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Acórdão 348/86, de 9 de Janeiro

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade de todas as normas constantes do diploma designado por «Decreto Legislativo Regional n.º 30/86/A» - estabelece a obrigatoriedade de as entidades seguradoras, com sede ou representação nos Açores, cobrarem aos segurados, conjuntamente com os respectivos prémios de seguros ou contribuições, as percentagens de 8 %, 4 % e 1 %, dispondo que tais importâncias constituem receitas da Região a depositar à ordem da Secretaria Regional das Finanças (SRF) -, por violação da norma da alínea f) do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa e também, no que respeita à norma do artigo 4.º, por violação da alínea a) do mesmo preceito constitucional. (Proc.º n.º 284/86)

Texto do documento

Acórdão 348/86
Processo 284/86
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 57.º e seguintes da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação, em processo de fiscalização preventiva, da inconstitucionalidade do «Decreto Legislativo Regional Regulamentar 30/86/A», ou seja do decreto aprovado pela Assembleia Regional dos Açores (ARA) e enviado ao Ministro da República para ser assinado como decreto legislativo regional, com a numeração referida.

Fundamenta assim o pedido:
O diploma, editado nos termos das alíneas a) e f) do artigo 229.º da Constituição e da alínea c) do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), estabelece a obrigatoriedade de as entidades seguradoras, com sede ou representação nos Açores, cobrarem aos segurados, conjuntamente com os respectivos prémios de seguros ou contribuições, as percentagens de 8%, 4% e 1%, conforme os casos, dispondo que tais importâncias constituem receitas da Região a depositar à ordem da Secretaria Regional das Finanças (SRF);

Esse decreto legislativo regional não contém matéria de interesse específico da Região;

Essas «taxas» constituem impostos;
Embora a Assembleia Regional goze de poder tributário próprio, nos termos do artigo 229.º, alínea f), da Constituição, não tem, porém, competência para criar impostos ou derrogar leis gerais da República, como, no caso, a Lei 10/79;

Do mesmo diploma não se pode inferir que as receitas assim cobradas se destinem ao Serviço Nacional de Bombeiros (SNB) e ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), ou seja às entidades previstas na Lei 10/79, de 20 de Março, e no Decreto-Lei 234/81, de 3 de Agosto, cuja aplicação, quanto às «taxas» neles previstas, o relatório daquele diploma regional enuncia visar;

Também se não pode concluir que tais receitas são as previstas nos referidos lei e decreto-lei, uma vez que a Assembleia Regional emitiu o diploma, não nos termos da alínea b) do artigo 229.º da Constituição, mas sim nos termos da sua alínea a);

«Assim, os artigos 1.º e 2.º do diploma em causa, na medida em que criam, sem interesse específico regional, um novo imposto - ao que parece, de âmbito nacional -, ofendem o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º e nas alíneas a) e f) do artigo 229.º, ambos da Constituição;

«Os artigos 3.º e 4.º, porque criam normas legislativas sobre matérias tratadas em leis gerais da República, que derrogam, ofendem o disposto no n.º 3 do artigo 115.º e na alínea a) do artigo 229.º, também da Constituição.»

2 - Notificado nos termos dos artigos 59.º e 56.º, n.º 2, da Lei 28/82, o presidente da ARA respondeu, pelo telex junto aos autos.

Na sua resposta disse:
1 - Nos termos da alínea f) do artigo 229.º da Constituição, é da competência da Região dispor das receitas fiscais nela cobradas e de outras que lhe sejam atribuídas e afectadas às suas despesas.

Trata-se de competência própria de órgãos regionais que tem de ser exercida mediante diploma adequado deles dimanado.

2 - O decreto legislativo regional em apreço apenas diz como devem ser atribuídas as receitas fiscais criadas por legislação dimanada dos órgãos de soberania, no uso do poder da citada alínea f) do artigo 229.º da Constituição.

3 - A aplicação das receitas fiscais cobradas na Região, mais do que uma matéria de interesse específico, é da sua, exclusiva competência, como preceitua a citada alínea f) do artigo 229.º da Constituição.

4 - O diploma regional não cria novos impostos porque não define um sujeito passivo, não altera a matéria colectável ou estabelece, não as taxas, mas apenas dá um destino à receita cobrada na Região.

5 - De resto, a adaptação do sistema fiscal é matéria de interesse específico, conforme dispõe o artigo 27.º, alínea j), do EPARAA.

6 - De resto, com idêntico conteúdo vigora há mais de dois anos um diploma aprovado pela Assembleia Regional da Madeira (ARM), sem que ninguém a ele se tenha oposto ou levantado o problema da sua inconstitucionalidade. Matéria pacífica, portanto.

a) Há receitas cobradas na Região;
b) O que o diploma regional propõe é distribuí-las;
c) Não se alteram os elementos essenciais do imposto;
d) Compete aos órgãos regionais dispor das receitas fiscais cobradas na Região.

3 - Cumpre decidir.
Para a decisão, importa começar por considerar o teor das normas em apreço.
Estabelece o referido diploma:
Artigo 1.º As entidades seguradoras com sede, filiais, sucursais, agências, delegações ou qualquer outra forma de representação na Região Autónoma dos Açores (RAA) cobram dos segurados, conjuntamente com o prémio de seguro ou contribuição, as taxas constantes do artigo seguinte e são responsáveis pela cobrança perante a SRF.

Art. 2.º - 1 - Constitui receita da RAA o produto das seguintes taxas, cobradas nos termos do artigo anterior:

a) 8% sobre os prémios de seguros contra fogo;
b) 4% sobre os prémios dos seguros agrícolas e pecuários;
c) 1% sobre os prémios ou contribuições relativos a seguros dos ramos de vida, doença, acidentes pessoais, automóvel, responsabilidade civil e acidentes pessoais.

2 - As taxas referidas no n.º 1 incidem sobre o valor dos prémios cobrados na Região, incluindo encargos e ainda custo da apólice ou acta adicional, quando existam.

Art. 3.º - 1 - No decurso dos dois meses seguintes àquele em que se efectuar a cobrança, as entidades seguradoras deverão depositar, sem qualquer dedução, em conta especial a indicar para o efeito pela SRF, e à ordem desta entidade, o quantitativo total arrecadado no mês anterior.

2 - Nos dez dias seguintes ao termo do prazo previsto no número anterior, as entidades seguradoras enviarão à SRF duplicado das guias de depósito e relação das cobranças efectuadas por ramo de actividade.

Art. 4.º - 1 - No respeito pelo princípio constitucional de cooperação entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio desta Região Autónoma, o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) fornecerá ao Governo Regional (GR), através da SRF, até 31 de Março e 30 de Setembro de cada ano, em relação aos semestres imediatamente anteriores, findos em 31 de Dezembro e 30 de Junho, nota discriminada das importâncias cobradas na Região a título de prémio ou contribuição relativamente aos ramos de seguros previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com referência à entidade seguradora, mês e ramos de actividade.

2 - O GR poderá solicitar que o ISP proceda, junto das companhias seguradoras, às acções de fiscalização necessárias à verificação do integral cumprimento do disposto no presente diploma.

O diploma, segundo o seu preâmbulo, visou fazer face às enormes carências de meios técnicos e financeiros sentidas pela Inspecção Regional de Bombeiros (IRB), criada pelo Decreto Regulamentar Regional 9/84/A, de 6 de Fevereiro, destinada a garantir o apoio e a superintendência nas associações humanitárias e nos corpos de bombeiros e a assegurar a sua articulação, em caso de emergência, com o Serviço Regional de Protecção Civil dos Açores (SRPCA).

Para obviar a tais carências, diz-se nesse preâmbulo, o diploma tornou aplicável à RAA as taxas criadas pela Lei 10/79, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei 234/81, de 3 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei 179/82, de 15 de Maio, e que no continente constituem receitas consignadas ao SNB e ao INEM, respectivamente.

Embora o artigo 1.º do diploma em apreço não defina o âmbito territorial da sua aplicação, porém, considerando quer o teor do seu preâmbulo, quer o facto de se tratar de um decreto legislativo regional, quer a circunstância de o n.º 2 do seu artigo 2.º precisar que as taxas referidas no antecedente n.º 1 incidem sobre o valor dos prémios cobrados na Região, é óbvio que o âmbito territorial de aplicação do diploma é a RAA.

3.1 - Considerando as referências feitas no relatório do decreto legislativo regional em apreço à Lei 10/79 e ao Decreto-Lei 234/81, debrucemo-nos um pouco sobre a análise da normação desses diplomas com maior interesse para a decisão e façamos uma resenha histórica dos mesmos para o seu melhor enquadramento legal e do diploma sindicando.

3.1.1 - Vejamos, em primeiro lugar, o enquadramento da Lei 10/79.
a) Na sua versão original, o Código Administrativo (CA) considerava o imposto para o serviço de incêndios entre os impostos municipais directos - artigo 704.º, n.º 3. A receita derivada da cobrança desse imposto destinava-se «exclusivamente a manter os serviços de extinção e prevenção de incêndios existentes no concelho e, em especial, à aquisição de material» - artigo 708.º

Porém, o § 4.º deste normativo igualmente previa a cobrança, pela Inspecção de Seguros (IS), das percentagens de 6% nos seguros contra fogo e 2% nos seguros agrícolas, que incidam «sobre os prémios processados no ano imediatamente anterior, líquidos de estornos e anulações». Seguidamente, de acordo com o imediato § 5.º, a IS sujeitava à aprovação do Ministro das Finanças «a distribuição da colecta pelos vários conselhos», fixando-se no parágrafo seguinte o limite mínimo da percentagem a atribuir às Câmaras de Lisboa e do Porto.

O Decreto-Lei 31095, de 31 de Dezembro de 1940, ao aprovar o CA, aprovou também o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes (EDAIA).

O EDAIA era omisso sobre a matéria.
Todavia, o seu artigo 126.º determinava que «em tudo o que não esteja especialmente previsto no presente Estatuto vigorará o disposto no CA».

Face à disciplina estatuída no CA em matéria relacionada com o serviço de incêndios, havia, assim, um imposto de serviço de incêndios e uma colecta sobre os prémios de determinados seguros. O primeiro era devido pelo proprietário dos prédios urbanos e pelos contribuintes colectados em contribuição industrial. A segunda era cobrada pela IS, através dos referidos ónus percentuais sobre os seguros.

b) Entretanto, surgiu o Decreto-Lei 35746, de 12 de Julho 1946, que criou, na Direcção-Geral de Administração Política e Civil, o Conselho Nacional de Incêndios (CNI) - artigo 1.º

Pela nova redacção dada pelo seu artigo 3.º aos §§ 4.º, 5.º e 6.º do artigo 708.º do CA, as percentagens referidas no citado § 4.º continuaram a ser cobradas pela IS, mas a proposta da respectiva distribuição era elaborada por aquele Conselho e aprovada pelos Ministros das Finanças e do Interior.

c) Posteriormente, com nova redacção dada ao mencionado artigo 708.º pelos Decretos-Leis 45676, de 24 de Abril de 1964 e 614/71, de 31 de Dezembro, a situação manteve-se praticamente igual, com a diferença de que a função desempenhada pela IS passou a ser exercida pela Inspecção-Geral do Crédito e Seguros.

d) O Decreto-Lei 388/78, de 9 de Dezembro, substituiu o CNI pelo Conselho Coordenador do Serviço de Bombeiros (CCSB).

O seu artigo 4.º, alínea a), estabeleceu que constituíam fundos do CCSB, destinados a subsidiar os corpos de bombeiros, «o produto da colecta prevista no artigo 708.º do CA».

e) A Lei 10/79 alterou por ratificação o Decreto-Lei 388/78.
Esta lei, pelo seu artigo 1.º, criou, no Ministério da Administração Interna, o SNB «com atribuições de orientar e coordenar as actividades e serviços de socorro exercidos pelos corpos de bombeiros e assegurar a sua articulação, em caso de emergência, com o Serviço Nacional de Protecção Civil».

Trata-se de um serviço nacional a cargo do Conselho Coordenador do Serviço Nacional de Bombeiros (CCSNB), que funcionava junto do Gabinete de Apoio às Autarquias Locais - artigo 2.º, n.º 1, da Lei 10/79. O seu âmbito de aplicação compreende todo o território nacional.

Segundo o seu artigo 5.º, n.º 1, «constituem receitas consignadas ao SNB para subsidiar os corpos de bombeiros, além de outras:

a) 8% sobre os prémios dos seguros contra fogo e 4% sobre os prémios dos seguros agrícolas e pecuários, que as seguradoras ficam autorizadas a cobrar dos segurados;

b [...]»
Essas percentagens são cobradas com os prémios dos seguros e depositadas na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (CGD), à ordem da IS, que enviará ao CCSNB duplicado das guias de depósito e relação das cobranças efectuadas - artigo 5.º, n.os 2, 3 e 4 - e lhe fornecerá nota discriminada de todas as importâncias cobradas em relação a cada concelho, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

A colecta decorrente da cobrança dessas percentagens será distribuída pelos corpos de bombeiros, sob proposta do CCSNB, que previamente a submeterá à aprovação dos Ministros da Administração Interna e das Finanças e do Plano - artigos 3.º, n.º 1, e 6.º

Desapareceu, pois, a referência ao artigo 708.º do CA, disposição revogada pelo artigo 27.º da Lei 1/79, de 2 de Janeiro - Lei das Finanças Locais.

f) Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei 418/80, de 29 de Setembro - Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros (LOSNB).

Aí se define que o SNB é «um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e património próprio» - artigo 1.º -, que «exerce a sua acção sobre o território do continente» - artigo 2.º

O âmbito continental do SNB vem confirmado na parte II do quadro anexo ao diploma, porquanto as inspecções regionais de bombeiros aí previstas não abrangem as regiões autónomas.

O seu artigo 31.º, n.º 1, alínea c), diz que constituem receitas do SNB as percentagens de «8% sobre os prémios de seguros contra fogo e 4% sobre os prémios de seguros agrícolas e pecuários, que as seguradoras ficam autorizadas a cobrar dos segurados, nos termos da Lei 10/79 [...]». O seu n.º 4 remete, quanto à forma de cobrança, depósito e controle das receitas, para o Decreto-Lei 264/78, de 30 de Agosto. Segundo este último diploma, que regula a actividade financeira dos fundos e serviços autónomos, as receitas são entregues nos cofres do Tesouro e escrituradas em «contas de ordem» no Orçamento Geral do Estado, tendo contrapartida no orçamento da despesa de cada ministério - artigos 2.º e 3.º; cada serviço autónomo dispõe dessas receitas mediante requisições - artigo 3.º, n.º 3 - e de acordo com os respectivos orçamentos privativos. Este regime não foi modificado, no que para aqui interessa, pelo Decreto-Lei 459/82, de 26 de Novembro, que introduziu novas normas sobre a matéria disciplinar por aquele decreto-lei.

Embora o Decreto-Lei 418/80 estabeleça que o SNB tem como âmbito territorial apenas o continente, não determinou, porém, idêntica limitação do âmbito de cobrança das receitas acima referidas, as quais, de acordo com a Lei 10/79, tinham âmbito nacional.

Poderia eventualmente ter-se suscitado o problema de saber se à restrição do âmbito do SNB ao continente não deveria ter correspondido uma idêntica restrição do âmbito territorial de cobrança das mencionadas receitas. A verdade é que a letra da lei não apontava nesse sentido e - tal como se verifica através da informação prestada pelo ofício do ISP ora junto ao processo - não houve qualquer alteração no entendimento da lei, continuando a cobrança a ser efectuada em todo o território nacional.

Registe-se, por último, que no artigo 53.º o referido Decreto-Lei 418/80 preceitua:

O disposto no presente diploma poderá ser aplicado às regiões autónomas mediante decreto regional.

g) Finalmente, o Decreto-Lei 98/84, de 29 de Março, que aprovou o novo regime das finanças locais, estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), n.º 3), que constitui receita do município o imposto para serviço de incêndio. Este imposto, segundo o imediato artigo 4.º, n.º 1, é liquidado pela repartição de finanças e cobrado pela tesouraria da Fazenda Pública territorialmente competentes.

3.1.2 - Passemos ao enquadramento do Decreto-Lei 234/81.
a) O Decreto-Lei 511/71, de 22 de Novembro, criou «no Ministério do Interior o Serviço Nacional de Ambulâncias (SNA), tendo como objectivo assegurar a orientação, a coordenação e a eficácia das actividades respeitantes à prestação de primeiros socorros a sinistrados e doentes e ao respectivo transporte» - artigo 1.º

Nos termos do seu artigo 6.º, alínea a), constituem «receitas consignadas ao SNA»:

a) 1% das importâncias sobre os prémios de seguros dos ramos de vida, acidentes de trabalho, automóveis e responsabilidade civil e acidentes pessoais que as companhias ficam autorizadas a cobrar dos segurados.

As receitas do SNA eram depositadas na CGD, à ordem do Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública, que procederia à sua aplicação de harmonia com a decisão dos Ministros do Interior e da Saúde e Assistência sobre a proposta do conselho coordenador do SNA - artigos 7.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, alínea h), do mesmo diploma.

Este diploma não fazia qualquer restrição quanto ao seu âmbito territorial de aplicação. Era, pois, de âmbito nacional.

b) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/80, de 28 de Fevereiro, publicada no Diário da República, de 11 de Março de 1980, foi criado, na dependência do Ministro dos Assuntos Sociais, um gabinete de emergência médica, cujos objectivos consistiam em propor o projecto de órgão coordenador do sistema integrado de emergência médica, instalar, a título experimental e em áreas a definir, o sistema de emergência médica, coordenando, em tais áreas, as respectivas actividades dos vários intervenientes, e contribuir para a melhoria da prestação dos cuidados de urgência, propondo e apoiando as medidas que, a curto prazo, possam solucionar dificuldades então existentes - n.º 1, alíneas a), b) e c).

Cometeu-se ao Ministro dos Assuntos Sociais «a definição, por despacho, dos termos em que os serviços centrais daquele Ministério prestarão o apoio indispensável para a execução da tarefa a empreender» - n.º 3.

Atribuiu-se ao SNA «a responsabilidade de apoio técnico, administrativo e financeiro ao referido Gabinete, em termos a definir pelo Ministro da Defesa Nacional» - n.º 4.

Colhe-se da leitura da resolução que se agiu com o escopo de se criar um serviço de emergência médica, o que veio a acontecer com o Decreto-Lei 234/81.

c) O Decreto-Lei 234/81, pelo seu artigo 1.º, criou, no Ministério dos Assuntos Sociais, o INEM, «destinado a assegurar o funcionamento, no território do continente, de um sistema integrado de emergência médica, de forma a garantir aos sinistrados ou vítimas de doença súbita a pronta e correcta prestação de cuidados de saúde».

O âmbito do INEM é, pois, o território do continente.
Nos termos do seu artigo 29.º, n.º 1, na actual redacção dada pelo Decreto-Lei 263/83, de 16 de Junho, constituem receitas do INEM:

a) 1% dos prémios ou contribuições relativos a seguros dos ramos de vida, doença, acidentes de trabalho, automóvel e responsabilidade civil e acidentes pessoais cobrados no continente.

Sublinhe-se que este preceito restringe expressamente a cobrança ao território do continente, aqui em consonância com o âmbito territorial de actividade do INEM.

O artigo 30.º reporta-se ao modo de cobrança da percentagem e ao seu depósito à ordem do INEM - n.os 1, 2, 3 e 4.

Finalmente, o seu artigo 68.º estabelece o seguinte:
Artigo 68.º
Aplicação às regiões autónomas
O disposto no presente diploma poderá ser aplicado às regiões autónomas mediante decreto regional.

3.2 - Feita esta rápida incursão sobre a Lei 10/79, o Decreto-Lei 418/80 e o Decreto-Lei 234/81, e seu enquadramento histórico, importa analisar que relação é que tem com eles o diploma regional aqui em apreço. Nos termos do seu preâmbulo, ele visa aplicar à RAA o regime daqueles diplomas.

Importa, todavia, apurar em que medida é que se verifica a reclamada aplicação dos dois diplomas referidos.

Como se viu acima, actualmente, segundo o Decreto-Lei 418/80 e o Decreto-Lei 234/81, existem dois regimes distintos quanto à incidência de tais «taxas» sobre as regiões autónomas: quanto às previstas no Decreto-Lei 418/80, por referência à Lei 10/79, elas são também cobradas nas regiões autónomas, sendo as receitas consignadas ao SNB; quanto às previstas no Decreto-Lei 234/81, elas não são cobradas nas regiões autónomas.

Nestes termos, o decreto regional questionado tem um alcance distinto, consoante se trate de um ou outro daqueles dois tipos de receitas. Quanto às previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º - que vêm sendo cobradas e entregues nas respectivas tesourarias da Fazenda Pública -, o que se propõe é a sua regionalização, passando elas a constituir receitas directas da região autónoma; quanto às previstas na alínea c) desse mesmo preceito - cuja cobrança nas regiões autónomas não está sequer prevista no Decreto-Lei 234/81 -, o que se pretende é, na verdade, criá-las ex novo no território da Região, como receitas próprias e directas da mesma Região.

Todo o problema está em saber se assiste à Região o poder de fazer qualquer dessas coisas.

Para encontrar a solução torna-se necessário responder previamente a duas questões:

Se as receitas referidas revestem ou não a natureza de impostos e se, no caso afirmativo, o decreto em apreço consubstancia o exercício de um poder tributário;

Neste caso, se a RAA estava habilitada a exercer tal poder tributário, atento o disposto na alínea f) do artigo 229.º da Constituição.

3.2.1 - Comecemos, naturalmente, pela primeira questão.
O imposto é uma «prestação pecuniária, coactiva, unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por entes públicos, com vista à realização de fins públicos» - Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 4; cf. Prof. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, p. 267; Braz Teixeira, Direito Fiscal, I, 1985, pp. 41 e 42; Nuno Sá Gomes, Lições de Direito Fiscal, I, 1984, p. 67.

Taxas são «receitas públicas estabelecidas por lei como retribuição dos serviços prestados individualmente aos particulares no exercício de uma actividade pública, ou como contrapartida da utilização de bens no domínio público ou da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» - Nuno Sá Gomes, Curso de Direito Fiscal, 1980, pp. 92 e 93, e Lição de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1984, p. 84; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, pp. 42 e 43, e Direito Fiscal, I, Lisboa, 1985, p. 57.

Ou, numa outra noção, não inteiramente coincidente com esta: são receitas que se podem alternativamente definir «ou como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizado de bens semipúblicos, ou como o preço autoritariarnente fixado de tal utilização» (Teixeira Ribeiro, «Noção jurídica de taxas», na Revista de Legislação e jurisprudência, ano 117.º, pp. 29 e segs.).

Seja como exactamente for, sempre é certo que a diferença específica de taxa, como tributação, distinguindo-a de imposto, reside no vínculo sinalagmático, bilateral, ínsito no seu conceito, como se depreende das definições anteriormente dadas. A sinalagmaticidade encontra-se arredada do conceito de imposto. Enquanto a taxa representa como que um «preço» de uma utilidade individualizada e directa, de que beneficia directamente o próprio tributado, o imposto constitui uma receita do Estado ou da entidade pública legalmente autorizada a cobrá-la, destinada à realização de fins públicos, e não especificamente do interesse do sujeito passivo de incidência dessa tributação. As taxas situam-se no campo dos serviços públicos de que os particulares colhem certas vantagens individuais como contrapartida das importâncias pagas - cf., sobre esta matéria - definição dos referidos institutos e sua distinção -, além de Teixeira Ribeiro, Cardoso da Costa, Nuno Sá Gomes e Alberto Xavier, nos lugares citados, Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, pp. 34 e segs.

3.2.2 - Procedendo à subsunção jurídico-fiscal das referidas percentagens, entendemos que as mesmas se prefiguram como impostos.

Na verdade, como expressamente se assinala no diploma, trata-se de receitas cujo pagamento não tem a contrapartida da vantagem individual e directa do sujeito passivo da prestação (os segurados).

Não existe, pois, qualquer vínculo sinalagmático.
Estamos, pois, perante impostos.
Assim, chegados a esta conclusão, temos que o decreto em análise procede a duas coisas:

Regionaliza um imposto que, nos termos da Lei 10/79 e do Decreto-Lei 418/80, está afectado ao SNB;

Cria na RAA um imposto idêntico àquele que no continente foi criado pelo Decreto-Lei 234/81, com o fim de financiar o INEM.

Trata-se, pois, indubitavelmente, do exercício de poder tributário. Cabe, então, saber se a ARA detém poderes para o efeito.

Antes disso, cumpre considerar a argumentação da ARA a este respeito.
Pretende a ARA, na sua resposta acima transcrita, que o diploma sindicado apenas visou dispor a favor da Região de receitas fiscais já cobradas nela e que, por isso, não criou nenhum imposto, antes se limitou a exercer o poder conferido na segunda parte da alínea f) do citado artigo 229.º, segundo a qual entre os poderes das regiões se conta o de «dispor das receitas fiscais nela cobradas [...] e afectá-las às suas despesas».

Mas não tem razão a ARA.
Em primeiro lugar e desde logo, verifica-se que as receitas previstas na alínea c) do n.º 1 do referido artigo 2.º não são receitas cobradas na RAA, pois como se mostrou acima, o Decreto-Lei 234/81 limitou expressamente a sua criação ao território do continente. Essas são efectivamente criadas ex novo na Região.

Em segundo lugar, o referido preceito constitucional não pode ser lido no sentido de conferir automaticamente o direito às regiões autónomas de dispor de todas as receitas fiscais como receitas comuns da administração directa da região (abstraindo desde logo do facto de que o poder de disposição tem como limites o direito constitucional e outras entidades, designadamente as autarquias locais).

De qualquer modo, e em terceiro lugar, o poder de dispor das receitas fiscais não implica necessariamente a regionalização da titularidade e das formas de cobrança dessas mesmas receitas fiscais (basta verificar que as regiões dispõem das receitas dos impostos gerais cobradas no respectivo território, sem que tais impostos tenham sido regionalizados).

Finalmente, mesmo que tal norma justificasse a regionalização dos impostos, e ainda que se admitisse que esta poderia ser determinada pelas regiões autónomas, a verdade é que nunca estas o poderiam fazer por iniciativa própria, livremente, porquanto sempre se trataria de exercício de poder tributário, que as regiões autónomas só poderiam exercer nos especiais termos previstos na primeira parte da alínea f) do artigo 229.º da Constituição.

Ora o que importa apurar é se se verificam os requisitos constitucionais.
3.2.3 - A criação de impostos constitui reserva de lei parlamentar - artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

Pode também o Governo legislar nessa área mediante prévia autorização legislativa da Assembleia da República - artigo 168.º

O poder tributário pertence, pois, em princípio, aos órgãos de soberania da República (à Assembleia da República e, por delegação desta, ao Governo).

3.2.4. - Todavia, a lei fundamental admite que as regiões autónomas exerçam «poder tributário próprio», nos termos do seu artigo 229.º, alínea f). Com efeito, aí se dispõe que as regiões autónomas podem:

f) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei [...]»
Esta norma põe dois problemas:
Saber em que pode consistir o referido poder tributário próprio;
Saber qual o sentido da expressão «nos termos da lei».
Quanto à primeira questão, o Tribunal já decidiu - Acórdão 91/84 - que tal poder consiste na faculdade de criar impostos regionais (cf. também J. J. Teixeira Ribeiro, «Criação de impostos pelas regiões autónomas», Revista de legislação e Jurisprudência, ano 119.º, p. 33).

Quanto ao segundo ponto, é seguro que tal poder tributário só pode ser exercido ao abrigo de uma lei da República que defina os termos do seu exercício. A doutrina é pacífica a esse respeito. Entende-se que é necessária «lei definidora da forma e do conteúdo» desse poder (cf. Sousa Franco, ibid.). Tratar-se-á de uma lei especial, cujo objecto consista, exactamente, na atribuição do poder de criar um determinado imposto - cf. J. J. Teixeira Ribeiro, ibid. p. 35.

Lei, na expressão «termos da lei», pretende significar lei parlamentar, pois se o poder tributário pertence, em princípio, à Assembleia da República, também só à Assembleia da República compete definir os termos do exercício do poder tributário pelas regiões autónomas (cf. J. J. Teixeira Ribeiro, Sousa Franco, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibid., e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/84, in Diário da República, 1.ª série, de 6 de Outubro de 1984). Excluem-se do conceito de lei, para este efeito, os estatutos regionais, «quer porque a estes já antes se referira o corpo do artigo, quer ainda porque eles representam uma legislação especial, sujeita a um regime de produção específica» - Acórdão 91/84; cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibid., p. 362. Por isso é aqui ininvocável o disposto na alínea j) do artigo 27.º do Estatuto Regional dos Açores, por se tratar de uma norma estatutária genérica que não pode dispensar uma específica lei da Assembleia da República a definir os termos do exercício do poder tributário regional.

3.2.5 - Adquiridos estes pontos, cabe agora considerar a hipótese em apreço.
Ora, independentemente de saber se o decreto se mantém dentro dos limites constitucionais do que haja de entender-se por poder tributário próprio das regiões autónomas, seguramente que ele não pode reclamar-se de uma lei da República que tenha definido os termos da sua utilização.

Com efeito, mesmo admitindo, sem discutir, que o poder tributário próprio das regiões autónomas não exclui o poder de transferir para a esfera regional impostos já existentes nem o poder de criar ex novo outros impostos, impõe-se afirmar que, no caso, ele não foi exercido em conformação com os termos decorrentes de leis da República que pudessem credenciar tal exercício.

No seu preâmbulo, o diploma em apreço reclama-se da «aplicação à RAA das taxas criadas pela Lei 10/79, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei 234/81, de 3 de Agosto», ou sejam os diplomas que criaram tais «taxas» e as afectavam respectivamente ao SNB e ao INEM.

Efectivamente, não a Lei 10/79, mas o Decreto-Lei 418/80 (que a reformulou) e o Decreto-Lei 234/81 contêm ambos uma norma (respectivamente os artigos 53.º e 68.º) que prevê a possibilidade da sua «aplicação às regiões autónomas mediante decreto regional».

É certo que o diploma em apreço não invoca tais preceitos (e aliás nem sequer refere o Decreto-Lei 418/80), o que, desde logo, levanta a questão de saber se poderia considerar-se regularmente exercido um poder tributário regional que não invoca expressamente a lei que define os termos em que ele pode ser exercido.

Independentemente disso, porém, cabe indagar se o diploma em análise se poderia credenciar nos dois referidos preceitos legislativos.

Sublinhe-se que o que neles se prevê é a possibilidade de aplicação dos referidos diplomas às regiões autónomas e recorde-se que ambos os diplomas criaram, a nível do continente, dois institutos públicos (o SNB e o INEM) dotados de autonomia administrativa e financeira, aos quais foram afectados, entre outros, os referidos impostos.

Não cabe aqui indagar em que é que poderia consistir rigorosamente a aplicação de tais diplomas às regiões autónomas: se a criação de institutos regionais afins, se a extensão às regiões autónomas da acção dos referidos institutos nacionais, se outra forma eventualmente pensável. A verdade é que não consta que tenha havido aplicação de tais diplomas à RAA. É certo que no preâmbulo do diploma sob exame se menciona a existência de uma IRB, criada pelo Decreto Regulamentar Regional 9/84/A, de 6 de Fevereiro. Todavia, é patente que tal diploma - que de resto é um simples diploma regulamentar do GR que nem sequer menciona a sua base legal - não pode pretender-se como aplicação à RAA do Decreto-Lei 418/80, que criou o SNB (que, aliás, também nem sequer é mencionado no referido diploma regional). Basta uma breve análise para verificar que tal IRB é um simples serviço administrativo integrado na administração directa regional, sem qualquer autonomia administrativa ou financeira e dotado de funções que não correspondem às que estão confiadas ao SNB.

Diz-se no preâmbulo do referido decreto regulamentar regional:
Face ao aparecimento de novas associações de bombeiros na RAA e ao desenvolvimento quer dessas corporações quer das antigas, pretende-se, com o presente diploma, a criação de uma inspecção regional que, enquadrada organicamente na SRAP [Secretaria Regional da Administração Pública], exerça as atribuições que têm por objectivo a orientação, coordenação, fiscalização e inspecção das actividades exercidas por aquelas entidades, de forma a permitir uma maior eficácia destas nos vários domínios em que desenvolvem a sua acção.

No seu artigo 1.º estabelece que na Secretaria Regional da Administração Pública passa a funcionar a IRB, «destinada a garantir o apoio e a superintendência nas associações humanitárias e nos corpos de bombeiros e a assegurar a sua articulação, em caso de emergência, com o SRPCA».

Compete à IRB, de acordo com o seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas i) e j):
i) Incentivar formas de colaboração com outras entidades, nomeadamente com o SNB e o SRPCA, nos vários domínios em que se desenvolve a acção da IRB;

j) Pronunciar-se sobre todos os assuntos que digam directamente respeito aos corpos de bombeiros da Região.

Das transcrições ora feitas logo se colhe que o Decreto Regulamentar 9/84/A não constitui aplicação da LOSNB à Região.

Com efeito, e independentemente do vício formal que sempre se lhe assacaria por não se indicar a lei que regulamenta, não pode reconhecer-se na IRB dos Açores um complemento das inspecções regionais de bombeiros a que se referem os artigos 18.º, alínea c), 19.º, 26.º e 27.º do citado Decreto-Lei 418/80 e o quadro de pessoal II a ela anexo, porquanto não há identidade de funções entre aquela e estas.

Quanto ao Decreto-Lei 234/81 (que criou o INEM), também não se conhece nenhum decreto regional que o tenha aplicado à RAA, nem sequer se menciona no preâmbulo do diploma agora em apreço nenhum serviço regional com atribuições locais correspondentes à do INEM. Aliás, nem tão-pouco se invoca tal questão na resposta da ARA.

Ora o diploma em análise também não pode de modo algum considerar-se como aplicação dos referidos diplomas que criaram o SNB e o INEM. É evidente que a única parte que se pretende aplicar é a parte financeira, considerando como receitas próprias da Região as receitas que hoje estão afectadas ao SNB na parte respeitante ao território da região autónoma e criando na região uma receita idêntica à que no continente está afecta ao INEM. Mas tais receitas - aquela, «regionalizada» e desafectada do SNB, e esta, criada ex novo - são consideradas no diploma como receitas comuns da administração directa da Região, sem afectação institucional aos fins que ditaram a sua criação na legislação da República.

Ora, qualquer que seja o entendimento que se tenha do que deva ser a aplicação dos dois referidos diplomas às regiões autónomas, e mesmo que se entenda que tal «aplicação» houvesse de compreender também a faculdade de regionalização ou de criação de impostos regionais - questão que aqui não carece de ser solucionada -, é pelo menos seguro que tal «aplicação» não pode deixar de ter como elemento essencial a afectação de tais receitas aos fins que elas possuem nos diplomas da República que as criaram.

Na verdade, esses impostos só foram criados para serem afectados a determinados fins. A afectação é um elemento essencial do regime material de tais impostos.

Mesmo que a RAA pudesse fundamentar o poder tributário, que agora pretende exercer, no artigo 53.º do Decreto-Lei 418/80 e no artigo 68.º do Decreto-Lei 234/81, e admitindo que tais preceitos consentem tal interpretação, o certo é que tal poder tributário só poderia ser exercido nos termos desses dois diplomas. A afectação das receitas dos impostos em causa é, na verdade, um dos elementos essenciais ao regime previsto nesses diplomas.

O poder tributário regional que pretenda reclamar-se desses diplomas não poderia nunca extravasar dos termos em que tais impostos são definidos nos mesmos. Quando o decreto da ARA se propõe regionalizar ou criar os referidos impostos considerando-os como receitas comuns da administração directa da Região, não está seguramente a observar os termos que decorrem dos dois referidos diplomas legislativos [suposto que, em qualquer caso, tais diplomas poderiam ser considerados como credencial legítima para efeitos da alínea f) do artigo 229.º da Constituição, questão esta que - repete-se - se prescinde de abordar por ser desnecessário, não sem deixar de assinalar, porém, que ambos os referidos diplomas são decretos-leis do Governo e não leis da Assembleia da República].

Por isso, tem de concluir-se, sem mais, que as normas em causa ofendem directamente a alínea f) do artigo 229.º da Constituição - o que, por outro lado, dispensa a análise da questão de saber se também haverá de aferir-se o diploma à luz da alínea a) do mesmo preceito constitucional, também dado por ofendido no pedido do Ministro da República para os Açores.

Isto vale não apenas para o n.º 1 do artigo 2.º, mas também, por maioria de razão, para o n.º 2 do mesmo preceito, que prevê que as «taxas referidas no n.º 1 incidem sobre o valor dos prémios cobrados na Região, incluindo os encargos e ainda custos da apólice ou acta adicional, quando existam». É que, nesta segunda parte, tal preceito não tem qualquer correspondência nem na Lei 10/79 (ou no Decreto-Lei 418/80), nem no Decreto-Lei 234/81, onde a base de incidência dos impostos é constituída apenas pelos prémios dos seguros em causa.

Resta considerar as demais normas do diploma em causa. A norma do artigo 1.º conexiona-se em absoluto com as normas do seu artigo 2.º, e as dos artigos 3.º e 4.º são meramente instrumentais daquelas. Por isso, são consequencialmente inconstitucionais.

Acresce que as normas do mencionado artigo 4.º, ao estabelecerem, no n.º 1, que o ISP fornecerá ao GR a nota aí referida e, no n.º 2, que o mesmo GR poderá solicitar ao ISP as acções de fiscalização nele mencionadas, extravasam dos poderes legislativos autonómicos, os quais naturalmente não podem determinar tarefas ou impor obrigações a serviços ou institutos da República, por tal estar obviamente reservado aos órgãos de soberania da República. Há aí, pois, ofensa dos limites do poder legislativo regional, definidos na alínea a) do artigo 229.º

4 - Nos termos expostos, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade de todas as normas constantes do diploma designado por Decreto Legislativo Regional 30/86/A, por violação da norma da alínea f) do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa e também, no que respeita à norma do artigo 4.º, por violação da alínea a) do mesmo preceito constitucional.

Lisboa, 11 de Dezembro de 1986. - Mário Afonso - Vital Moreira - Messias Bento - Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - Mário de Brito - Nunes de Almeida - Raul Mateus - Cardoso da Costa - Magalhães Godinho - Armando Manuel Marques Guedes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/111357.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1940-12-31 - Decreto-Lei 31095 - Ministério do Interior - Direcção Geral de Administração Política e Civil

    Aprova o Código Administrativo e o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, que são publicados em anexo. São aprovados os novos quadros e vencimentos do pessoal vitalício e contratado das juntas gerais dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes constantes no mapa II anexo ao presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1946-07-12 - Decreto-Lei 35746 - Ministério do Interior - Direcção Geral de Administração Política e Civil

    Cria, na Direcção Geral de Administração Política e Civil, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, definindo as suas atribuições. Este conselho é constituído pelos seguintes elementos: director geral, comandantes dos batalhões de sapadores bombeiros e mais dois vogais nomeados pelo ministro do interior. Dá nova redacção aos artigos 159º e 708º do Código Administrativo referentes à inspecção técnica dos corpos de bombeiros e ao imposto para o serviço de incêndios, respectivamente. Insere disposições r (...)

  • Tem documento Em vigor 1964-04-24 - Decreto-Lei 45676 - Ministério do Interior - Direcção-Geral de Administração Política e Civil

    Altera o Código Administrativo e o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes e insere preceitos relativos à liquidação de impostos para os corpos administrativos. Cria vários lugares no quadro do pessoal da Direcção-Geral de Administração Política e Civil.

  • Tem documento Em vigor 1971-11-22 - Decreto-Lei 511/71 - Ministérios do Interior e da Saúde e Assistência

    Cria no Ministério do Interior o Serviço Nacional de Ambulâncias (S.N.A.), que tem por objectivo assegurar a orientação, a coordenação e a eficiência das actividades respeitantes à prestação de primeiros socorros a sinistrados.

  • Tem documento Em vigor 1971-12-31 - Decreto-Lei 614/71 - Ministério do Interior - Direcção-Geral de Administração Política e Civil

    Altera o Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 31095 de 31 de Dezembro de 1940, relativamente às competências das câmaras municipais em matéria de contracção de empréstimos destinados à satisfação de despesas públicas.

  • Tem documento Em vigor 1978-08-30 - Decreto-Lei 264/78 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento - Direcção-Geral da Contabilidade Pública

    Estabelece o regime geral da actividade financeira dos fundos autónomos e dos organismos dotados de autonomia administrativa e financeira.

  • Tem documento Em vigor 1978-12-09 - Decreto-Lei 388/78 - Ministério da Administração Interna - Gabinete de Apoio às Autarquias Locais

    Cria no Gabinete de Apoio às Autarquias Locais o Concelho Coordenador do Serviço de Bombeiros (CCSB).

  • Tem documento Em vigor 1979-01-02 - Lei 1/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei das finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1979-03-20 - Lei 10/79 - Assembleia da República

    Altera, por ratificação, o Decreto-Lei n.º 388/78, de 9 Dezembro, que cria no Gabinete de Apoio às Autarquias Locais o Concelho Coordenador do Serviço de Bombeiros (CCSB).

  • Tem documento Em vigor 1980-09-29 - Decreto-Lei 418/80 - Ministério da Administração Interna

    Cria a Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros.

  • Tem documento Em vigor 1981-08-03 - Decreto-Lei 234/81 - Ministérios da Defesa Nacional, das Finanças e do Plano, dos Assuntos Sociais e da Reforma Administrativa

    Cria, no Ministério dos Assuntos Sociais, o Instituto Nacional de Emergência Médica.

  • Tem documento Em vigor 1982-05-15 - Decreto-Lei 179/82 - Ministérios das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais

    Dá nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 234/81, de 3 de Agosto (Instituto Nacional de Emergência Médica).

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-26 - Decreto-Lei 459/82 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento

    Estabelece normas sobre serviços e fundos autónomos.

  • Tem documento Em vigor 1983-06-16 - Decreto-Lei 263/83 - Ministérios das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais

    Altera o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 234/81, de 3 de Agosto, que determina as receitas do Instituto Nacional de Emergência Médica.

  • Tem documento Em vigor 1984-02-06 - Decreto Regulamentar Regional 9/84/A - Região Autónoma dos Açores - Governo Regional - Secretaria Regional da Administração Pública - Direcção Regional da Administração Local

    Cria a Inspecção Regional de Bombeiros (IRB), dcestinada a garantir o apoio e a superintendência nas associações humanitárias e nos corpos de bombeiros.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-29 - Decreto-Lei 98/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o novo regime das finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1984-10-06 - Acórdão 91/84 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do decreto da Assembleia Regional dos Açores aprovado em 28 de Junho de 1984 e que vem identificado como sendo o Decreto Legislativo Regional n.º 18/84.

  • Tem documento Em vigor 1986-12-05 - Decreto Legislativo Regional 30/86/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Regional

    Regulamenta o regime de trabalho por turnos.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-04-21 - Acórdão 76/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DA 1, 2, 3, E 4 NORMAS DA DELIBERAÇÃO NUMERO 17/C/85, DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA E NOS TERMOS DO ARTIGO 282, NUMERO 4 DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, COM RESSALVA, POREM, DA SITUAÇÃO DOS CONTRIBUINTES QUE NAO TIVEREM AINDA PAGO, NO TODO OU EM PARTE, A 'TARIFA DE SANEAMENTO', RESTRINGEM-SE OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DE TAL MODO QUE ELES SÓ VIRÃO A PRODUZIR-SE PARA O FUTURO, OU SEJA, A PARTIR DA DATA DA PUBLICAÇÃO DO PRESENTE A (...)

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