de 13 de Novembro
1. O regime jurídico das carteiras profissionais, adoptado no presente diploma, é justificado pelo propósito de harmonizar com os princípios do actual sistema jurídico um instituto cuja origem remonta à época inicial da organização corporativa. Criada pelo Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, a carteira profissional vinha secundar a obrigatoriedade de pagamento de quotas aos grémios e sindicatos por todas as empresas e trabalhadores, para assegurar a estabilidade dos organismos corporativos. A imposição da carteira profissional a qualquer profissão realizava-se por despacho do membro do Governo competente, sem especificar a lei, o critério ou o fim da decisão. A sua passagem, segundo regulamentos previamente aprovados, competia aos sindicatos para permitir que arrecadassem uma taxa e controlar o pagamentos das quotas.A evolução do sistema jurídico, marcada pelo reconhecimento do princípio da liberdade sindical, eliminou as regras de quotização obrigatória mas não atingiu o instituto da carteira profissional, que continuou a ser praticada sem oposição da doutrina e da jurisprudência. Esta sobrevivência foi possível através de algumas adaptações do regime em relação aos fins e aos meios. Eliminado o fim de promover a estabilidade financeira dos sindicatos, passou a destacar-se a certificação pública da aptidão profissional dos titulares das carteiras, garantida pelos requisitos regulamentares de cursos escolares, aprovação em exames prévios ou frequência de estágios. A passagem das carteiras pelos sindicatos acomodou-se às novas situações de pluralismo sindical e de trabalhadores sem sindicalização, através de determinações administrativas e de lei que proibiu que ela fosse recusada por falta de pagamento de quotas.
2. No contexto da preparação do novo regime jurídico, foi publicado um projecto, para apreciação pública, na separata n.º 1 do Boletim do Trabalho e Emprego de 11 de Junho de 1979. Emitiram pareceres várias associações sindicais e uma confederação patronal.
Do lado sindical, as raras expressões contrárias ao projecto limitaram-se a afirmações não fundamentadas ou a invocar uma indefinida inconstitucionalidade. As posições mais elaboradas, das confederações sindicais, não impugnaram abertamente nenhuma das regras principais:
aceitaram umas e expressaram perante outras receios de utilização abusiva por parte do Governo ou da Administração. A confederação patronal não criticou as soluções do projecto.
As alterações mais sensíveis entre o projecto e o texto final localizaram-se em dois aspectos, influenciados por importantes modificações legislativas entretanto verificadas. Previam-se restrições ao exercício da profissão como efeito da condenação em certos crimes, que foram eliminadas em benefício da aplicação do disposto na lei penal sobre a suspensão do exercício de funções como pena acessória da condenação. Alterou-se a natureza contravencional do ilícito e das sanções nos casos de violação da exigência legal da carteira ou das regras de conduta profissional e adoptou-se o regime do direito de mera ordenação social, especificamente apropriado a este tipo de intervenção legislativa que impõe condutas despidas de fundamentação ético-jurídica.
3. O novo regime estrutura-se sobre três regras fundamentais: a definição dos fins que podem justificar o condicionamento ao exercício de determinadas profissões; a concretização por portaria das profissões condicionadas e das qualificações especiais exigidas, e a atribuição da competência para a passagem das carteiras à Administração.
A primeira regra reconhece como de interesse colectivo a defesa de bens jurídicos essenciais contra possíveis lesões praticadas por causa do exercício inábil de certas funções. Identifica os bens jurídicos e apenas para a sua protecção permite que se condicione o exercício de certas profissões. Deverá existir uma ligação estreita entre a profissão e um qualquer destes bens, de modo que as regras de experiência manifestem uma causalidade adequada entre a execução defeituosa das funções e a lesão do bem protegido.
A diversidade e permanente evolução das actividades económicas e sociais e das regras técnicas não permitem a concentração num único diploma de toda a regulamentação relativa ao exercício das várias profissões. Manteve-se, por isso, o sistema de remeter para diplomas regulamentares a concretização das profissões condicionadas com base na lei que lhes determina as finalidades, os instrumentos e as garantias.
Finalmente, atribui-se a competência para a passagem das carteiras profissionais à Administração. O condicionamento das profissões impõe-se por razões de ordem pública, pelo que deve caber aos órgãos estaduais a totalidade da regulamentação, execução e garantia do sistema. Afasta-se imediatamente a competência dos sindicatos, mesmo no âmbito de regulamentos anteriores que transitoriamente continuam em vigor; nenhuma razão existe que a justificasse e, decisivamente, ela é, como já demonstrou o Tribunal Constitucional, contrária ao princípio da liberdade sindical.
Nos termos constitucionais foram ouvidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Condicionamento do exercício de profissões)
1 - O exercício de profissões cuja natureza exija qualificações especiais só pode ser condicionado à existência dessas qualificações para defesa da saúde e da integridade física e moral das pessoas ou da segurança dos bens.
2 - O regime previsto no presente diploma não é aplicável às profissões cujo exercício dependa de inscrição em ordens.
Artigo 2.º
(Determinação das profissões)
1 - As profissões a que se refere o n.º 1 do artigo anterior serão definidas em portaria conjunta do Ministro do Trabalho e Segurança Social, do ministro da tutela do sector de actividade em que são exercidas e, para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 3.º, do Ministro da Educação.2 - Na preparação das portarias serão ouvidas as associações sindicais e patronais interessadas.
Artigo 3.º
(Requisitos)
1 - A existência das qualificações especiais necessárias para o exercício das profissões referidas no n.º 1 do artigo 1.º pode ser provada por certificado de curso escolar adequado ou apurada mediante provas a realizar para o efeito.2 - A portaria determina, relativamente a cada profissão:
a) Cursos escolares com cuja habilitação é permitido o exercício da profissão;
b) Regras aplicáveis às provas de habilitação, domínios do conhecimento abrangidos e composição do júri;
c) Os requisitos e, quando se julgar conveniente, o prazo de validade da carteira profissional;
d) O prazo máximo do exercício da profissão no caso previsto no n.º 2 do artigo 4.º;
e) A idade mínima exigida para o exercício da profissão.
3 - A portaria pode exigir que o exercício da profissão seja precedido de estágio, a realizar em condições que regulará.
Artigo 4.º
(Carteira profissional)
1 - O exercício de profissões que constem das portarias emitidas ao abrigo deste diploma obriga à posse de carteira profissional passada pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e Segurança Social e das Secretarias Regionais do Trabalho dos Açores e da Madeira.2 - O exercício temporário de profissões referidas no n.º 1 em território nacional pode ser autorizado, mediante certificado, a quem, habilitado com título escolar ou profissional adequado, as tenha exercido em país estrangeiro.
Artigo 5.º
(Regras de conduta no exercício da profissão)
As portarias referidas no n.º 1 do artigo 2.º podem incluir regras de conduta a observar no exercício da profissão.
Artigo 6.º
(Efeitos de falta de carteira profissional ou certificado)
1 - É nulo o contrato pelo qual alguém se obrigue a exercer, mediante remuneração, profissões abrangidas por portarias emitidas ao abrigo deste diploma sem que possua carteira profissional ou certificado.
2 - O exercício das referidas profissões por quem não possua carteira profissional ou certificado constitui contra-ordenação punível com coima de 30000$00 a 200000$00.
3 - No caso previsto no número anterior, a entidade empregadora fica sujeita a coima de 60000$00 a 200000$00 ou, tratando-se de pessoa colectiva, de 60000$00 a 600000$00.
Artigo 7.º
(Autoridade administrativa competente)
Para o processamento das contra-ordenações referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º e aplicação das coimas são competentes a Inspecção-Geral do Trabalho e as Inspecções Regionais do Trabalho dos Açores e da Madeira.
Artigo 8.º
(Disposições finais e transitórias)
1 - Os regulamentos de carteiras profissionais aprovados ao abrigo do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, mantêm-se em vigor até que sejam revogados ou substituídos, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º 2 - A passagem de carteiras profissionais ao abrigo de regulamentos mantidos em vigor nos termos do número anterior será feita pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e Segurança Social e das Secretarias Regionais do Trabalho dos Açores e da Madeira.3 - As carteiras profissionais emitidas ao abrigo do regime anterior mantêm a sua validade, sem prejuízo do que vier a ser disposto nas portarias a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
Artigo 9.º
(Norma revogatória)
É revogado o artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Outubro de 1984. - O Primeiro-Ministro em exercício, Carlos Alberto da Mota Pinto - António de Almeida Santos - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - José Augusto Seabra - Amândio Anes de Azevedo.
Promulgado em 31 de Outubro de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 5 de Novembro de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.