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Acórdão 197/2000, de 5 de Maio

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias normas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos.

Texto do documento

Acórdão 197/2000
Processo 544/99
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O Provedor de Justiça pede se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas abaixo indicadas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos, aprovado em 23 de Julho de 1973 e publicado no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, n.º 34, de 15 de Setembro de 1973:

a) A título principal, da norma que se contém no artigo 22.º, em conjugação com a do artigo 21.º, do dito Regulamento;

b) A título consequencial, de várias normas dos capítulos III e IV do mesmo Regulamento, concretamente das dos artigos 8.º, n.os 2 e 3, 9.º, n.os 1, 2 e 3, 11.º, n.º 1, 14.º, alínea b), 15.º, n.º 1, 17.º, 24.º, n.º 3, 25.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, 27.º, 29.º, n.º 1, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36.º e 37.º

O Provedor de Justiça entende, por um lado, que o reconhecimento de poderes de intervenção e decisão do sindicato no processo de passagem de carteiras profissionais viola a liberdade sindical garantida no artigo 55.º, n.os 1 e 2, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e que, por outro lado, não é compatível com o princípio da independência sindical, consagrado no n.º 4 do artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa, «a atribuição forçada do exercício de funções públicas aos sindicatos, tal como acontece no caso em apreço».

O requerente reconhece que «o poder sindical em matéria de atribuição de carteiras profissionais decorria do disposto no § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Março de 1939», norma entretanto já declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão 91/85, deste Tribunal, por violar os princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos. E reconhece igualmente que tal norma já fora expressamente revogada pelo artigo 9.º do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, apesar de o artigo 8.º do mesmo diploma estabelecer que os regulamentos de carteiras profissionais existentes se mantinham em vigor até à respectiva revogação e substituição (n.º 1), sem prejuízo de a passagem de carteiras profissionais emitidas ao abrigo de tais regulamentos dever ser efectuada pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho ou das correspondentes secretarias regionais do trabalho, nas Regiões Autónomas (n.º 2), pelo que, presentemente, as carteiras profissionais dos empregados de banca nos casinos já não estão a ser passadas pelo respectivo sindicato.

Contudo, o Provedor de Justiça contesta que o sindicato continue «a deter um conjunto de competências instrumentais à da passagem de carteiras profissionais atentatórias, também elas, da liberdade sindical», uma vez que «estes poderes de intervenção e decisão do sindicato possam constituir um instrumento de coerção ou de sugestão no sentido da sindicalização dos empregados de banca nos casinos, sendo susceptíveis de retirar aos trabalhadores por ele abrangidos a possibilidade de uma livre escolha no plano sindical».

É que, salienta o requerente, «todo o processo conducente à obtenção da carteira profissional se mostra desde o início dominado pela intervenção do sindicato, desde a decisão de realizar os exames (condição indispensável para o ingresso na profissão) e seu anúncio (artigo 9.º), a entrega da documentação por parte dos candidatos (artigo 11.º) e ainda, aspecto que é particularmente grave, a intervenção do sindicato na composição do respectivo júri de exame (artigo 15.º)». Por outro lado, o artigo 14.º do Regulamento «dispõe que, na apreciação das provas o júri terá em consideração, para os candidatos que tenham frequentado o curso de preparação orientado por um representante do sindicato, a informação dos respectivos instrutores sobre o seu aproveitamento».

Ora, tendo já o Tribunal Constitucional, no Acórdão 272/86, em situação similar, salientado que «existe o perigo real de a competência para a emissão das cadernetas de registo da prática ser mal gerida e de os sindicatos se valerem dela para - recusando a sua passagem aos não filiados ou simplesmente levantando-lhes especiais obstáculos - forçarem ou sugerirem a sindicalização aos auxiliares de farmacêutico que de tais cadernetas necessitarem para o exercício da sua actividade profissional», a verdade é que tais «considerações valem mutatis mutandis para o caso em apreço já que todas estas competências do sindicato, relativamente ao exame necessário para ingresso nas profissões de empregados de banca, instrumentais à passagem da caderneta profissional (cf. artigo 3.º do Regulamento), podem funcionar como instrumento de pressão junto dos trabalhadores, com vista à sua sindicalização, nomeadamente criando especiais obstáculos a não sindicalizados na admissão a exames, apreciação dos mesmos, justificação de faltas, etc.», ou «favorecendo sindicalizados na frequência de cursos de preparação orientados pelo sindicato, relativamente aos quais a informação final dos instrutores sobre aproveitamento é tida em consideração na apreciação das provas pelo júri».

Conclui, pois, o Provedor de Justiça que se encontra em crise o princípio da liberdade sindical assegurado no artigo 55.º, n.os 1 e 2, alínea b), da Constituição (nas suas vertentes positiva e negativa).

Para além disso, «ao impor-se, por via regulamentar, ao sindicato, o exercício de toda uma actividade processual e administrativa em favor de trabalhadores, que não precisam sequer de ser seus associados (cf. artigo 23.º do Regulamento), está-se a violar a liberdade de acção das associações sindicais e também o princípio da independência, acolhido pelo n.º 4 do citado artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa». É que, como deflui da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente vertida no Acórdão 445/93, não podem ser atribuídos às associações sindicais competências que «implicam a atribuição do exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade, manifestamente contrários e estranhos àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas específicas finalidades». Logo, conclui o requerente, «não pode a lei atribuir aos sindicatos poderes de autoridade como sejam, no caso, os de realizar exames indispensáveis para o ingresso nas profissões dos empregados de banca».

Nesta conformidade, também o princípio da independência dos sindicatos, consagrado no artigo 55.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, se encontra violado.

O Primeiro-Ministro, notificado para se pronunciar sobre o pedido, veio oferecer o merecimento dos autos.

2 - Foi aprovado o memorando apresentado. E, assim, ficou fixada a orientação do Tribunal sobre as questões (prévias e de fundo) a resolver.

3 - Cumpre, então, decidir.
II - Fundamentos
4 - As normas impugnadas.
Dispõem como segue os artigos 22.º e 21.º (objecto do pedido, a título principal):

«Artigo 22.º
A carteira profissional, de modelo a aprovar pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, será passada pelo Sindicato Nacional dos Empregados da Banca nos Casinos:

a) Aos indivíduos que à data da publicação deste Regulamento estejam legalmente habilitados a exercer a profissão;

b) Aos candidatos que se encontrem nas condições previstas no artigo 3.º e hajam prestado serviço efectivo na profissão durante um ano;

c) Aos indivíduos que ascendam, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 5.º do capítulo II, às profissões de chefe de banca e fiscal de banca;

d) Aos indivíduos que desempenhem as profissões de chefe de banca e fiscal de banca, ao abrigo do n.º 3 do artigo 5.º do capítulo II, bem como àqueles que desempenhem as profissões de chefe de partida e fiscal-chefe, quer quando recrutados dentro da profissão quer quando recrutados fora dela.

Artigo 21.º
Nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, a carteira profissional é título obrigatório para o exercício das funções inerentes às profissões enumeradas no artigo 2.º deste Regulamento.»

Os demais preceitos aqui sub iudicio prescrevem assim:
«Artigo 8.º
1 - ...
2 - Os exames realizar-se-ão no Sindicato ou, quando tal não seja possível ou conveniente, no casino de uma das zonas autorizadas.

3 - Quando circunstâncias excepcionais o justificam, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ouvidos o Conselho de Inspecção de Jogos e o Sindicato, podem determinar a realização de exames fora dos prazos normais, sem prejuízo dos exames regulares e periódicos previstos no n.º 1 deste artigo.

Artigo 9.º
1 - A realização dos exames será tornada pública pelo Sindicato por meio de aviso afixado na sua sede, nas instalações reservadas ao pessoal de banca nos casinos de todas as zonas de jogo, e anúncio num jornal diário da manhã e da tarde, com a antecedência mínima de seis meses, em qualquer dos casos.

2 - Os elementos que deverão constar do requerimento solicitando a admissão aos exames, os documentos que hão-de instruí-lo e o prazo para a sua entrega, que não poderá ultrapassar os 60 dias anteriores à sua realização, estarão patentes ao público no Sindicato.

3 - Independentemente do aviso e anúncio referido no n.º 1 deste artigo, os candidatos que já tenham requerido a admissão a exame deverão ser notificados pelo Sindicato por meio de carta registada com aviso de recepção.

Artigo 11.º
1 - Os requerimentos deverão dar entrada no Sindicato até às 17 horas do último dia do prazo estabelecido, devendo, porém, ser aceites aqueles que se prove terem sido entregues, sob registo, em qualquer estação dos correios do continente até à véspera do dia do encerramento do concurso.

2 - ...
Artigo 14.º
Na apreciação das provas o júri terá em consideração:
a) ...
b) Para os candidatos que tenham frequentado o curso de preparação orientado por um representante do Sindicato, a informação dos respectivos instrutores sobre o seu aproveitamento.

Artigo 15.º
1 - O júri dos exames será presidido por pessoa nomeada por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social e terá por vogais um funcionário designado pelo presidente do Conselho de Inspecção de Jogos e o presidente da Direcção do Sindicato Nacional dos Empregados de Banca nos Casinos, que poderá delegar.

2 - ...
Artigo 17.º
Os resultados dos exames serão afixados no Sindicato no termo do dia em que ocorra a prestação das provas.

Artigo 24.º
1 - ...
2 - ...
3 - O modelo do título provisório carece de aprovação da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações.

4 - ...
Artigo 25.º
1 - ...
2 - As carteiras profissionais serão assinadas pelos titulares e pelo presidente da direcção do Sindicato ou quem as suas vezes fizer e só serão válidas depois de visadas pelos serviços competentes da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações.

Artigo 26.º
1 - Os vistos nas carteiras profissionais dependem da apresentação dos respectivos processos organizados no Sindicato, devidamente relacionados.

2 - ...
Artigo 27.º
A passagem da carteira profissional será solicitada ao presidente da direcção do Sindicato, mediante requerimento, em impresso especial.

Artigo 29.º
1 - As carteiras profissionais serão revalidadas pelo Sindicato anualmente e no decurso do mês de Janeiro.

2 - ...
3 - ...
Artigo 31.º
1 - Serão obrigatoriamente averbadas nas carteiras, pelo Sindicato, as alterações que tenham ocorrido posteriormente à sua passagem.

2 - ...
Artigo 32.º
Nos casos de deterioração ou extravio das carteiras profissionais ou dos títulos provisórios, o Sindicato passará aos interessados, mediante requerimento, no prazo de 30 dias, 2.as vias dos mesmos, entregando desde logo documentos provisórios, que, para todos os efeitos, substituirão as carteiras profissionais ou os títulos em falta.

Artigo 34.º
Quando os recursos obtiverem provimento, a direcção do Sindicato será notificada do despacho respectivo para, no prazo de oito dias, entregar a carteira profissional ou o título provisório, ou reparar a sua decisão.

Artigo 35.º
1 - O Sindicato cobrará as seguintes importâncias, que constituem sua receita própria:

a) Pela admissão a exame de aptidão profissional - 200$00;
b) Pela passagem de 1.ª via de carteira profissional - 50$00;
c) Pela passagem de 2.ª via ou outra via de carteira profissional - 75$00;
d) Pela passagem de 1.ª via de título provisório - 50$00;
e) Pela passagem de 2.ª via de título provisório - 75$00;
f) Pela revalidação da carteira profissional:
1) Requerida durante o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 29.º - 20$00;
2) Requerida fora do prazo referido - 40$00.
Artigo 36.º
As carteiras profissionais cujos titulares tenham deixado de exercer a actividade definitivamente ou estejam impedidos de a exercer, nos termos do artigo 53.º do Decreto-Lei 48912, deverão ser entregues no Sindicato, a fim de serem inutilizadas com o carimbo 'Anulada', em tipo destacado, aposto em todas as suas faces ou folhas, após o que poderão ser devolvidas aos interessados, a seu pedido.

Artigo 37.º
As carteiras profissionais sem validade e, bem assim, as que não forem entregues nos termos do artigo anterior serão apreendidas pela Inspecção do Trabalho, por sua iniciativa ou a pedido dos serviços da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações ou do Conselho de Inspecção de Jogos, e enviadas ao Sindicato para efeitos de revalidação ou anulação, conforme os casos.»

5 - Questão prévia.
5.1 - O pedido principal.
Como sublinhou o memorando, a razão de ser do pedido (recordando: violação dos princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos) atinge a norma constante do artigo 22.º do Regulamento, apenas na parte em que nela se atribui ao Sindicato dos Empregados de Banca nos Casinos a competência para a passagem das carteiras profissionais, pois nem a exigência de carteira profissional (artigo 21.º), nem as condições para a poder obter - enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 22.º - têm a ver com a questão suscitada pelo Provedor de Justiça, razão por que estão fora do âmbito do pedido.

Simplesmente, o mencionado artigo 22.º, na parte em que vem requerida a declaração da sua inconstitucionalidade, já não se encontra em vigor.

De facto, o artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, veio prescrever que «a passagem de carteiras profissionais ao abrigo de regulamentos mantidos em vigor nos termos do número anterior será feita pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e Segurança Social e das Secretarias Regionais do Trabalho dos Açores e da Madeira». Ou seja: veio transferir dos sindicatos para os serviços do Ministério do Trabalho e das secretarias regionais do trabalho a competência para a passagem de carteiras profissionais.

Mas, sendo isto assim - sublinhou-se no memorando e repete-se agora -, não existe seguramente qualquer interesse na declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma em causa, revogada há mais de 15 anos, ainda antes da apresentação do pedido, e sem que o requerente aponte qualquer razão específica que o pudesse justificar.

Não vai, por isso, conhecer-se do pedido formulado a título principal.
5.2 - O pedido a título consequencial.
Quanto às normas, cuja declaração de inconstitucionalidade vem pedida a título meramente consequencial - as indicadas supra, I, 1, b) -, poderia pensar-se também em não tomar conhecimento do pedido: essa seria, de facto, a consequência normal do não conhecimento do pedido principal.

Simplesmente, a correcta interpretação do pedido do Provedor de Justiça é a de que a inconstitucionalidade, cuja declaração pede a título consequencial, não é, verdadeiramente, uma inconstitucionalidade meramente consequencial: não o é, ao menos no sentido de se tratar de uma inconstitucionalidade que afecte normas cuja subsistência dependa de norma declarada inconstitucional a título principal. A qualificação de inconstitucionalidade como meramente consequencial utilizou-a, antes, o requerente no sentido de se estar em presença de uma inconstitucionalidade que constitui mero corolário da inconstitucionalidade da norma impugnada a título principal; ou seja: no sentido de a mesma decorrer da inconstitucionalidade da norma impugnada a título principal, por identidade ou maioria de razão.

Isto é o que resulta do facto de o Provedor de Justiça apontar razões autónomas de inconstitucionalidade relativamente a várias dessas normas cuja inconstitucionalidade suscita a título consequencial.

Pois bem: devendo o pedido ser interpretado como se deixou dito (ou seja: na medida em que a norma do artigo 22.º do Regulamento seria virtualmente inconstitucional, à luz da jurisprudência do Tribunal, igualmente inconstitucionais seriam, por identidade de razão, as normas instrumentais que se mantiveram em vigor), então, justificar-se-ia a respectiva declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, porque, embora instrumentais, essas normas são dotadas de autonomia e continuaram a ser aplicadas, apesar de a citada norma do artigo 22.º já não se encontrar em vigor.

Neste contexto - continuando a dizer com o memorando -, o pedido de inconstitucionalidade de todas as normas do Regulamento - para além da do artigo 22.º, conjugado com o artigo 21.º - refere-se, efectivamente, a uma verdadeira inconstitucionalidade a título principal, e não a uma mera inconstitucionalidade consequencial.

Mas, sendo isto assim, já o Tribunal pode conhecer do pedido que vem formulado a título consequencial.

Contudo, não vai conhecer-se dele em relação a todas as normas que o constituem: é que, algumas dessas normas deixaram, necessariamente, de vigorar em consequência da transferência de competências do sindicato para os serviços públicos quanto à matéria da passagem de carteiras profissionais. São normas que, por isso, se encontram revogadas de sistema.

Ora, achando-se essas normas revogadas e tendo deixado de ser aplicadas há, seguramente, 15 anos, não se justifica, quanto a elas, qualquer declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.

Isto é o que acontece relativamente às seguintes normas:
a) Artigo 25.º, n.º 2;
b) Artigo 27.º;
c) Artigos 29.º, 31.º e 32.º (este, enquanto se refere às 2.as vias de carteiras profissionais);

d) Artigo 34.º (na parte respeitante a carteiras profissionais);
e) Artigo 35.º, alíneas b), c) e f);
f) Artigos 36.º e 37.º
De facto, a assinatura das carteiras pelo presidente do sindicato e a obrigatoriedade de as mesmas serem visadas pelos serviços públicos competentes (artigo 25.º, n.º 2) só se entendia no quadro legal em que essas carteiras eram passadas pelo sindicato e não pelos referidos serviços públicos.

Quanto ao artigo 27.º, só no quadro legal anterior fazia sentido que a passagem da carteira profissional fosse requerida ao presidente da direcção do sindicato.

Quanto aos artigos 29.º, 31.º e 32.º (este, na parte referida), a competência para revalidar as carteiras profissionais ou para nelas efectuar averbamentos, bem como a competência para emitir 2.as vias de carteiras profissionais, pressupõe, necessariamente, a competência para passar as mesmas carteiras, pelo que, desaparecida essa competência, também as outras se extinguiram.

Quanto ao artigo 34.º, na parte considerada, não havendo competência do sindicato na matéria, não se compreende a existência do recurso.

Quanto ao artigo 35.º, alíneas b), c) e f), a extinção das competências do sindicato implica que ele já não possa cobrar as importâncias previstas nestas normas.

Quanto aos artigos 36.º e 37.º, a anulação das carteiras profissionais já não pode caber ao sindicato, mas à entidade competente para as emitir.

Também, pois, quanto às normas que se deixaram elencadas o Tribunal não vai conhecer do pedido.

Dir-se-á que também não deveria conhecer-se do pedido quanto às restantes normas, pois elas têm que estar revogadas, uma vez que a revogação do artigo 22.º não pôde deixar de implicar a de tais normas: é que - argumentar-se-á -, tendo o sindicato deixado de ter competência para passar carteiras profissionais não pode continuar a ser competente para a organização do respectivo processo.

A verdade, porém, é que o Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, ao mesmo tempo que atribuiu aos serviços do Ministério do Trabalho e das secretarias regionais do trabalho a competência para passar carteiras profissionais, retirando-a aos sindicatos, dispôs que elas continuariam a ser emitidas ao abrigo dos regulamentos das carteiras profissionais aprovados nos termos do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939 (cf. o n.º 2 do artigo 8.º), que manteve em vigor até serem revogados ou substituídos (cf. o n.º 1 do mesmo artigo 8.º). Ao que acresce que, se acaso a melhor interpretação deste artigo 8.º não for a de ter mantido em vigor os ditos regulamentos, pelo menos o Regulamento que aqui está sub iudicio, bem ou mal, tem vindo a ser aplicado, como decorre dos termos do pedido formulado pelo Provedor de Justiça, onde se diz, entre o mais, que «o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos continua em vigor», «razão pela qual [...] o respectivo sindicato continua a deter um conjunto de competências instrumentais à da passagem de carteiras profissionais».

O Tribunal vai, por isso, conhecer do pedido em relação às seguintes normas, atrás transcritas, do mencionado Regulamento:

a) Artigo 8.º, n.os 2 e 3;
b) Artigo 9.º;
c) Artigo 11.º, n.º 1;
d) Artigo 14.º, alínea b);
e) Artigo 15.º, n.º 1;
f) Artigo 17.º;
g) Artigo 24.º, n.º 3 (por supor a emissão do título provisório pelo Sindicato);

h) Artigo 26.º, n.º 1;
i) Artigo 32.º (enquanto se refere às 2.as vias de títulos provisórios);
j) Artigo 34.º (na parte respeitante aos títulos provisórios);
l) Artigo 35.º, alíneas a), d) e e).
6 - A questão de constitucionalidade.
6.1 - Antecedentes jurisprudenciais.
Importa recordar as seguintes decisões do Tribunal:
a) Acórdão 46/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., p. 275) - julga inconstitucionais as normas constantes do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, que autoriza a passagem de carteiras profissionais pelos sindicatos, e do artigo 3.º do Regulamento da Carteira Profissional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito de Lisboa, aprovado por despacho de 28 de Novembro de 1940 (fiscalização concreta);

b) Acórdão 91/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 277) - declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e restringindo os efeitos da decisão, do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, que comete aos sindicatos a competência para a passagem de carteiras profissionais;

c) Acórdão 272/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 189) - declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria 367/72, de 3 de Julho, relativa à passagem pelos sindicatos respectivos da caderneta de registo da prática dos auxiliares de farmácia, e limita os seus efeitos, de forma que eles se produzam unicamente para o futuro, a partir da data da publicação do acórdão no Diário da República;

d) Acórdão 445/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25.º vol., p. 335) - declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.º da Lei 62/79, de 20 de Setembro, e dos artigos 3.º, 6.º, 8.º, n.º 1, 9.º, 10.º, n.os 1 e 7, 14.º, 15.º, n.º 2, 16.º, n.º 2, 17.º, n.º 3, 18.º, 19.º, n.º 1, 20.º, n.º 3, 22.º, n.º 1, 25.º, 26.º e 28.º do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 513/79, de 24 de Dezembro.

6.2 - Esta linha jurisprudencial, que aqui se reafirma e para a qual se remete, conduz, naturalmente, à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas acabadas de identificar, por violação dos princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos, consagrados no artigo 55.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição.

Na parte que aqui importa, o artigo 55.º da Constituição dispõe como segue:
«Artigo 55.º
Liberdade sindical
1 - É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.

2 - No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente:

...
b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito.

...
4 - As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.»

A liberdade sindical constitui um direito fundamental dos trabalhadores, que podem, com plena autonomia de decisão, inscrever-se ou não num sindicato existente e, bem assim, tomar a iniciativa de promover a criação de um novo sindicato.

Tal liberdade apresenta-se, pois, com um lado positivo e com um lado ou perfil negativo, que se resolve na faculdade de se não associar - é dizer: no direito a não ser constrangido a associar-se.

A liberdade sindical, além de garantir a cada trabalhador, uti singuli, o direito de ser ele próprio a decidir, com plena autonomia, sindicalizar-se ou não, implica também que sejam os sindicatos, com independência e autonomia (isto é, sem quaisquer intromissões estranhas), a definir as categorias profissionais que abarcam, e a escolher o modelo da sua própria organização e, bem assim, o modo de defender os interesses dos seus associados.

A liberdade sindical há-de, pois, poder ser desfrutada, livre de qualquer forma de pressão. De contrário, os sindicatos podem acabar por funcionar como estruturas de coerção (cf., sobre isto, o citado Acórdão 46/84). E, então, a liberdade sindical negar-se-á a si própria.

Ora, semelhantemente ao que se afirmou no citado Acórdão 445/93, a propósito de normas paralelas do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, o «exercício das competências que o regime integrado pelas normas sob apreciação atribui à organização sindical» em causa «é susceptível de poder transformar-se em instrumento de coerção da liberdade sindical dos trabalhadores, limitando ou retirando-lhes a possibilidade de uma livre escolha no plano da sua filiação sindical». Acresce que a atribuição à organização sindical «do exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade manifestamente contrários e estranhos àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas específicas finalidades», atinge o princípio da independência e autonomia das associações sindicais.

Na verdade, este seria o resultado de ter o sindicato que organizar o processo para a emissão de carteiras profissionais: os trabalhadores poderiam sentir-se constrangidos a sindicalizar-se; e o sindicato ver-se-ia forçado a desincumbir-se de tarefas impostas do exterior e estranhas à sua vocação de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.

III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Não conhecer do pedido quanto às seguintes normas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos: as dos artigos 22.º, conjugado com o artigo 21.º, 25.º, n.º 2, 27.º, 29.º, 31.º, 32.º, enquanto se refere às 2.as vias de carteiras profissionais, 34.º, na parte respeitante a carteiras profissionais, 35.º, alíneas b), c) e f), 36.º e 37.º;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação do artigo 55.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição - das seguintes normas do mesmo Regulamento: as dos artigos 8.º, n.os 2 e 3, 9.º, 11.º, n.º 1, 14.º, alínea b), 15.º, n.º 1, 17.º, 24.º, n.º 3, enquanto supõe a emissão de um título provisório pelo sindicato, 26.º, n.º 1, 32.º, enquanto se refere às 2.as vias de títulos provisórios, 34.º, na parte respeitante aos títulos provisórios, e 35.º, alíneas a), d) e e).

Lisboa, 29 de Março de 2000. - Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Maria Fernanda Palma - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - José de Sousa e Brito - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - Artur Maurício - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/114274.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1939-09-15 - Decreto-Lei 29931 - Presidência do Conselho - Sub-Secretariado de Estado das Corporações e Previdência Social

    Torna obrigatório para todas as empresas singulares ou colectivas que exerçam a sua actividade em ramo de comercio ou de indústria organizado corporativamente nos termos dos Decretos nºs 24715 e 29232, o pagamento das jóias e quotas a que, por disposição estatutária, estejam sujeitos os sócios dos mesmos organismos - Autoriza o Sub-Secretário de Estado das corporações a determinar, sempre que as circunstancias o justifiquem, a obrigatoriedade de quotização para os profissionais não inscritos nos sindicatos (...)

  • Tem documento Em vigor 1969-03-18 - Decreto-Lei 48912 - Ministério do Interior - Conselho de Inspecção de Jogos

    Estabelece novo regime para a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar - Revoga várias disposições legislativas.

  • Tem documento Em vigor 1972-07-03 - Portaria 367/72 - Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência

    Regulamenta o registo de prática farmacêutica dos auxiliares de farmácia.

  • Tem documento Em vigor 1979-09-20 - Lei 62/79 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto do Jornalista.

  • Tem documento Em vigor 1979-12-24 - Decreto-Lei 513/79 - Ministério da Comunicação Social

    Aprova e publica em anexo o regulamento da carteira profissional do jornalista.

  • Tem documento Em vigor 1984-11-13 - Decreto-Lei 358/84 - Ministérios da Justiça, da Educação e do Trabalho e Segurança Social

    Aprova o regime jurídico das carteiras profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-18 - Acórdão 91/85 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29931, de 15 de Setembro de 1939, por violação dos n.os 1, 2, alínea b), e 4 do artigo 56.º da Constituição da República.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-18 - Acórdão 272/86 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, e por violação do disposto no artigo 56.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição da República Portuguesa [a que correspondia, na redacção primitiva da Constituição, o artigo 57.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4], a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 367/72, de 3 de Julho(As cadernetas fornecidas pelos sindicatos representativos dos profissionais de farmácia, serão propriedade destes), e limita os efeitos desta declaração, de forma que (...)

  • Tem documento Em vigor 1993-08-13 - Acórdão 445/93 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 55, NUMEROS 1, 2, ALÍNEAS A) E B), E 4, E 56, NUMERO 1, DA CONSTITUICAO, DAS NORMAS DOS ARTIGOS 13, NUMEROS 1, E 14, NUMERO 2, DO ESTATUTO DO JORNALISTA, APROVADO PELO ARTIGO 1 DA LEI 62/79, DE 20 DE SETEMBRO, E 3, 6, 8, NUMERO 1, 9, 10, NUMEROS 1 E 7, 14, 15, NUMERO 2, 16, NUMERO 2, 17, NUMERO 3, 18, 19, NUMERO 1, 20, NUMERO 3, 22, NUMEROS 1, 25, 26 E 28 DO REGULAMENTO DA CARTEIRA PROFISSIONAL DO JORNALISTA, (...)

Ligações para este documento

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