de 2 de Dezembro
A necessidade de distribuir o trabalho existente pelo maior número possível de trabalhadores impõe que a prestação de trabalho fora do horário normal só seja permitida nos casos em que se mostre necessário para fazer face a acréscimos de trabalho que, pela sua natureza, não justificam a admissão de novos trabalhadores ou, além disso, quando for indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa ou para assegurar a sua viabilidade.O Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, ao regulamentar a disciplina jurídica do trabalho extraordinário, do trabalho prestado em dia de descanso e em dia feriado, não se orientou na prossecução daqueles objectivos. Ao invés, no seu preâmbulo expressamente se reconhecia que o diploma obedecia à intenção de facilitar a prestação de trabalho extraordinário, preocupação compreensível se atendermos à escassez de mão-de-obra que caracterizava o mercado de trabalho da data da sua aprovação.
Tendo em conta a situação actual do mercado de emprego, impõe-se que o trabalho suplementar seja reconduzido à sua função natural, reduzindo-se simultaneamente o número de horas em que pode ser prestado e estabelecendo-se mecanismos desincentivadores destinados a pôr termo ao recurso abusivo a esse tipo de trabalho. Importa também incutir ao instituto uma caracterização mais consentânea com a realidade dos nossos dias e potenciar condições tendentes a assegurar a absorção de mão-de-obra disponível através de uma equilibrada repartição do trabalho a executar.
Orientado por estes princípios, o diploma traduz, no entanto, a preocupação de não dificultar o recurso ao trabalho suplementar nos casos em que efectivamente se justifique. Com este mesmo objectivo foi mantida a regra da obrigatoriedade da prestação de trabalho suplementar, de que apenas são excepcionados, por razões que bem se compreendem, os menores, os deficientes e as mulheres grávidas ou com filhos com idade inferior a 10 meses, por se presumir, neste caso, que existe amamentação.
Presentemente não vigoram em diversos sectores de actividade, por força do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, as limitações estabelecidas neste diploma para a prestação de trabalho extraordinário, em dia de descanso semanal e em dia feriado, facto que, como a experiência tem demonstrado, conduziu ao recurso indevido e excessivo a este tipo de trabalho. É, pois, necessário que sejam dados passos urgentes no sentido da normalização da situação existente, embora se compreenda que a plena prossecução deste objectivo passa pela revisão do regime jurídico da organização temporal do trabalho em vigor naqueles sectores de actividade.
Por tal facto, e com a preocupação de não se criarem dificuldades insuperáveis em arcas relevantes da nossa economia, optou-se pela adaptação da nova disciplina às características de tais sectores, o que será feito por portarias, que, no entanto, vigorarão apenas pelo tempo indispensável para que se criem as condições que permitam a plena aplicação do regime agora instituído.
Na sequência da publicação para apreciação pública do projecto que esteve na base do presente diploma, foi recebida no Ministério do Trabalho e Segurança Social cerca de uma centena de contributos, parte significativa dos quais se traduzem em críticas à rigidez da nova disciplina e aos prejuízos que daí podem decorrer para as empresas e para a economia nacional. Outros há em que se lamenta o facto de o Governo não se ter prevalecido da oportunidade para rever todo o regime jurídico da organização temporal do trabalho.
Todas as críticas e sugestões concretamente dirigidas ao projecto foram devidamente ponderadas, tendo em diversos casos sido total ou parcialmente acolhidas.
Assim, fixou-se em 160 horas o limite anual para a prestação de trabalho suplementar e dispensou-se o pedido de autorização prévia para o trabalho a prestar em dia de descanso, cuja comunicação deve ser feita no prazo de 48 horas após a sua realização. Esta inovação teve em vista a simplificação e desburocratização de procedimentos que, frequentemente, se têm mostrado desajustados às exigências próprias da vida empresarial e que, nem por isso, têm constituído meios de fiscalização ou controle mais eficazes.
Desagravou-se a contribuição das entidades empregadoras para o Fundo de Desemprego, mantendo-se em nível idêntico ao que incide sobre os trabalhadores, a qual preenche apenas uma função desincentivadora do regime e já não uma função claramente penalizadora.
Reduziu-se o descanso compensatório para o trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia feriado e em dia de descanso complementar, excepcionando-se ainda nesta matéria as empresas com menos de 10 trabalhadores, cuja dimensão e estrutura desaconselham a aplicação do mecanismo.
A manutenção dos acréscimos salariais constantes do projecto teve em vista acompanhar os aumentos nos últimos anos estabelecidos por via convencional, esperando-se desta forma subtrair esta matéria às contingências próprias da contratação colectiva. Refira-se ainda que, com a maximização salarial consagrada, se pretende evitar que os custos reais do recurso ao trabalho suplementar sejam inferiores aos do recrutamento de pessoal no mercado de emprego.
Nos termos constitucionais, foram ouvidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Assim:
No uso da autorização concedida pela Lei 13/83, de 25 de Agosto, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
O presente diploma aplica-se às relações de trabalho prestado por efeito de contrato de trabalho, com excepção das relações de trabalho rural, a bordo e de serviço doméstico.
Artigo 2.º
(Noção)
1 - Considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.2 - Não se compreende na noção de trabalho suplementar:
a) O trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho;
b) O trabalho prestado para compensar suspensões de actividade de duração não superior a 48 horas seguidas ou interpoladas por 1 dia de descanso ou feriado, quando haja acordo entre a entidade empregadora e os trabalhadores.
Artigo 3.º
(Obrigatoriedade)
1 - Os trabalhadores estão obrigados à prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicitem a sua dispensa.2 - Não estão sujeitas à obrigação estabelecida no número anterior as seguintes categorias de trabalhadores:
a) Deficientes;
b) Mulheres grávidas ou com filhos de idade inferior a 10 meses;
c) Menores.
Artigo 4.º
(Condições)
1 - O trabalho suplementar pode ser prestado quando as empresas tenham de fazer face a acréscimos eventuais de trabalho que não justifiquem a admissão de trabalhador com carácter permanente ou em regime de contrato a prazo.2 - O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em casos de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa ou para assegurar a sua viabilidade.
Artigo 5.º
(Limites)
1 - O trabalho suplementar previsto no n.º 1 do artigo 4.º fica sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites:c) 160 horas de trabalho por ano;
b) 2 horas por dia normal de trabalho;
c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;
d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho em meio dia de descanso complementar.
2 - O trabalho suplementar previsto no n.º 2 do artigo 4.º não fica sujeito a quaisquer limites.
3 - Caso a Inspecção-Geral do Trabalho não reconheça, em despacho fundamentado, a existência das condições constantes do n.º 2 do artigo 4.º, o trabalho suplementar prestado fica sujeito ao regime do n.º 1 do mesmo artigo.
Artigo 6.º
(Formalidades)
1 - A prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, sob pena de não ser exigível o respectivo pagamento.2 - A prestação de trabalho suplementar em dia de descanso, obrigatório ou complementar, em dia feriado e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 4.º deverá ser comunicada à Inspecção-Geral do Trabalho no prazo de 48 horas.
3 - No primeiro mês de cada trimestre deve a entidade empregadora enviar à Inspecção-Geral do Trabalho a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar durante o trimestre anterior, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 4.º, visada pela comissão de trabalhadores.
Artigo 7.º
(Remuneração)
1 - O trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho será remunerado com os seguintes acréscimos mínimos:a) 50% da retribuição normal na primeira hora;
b) 75% da retribuição normal nas horas ou fracções subsequentes.
2 - O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal.
(Contribuição para o Fundo de Desemprego)
1 - A entidade empregadora e o trabalhador ficam obrigados, uma e outro, a contribuir para o Fundo de Desemprego com 25% dos acréscimos de remunerações resultantes da prestação de trabalho suplementar.
2 - A liquidação da contribuição referida no número anterior será efectuada mensalmente, devendo o seu pagamento ser feito mediante guia-modelo único exclusivo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a aprovar por despacho do Ministro do Trabalho e Segurança Social, nos prazos seguintes:
a) Durante o mês de Janeiro, as importâncias correspondentes ao mês de Dezembro do ano anterior;
b) Durante os meses de Abril, Julho e Outubro, as importâncias correspondentes aos trimestres imediatamente anteriores;
c) Durante o mês de Dezembro, as importâncias correspondentes aos meses de Outubro e Novembro anteriores.
Artigo 9.º
(Descanso compensatório)
1 - Nas empresas com mais de 10 trabalhadores, a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado.2 - O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado num dos 30 dias seguintes.
3 - Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador terá direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos 3 dias úteis seguintes.
4 - Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório será fixado pela entidade empregadora.
Artigo 10.º
(Registo)
1 - As entidades empregadoras devem possuir um livro onde, com o visto de cada trabalhador, serão registadas as horas de trabalho suplementar, imediatamente após a sua prestação.2 - Do registo previsto no número anterior constará sempre indicação expressa do fundamento da prestação de trabalho suplementar, além de outros elementos fixados em despacho do Ministro do Trabalho e Segurança Social.
3 - No mesmo registo deverão ser anotados os períodos de descanso compensatório gozados pelo trabalhador.
Artigo 11.º
(Sanções)
1 - O recurso a trabalho suplementar em contravenção ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º sujeita a entidade empregadora a multa de 3000$00 a 30000$00, por cada dia em que seja prestado e por trabalhador.2 - A violação dos limites definidos no n.º 1 do artigo 5.º e do estabelecido no artigo 9.º sujeita a entidade empregadora a multa de 5000$00 a 50000$00, por cada dia em que seja indevidamente prestado trabalho suplementar e por trabalhador e por cada dia de descanso compensatório não atribuído.
3 - O não cumprimento do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º e no artigo 10.º sujeita a entidade empregadora a multa de 10000$00 a 100000$00.
4 - O produto das multas reverte para o Fundo de Desemprego.
Artigo 12.º
(Regimes especiais)
1 - A aplicação do disposto no presente diploma aos sectores de actividade em que vigoram os regimes especiais de prestação de trabalho previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, bem como ao trabalho prestado para assegurar o funcionamento dos turnos de serviço das farmácias de venda ao público, fica dependente de portaria que estabelecerá as necessárias adaptações e cuja publicação deve ter lugar até 31 de Março de 1984.2 - O prazo de vigência da portaria a que se refere o número anterior não pode ser superior a 1 ano.
Artigo 13.º
(Regiões autónomas)
Decreto legislativo regional aprovará as normas necessárias para que, na aplicação deste diploma, sejam salvaguardadas as especificidades das regiões autónomas, tendo em conta, nomeadamente, a transferência de competências do Governo da República para os governos regionais.
Artigo 14.º
(Legislação revogada)
São revogados o capítulo IV e os artigos 41.º e 42.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro.
Artigo 15.º
(Entrada em vigor)
O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1984.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Novembro de 1983. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Amândio Anes de Azevedo.
Promulgado em 22 de Novembro de 1983.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 23 de Novembro de 1983.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.