vigentes». (A fl. 213 dos autos.)
8 - Cumpre, pois, apreciar as normas que constituem objecto de ambos os processos, por não haver razões que a tal obstem.
9 - Integram o objecto do pedido de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade formulado pelo Procurador-Geral da República a norma do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, e as constantes de todos os artigos do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro.
O artigo 28.º daquele Estatuto Político-Administrativo estatui o seguinte:
A Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados àquela Assembleia.
Por seu turno, o Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, elaborado nos termos do transcrito artigo 28.º daquele Estatuto, contém um preâmbulo explicativo da disciplina constante dos seus quatro artigos. Aí se pode ler o seguinte:
Prescreve o artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, que «a Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados àquela Assembleia».
Na sequência dessa faculdade, e num sentido de maior harmonização, por um lado, e clarificação da situação, por outro, é de todo o interesse e actualidade rever, em matérias colaterais, alguns aspectos do estatuto remuneratório vigente para os deputados desta Assembleia Legislativa.
Os quatro artigos que compõem este diploma legislativo regional dispõem do seguinte modo:
Artigo 1.º Os deputados à Assembleia legislativa Regional percebem mensalmente um vencimento correspondente a 48,75% do vencimento do Presidente da República.
Art. 2.º Os vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional percebem mensalmente um vencimento correspondente a 62,5% do vencimento do Presidente da República.
Art. 3.º - 1 - No exercício das suas funções, ou por causa delas, os deputados têm direito a subsídios e ajudas de custo correspondentes.
2 - Os princípios gerais a que obedecem os subsídios e ajudas de custo são fixados por deliberação da Mesa da Assembleia, ouvida a conferência dos presidentes dos grupos parlamentares e dos representantes dos partidos.
3 - O disposto nos artigos 4.º do Decreto Legislativo Regional 144/85/M, de 28 de Junho, e 12.º do Decreto Regional 9/81/M, de 2 de Maio, mantém-se em vigor até que a Assembleia delibere nos termos do número anterior.
Art. 4.º O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos a partir do dia 1 de Novembro de 1992.
10 - Impõe-se, de um ponto de vista lógico-jurídico, começar por abordar a questão de constitucionalidade respeitante à norma do artigo 28.º do EPA.
Na verdade, como este artigo 28.º é invocado pelo legislador regional como fundamento do poder legislativo cujo exercício se traduziu na elaboração do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, a eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma terá como resultado a privação do fundamento invocado pelo legislador regional para a edição deste último diploma. Nessa eventualidade, caberá então apreciar a questão da invocada inconstitucionalidade consequencial das normas dos diferentes artigos do Decreto Legislativo Regional 1/93/M.
Pelo contrário, se o Tribunal Constitucional vier a perfilhar um juízo de conformidade constitucional relativamente ao artigo 28.º do EPA, pode adiantar-se que a questão da eventual inconstitucionalidade dos quatro artigos do decreto legislativo regional perderá, em princípio, todo o interesse prático, ainda que não se ignore a faculdade atribuída ao Tribunal Constitucional pelo artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional. De facto, o decreto legislativo regional pretende confessadamente adaptar o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados à Assembleia Legislativa Regional, «em função do interesse específico da Região». Nessa medida, não sendo inconstitucional o artigo 28.º do EPA, não se vê facilmente como poderiam ser inconstitucionais os artigos do diploma regional, emanados do órgão parlamentar regional, a menos que algumas soluções materiais possam ofender princípios e normas constitucionais, nomeadamente os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Por isso, haverá então que abordar a questão da eventual ilegalidade destes artigos, questão que terá de ser apreciada à luz do parâmetro contido na norma do artigo 28.º do EPA. Neste caso, por não subsistir um vício de inconstitucionalidade quanto às disposições do diploma regional, há que apreciar os vícios de ilegalidade, determinando o grau de gravidade dos vícios em presença a ordem de apreciação dos mesmos, como tem sido posto em relevo pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (v. os Acórdãos n.os 268/88 e 170/90, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º vol., pp. 452 e seguintes, e o segundo no Diário da República, 1.ª série, n.º 146, de 27 de Junho de 1990).
A) A questão de constitucionalidade do artigo 28.º do EPA
11 - No Estatuto Provisório da Região Autónoma do Arquipélago da Madeira, aprovado pelo Decreto-Lei 318-D/76, de 30 de Abril, modificado pelo Decreto-Lei 427-F/76, de 1 de Junho, não se encontrava norma idêntica à constante do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho.
Nesse Estatuto Provisório não estava, pois, regulamentada a matéria do estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Regional, encontrando-se apenas uma referência no sentido de que os mesmos tinham direito «aos subsídios a determinar em decreto regional» (artigo 18.º, n.º 3, in fine). Daí que tivesse sido editada legislação regional na matéria (Decreto Regional 3/76, de 29 de Outubro).
Este Estatuto Provisório iria ver prolongada a sua vigência até 1991 (cf. artigo 297.º da versão actual da Constituição), por se terem frustrado algumas tentativas de aprovação de um estatuto definitivo (sobre este ponto, v. Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993 pp. 224 e seguintes).
12 - No Estatuto de 1991, o artigo 22.º estabelece que os deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira gozam, entre vários direitos e regalias, do de percepção de «subsídios» que a lei prescreva [artigo 22.º, alínea d)]. Por seu turno, o artigo 28.º do EPA estabelece a competência para a Assembleia Legislativa Regional adaptar, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados àquela assembleia.
Esta norma teve a sua origem no artigo 32.º da proposta de lei apresentada à Assembleia da República pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira sobre o Estatuto Político-Administrativo da Região (Resolução 3/90/M, de 22 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 11 de Abril de 1990, e no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 24, de 10 de Março de 1990), com redacção praticamente idêntica. Por seu turno, a norma deste artigo 32.º da proposta foi manifestamente inspirada pelo artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei 9/87, de 26 de Março, dele constituindo «reprodução fiel» (cf. o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos e Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei 134/V, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 43, de 23 de Maio de 1990, p. 1347).
No decurso dos trabalhos parlamentares em Plenário não suscitou a mesma disposição a intervenção de qualquer Deputado (cf. Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.os 8, de 1 de Junho de 1990, pp. 2663 e seguintes, 18, de 29 de Novembro de 1990, pp. 610 e seguintes, 42, de 15 de Fevereiro de 1991, pp. 1365 e seguintes, e 68, de 26 de Abril de 1991, pp. 2297 e seguintes).
13 - Para avaliar a questão de constitucionalidade, importa atentar na evolução da própria regulamentação constitucional, desde o texto primitivo da Constituição de 1976.
Na sua versão originária, a Constituição de 1976 não regulava em termos gerais o estatuto dos titulares de cargos políticos. No seu artigo 167.º, alínea u), considerava matéria da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a «remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores». Nos termos do artigo 168.º da mesma versão, a Assembleia da República podia conceder autorização ao Governo para legislar sobre as matérias contempladas no artigo 167.º Não existia, pois, uma reserva absoluta e indelegável de competências legislativas da mesma Assembleia, nem havia qualquer previsão para os titulares de cargos políticos regionais.
No comentário feito a esta disposição, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira limitavam-se a suscitar a esse propósito «a questão de saber se as remunerações têm de ser fixadas por lei da AR ou se basta que esta defina as regras de fixação das remunerações» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.ª ed., Coimbra, 1978, p. 335).
14 - A partir de 1982, a 1.ª revisão constitucional (Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro) consagrou uma previsão detalhada sobre o conteúdo do estatuto dos titulares de cargos políticos [cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 19, suplemento, pp. 432-(37) e 432-(38)].
O n.º 2 do artigo 120.º da Constituição, preceito aditado pela referida Lei Constitucional 1/82, passou a ter a seguinte redacção:
A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.
Reconhecendo ser complexa a densificação do conceito de «cargos políticos», Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentaram, em comentário a este novo preceito, que tal conceito não podia reconduzir-se ao de «órgãos de soberania»: por um lado, os titulares destes últimos «abrangem os titulares da função jurisdicional, que parece não devem considerar-se titulares de cargos políticos; por outro, os cargos políticos não se resumem aos órgãos de soberania, visto que do artigo 121.º decorre que os cargos políticos não têm de ser estaduais, podendo ser cargos das Regiões Autónomas ou do poder local» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, p. 83). Os mesmos constitucionalistas alertavam para o facto de que os titulares de cargos políticos não eram «só aqueles que têm um estatuto constitucionalmente definido de imunidades e prerrogativas; estas só vêm definidas quanto aos titulares de alguns órgãos de soberania, sendo inequívoco que nem só eles são titulares de cargos políticos. A noção que melhor parece corresponder à razão de ser deste preceito constitucional é aquela que considera cargos políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente confiadas funções políticas (sobretudo as de direcção política)» ob. cit., ibidem).
Passou a ser, pois, isento de dúvidas que o Presidente da República, os Deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os conselheiros de Estado, os membros dos Governos e das Assembleias Regionais, os Ministros da República para as Regiões Autónomas e os membros de órgãos de poder local eram qualificados como titulares de cargos políticos. Não havia, assim, que fazer apelo a normas de direito infraconstitucional para preencher esse conceito (v., por exemplo, a Lei 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo da riqueza dos titulares dos cargos políticos).
Este n.º 2 do artigo 120.º da Constituição consagrou, assim, uma «imposição legiferante» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., p. 85), no sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos titulares de cargos políticos, relativamente aos aspectos indicados (deveres, responsabilidades e incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades).
15 - A partir ainda da 1.ª revisão constitucional, a Constituição passou a distinguir entre a competência exclusiva e indelegável da Assembleia da República (reserva absoluta de competência legislativa) e a competência exclusiva daquele órgão, mas delegável a favor do Governo (reserva relativa de competência legislativa). O elenco dos casos de cada uma das reservas passou a constar de artigos diferentes da Constituição (artigos 167.º e 168.º).
No texto saído da 1.ª revisão constitucional, estabeleceu-se que integrava a reserva absoluta de competência legislativa do órgão parlamentar da República a edição de legislação sobre «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor da Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações» [artigo 167.º, alínea g)].
Comentando este preceito, escreviam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é notar a omissão da menção dos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas; todavia, o estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da República [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º]. [Ob. cit., 2.ª ed., 2.º vol., p. 193, nota X ao artigo 167.º]
Dos trabalhos preparatórios da 1.ª revisão constitucional pode retirar-se que os constituintes não pretenderam incluir, na norma que iria passar a constar da alínea g) do artigo 167.º da Constituição, os titulares dos órgãos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por entenderem que tal matéria deveria antes constar dos Estatutos Político-Administrativos dessas Regiões, também eles aprovados pela Assembleia da República, sendo embora a iniciativa desses estatutos exclusivamente do órgão parlamentar regional [v. as intervenções dos Deputados Amândio de Azevedo e Nunes de Almeida na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852-(65). Passou a figurar no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, a partir de 1982 - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., pp. 353-354 e 375-376].
A parte final de nova alínea g), relativa à inclusão na lei do «regime das respectivas remunerações», provocou igualmente debate no seio da mesma Comissão Eventual. Na verdade, a proposta apresentada a esta Comissão referia a expressão «incluindo as respectivas remunerações». Suscitaram-se dúvidas entre os Deputados sobre se a Assembleia da República tinha ou não de estar a fixar os ordenados dos titulares de cargos políticos [cf. as intervenções dos Deputados Sousa Tavares, Jorge Miranda, Vital Moreira e Amândio de Azevedo naquele número do Diário, pp. 852-(65) e 852-(66)]. Daí que viesse a ser acolhida a proposta do Deputado Jorge Miranda de inclusão da palavra «regime» a propósito das remunerações, o qual justificou a mesma, afirmando: «no estatuto dos titulares compreende-se também o estatuto pecu[ni]ário, financeiro ou económico. Talvez desta forma se pudessem vencer as dificuldades. Não se trata de a Assembleia da República estar a fixar o quantitativo A, B ou C. O que interesse é que ela trace o quadro das remunerações. Trace critério, enfim». [Mesmo Diário, p. 852-(65).]
Após a 1.ª revisão constitucional foi publicada a Lei 4/85, de 9 de Abril, sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos (quanto à Madeira, v. o Decreto Legislativo Regional 14/85/M, de 28 de Junho).
16 - Na versão em vigor da Constituição, no texto resultante da 2.ª revisão constitucional aprovada pela Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho, o artigo 120.º, n.º 2, manteve praticamente inalterada a anterior redacção, se se descontar uma modificação de redacção num sentido simplificador (em vez de se fazer referência aos deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos, indica-se agora os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos).
No que toca à alínea g) do artigo 167.º da versão de 1982, a norma dessa alínea passou para a alínea l) do mesmo artigo, havendo-se suprimido a referência à matéria do regime remuneratório e aditado uma nova parte final:
É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:
...
l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal.
Dos trabalhos preparatórios desta 2.ª revisão constitucional não se retira que os constituintes hajam visado qualquer finalidade específica de corte com a anterior solução através da supressão da referência ao regime remuneratório dos titulares de cargos políticos. Segundo a explicação do Deputado António Vitorino, a redacção proposta pelo seu partido pretendia encontrar uma formulação abrangente e de ordem genérica para os titulares de cargos políticos, evitando a anterior referência exemplificativa aos membros do Conselho de Estado e ao Provedor de Justiça. O mesmo Deputado reafirmou que esta alínea não abrangia os titulares dos órgãos do governo das Regiões Autónomas, visto competir a estas a elaboração da proposta do seu próprio estatuto (v. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 98-RC, de 8 de Maio de 1989, p. 2820; e o mesmo Diário, 2.ª série, n.º 108-RC, de 22 de Março, do mesmo ano, com intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete e José Magalhães, este último chamando a atenção para o n.º 5 do artigo 233.º). A eliminação da frase «incluindo o regime das respectivas remunerações» não parece, pois, revestir-se de qualquer relevância interpretativa, pois é manifesto que o regime remuneratório se reconduz aos «direitos e regalias» contemplados no n.º 2 do artigo 120.º [cf. igualmente artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição].
É por isso que Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem esta alínea l) do artigo 167.º da versão em vigor da Constituição, continuam a afirmar que a mesma tem um âmbito «claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante)». (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 666.)
17 - Relativamente aos titulares de cargos políticos do governo próprio das Regiões Autónomas, é pacífico que a competência para a fixação do seu regime estatutário não se acha prevista no artigo 167.º da Constituição, não obstante a formulação extremanente abrangente da parte final de nova alínea l) («bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal»). A evolução do texto constitucional e a análise dos trabalhos preparatórios das duas revisões constitucionais de 1982 e de 1989 fundamentam esta afirmação.
Tal competência cabe à Assembleia da República, é certo, mas a iniciativa legislativa está atribuída em exclusivo às Assembleias Legislativas Regionais - é o que resulta dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da lei fundamental, como acima se referiu.
Na verdade, o artigo 233.º da Constituição regula a matéria atinente aos órgãos de governo próprio das duas Regiões Autónomas, esclarecendo que tais órgãos são a Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional (n.º 1). O n.º 5 deste artigo, por seu turno, estabelece que «o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos».
Anotando este n.º 5 do artigo 255.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da Assembleia e membros do Governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º 5), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (artigo 120.º), bem como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime constitucional dos Deputados da Assembleia da República e dos membros do Governo da República. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum da AR (v. artigo 167.º, n.º 1), nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional [...] Mas nada parece impedir que os estatutos - que não podem «delegar» essa matéria para decreto regional - sejam «regulamentados» por diploma regional. [Constituição, 3.ª ed., pp. 873-874; v. o 2.º vol. da 2.ª ed. desta obra, pp. 375-376, e Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 84-85.]
18 - Resta, pois, inquirir se a norma do artigo 28.º do EPA é conforme ao disposto no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, entendida esta última norma em conexão com o n.º 2 do artigo 120.º da lei fundamental.
Para responder a tal interrogação, importa determinar se a fixação do regime remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio pode ser delegada pelo próprio Estatuto Político-Administrativo na Assembleia Legislativa Regional, através de decreto legislativo regional, sem consagração dos critérios substanciais da futura fixação, limitando-se o estatuto a fazer uma referência genérica ao estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, a adaptar em função do interesse específico da Região. A adaptação há-de ser entendida aqui como a adequação ou o ajustamento de um certo modelo, aplicável a certos titulares de cargos políticos, a outros titulares.
Desde já afirma o Tribunal Constitucional que o artigo 28.º do EPA se acha afectado de inconstitucionalidade.
Com efeito, a Constituição exige que o estatuto desses titulares de órgãos de governo próprio regional se ache definido no Estatuto Político-Administrativo. Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse estatuto tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades. O estatuto remuneratório ou regime de remuneração abrange um conjunto de direitos e regalias. Por isso a definição desse regime remuneratório há-de ser aprovada pela Assembleia da República, por iniciativa do órgão legislativo regional, por força dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5.
Ora, a norma em apreciação não chega a definir o estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
De facto, pode desde logo entender-se que, no artigo 28.º do EPA, não procede o legislador estatutário à indicação de um critério suficientemente preciso do modo de determinação do quantum remuneratório a que têm direito os deputados regionais, limitando-se a consagrar um certo modelo remuneratório concreto, a partir do qual a legislação regional levará a cabo uma adaptação: trata-se do modelo remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, o que implica que os deputados regionais terão direito a um vencimento mensal, a abonos para despesas de representação, a ajudas de custo e aos demais abonos complementares ou extraordinários estabelecidos no estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, hoje previsto na Lei 4/85, de 9 de Abril, alterada pelas Leis 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto e 26/95, de 18 de Agosto (v. os artigos 2.º, n.os 1 e 2, 3.º, n.os 1 e 4, 16.º e 17.º desta lei).
Mas ainda que se leia a norma impugnada como uma remissão para o concreto estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, apontando para uma equiparação tendencial dos dois estatutos, embora susceptível de adaptações à realidade regional a levar a cabo pelo órgão legislativo regional, nem assim se pode salvar a constitucionalidade dessa norma.
É que, ao estabelecer que a adaptação do modelo ou estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República há-de ser feita em função do interesse específico da Região, a norma estatutária viola a Constituição, porque não pode haver, nessa fixação do estatuto remuneratório, a consideração de um interesse específico da Região, avaliado e definido pelo próprio órgão legislativo regional. Tal fixação há-de necessariamente ser estabelecida tendo em conta globalmente o estatuto ou regime remuneratório dos titulares de cargos políticos da República, fixado pela Assembleia da República por força da alínea l) do artigo 167.º da Constituição, através de um juízo de adequação da Assembleia da República, sob iniciativa da Assembleia Legislativa Regional. De outro modo, poder-se-ia chegar a uma solução aberrante: sendo o estatuto remuneratório do Ministro da República fixado pela Assembleia da República [artigos 120.º, n.º 2, e 167.º, alínea l), da Constituição; artigos 1.º, n.º 2, alínea d), e 21.º da Lei 4/85, de 9 de Abril], a Assembleia Legislativa Regional da Madeira poderia entender que a adaptação do estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República relativamente aos deputados daquela Assembleia, em função do interesse específico regional, implicava que o vencimento dos deputados regionais fosse fixado em montante superior ao dos Deputados da República, em função de percentagem a determinar, atendendo aos custos de insularidade ou da necessidade de serem tais remunerações superiores à do Ministro da República na Região ...
Daqui se há-de concluir que, por um lado, a norma do artigo 28.º do EPA viola a reserva de lei estatutária estabelecida no artigo 233.º, n.º 5, da Constituição, ao delegar a competência para fixação desse estatuto remuneratório na Assembleia Legislativa Regional, abstendo-se de definir suficientemente o respectivo regime jurídico, e que, por outro, a mesma norma do artigo 28.º do EPA declina, a favor da Assembleia Legislativa Regional, uma competência que, mesmo a ser constitucionalmente válida tal delegação em certos limites, se tornaria inválida na medida em que o exercício da mesma ficava sujeito a um critério, o do interesse específico regional avaliado pelo órgão legislativo regional, para adaptação do estatuto remuneratório, parâmetro que se revelava in casu constitucionalmente ilegítimo, dado o órgão de onde proviria a determinação desse interesse.
Na verdade, e contrariamente ao afirmado nas duas respostas do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, embora só haja deputados regionais nas duas Regiões Autónomas, nem por isso se pode daí concluir que a matéria do estatuto remuneratório desses deputados - ou a variação entre o minimus e o maximus, para se utilizar uma expressão sugestiva - só diga respeito a cada uma dessas Regiões, de forma exclusiva. Sendo Portugal um Estado unitário (artigo 6.º da Constituição), considera-se que a Constituição impõe que a fixação do estatuto dos diferentes titulares de cargos políticos, da República e das Regiões, deva obedecer a um mínimo de unidade, assegurada precisamente pela intervenção da Assembleia da República na fixação dos diferenciados estatutos [artigos 120.º, n.º 2, 167.º, alínea l), e 233.º, n.º 5]. Ora, a delegação operada pelo artigo 28.º do EPA não se reveste do mínimo de densificação que permita falar da fixação do núcleo essencial, que possibilitasse uma intervenção legislativa complementar através de decreto legislativo regional, atenta a autonomia político-administrativa, patrimonial, orçamental e financeira de que gozam as Regiões Autónomas.
19 - Este Tribunal teve, de resto, ocasião de se pronunciar, em processo de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade de normas de um diploma enviado para assinatura ao Ministro da República da Região Autónoma da Madeira, que contemplava matéria do estatuto remuneratório dos deputados regionais [artigos 13.º, n.º 1, alínea f), 14.º a 17.º, 22.º e 24.º, n.º 2, do diploma aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, em 11 de Fevereiro de 1992, sob o título «Alterações ao estatuto de deputado»].
Pode ler-se no Acórdão 92/92 deste Tribunal:
Significa isto que as assembleias legislativas regionais, quando editarem legislação ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, se hão-de mover dentro dos limites seguintes:
a) As matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a Região (limite positivo);
b) Tais matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (limite negativo);
c) Ao tratar legislativamente essas matérias, as assembleias legislativas regionais - para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie «leis gerais da República».
Sendo isto assim, o que então importa saber é se a matéria - que constitui objecto do diploma sub judicio, relativa ao estatuto do deputado regional - está (ou não) reservada à competência própria dos órgãos de soberania, máxime, à competência legislativa da Assembleia da República, pois que ali «onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', [...] não há 'interesse específico para as Regiões' que legitime o poder legislativo das Regiões Autónomas» (cf. Acórdão 160/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Agosto de 1986).
Parece pois, não restarem dúvidas de que:
a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional - máxime sobre o estatuto dos deputados regionais (cf. os artigos 228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição);
b) Esse estatuto - ou seja, o estatuto dos órgãos de governo regional - tem de constar do Estatuto Político-Administrativo da respectiva Região Autónoma (cf. artigo 233.º, n.º 5);
c) O mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos e, bem assim, «sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (cf. artigo 120.º, n.º 2).
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas - que deve ser moldado com respeito pelo que preceitua o artigo 120.º da Constituição - é, pois, matéria que faz parte da reserva de lei estatutária (reserva do estatuto). E o mesmo se diga quanto às suas alterações. [In Diário da República, 1.ª série-A, n.º 82, de 7 de Abril de 1992.]
Muito embora não fizesse obviamente parte do objecto desse processo de fiscalização preventiva sobre diploma aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira o artigo 28.º do EPA, o Tribunal Constitucional afastou implicitamente a aplicação de tal norma pelas mesmas razões por que se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas sobre o estatuto remuneratório dos deputados regionais (v. as declarações de voto de vencido dos conselheiros Alves Correia e António Vitorino). Bastará dizer que uma das normas abrangidas pelo juízo de inconstitucionalidade estabelecia o vencimento dos vice-presidentes da Assembleia Legislativa, equiparando esse vencimento ao dos vice-presidentes do Governo Regional (cf. artigo 14.º do diploma; v. o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M), ao passo que outra das normas inconstitucionalizadas em 1992 se acha parcialmente reproduzida no artigo 3.º, n.º 3, do Decreto Legislativo Regional 1/93/M (cf. artigo 22.º daquele diploma).
22 - Conclui-se, pois, que o artigo 28.º do EPA é inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e 233.º, n.º 5, da Constituição.
B) Questão de constitucionalidade das normas do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro
22 - No pedido do Procurador-Geral da República, afirma-se que são «também inconstitucionais todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional 1/93/M - diploma que, como resulta do respectivo preâmbulo, traduziu precisamente a actuação da 'faculdade' concedida à Assembleia Legislativa Regional da Madeira pelo citado artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo» (a fl. 81 dos autos).
Considera-se que é procedente o pedido também nesta parte.
De facto, como não se acha suficientemente definido o estatuto remuneratório dos deputados regionais no Estatuto Político-Administrativo em causa, não se pode entender que as normas dos três primeiros artigos assumem um carácter meramente executivo ou regulamentar de normação estatutária (cf. J. Pereira Coutinho, A Lei Regional e o Sistema das Fontes, Lisboa, 1988, policopiado, pp. 210 e seguintes). Trata-se, pelo contrário, de normação primária, editada com violação da reserva de Estatuto, ao abrigo do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Bem pode dizer-se que o juízo de inconstitucionalidade do artigo 28.º do EPA se alarga por identidade de razão a todas as normas do diploma regional, incluindo o preceito sobre a entrada em vigor e os efeitos retroactivos (artigo 4.º). Também aqui ocorre violação dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e 233.º, n.º 5, da Constituição e, autonomamente, do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), deste último diploma.
22 - Alcançado o juízo de inconstitucionalidade quanto ao artigo 28.º do EPA e quanto a todas as normas do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, deixa de se revestir de qualquer sentido averiguar se as normas deste último diploma são ilegais, face ao parâmetro constituído por um artigo do Estatuto Político-Administrativo agora julgado inconstitucional. A invalidade constitucional da norma estatutária que servia de parâmetro ao juízo de legalidade requerido priva de sentido a ulterior apreciação dessa questão de legalidade.
C) Limitação de efeitos da inconstitucionalidade das normas do Decreto Legislativo Regional 1/93/M
23 - O n.º 4 do artigo 282.º da Constituição confere a faculdade ao Tribunal Constitucional de fixar os efeitos da inconstitucionalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2 desse artigo, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem.
No presente processo, considera-se que a segurança jurídica exige que os efeitos de inconstitucionalidade sejam limitados, produzindo-se apenas a partir da publicação deste acórdão, a fim de evitar que tenha de haver reposição por terceiros de prestações remuneratórias percebidas de boa fé.
24 - Deste modo e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, com fundamento na violação das disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e 233.º, n.º 5, da Constituição, e, ainda, de todas as normas do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, por violação daqueles artigos e também do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição;
b) Limitar os efeitos da inconstitucionalidade à data da publicação do presente acórdão no Diário da República.
Lisboa, 15 de Novembro de 1995. - Armindo Ribeiro Mendes - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Maria Fernanda Palma - José de Sousa e Brito - Maria Assunção Esteves - Alberto Tavares da Costa - Vítor Nunes de Almeida - Guilherme da Fonseca - Bravo Serra (vencido, de harmonia com a declaração de voto junta) - Luís Nunes de Almeida.
Declaração de voto
Na esteira da posição que assumi quanto à matéria tratada no Acórdão 92/92 (publicado na 1.ª série-A do Diário da República, de 7 de Abril de 1992), entendo que, muito embora aquilo que diga respeito ao estatuto remuneratório seja matéria integrante do estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos nos termos e para os efeitos do artigo 120.º da Constituição, nem por isso decorre do n.º 5 do artigo 233.º da mesma lei fundamental que os Estatutos das Regiões Autónomas tenham de regular directa e esgotantemente aquele estatuto remuneratório.
Bastará, no meu modo de ver as coisas, que em tais Estatutos se definam as grandes linhas base ou os critérios de fixação das remunerações a que o estatuto remuneratório haja de obedecer, quer definindo-os expressamente, quer por intermédio de remissão para outros vigentes estatutos, podendo, por isso e em nome da autonomia política, administrativa, orçamental e financeira das Regiões, intervir as respectivas assembleias legislativas no sentido de complementarem as ditas linhas ou critérios, respeitado que seja o núcleo essencial que nelas ou neles se contêm.
Sendo esta a minha perspectiva, e porque leio o artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) no sentido de o critério que aí se visou ser o de haver uma equiparação ou, se se quiser, uma correspondência entre as remunerações dos deputados à Assembleia Legislativa daquela Região e as remunerações dos Deputados à Assembleia da República, com as adaptações que se tornem necessárias impostas pela especificidade regional, o que vale por dizer que unicamente se deixou por concretizar os valores dessas remunerações - concretização que seria levada a efeito por diploma emanado da Assembleia Legislativa Regional -, então sou levado a concluir que o falado artigo 28.º não ofende qualquer norma ou princípio constitucional.
Não havendo, na minha óptica, uma tal ofensa, não pude, como é óbvio, acompanhar o acórdão a que a presente declaração se apendicula, tanto na vertente da declaração de inconstitucionalidade da mencionada norma, como na vertente de o Decreto Legislativo Regional 1/93/M, de 5 de Fevereiro, sofrer, por si e também consequencialmente, de idêntico vício.
Tenho para mim que, não padecendo o artigo 28.º do EPARAM de desconformidade com o diploma básico, nem por isso daí se segue que as normas do decreto legislativo regional em causa e por aquele preceito credenciado estejam imunes ao vício de inconstitucionalidade. Efectivamente, mister é que se saiba, numa primeira linha, se tal corte normativo é, por si, contrário às normas e princípios constitucionais e, numa segunda, se alcançada que seja resposta negativa a essa questão, se ela enferma de ilegalidade.
Dado o modo, que acima indiquei, como interpreto o aludido artigo 28.º, visionando agora os preceitos constantes do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, sou do entendimento de que o estatuído nos artigos 1.º, 3.º e 4.º mais não reflecte do que uma correspondência, com a consequente concretização, entre as remunerações a atribuir aos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira e aqueloutras referentes aos Deputados à Assembleia da República, não se me afigurando que, atenta a especificidade referente à situação dos deputados regionais a que o legislador regional se haveria de ater, ainda de acordo com o comando constante do citado artigo, haja de efectuar qualquer censura ao que se contém nos indicados artigos 1.º, 3.º e 4.º
De outra banda, não descortino nestas disposições o que quer que seja que me conduzisse a considerá-las como sofrendo de vício de ilegalidade, não me convencendo, por isso, as razões adrede aduzidas pelo requerente.
Todavia, não posso deixar de assinalar que, perante o desiderato que, no meu entendimento, presidiu à edição da norma ínsita no artigo 28.º do EPARAM, e que, como disse, não é para mim constitucionalmente censurável, uma norma, das constantes do Decreto Legislativo Regional 1/93/M, se desenha como não representando uma mera adequação ao padrão referência utilizado naquele artigo 28.º
Trata-se, como é bom de ver, do artigo 2.º daquele decreto legislativo.
Tal disposição intentou, bem vistas as coisas, estabelecer uma remuneração mensal específica para os vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, os quais, desta arte, em razão das suas funções, não ficam limitados a perceber quantitativo remuneratório principal igual ao dos restantes deputados acrescido unicamente de um abono mensal para despesas de representação, tal-qualmente sucede em relação aos vice-presidentes da Assembleia da República.
Ora, se a intenção que presidiu ao artigo 28.º do EPARAM foi aquela que já deixei expressa - a de haver uma equiparação ou correspondência do estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira com o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, deixando ao órgão legislativo parlamentar regional a feitura da concretização valorativa decorrente de meras adaptações, atenta a especificidade regional -, então não é para mim entendível que, em relação aos vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional, atentos os limites que defluem da credencial estatutária, se viesse a consagrar um estatuto remuneratório que difere do consagrado para a Assembleia da República (cf. artigo 16.º, n.º 2, da Lei 4/85, de 9 de Abril) e que, de todo em todo, não representa, a meu ver, mera concretização de quantitativo ou uma mera adaptação do critério utilizado, quanto ao ponto, para o órgão de soberania parlamentar.
Significa isto que, para mim, ao prescrever o que prescreve, o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 1/93/M desbordou a credencial estatutária e, por isso, estatuiu em matéria que lhe não era consentida, pelo que incorreu em ofensa do que se consagra nos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, 229.º, n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, todos da Constituição, sendo, pois, aquela a única norma que, do meu ponto de vista, deveria ter sido declarada insconstitucional com força obrigatória geral.
Bravo Serra.