de 18 de Agosto
Estatuto do Bolseiro de Investigação
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Aprovação do Estatuto do Bolseiro de Investigação
É aprovado o Estatuto do Bolseiro de Investigação, que se publica em anexo à presente lei e dela faz parte integrante.
Artigo 2.º
Disposições transitórias
1 - Os regulamentos de bolsas em vigor devem adaptar-se ao disposto no presente Estatuto no prazo máximo de 60 dias, salvaguardando-se, todavia, os direitos e legítimas expectativas das partes, relativamente a bolsas em fase de atribuição e em curso.2 - Exceptua-se do disposto na parte final do número anterior a renovação de bolsas, sendo equiparada, para efeitos de aplicação do presente Estatuto, à atribuição de nova bolsa, sem prejuízo de direitos adquiridos.
Artigo 3.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei 123/99, de 20 de Abril.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
O presente Estatuto entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Aprovada em 8 de Julho de 2004.
O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
Promulgada em 2 de Agosto de 2004.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 5 de Agosto de 2004.
O Primeiro-Ministro, Pedro Miguel de Santana Lopes.
ANEXO
Estatuto do Bolseiro de Investigação
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1 - O presente Estatuto define o regime aplicável aos beneficiários de subsídios, atribuídos por entidades de natureza pública e ou privada, destinados a financiar a realização, pelo próprio, de actividades de natureza científica, tecnológica e formativa, nos termos do artigo seguinte, sem prejuízo do disposto pelo direito comunitário e pelo direito internacional.2 - Os subsídios a que se refere o número anterior designam-se por bolsas, sendo concedidos no âmbito de um contrato celebrado entre o bolseiro e uma entidade acolhedora.
3 - Não são abrangidas pelo presente Estatuto as bolsas atribuídas ao abrigo da acção social escolar.
4 - As remunerações que o bolseiro eventualmente aufira no âmbito de relação jurídico-laboral ou prestação de serviços não são consideradas bolsas.
5 - É proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
Artigo 2.º
Objecto
1 - São abrangidas pelo presente Estatuto as bolsas destinadas a financiar:a) Trabalhos de investigação tendentes à obtenção de grau ou diploma académico pós-graduado;
b) Actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia e de saber, com carácter de iniciação ou actualização, independentemente do nível de formação do bolseiro;
c) Actividades de iniciação ou actualização de formação em qualquer área, desenvolvidas pelo próprio, no âmbito de estágio não curricular, nos termos e condições previstas no regulamento de concessão da bolsa, salvo o disposto em lei especial.
2 - Independentemente do tipo de bolsa, são sempre exigidos a definição do objecto e um plano de actividades sujeito a acompanhamento e fiscalização, nos termos do capítulo III.
Artigo 3.º Duração
1 - A duração das bolsas é fixada nos respectivos regulamentos.2 - As bolsas a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º não podem exceder dois anos, no caso de mestrado, e quatro anos, no caso de doutoramento.
3 - As bolsas podem ser renovadas por períodos adicionais, se o regulamento o permitir, sem prejuízo dos limites máximos previstos no número anterior.
Artigo 4.º
Natureza do vínculo
Os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de funcionário ou agente.
Artigo 5.º
Exercício de funções
1 - O bolseiro exerce funções em cumprimento estrito do plano de actividades acordado, sendo sujeito à supervisão de um orientador ou coordenador, bem como ao acompanhamento e fiscalização regulado no capítulo III do presente Estatuto.2 - O desempenho de funções a título de bolseiro é efectuado em regime de dedicação exclusiva, não sendo permitido o exercício de qualquer outra função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal, salvo o disposto nos números seguintes.
3 - Considera-se, todavia, compatível com o regime de dedicação exclusiva a percepção de remunerações decorrentes de:
a) Direitos de autor e de propriedade industrial;
b) Realização de conferências e palestras, cursos de formação profissional de curta duração e outras actividades análogas;
c) Ajudas de custo e despesas de deslocação;
d) Desempenho de funções em órgãos da instituição a que esteja vinculado;
e) Participação em órgãos consultivos de instituição estranha àquela a que pertença, desde que com a anuência prévia desta última;
f) Participação em júris de concursos, exames ou avaliações estranhos à instituição a que esteja vinculado;
g) Participação em júris e comissões de avaliação e emissão de pareceres solicitados por organismos nacionais ou estrangeiros.
4 - Considera-se, ainda, compatível com o regime de dedicação exclusiva a realização de actividades externas à entidade acolhedora, ainda que remuneradas, desde que directamente relacionadas com o plano de actividades subjacente à bolsa e desempenhadas sem carácter de permanência, bem como o exercício de funções docentes.
Artigo 6.º
Regulamentos
1 - Do regulamento de concessão da bolsa consta:a) A descrição do tipo, fins, objecto e duração da bolsa, incluindo os objectivos a atingir pelo candidato;
b) As componentes financeiras, periodicidade e modo de pagamento da bolsa;
c) As categorias de destinatários;
d) O modelo de contrato de bolsa e dos relatórios finais a elaborar pelo bolseiro e pelo orientador ou coordenador e respectivos critérios de avaliação;
e) Os termos e condições de renovação da bolsa, se a ela houver lugar;
f) O regime aplicável em matéria de informação e publicidade dos financiamentos concedidos.
2 - Os elementos a que se refere o número anterior são obrigatoriamente incluídos no anúncio de abertura do concurso.
Artigo 7.º
Aprovação
1 - A entidade financiadora deve submeter os regulamentos de bolsas a aprovação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, podendo, todavia, aplicar um regulamento em vigor.2 - Na apreciação, por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, deve ser ponderada a adequação do programa de bolsas proposto com o disposto no artigo 2.º do presente Estatuto.
3 - A aprovação depende sempre de declaração, por parte da entidade financiadora, da cabimentação orçamental das bolsas a atribuir.
4 - A aprovação do regulamento acarreta a obrigação, para a entidade financiadora, de emitir, em relação aos respectivos bolseiros, todos os documentos comprovativos da qualidade de bolseiro.
5 - A entidade acolhedora é subsidiariamente responsável pela emissão de documentos a que se refere o número anterior.
6 - Compete à Fundação para a Ciência e a Tecnologia avaliar, quando entenda conveniente ou por determinação do ministro responsável pela política científica, os regulamentos de bolsas, tendo em conta os resultados atingidos pelo programa.
7 - Verificada discrepância manifesta entre o disposto no regulamento e a sua execução, designadamente atendendo aos resultados atingidos, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia pode revogar a sua aprovação.
8 - Da recusa de aprovação do regulamento ou revogação da mesma cabe sempre recurso para o ministro responsável pela política científica.
Artigo 8.º
Contratos de bolsa
1 - Do contrato de bolsa consta obrigatoriamente:a) A identificação do bolseiro e do orientador científico ou coordenador;
b) A identificação da entidade acolhedora e financiadora;
c) A identificação do regulamento aplicável, quando haja;
d) O plano de actividades a desenvolver pelo bolseiro;
e) A indicação da duração e data de início da bolsa.
2 - Os contratos de bolsa são reduzidos a escrito, devendo ser remetidas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia cópias de todos os contratos celebrados, com base nos quais elaborará um registo nacional dos bolseiros.
3 - O Estatuto de Bolseiro é automaticamente concedido com a celebração do contrato, reportando-se sempre à data de início da bolsa.
CAPÍTULO II
Direitos e deveres dos bolseiros
Artigo 9.º
Direitos dos bolseiros
1 - Todos os bolseiros têm direito a:a) Receber pontualmente o financiamento de que beneficiem em virtude da concessão da bolsa;
b) Obter da entidade acolhedora o apoio técnico e logístico necessário à prossecução do seu plano de trabalhos;
c) Beneficiar de um regime próprio de segurança social, nos termos do artigo 10.º;
d) Beneficiar do adiamento do serviço militar obrigatório, nos termos da legislação em vigor;
e) Beneficiar, por parte da entidade acolhedora ou financiadora, de um seguro contra acidentes pessoais, incluindo as deslocações ao estrangeiro;
f) Suspender as actividades financiadas pela bolsa por motivo de maternidade, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos estabelecidos na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública;
g) Suspender as actividades financiadas pela bolsa por motivo de doença do bolseiro, justificada por atestado médico ou declaração de doença passada por estabelecimento hospitalar;
h) Beneficiar de um período de descanso que não exceda os 22 dias úteis por ano civil;
i) Receber, por parte das entidades financiadora e acolhedora, todos os esclarecimentos que solicite a respeito do seu estatuto;
j) Todos os outros direitos que decorram da lei, do regulamento e ou do contrato de bolsa.
2 - Os bolseiros que sejam titulares de um vínculo jurídico-laboral têm ainda direito à contagem do tempo durante o qual beneficiaram do presente Estatuto, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço efectivo.
3 - A suspensão a que se referem as alíneas f) e g) do n.º 1 efectua-se sem prejuízo da manutenção do pagamento da bolsa pelo tempo correspondente, reiniciando-se a contagem no 1.º dia útil de actividade do bolseiro após interrupção.
4 - As importâncias auferidas pelos bolseiros em razão da bolsa relevam para efeitos de candidatura que pressuponham a existência de rendimentos, designadamente para a obtenção de crédito à habitação própria e incentivos ao arrendamento para jovens, devendo, para este fim, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia passar comprovativo da condição de bolseiro.
Artigo 10.º
Segurança social
1 - Os bolseiros que não se encontrem abrangidos por qualquer regime de protecção social podem assegurar o exercício do direito à segurança social mediante adesão ao regime do seguro social voluntário, nos termos previstos no Decreto-Lei 40/89, de 1 de Fevereiro, com as especialidades resultantes dos números seguintes.2 - São cobertas pelo seguro social voluntário as eventualidades de invalidez, velhice, morte, maternidade, paternidade, adopção, doença e doenças profissionais cobertas pelo subsistema previdencial.
3 - A eventualidade de doença é regulada nos termos do regime dos trabalhadores independentes.
4 - Os beneficiários do Estatuto previsto na presente lei têm direito à assunção, por parte da instituição financiadora, dos encargos resultantes das contribuições que incidem sobre o primeiro dos escalões referidos no artigo 36.º do Decreto-Lei 40/89, de 1 de Fevereiro, correndo por conta própria o acréscimo de encargos decorrente da opção por uma base de incidência superior.
5 - O disposto nos números anteriores é aplicável às bolsas com duração igual ou superior a seis meses, reportando-se o enquadramento no regime do seguro social voluntário à data de início da bolsa, desde que o requerimento seja efectuado no período mínimo de duração da mesma.
6 - Compete à Fundação para a Ciência e a Tecnologia emitir comprovativo do Estatuto do Bolseiro, para os efeitos previstos nos números anteriores.
7 - Podem, igualmente, enquadrar-se no regime do seguro social voluntário previsto no presente diploma os bolseiros estrangeiros ou apátridas que exerçam a sua actividade em Portugal, independentemente do tempo de residência.
Artigo 11.º
Acesso a cuidados de saúde
Os bolseiros têm acesso a cuidados de saúde, no quadro de protocolos celebrados entre a entidade financiadora e as estruturas de saúde, nos termos a regular.
Artigo 12.º
Deveres dos bolseiros
Todos os bolseiros devem:a) Cumprir pontualmente o plano de actividades estabelecido, não podendo este ser alterado unilateralmente;
b) Cumprir as regras de funcionamento interno da entidade acolhedora e as directrizes do orientador ou coordenador;
c) Apresentar atempadamente os relatórios a que esteja obrigado, nos termos do regulamento e do contrato;
d) Comunicar à Fundação para a Ciência e a Tecnologia a ocorrência de qualquer facto que justifique a suspensão da bolsa;
e) Colaborar com as entidades competentes para o acompanhamento do bolseiro, facilitando a sua actividade e respondendo prontamente a todas as solicitações que lhe forem feitas no âmbito desse acompanhamento;
f) Elaborar um relatório final de apreciação do programa de bolsa, o qual deve conter uma listagem das publicações e trabalhos elaborados no âmbito do contrato, bem como cópia do respectivo trabalho final, no caso de bolsa concedida para obtenção de grau ou diploma académico;
g) Cumprir os demais deveres decorrentes da lei, do regulamento e ou do contrato.
CAPÍTULO III
Acompanhamento e fiscalização
Artigo 13.º
Entidade acolhedora
1 - A entidade acolhedora deve:a) Acompanhar e fornecer o apoio técnico e logístico necessário ao cumprimento do plano de actividades por parte do bolseiro, designando-lhe, aquando do início da bolsa, um coordenador que supervisiona a actividade desenvolvida;
b) Proceder à avaliação do desempenho do bolseiro;
c) Comunicar, atempadamente, ao bolseiro as regras de funcionamento da entidade acolhedora;
d) Prestar, a todo o momento, a informação necessária, por forma a garantir ao bolseiro o conhecimento do seu Estatuto.
2 - A actividade inserida no âmbito da bolsa pode, pela sua especial natureza e desde que previsto no regulamento e ou contrato, ser desenvolvida noutra entidade, pública ou privada, considerando-se, neste caso, extensíveis a esta todos os deveres que incumbem à entidade acolhedora por força do número anterior.
3 - A entidade acolhedora é subsidiariamente responsável pelo pagamento da bolsa, sem prejuízo do direito de regresso contra a entidade financiadora, nos termos gerais.
4 - No âmbito das suas funções de supervisão, o coordenador deve elaborar um relatório final de avaliação da actividade do bolseiro, a remeter à Fundação para a Ciência e a Tecnologia e à entidade financiadora.
Artigo 14.º
Entidade financiadora
A entidade financiadora deve efectuar, pontualmente, os pagamentos a que se encontra vinculada por força do regulamento e contrato de bolsa.
Artigo 15.º
Núcleo do bolseiro
1 - Em cada entidade acolhedora deve existir um núcleo de acompanhamento dos bolseiros, responsável por prestar toda a informação relativa ao seu Estatuto.2 - O regulamento define a composição e modo de funcionamento do núcleo.
Artigo 16.º
Painel consultivo
1 - O painel consultivo acompanha o desempenho de funções, por parte do bolseiro, podendo, na sequência da sua apreciação, dirigir recomendações às entidades financiadora e ou acolhedora.2 - No exercício da sua actividade, o painel pode solicitar informações e esclarecimentos às entidades financiadora, acolhedora e aos próprios bolseiros, bem como à Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
3 - Verificadas irregularidades no cumprimento do disposto na presente lei, o painel deve suscitar junto da Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior as medidas que entenda pertinentes, podendo, ainda, em qualquer momento, sugerir, mediante parecer escrito, dirigido ao ministro responsável pela política científica, a adopção, modificação ou revogação de medidas de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, com incidência sobre as bolsas abrangidas pelo presente Estatuto.
4 - O painel elabora um relatório anual de actividades, que poderá incluir parecer relativo à política de formação de recursos humanos na área da ciência e da tecnologia, devendo este, após apreciação por parte da tutela, ser objecto de publicação.
5 - O painel consultivo é composto por três elementos, nomeados por despacho do ministro responsável pela política científica, devendo a designação recair sobre personalidades de reconhecido mérito, sendo um dos elementos oriundo de organizações representativas dos bolseiros, considerando-se como tal, as que representem pelo menos 200 bolseiros.
6 - As funções desempenhadas pelo painel consultivo não são exercidas em regime de permanência, nem a tempo inteiro.
7 - O painel consultivo dispõe de apoio técnico e administrativo, funcionando na dependência orgânica e funcional do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
Artigo 17.º
Cessação do contrato
São causas de cessação do contrato, com o consequente cancelamento do Estatuto:a) O incumprimento reiterado, por uma das partes;
b) A prestação de falsas declarações;
c) A conclusão do plano de actividades;
d) O decurso do prazo pelo qual a bolsa é atribuída;
e) A revogação por mútuo acordo ou alteração das circunstâncias;
f) A constituição de relação jurídico-laboral com a entidade acolhedora;
g) Outro motivo atendível, desde que previsto no regulamento e ou contrato.
Artigo 18.º
Sanções
1 - O incumprimento reiterado e grave por parte da entidade acolhedora implica a proibição de receber novos bolseiros durante um período de um a dois anos.2 - No caso de incumprimento reiterado e grave por parte do bolseiro, a entidade financiadora tem direito a exigir a restituição das importâncias atribuídas.
3 - Não se considera incumprimento a desistência, por parte do bolseiro, desde que notificada à entidade acolhedora e ou financiadora até 30 dias antes da pretendida cessação.
4 - A decisão de aplicação das sanções a que se referem os n.os 1 e 2 do presente artigo compete ao ministro responsável pela política científica, ouvido o painel consultivo.
Artigo 19.º Extensão
O regime estabelecido na presente lei aplica-se, com as devidas adaptações, em tudo o que não seja contrariado pelo direito comunitário e pelo direito internacional, aos bolseiros portugueses a desenvolver actividade no estrangeiro e aos bolseiros estrangeiros a desenvolver actividade em Portugal, sempre que as respectivas bolsas sejam concedidas por entidades nacionais.