de 11 de Janeiro
O aumento preocupante do número de cheques sem provisão impõe a adopção de medidas que modifiquem esta situação.Assim e ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei 12/83, de 24 de Agosto, introduzem-se alterações na tramitação processual relativa ao crime de emissão de cheque sem provisão, visando atingir uma mais eficiente e célere administração da justiça, sem prejuízo da garantia dos direitos dos arguidos e da estrutura acusatória do processo prevista no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República.
Por outro lado, na sequência do Decreto-Lei 530/75, de 25 de Setembro, considera-se conveniente a adopção de uma medida administrativa que restrinja o uso de cheques por parte de pessoas que, reconhecidamente, o fazem de forma indevida.
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei 27/83, de 8 de Setembro, penaliza-se o uso de cheques, fora dos casos especialmente previstos, por parte das entidades abrangidas por aquela medida de restrição.
As entidades bancárias são obrigadas a comunicar ao Banco de Portugal todos os casos de apresentação de cheques, dentro dos prazos legais, que não sejam pagos por falta de provisão.
Em certos casos, essas entidades deverão mesmo propor obrigatoriamente ao Banco de Portugal - entidade competente para a instrução dos processos - a aplicação da referida medida de restrição, em ordem a um efectivo cumprimento do presente diploma.
Assim:
No uso das autorizações legislativas conferidas pelo artigo 3.º da Lei 12/83, de 24 de Agosto, e pelo artigo 1.º da Lei 27/83, de 8 de Setembro, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Do processo pelo crime de emissão de cheque sem provisão
Artigo 1.º - 1 - Antes de instaurado o procedimento criminal, a responsabilidade pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão extingue-se pelo pagamento, efectuado directamente pelo sacador ao portador do cheque, do montante deste, acrescido dos juros compensatórios e moratórias calculados à taxa máxima de juro praticada, no momento do pagamento, pela banca portuguesa para operações activas de crédito.
2 - Se o portador do cheque recusar receber ou dar quitação, poderá ser efectuado depósito à sua ordem dentro do prazo de 30 dias a contar da apresentação do cheque a pagamento.
3 - O pagamento ou o depósito previstos nos números anteriores efectuados até ao encerramento da audiência de julgamento determinação a suspensão da execução da pena que ao caso couber, salvo se o agente já tiver sido condenado pela prática deste crime e entre a data da prática daquele crime e a data da emissão do cheque por que responde não tiver decorrido mais de 5 anos.
Art. 2.º Os mandantes, ainda que pessoas colectivas, sociedades ou meras associações de facto, são civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que forem condenados os seus representantes, contanto que estes tenham agido nessa qualidade e no interesse dos representados.
Art. 3.º - 1 - O crime de emissão de cheque sem provisão será averiguado em inquérito preliminar, independentemente das circunstâncias e do seu valor, sem prejuízo da competência dos juízes de instrução em tudo o que se relacione com a eventual prisão dos arguidos.
2 - As entidades e pessoas referidas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 2/78, de 9 de Janeiro, são obrigadas a fornecer às autoridades competentes para o inquérito ou instrução os elementos mencionados no n.º 2 do mesmo artigo.
Art. 4.º - 1 - Concluído o inquérito preliminar o requerido o julgamento pelo ministério público ou pelos assistentes, o requerimento será notificado ao arguido, entregando-se-lhe cópia com o rol de testemunhas e indicação dos documentos produzidos.
2 - O arguido poderá, no prazo de 5 dias a contar da notificação, requerer a instrução contraditória, o arquivamento do processo ou alegar quaisquer questões de que o juiz deva conhecer no despacho a que se refere o n.º 1 do artigo seguinte.
Art. 5.º - 1 - Antes de designar dia para julgamento o juiz conhecerá das nulidades, legitimidade, excepções ou quaisquer outras questões prévias que possam obstar à apreciação do mérito da causa.
2 - Não havendo lugar a instrução contraditória, nada obstando a que o processo prossiga e sendo o facto punível, o juiz receberá sempre o requerimento acusatório e designará dia para julgamento, seguindo-se os termos de processo aplicáveis, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto no artigo 9.º 3 - O despacho proferido ao abrigo dos números anteriores apenas pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
4 - Haverá, porém, recurso, a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo, da decisão que respeite a medidas preventivas ordenadas.
Art. 6.º Nos processos por crime de emissão de cheque sem provisão só há lugar a instrução contraditória:
a) A requerimento do arguido, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º;
b) A requerimento do ministério público ou dos assistentes, quando, concluído o inquérito preliminar, não houver prova bastante para requerer o julgamento e seja de presumir que se complete a prova indiciária contra o arguido.
Art. 7.º Finda a instrução, o despacho que receba a acusação não é susceptível de recurso, podendo, porém, ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Art. 8.º - 1 - O réu apresentará na audiência de julgamento a contestação e, bem assim, as testemunhas e documentos que ali queira produzir em sua defesa, para o que será expressamente notificado, devendo indicar atempadamente ao tribunal as testemunhas a requisitar nos termos do artigo 85.º do Código de Processo Penal.
2 - O ofendido será notificado com a obrigação expressa de comparecer em julgamento.
3 - Se o réu, devidamente notificado, não comparecer em julgamento, será, representado pelo seu defensor, julgado como se estivesse presente dentro dos 30 dias seguintes, devendo ser notificado com essa cominação.
Art. 9.º O tribunal territorialmente competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão é o da comarca onde se situe o estabelecimento da instituição de crédito no qual o cheque foi apresentado a pagamento.
CAPÍTULO II
Da medida de restrição ao uso de cheque
Art. 10.º - 1 - A medida de restrição ao uso de cheque a que o presente capítulo se refere é uma providência de natureza administrativa que envolve a proibição às pessoas a quem for aplicada de movimentar por meio de cheques as contas de depósito de que sejam titulares em quaisquer instituições de crédito.
2 - A medida de restrição ao uso de cheque obriga as pessoas a quem for aplicada a devolver às instituições de crédito todos os módulos de cheques ainda em seu poder ou dos seus mandatários e às instituições de crédito a não lhes facultar cheques para a movimentação das suas contas de depósito, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - A medida a que se refere este artigo não impede a movimentação de cheques avulsos, visados ou não pelas instituições de crédito sacadas, consoante se destinem a pagamentos ou a simples levantamentos de fundos, devendo aquelas instituições facultar aos interessados os cheques nessas condições.
4 - Os cheques sacados durante o período de aplicação desta medida deverão ser pagos quando a conta tiver provisão, devendo a entidade sacada comunicar a emissão do cheque nessas condições ao Banco de Portugal.
Art. 11.º - 1 - A medida de restrição ao uso de cheque é aplicável:
a) Quando no período de 3 meses a mesma entidade saque 3 ou mais cheques que, apresentados a pagamento no prazo legal, não forem pagos por falta de provisão, ainda que sacados sobre instituições de crédito distintas;
b) Quando, tendo sido emitido um ou mais cheques que não tenham sido pagos por falta de provisão, irregularidade de preenchimento ou de saque, se prove que o titular da conta, pela utilização indevida do cheque, põe em causa o espírito de confiança que deve presidir à sua circulação.
2 - A medida de restrição ao uso de cheque recai sobre o sacador e os titulares da conta, contanto que aquele tenha agido na qualidade de representante e no interesse dos titulares da conta sacada.
3 - A medida de restrição ao uso de cheque deve ser aplicada no prazo de 6 meses a contar da verificação dos seus pressupostos, sob pena de caducidade.
Art. 12.º - 1 - A medida de restrição ao uso de cheque terá a duração mínima de 6 meses e máxima de 3 anos.
2 - Sob proposta da instituição de crédito sacada ou a requerimento do interessado, quando circunstâncias relevantes o justifiquem, o Banco de Portugal poderá fazer cessar a medida de restrição, desde que tenha decorrido, pelo menos, metade do respectivo prazo.
Art. 13.º - 1 - Compete ao Banco de Portugal, por intermédio do seu conselho de administração, decidir sobre a aplicação da medida de restrição ao uso de cheque.
2 - A competência a que se refere o número anterior pode ser delegada nos termos do n.º 2 do artigo 45.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei 544/75, de 15 de Novembro.
Art. 14.º - 1 - O processo para aplicação da medida de restrição ao uso de cheque é instaurado pelo Banco de Portugal, por sua iniciativa ou por proposta de qualquer instituição de crédito.
2 - A proposta é obrigatória para as instituições de crédito sobre quem forem sacados pela mesma entidade 3 ou mais cheques sem provisão num período de 3 meses.
3 - Independentemente de proposta para instauração do processo para aplicação da medida de restrição, as instituições de crédito devem comunicar ao Banco de Portugal os factos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º quando tenham conhecimento de que a irregularidade não foi suprida ou constitui comportamento habitual do titular da conta sacada e sempre que um cheque apresentado a pagamento dentro do prazo legal não seja pago por falta de provisão.
4 - As propostas devem ser fundamentadas, instruídas com os elementos necessários e enviadas ao Banco de Portugal no prazo de 15 dias; o facto será notificado aos interessados pela instituição de crédito proponente.
Art. 15.º - 1 - O processo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior será instruído pelos serviços do Banco de Portugal, que formularão um relatório final e uma proposta de decisão.
2 - O relatório e proposta de decisão são notificados aos eventuais sujeitos passivos da medida para, no prazo de 8 dias, deduzirem a sua defesa.
3 - A defesa é deduzida por escrito, devendo ser subscrita pelo próprio ou por um seu representante ou mandatário e ser instruída com todos os elementos que o interessado considere relevantes.
4 - Apresentada a defesa ou decorrido o prazo para a sua apresentação e efectuadas as diligências requeridas, o serviço instrutor formulará um parecer final e apresentará o processo para decisão.
5 - Reconhecendo-se a necessidade de diligências complementares ou que houve omissão de actos essenciais, sobrestar-se-á na decisão, fixando-se, tomado em atenção o disposto no artigo 11.º, n.º 3, prazo para serem praticados pelo serviço instrutor.
6 - A decisão deve ser notificada aos interessados e à instituição de crédito proponente; quando ordenar a medida de restrição ao uso de cheque deve ser comunicada a todas as instituições de crédito.
7 - Da decisão final cabe recurso contencioso nos termos gerais de direito.
Art. 16.º - 1 - As notificações a que se referem os artigos 14.º e 15.º efectuam-se por meio de carta registada expedida para o último domicílio declarado às instituições de crédito sacadas e presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for.
2 - A notificação tem-se por efectuada mesmo que o notificando recuse receber a carta ou não se encontre no domicílio indicado.
Art. 17.º - 1 - Quem, estando abrangido pela medida de restrição ao uso de cheque, emitir cheque com provisão fora dos casos previstos no n.º 3 do artigo 10.º, ou no prazo de 8 dias após a notificação não devolver às instituições de crédito os módulos de cheques em seu poder, em conformidade com o n.º 2 do artigo 10.º incorre na pena prevista para o crime de desobediência.
2 - Quem, tendo-lhe sido aplicada a presente medida, emitir cheque sem provisão incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada, sem prejuízo da responsabilidade pelo crime de emissão de cheque sem provisão.
Art. 18.º Compete ao Banco de Portugal fixar os requisitos a observar pelas instituições de crédito na abertura de contas de depósito e no fornecimento de módulos de cheques, designadamente quanto à identificação dos respectivos titulares e representantes e, ainda, transmitir às instituições de crédito instruções tendentes à aplicação uniforme do disposto neste capítulo.
Art. 19.º As instituições de crédito que não dêem cumprimento ao disposto no capítulo II deste diploma ou às instruções que o Banco de Portugal, ao abrigo do artigo anterior, lhes transmitir por meio de circulares expedidas sob registo e com aviso de recepção ou entregues mediante protocolo, serão punidas conforme o disposto nos artigos 89.º a 98.º do Decreto-Lei 42641, de 12 de Novembro de 1959, no artigo 8.º do Decreto-Lei 47413, de 23 de Dezembro de 1966, e nos Decretos-Leis n.os 205/70, de 12 de Maio, e 301/75, de 20 de Junho.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Art. 20.º É revogado o Decreto-Lei 530/75, de 25 de Setembro.Art. 21.º O presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 15 de Dezembro de 1983. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Ernâni Rodrigues Lopes.
Promulgado em 30 de Dezembro de 1983.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 3 de Janeiro de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.