de 21 de Setembro
O cooperativismo agrícola constitui no nosso país um dos ramos do sector cooperativo de maior expressão.De facto, e embora a sua implantação e desenvolvimento só se tenha afirmado após a 2.ª Guerra Mundial, as cooperativas agrícolas representam cerca de 38% das cooperativas portuguesas e congregam um total que se aproxima de meio milhão de associados.
Após uma certa estagnação, verificou-se, no decénio de 1947-1957, um período significativo de crescimento das cooperativas agrícolas, tendo tido particular incremento as que implicavam avultados investimentos (adegas e destilarias, por exemplo) ou as de produtos essenciais (leite e cereais). O objectivo desta orientação era o de compensar a falta de mão-de-obra com uma relativa mecanização e a contenção dos salários do sector secundário pelo fornecimento de bens de consumo essenciais em melhores condições de quantidade e preço.
A partir de Abril de 1974, verificou-se um novo surto de cooperativas agrícolas, embora com características diferenciadas.
De facto, em primeiro lugar, o seu crescimento não foi uniforme, já que a sua maior implantação se deu, sobretudo, na zona ao sul do Tejo, nomeadamente na chamada zona de intervenção da Reforma Agrária. Por outro lado, as novas cooperativas tomaram, na grande maioria, a forma de cooperativas agrícolas de produção integral, previstas na chamada «Lei Barreto», ainda não regulamentadas, o que neste diploma se faz.
De salientar, também, o desenvolvimento do sub-ramo de cooperativas agrícolas, conhecido por compra e venda, a maioria das quais nasceu da extinção dos grémios da lavoura e que hoje apresentam importância indispensável ao desenvolvimento e organização da agricultura em Portugal.
Poderá ainda, no futuro, este tipo de cooperativas desempenhar um papel fulcral na moralização e simplificação dos circuitos económicos.
Também o presente diploma regulamenta as cooperativas agrícolas polivalentes, criando, assim, condições para o seu desenvolvimento. Este tipo de cooperativas, muito divulgado no nosso país, é o que, nos meios rurais, melhor poderá responder às necessidades económicas e sociais dos agricultores. O funcionamento e a forma de atribuição do direito voto nestas cooperativas são remetidos, expressamente, para os estatutos, embora se pudesse desde já regular esta matéria nos termos da alínea e) do artigo 3.º do Código Cooperativo.
«Em meu entender», dizia António Sérgio, «o Estado e os políticos devem auxiliar o cooperativismo, legislativa, cultural e financeiramente, por forma que não dirijam nunca, que não obriguem nunca, que nunca tenham a pretensão de comandar, por pouquíssimo que seja. O cooperativismo há-de ser absolutamente voluntário e livre, nada deve nele existir que seja obrigatório.» É, pois, sem ferir este espírito que o presente diploma não só dá cumprimento de regulamentação ao ramo do sector cooperativo previsto na alínea c) do artigo 4.º do Código Cooperativo, como tem, sobretudo, por objectivo reformular, reestruturar e enquadrar as cooperativas agrícolas no novo ordenamento jurídico cooperativo, iniciado com a publicação do Código Cooperativo.
Nesta conformidade, o Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Artigo 1.º (Âmbito)
As cooperativas agrícolas e suas organizações de grau superior regem-se pelas disposições do presente diploma e, nas suas omissões, pelas do Código Cooperativo.
Artigo 2.º
(Noção)
1 - São cooperativas agrícolas as constituídas por pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades agrícolas, agro-pecuárias ou florestais ou com elas directamente relacionadas ou conexas e que tenham por objecto principal, designadamente:a) A produção, a transformação, a conservação, a distribuição, o transporte e a venda de bens e produtos provenientes da sua própria exploração e ou das explorações dos seus membros;
b) A aquisição de produtos, animais, máquinas, ferramentas e utensílios destinados às mesmas explorações;
c) A produção, a preparação e o acondicionamento de rações, alimentos, fertilizantes, pesticidas e outros produtos e materiais ou matérias-primas de qualquer natureza necessários ou convenientes às explorações dos seus membros;
d) A instalação e a prestação de serviços, no campo da organização económico-técnico-administrativa das referidas explorações, a colocação e a distribuição dos bens e produtos provenientes de tais explorações;
e) O seguro mútuo agrícola, pecuário ou florestal;
f) A rega, em relação às obras que a lei preveja poderem ser administradas ou geridas por cooperativas.
2 - São também cooperativas agrícolas as que sejam possuidoras ou detentoras, a qualquer título, do direito que lhes assegure o uso e fruição de terras, de gado ou de áreas florestais e que tenham por objecto a exploração agrícola, agro-pecuária ou florestal ou outras com elas directamente relacionadas ou conexas.
3 - A utilização da forma cooperativa não isenta da obrigatoriedade de conformidade da actividade com a lei, da obtenção de autorizações e licenças e de outras formalidades exigíveis nos termos legais, devendo as entidades de quem dependem as referidas autorizações e licenças ter em conta a especial natureza e função social das cooperativas.
Artigo 3.º
(Objecto)
Para a realização dos seus fins, melhor conjugação e coordenação entre as cooperativas agrícolas e mais eficiente realização do seu fim comum podem as cooperativas agrícolas, nomeadamente:a) Adquirir a propriedade ou outros direitos que assegurem o uso e fruição de prédios destinados à exploração agrícola, bem como a instalações de unidades fabris, a armazenamento, conservação ou ainda a actividades auxiliares ou complementares;
b) Permitir a utilização, por qualquer meio legalmente permitido, no todo ou em parte, dos seus edifícios, instalações, equipamentos ou serviços por outras cooperativas da mesma natureza;
c) Com vista à valorização dos produtos da sua própria exploração ou das dos seus membros, ajustar com quaisquer pessoas jurídicas, singulares ou colectivas, contratos, acordos ou convenções, tendo por objecto a utilização de processos de fabrico ou de técnicas industriais ou de comercialização.
(Área social)
1 - As cooperativas agrícolas devem ter em atenção as condições e exigências do meio em que se formam e a possibilidade de realização e desempenho satisfatório dos serviços e fins que se propõem, evitando actuar em concorrência, designadamente, pela sua implantação em áreas servidas por outras cooperativas da mesma natureza.2 - Para efeitos do número anterior, os estatutos das cooperativas agrícolas terão de indicar, expressa e precisamente, a sua área social.
3 - O disposto no número anterior não se aplica às cooperativas agrícolas de produção.
Artigo 5.º
(Organizações cooperativas de grau superior)
As cooperativas que se caracterizam por desenvolver actividades da mesma zona específica, integradas neste ramo do sector cooperativo, poderão constituir uniões, federações e confederações nacionais, nos termos previstos no Código Cooperativo.
Artigo 6.º
(Classificação)
1 - As cooperativas agrícolas a que alude o artigo 2.º classificam-se em cooperativas agrícolas de produção, de transformação, de serviços e mistas.2 - São cooperativas agrícolas de produção aquelas cuja actividade principal é a exploração integral de certa superfície de terra.
3 - As restantes cooperativas a que se refere o n.º 1 diversificam-se consoante a sua actividade se relacione quer com a compra em comum de factores de produção, quer com a transformação, conservação ou venda em comum dos produtos agrícolas, com ou sem transformação prévia, ou outras transformações técnicas preliminares, quer com a prestação de serviços comuns aos agricultores seus membros, singulares ou colectivos, quer, ainda, com o seguro mútuo e a rega.
4 - As cooperativas a que se refere o número anterior distribuem-se por três grandes grupos: de serviços, de transformação e mistas:
a) São cooperativas de serviços as que desenvolvem actividades, de entre outras, nas seguintes áreas específicas:
1) Compra e venda;
2) Máquinas;
3) Mútuas de seguro;
4) Rega;
5) Assistência técnica.
b) São cooperativas de transformação as que desenvolvem actividades, de entre outras, nas seguintes áreas específicas:
1) Vitivinícola;
2) Leiteira;
3) Frutícola, hortícola e florícola;
4) Florestal;
5) Olivícola;
6) Pecuária;
7) Apícola.
c) São mistas as cooperativas agrícolas que desenvolvem actividades polivalentes em quaisquer áreas específicas do ramo.
Artigo 7.º
(Apoio à constituição e funcionamento de cooperativas agrícolas pelo
Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas)
O Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas poderá dar apoio à constituição e funcionamento de cooperativas agrícolas, suas uniões, federações e confederações, nos termos da respectiva legislação, em especial quando visem actividades enquadradas nos programas de valorização da produção e o desenvolvimento regional.
Artigo 8.º
(Entradas mínimas de capital)
1 - As entradas mínimas de capital não poderão ser inferiores ao equivalente a três títulos de capital, podendo os estatutos prever que a substituição de cada membro seja proporcional à sua participação na actividade da cooperativa.2 - Nas cooperativas polivalentes o membro terá de subscrever tantas entradas mínimas de capital quantas as secções em que pretenda inscrever-se.
3 - Ao membro admitido posteriormente à constituição da cooperativa pode ser exigida a realização de uma jóia de montante a fixar nos estatutos e de acordo com o disposto no artigo 27.º do Código Cooperativo.
Artigo 9.º
(Exclusão de membros)
1 - Poderão ser excluídos, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Código Cooperativo, os membros das cooperativas agrícolas que, designadamente:a) Deixarem de, directa e efectivamente, exercer a exploração agrícola, agro-pecuária ou florestal na área de acção da cooperativa por prazo superior a 2 anos, salvo se os estatutos previrem prazo diferente;
b) Passarem a explorar ou negociar de forma concorrencial com a cooperativa, quer em nome próprio, quer através de interposta pessoa ou empresa;
c) Adquirirem ou negociarem produtos, matérias-primas, máquinas ou outras quaisquer mercadorias ou equipamentos que hajam adquirido por intermédio da cooperativa;
d) Transferirem para outros os benefícios que só aos membros é lícito obter;
e) Tiverem sido declarados em estado de falência fraudulenta ou de insolvência ou tiverem sido demandados pela cooperativa, havendo sido condenados por decisão transitada em julgado;
f) Tiverem cometido crime que implique a suspensão de direitos civis.
2 - As infracções cometidas pelos membros que não importem exclusão poderão ser punidas, consoante a sua gravidade, pela direcção, com penas de censura, multa ou suspensão de direitos e benefícios por determinado período, sem prejuízo do recurso que delas cabe para a assembleia geral, nos termos da alínea j) do artigo 46.º do Código Cooperativo.
3 - O recurso a que se refere o número anterior deverá ser interposto no prazo de oito dias, a contar da data em que o membro receber comunicação da penalidade imposta.
Artigo 10.º
(Inelegibilidade para os órgãos sociais)
Não são elegíveis para os órgãos sociais os membros que, embora não estando nas condições referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, deixarem de, directa e efectivamente, exercer a actividade agrícola, agro-pecuária ou florestal na área de acção da cooperativa.
Artigo 11.º
(Competência da assembleia geral)
Para além da competência exclusiva que lhe é conferida pelo artigo 46.º do Código Cooperativo, é também da competência da assembleia geral sancionar os contratos previstos na alínea c) do artigo 3.º deste diploma.
Artigo 12.º
(Conselho fiscal)
Os estatutos da cooperativa podem prever que o conselho fiscal seja assessorado por revisores oficiais de contas ou por sociedade de revisores oficiais de contas.
Artigo 13.º
(Reserva para apetrechamento e renovação de material e de seguro)
Nas cooperativas agrícolas, para além das reservas obrigatórias previstas no Código Cooperativo, podem os estatutos prever a criação de uma reserva para apetrechamento e renovação do material e de seguro.
CAPÍTULO II
Das cooperativas polivalentes
Artigo 14.º
(Noção)
Podem constituir-se cooperativas agrícolas polivalentes que se caracterizem por abranger mais de uma zona específica de actividade.
Artigo 15.º
(Funcionamento)
As cooperativas agrícolas polivalentes funcionam por secções.
Artigo 16.º
(Secções)
1 - A criação e extinção das secções é da competência da assembleia geral, sob proposta da direcção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º deste diploma.2 - Nas secções haverá assembleias sectoriais que, para além da eleição de delegados à assembleia geral da cooperativa, terão de pronunciar-se acerca das actividades, contas e rentabilidade de cada uma das secções e tomarão conhecimento do relatório e contas a apresentar à assembleia geral.
3 - As secções serão distintas, sem prejuízo da pessoa jurídica, com regulamentos próprios e organização contabilística, por forma a evidenciar os resultados e actividades de cada uma das secções.
4 - O capital social responde em conjunto e solidariamente pelas obrigações assumidas.
5 - Da direcção poderão fazer parte tantos membros efectivos quantas as secções, sendo um por cada, sem prejuízo de o número total ser sempre ímpar.
Artigo 17.º
(Assembleia geral)
1 - Nas cooperativas polivalentes a assembleia geral poderá ser constituída por delegados das secções.2 - A representação das secções e a forma de atribuição do direito de voto serão reguladas pelos estatutos.
3 - Nenhum membro poderá ser delegado de mais de uma secção.
CAPÍTULO III
Artigo 18.º
(Início de actividade)
Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 93.º do Código Cooperativo, é considerado início de actividade a apresentação às entidades competentes dos requerimentos de que as leis e regulamentos façam depender o exercício da actividade que a cooperativa visa prosseguir.
Artigo 19.º
(Adaptação de entradas mínimas)
O prazo previsto no n.º 2 do artigo 23.º do Código Cooperativo é aplicável à actualização do capital por parte dos membros da cooperativa que já tivessem tal qualidade à data da escritura pública pela qual for efectuada a adaptação dos estatutos ao Código Cooperativo.
Artigo 20.º
(Revogação da legislação anterior)
É revogada a legislação em contrário ao disposto no presente diploma.
Artigo 21.º
(Auxílio técnico e financeiro)
1 - A concessão por parte do Estado de auxílio técnico e financeiro poderá ficar dependente da emissão de uma declaração de conformidade dos estatutos com os princípios enunciados nos artigos 2.º e 4.º deste diploma.2 - É da competência do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas a declaração de conformidade prevista no número anterior.
3 - Para esse efeito, deverão os projectos de estatutos da cooperativa ser enviados aos serviços competentes do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, que poderão propor as alterações julgadas convenientes.
4 - A declaração de conformidade considera-se efectuada se o contrário não for comunicado aos interessados no prazo de 90 dias após a entrada dos estatutos nos serviços competentes.
5 - Sem prejuízo do disposto no artigo 96.º do Código Cooperativo, as cooperativas agrícolas têm, também, de enviar aos serviços competentes do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas os elementos referentes à constituição ou alteração dos estatutos e os relatórios e contas anuais, após aprovação em assembleia geral.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 15 de Julho de 1982. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Promulgado em 9 de Agosto de 1982.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.