1 - A promoção e preservação da saúde, a par de outros objectivos de natureza económico-social, deve estender-se a toda a população e não apenas a certos grupos ou áreas geográficas. Assim, há que promover uma equitativa repartição de recursos disponíveis, tanto a nível espacial, atendendo primeiramente as áreas que menos recursos possuem, como a nível de grupos mais carenciados, em alto risco, ou mais vulneráveis.
Um serviço regional de saúde é, em nosso entender, o meio adequado para conduzir esta tarefa, desenvolvendo, concomitantemente, as actividades que lhe são inerentes:
a) A prevenção da doença a nível do indivíduo e da colectividade;
b) O diagnóstico precoce e o tratamento adequado, bem como a readaptação dos doentes;
c) A investigação e recolha de informação que constituem o fundamento indispensável das medidas.
2 - O desenvolvimento óptimo do Serviço Regional de Saúde impõe que se reconheça que compete aos órgãos do Governo próprio da Região e à sociedade em geral a protecção da saúde da população, a formação, em todos os escalões, de pessoal de saúde, o desenvolvimento de acções preventivas, a criação de uma rede, facilmente acessível, de serviços preventivos, curativos e de reabilitação, a aplicação dos resultados da investigação, quer no domínio da medicina, quer em organização sanitária, a par da educação sanitária da população e da sua participação progressiva.
3 - Se bem que, ultimamente, na situação do sector se venham registando sensíveis melhorias, reconhece-se a necessidade de progredir aceleradamente. Todavia, o quadro sanitário é fortemente influenciado, quer pela insularidade da Região, quer pela conjuntura nacional e mundial. Efectivamente, as vantagens económicas da industrialização e da urbanização são frequentemente atenuadas e até neutralizadas por factores prejudiciais à saúde, como sejam a poluição, os acidentes e a tensão da vida urbana.
Por outro lado, constata-se uma prevalência crescente das doenças crónicas, uma proporção mais elevada de pessoas idosas e a existência de um número cada vez maior de doentes mantidos em tratamento graças a cuidados intensivos e prolongados.
Paralelamente, verifica-se ainda uma escassez de recursos - às vezes desperdiçados -, designadamente no que respeita a meios humanos e, entre estes, principalmente de médicos residentes. Esta situação agrava-se na medida em que os recursos humanos existentes se concentram «exageradamente» nos três principais centros urbanos.
4 - Porque não se pode impor a saúde, devem criar-se as condições que a tornem possível.
A planificação surge, neste contexto, como uma forma de resposta chave para uma promoção sanitária sistemática, centrada na realização progressiva de objectivos sociais, encontrando o seu lugar no quadro do desenvolvimento económico-social, pelo que os serviços de saúde deverão ser considerados, cada vez mais, como componente importante do sistema.
Torna-se, assim necessária a implementação de mecanismos permanentes de programação a todos os níveis, embora, em alguns casos, de feição embrionária. Há que caminhar para o estabelecimento de orçamentos-programas, que traduzam, eles próprios, as prioridades, isto é, programação por objectivos e um orçamento por programas. Daí que as políticas, as prioridades, as estratégias e as tácticas em matéria de cuidados de saúde devem ser convenientemente escolhidas e implementadas, de tal modo que as melhorias sanitárias essenciais sejam possíveis por um custo mais baixo.
Os cuidados primários de saúde aparecem-nos com prioridade absoluta, como o primeiro contacto entre o sistema e o indivíduo, em estreita ligação com os hábitos e as necessidades da população e integrados, quando possível, em actividades de outros sectores ou instituições.
A tecnologia sanitária deve ser simples, entendida, apropriada às condições do meio, tecnicamente segura e aplicável e financeiramente viável. Neste particular, não se deve adoptar uma política que consagre partes cada vez maiores das nossas disponibilidades financeiras em serviços médicos que dependem de tecnologias de custos vertiginosos com vista a tratamento episódico de doenças agudas e que não têm senão efeitos marginais sobre o nível de saúde.
5 - O sistema de saúde baseia-se numa estrutura de serviços organizados em pirâmide, na qual, em caso de necessidade, os doentes são transferidos aos níveis imediatos.
Pressupõe ainda a interdependência sectorial, quando do desenvolvimento de programas que produzem efeitos induzidos.
6 - O pessoal de saúde, devidamente motivado e convenientemente preparado, com garantia de uma formação contínua, constitui um elemento fundamental de todo o sistema. A sua fixação em toda a Região é um pressuposto.
7 - O Serviço Regional de Saúde procura consubstanciar os princípios fundamentais insistentemente recomendados pela Organização Mundial de Saúde, os quais, aliás, começaram a ser progressivamente implementados na Região durante os últimos anos.
Admite-se, desde já, a necessidade e a vantagem de modificações futuras no Serviço agora criado, à medida que a experiência e os ensinamentos adquiridos com a sua implantação o justifiquem.
Assim, a Assembleia Regional dos Açores decreta, nos termos do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º O Serviço Regional de Saúde é universal e geral.Art. 2.º O Serviço Regional de Saúde procurará assegurar a cada cidadão o direito à protecção e promoção da saúde, independentemente da sua condição económica e social.
Art. 3.º O acesso aos cuidados de saúde é gratuito, sem prejuízo da existência de taxas moderadoras, a fixar em função da natureza dos serviços prestados.
Art. 4.º O Serviço Regional de Saúde abrangerá as actividades de promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença e reabilitação.
Art. 5.º - 1 - O Serviço Regional de Saúde englobará o conjunto das entidades públicas e privadas cuja finalidade seja a prestação de cuidados de saúde à população.
2 - O sector convencionado e o sector livre do Serviço Regional de Saúde serão objecto de diploma regulamentar ou especial, conforme os casos.
3 - Nos casos em que se verificar ser necessário para a garantia e defesa do direito do cidadão à saúde, conforme é definido neste diploma, poderá, por decreto regional, ser determinada a obrigatoriedade do regime de convenção com carácter temporário.
TÍTULO II
Dos utentes
Art. 6.º Os cuidados médicos assegurados aos utentes do Serviço Regional de Saúde inspirar-se-ão em princípios humanísticos, como o do respeito pela dignidade do doente, a preservação da intimidade da sua vida privada e a salvaguarda da liberdade de escolha do médico, bem como, sempre que possível, do estabelecimento prestador de cuidados.Art. 7.º Será sempre garantida a independência dos médicos na orientação dos cuidados e na orientação da terapêutica.
Dos cuidados da saúde
Art. 8.º Aos utentes do Serviço Regional de Saúde serão assegurados, em termos a regulamentar, os seguintes tipos de cuidados:a) Cuidados de promoção, preservação e vigilância da saúde;
b) Cuidados de clínica geral e de especialidade;
c) Elementos complementares de diagnóstico e terapêutica;
d) Produtos farmacêuticos, incluindo suplementos alimentares e dietéticos;
e) Tratamentos especializados, incluindo as curas termais;
f) Internamento hospitalar;
g) Cuidados de reabilitação;
h) Cuidados de enfermagem;
i) Transporte, quando medicamente indicado;
j) Comparticipação em próteses, ortóteses e outros aparelhos complementares de tratamento;
l) Serviço de apoio social.
Art. 9.º Para a obtenção dos direitos referidos no artigo anterior, os utentes poderão optar:
a) Pelos estabelecimentos e serviços regionais;
b) Pelas entidades de direito público ou privado, singulares ou colectivas, que estejam integradas funcionalmente no Serviço Regional de Saúde;
c) Por outras entidades não abrangidas nas alíneas anteriores, sendo a diferença dos custos, quando exista, suportada pelo utente.
Art. 10.º - 1 - Os cuidados de saúde enunciados no artigo 8.º compreendem cuidados primários e cuidados diferenciados.
2 - Compreendem-se nos cuidados primários:
a) Os destinados à promoção da saúde e prevenção da doença e os cuidados de tipo ambulatório, abrangendo os de clínica geral, materno-infantis e de planeamento familiar, de saúde escolar e geriátrica, incluindo os domiciliários;
b) Cuidados de especialidade abrangendo, nomeadamente, as áreas de oftalmologia, estomatologia, otorrinolaringologia e saúde mental;
c) Internamentos que não impliquem cuidados diferenciados;
d) Elementos complementares de diagnóstico e terapêutica, incluindo a reabilitação;
e) Cuidados de enfermagem, incluindo os de visitação domiciliária.
3 - Compreendem-se nos cuidados diferenciados:
a) Internamento hospitalar;
b) Actos ambulatórios especializados para diagnóstico, terapêutica e reabilitação;
c) Consultas externas de especialidade.
4 - São compreendidos nos cuidados de nível primário e de nível diferenciado os cuidados de urgência na doença e no acidente.
5 - A prestação de cuidados de urgência na doença e no acidente previstos no n.º 4 entendem-se sem prejuízo do direito de regresso em relação às entidades seguradoras ou outras, no caso responsáveis.
Art. 11.º O acesso aos cuidados diferenciados está condicionado à prévia observação e decisão dos serviços de cuidados primários, salvo nos casos de urgência.
TÍTULO IV
Da orgânica e funcionamento
CAPÍTULO I
Organização geral
Art. 12.º - 1 - O Serviço Regional de Saúde compreende a Direcção Regional de Saúde, o Conselho Regional de Saúde, órgãos sub-regionais, serviços e estabelecimentos sub-regionais e locais.2 - O Serviço Regional de Saúde será apoiado por estabelecimentos e actividades de ensino que visem a formação e aperfeiçoamento dos profissionais de saúde.
Art. 13.º Aos órgãos do Serviço Regional de Saúde compete, no seu conjunto, assegurar a distribuição racional, a hierarquia técnica e o funcionamento coordenado dos serviços, definir a complementaridade de valências e promover a descentralização decisória.
CAPÍTULO II
Direcção Regional de Saúde
Art. 14.º À Direcção Regional de Saúde cabem, especialmente, as seguintes atribuições:a) Estudo e proposta da política de saúde;
b) Planeamento e avaliação da prestação de serviços e das actividades de saúde;
c) Administração e gestão de serviços, registo de dados e análise epidemiológica;
d) Inspecção técnica e avaliação de resultados;
e) Coordenação dos diferentes sectores de actividade;
f) Formação e investigação no campo da saúde;
g) Elaboração de normas sobre a celebração de convénios com entidades não integradas no Serviço Regional de Saúde.
Art. 15.º São serviços da Direcção Regional de Saúde:
a) O Departamento de Apoio Técnico;
b) O Departamento de Acção Médica;
c) O Departamento de Administração.
Art. 16.º O Departamento de Apoio Técnico actua nas seguintes áreas:
a) Planeamento;
b) Serviço médico na periferia;
c) Documentação e informação técnica;
d) Planeamento familiar.
Art. 17.º O Departamento de Acção Médica actua nas seguintes áreas:
a) Cuidados primários;
b) Cuidados diferenciados;
c) Ensino e investigação;
d) Assuntos farmacêuticos;
e) Engenharia sanitária.
Art. 18.º O Departamento de Administração actua nas seguintes áreas:
a) Gestão financeira;
b) Recursos humanos;
c) Instalações e equipamento;
d) Aprovisionamento.
Art. 19.º - 1 - Junto da Direcção Regional de Saúde existirá, como órgão consultivo, o Conselho Regional de Saúde.
2 - O Conselho Regional de Saúde será ouvido em matéria de planeamento e definição da política de saúde.
3 - O Conselho Regional de Saúde tem um presidente, designado pelo Secretário Regional dos Assuntos Sociais, sob proposta do director regional de Saúde, e os seguintes vogais:
a) Um representante do Centro Hospitalar Regional;
b) Um representante de cada centro de saúde-hospital (hospital de ilha);
c) Um representante das escolas de enfermagem;
d) Um representante dos médicos;
e) Um representante dos profissionais de enfermagem;
f) Dois representantes dos restantes profissionais de saúde;
g) Um representante dos centros de saúde;
h) Dois representantes dos utentes, a designar pela Assembleia Regional.
CAPÍTULO III
Órgãos sub-regionais
Art. 20.º - 1 - São órgãos sub-regionais do Serviço Regional de Saúde as comissões coordenadoras dos Serviços de Saúde de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta, que exercem acções de coordenação, designadamente em matéria de programação, acompanhamento e avaliação de actividades dos estabelecimentos de saúde, respectivamente nas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, da Terceira, Graciosa e de S. Jorge, do Faial, Pico, das Flores e do Corvo.2 - As comissões coordenadoras dos serviços de saúde funcionam na dependência directa da Direcção Regional de Saúde e são constituídas por representantes dos centros de cuidados primários, dos centros de cuidados diferenciados e das escolas de enfermagem, designados pelo director regional de Saúde, que nomeará o respectivo coordenador.
CAPÍTULO IV
Serviços e estabelecimentos sub-regionais
Art. 21.º - 1 - São serviços e estabelecimentos sub-regionais de saúde os centros de cuidados diferenciados (Hospitais de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta), as escolas de enfermagem e os centros de saúde-hospital a nível de ilha (hospital de ilha).
2 - Os serviços e estabelecimentos sub-regionais de saúde dependem da Direcção Regional de Saúde e são dotados de autonomia administrativa e financeira.
Art. 22.º Os centros de cuidados diferenciados de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e da Horta constituirão o Centro Hospitalar Regional e funcionarão de forma complementar, definindo-se, por resolução do Governo Regional, as especialidades que deverão existir em cada um.
Art. 23.º Compete às escolas de enfermagem o ensino e formação permanente do pessoal de enfermagem.
Art. 24.º Compete ao centro de saúde-hospital a prestação dos cuidados primários e de alguns diferenciados, na respectiva área de influência, a definir por resolução do Governo Regional.
CAPÍTULO V
Serviços e estabelecimentos locais
Art. 25.º - 1 - São serviços e estabelecimentos locais de saúde os centros de saúde.2 - Os centros de saúde dependem da Direcção Regional de Saúde e são dotados de autonomia administrativa e financeira.
Art. 26.º Compete aos centros de saúde a prestação dos cuidados primários na respectiva área de actuação.
Art. 27.º Podem ainda ser criados postos de saúde a nível de freguesia ou de agrupamento de freguesias como extensões dos centros de saúde.
TÍTULO V
Do pessoal
Art. 28.º - 1 - A capacidade para o exercício de funções no Serviço Regional de Saúde, bem como o respectivo regime, rege-se pela lei geral.2 - O pessoal do Serviço Regional de Saúde terá o regime jurídico e a formação técnica idênticos aos do pessoal do Serviço Nacional de Saúde.
3 - Será facultado o ingresso do pessoal do Serviço Regional de Saúde nos quadros de pessoal do Serviço Nacional de Saúde e vice-versa, sem prejuízo dos direitos ou regalias adquiridos, nomeadamente em matéria de antiguidade e categoria profissional.
Art. 29.º - 1 - O pessoal do Serviço Regional de Saúde terá remunerações e regalias idênticas às estabelecidas para o pessoal do Serviço Nacional de Saúde.
2 - Poderá, no entanto, o Governo Regional estabelecer incentivos suplementares, de modo a fixar pessoal nas ilhas mais carecidas de assistência médica e paramédica.
TÍTULO VI
Do financiamento
Art. 30.º Do orçamento regional constará uma dotação autónoma destinada ao Serviço Regional de Saúde.
TÍTULO VII
Disposições transitórias e finais
Art. 31.º - 1 - O exercício do direito e o acesso às prestações de cuidados de saúde, o modo e o regime de funcionamento dos órgãos e serviços, bem como a regulamentação do estatuto do pessoal, constarão de diplomas regulamentares do Governo Regional.2 - Os diplomas referidos no número anterior estabelecerão ainda as formas e o momento da integração dos órgãos e serviços existentes à data da sua publicação na estrutura agora instituída.
Art. 32.º Entre os órgãos regionais do Serviço Regional de Saúde e o Serviço Regional de Protecção Civil existirão formas de cooperação a definir por portaria conjunta dos Secretários Regionais da Administração Pública e dos Assuntos Sociais.
Art. 33.º Entre os órgãos regionais de saúde e os organismos regionais de segurança social estabelecer-se-ão formas de coordenação de actividades em todos os sectores em que haja interligação da saúde com a segurança social.
Art. 34.º O Governo Regional elaborará, no prazo de seis meses a contar da data da publicação do presente diploma, a regulamentação necessária à sua execução.
Aprovado pela Assembleia Regional dos Açores, na Horta, em 31 de Julho de 1980.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, Álvaro Monjardino.
Assinado em Angra do Heroísmo em 14 de Novembro de 1980.
Publique-se.
O Ministro da República, Henrique Afonso da Silva Horta.