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Acórdão 469/2022, de 12 de Setembro

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Sumário

Decide, com respeito às contas apresentadas pela CDU - Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014, julgar improcedentes os recursos interpostos pelos referidos partidos da decisão, de 14 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, condenando-os ao pagamento de coimas pela prática de contraordenações

Texto do documento

Acórdão 469/2022

Sumário: Decide, com respeito às contas apresentadas pela CDU - Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014, julgar improcedentes os recursos interpostos pelos referidos partidos da decisão, de 14 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, condenando-os ao pagamento de coimas pela prática de contraordenações.

Processo 573/21

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Por decisão de 30 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela CDU - Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014 [cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, "LFP") e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, "LEC")].

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Existência de despesas não liquidadas pela conta bancária da campanha, em violação do artigo 15.º, n.º 3, da LFP;

b) Impossibilidade de aferir sobre a razoabilidade de despesas de campanha e deficiências no suporte documental de despesas, em violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP; e

c) Existência de despesas de campanha relacionadas com ajudas de custo - deficiente discriminação de cada ato de despesa e ausência do respetivo documento certificativo do qual conste o motivo subjacente ao pagamento das ajudas de custo, em violação do artigo 12.º, n.º 3, alínea c), subalínea i), ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2 - Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PCP e o PEV, enquanto partidos integrantes da CDU, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (cf. PC n.º 57/2020).

Notificados do processo de contraordenação, o PEV e o PCP apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 14 de abril de 2021, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, enquanto partido integrante da CDU - COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA, uma coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido PARTIDO ECOLOGISTA "OS VERDES", enquanto partido integrante da CDU - COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA, uma coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

3 - Inconformados, os arguidos impugnaram esta decisão junto do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC.

O arguido PEV fez constar o seguinte das suas alegações:

«1.º

Veio a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) notificar o Partido Ecologista Os Verdes, ora Arguido, de ora em diante PEV, da decisão condenatória tomada no âmbito do processo de contraordenação supra identificado, pela pretensa violação do artigo 31.º, n.º 1 e 2 da Lei 19/2003, de 20 de Junho, em que foram apontadas irregularidades nas contas apresentadas pela Coligação Democrática Unitária (CDU) em relação à campanha eleitoral para a eleição das deputados ao Parlamento Europeu de 25 de Maio de 2014, conforme apresentado nos Autos.

I - Sobre as despesas de campanha pagas diretamente pelo PEV sem dar entrada na conta bancária da campanha

2.º

A ECFP identifica um conjunto de despesas pagas diretamente pelos partidos arguidos constituintes da coligação eleitoral Coligação Democrática Unitária - CDU - sem terem dado entrada na conta bancária da campanha.

3.º

Todas as despesas em causa da responsabilidade do PEV são referentes a uma mesma situação, ocorrida entre os dias 13 e 15 de janeiro de 2014, com exceção da relativa ao dia 1-2-2014.

4.º

As primeiras, quando foram realizadas, entendeu-se não corresponderem a despesas da campanha uma vez que a iniciativa, a 5 meses das eleições, tinha outros objetivos em função da agenda política nacional e do PEV.

5.º

Contudo, como acabou por se tomar decisões relativas igualmente às eleições europeias, entendeu-se, colocando o valor da transparência total das contas e não omissão de qualquer facto nas mesmas acima do risco de vir a ser considerada a prática de uma contraordenação, incluí-las nas contas da campanha.

6.º

Contudo, à data da sua realização e pagamento de despesas associadas, não se previu, nem era possível prever que se deveriam computar nas contas da campanha eleitoral próxima.

7.º

Por outro lado, à data da referida iniciativa, a conta bancária da campanha ainda não se encontrava aberta.

8.º

Com respeito à despesa feita com a Mestres Publicidade, em 1-2-2014, relativamente a impressão de imagem em vinil em estruturas publicitárias do PEV alusivas às Europeias 2014, é preciso atender ao facto do contrato com a dita empresa se reportar a todo o ano.

9.º

Com efeito, o PEV tinha um contrato anual, que vinha já do ano anterior, com essa empresa, segundo o qual a mesma se obriga a colocar novos painéis, com uma frequência trimestral, cabendo ao PEV apenas fornecer o novo painel a colocar na próxima data de renovação da imagem do outdoor.

10.º

Assim, o valor é faturado em global (16.211,89(euro)) e não especificamente para aquela nova imagem, razão pela qual o PEV tinha que pagar a fatura que lhe dizia respeito a si, não podendo imputar a totalidade da fatura às contas da campanha.

11.º

A emissão da fatura é da responsabilidade do credor não estando na disponibilidade do devedor alterá-la ou exigir a sua alteração - podendo, quando muito recusar-se a pagá-la se a mesma não corresponder ao valor devido, o que não era o caso.

12.º

Imputar a fatura às contas da campanha seria cometer outra ilegalidade, mais grave em nossa opinião.

13.º

Entendeu-se que a dita imagem em vinil para outdoor seria correspondente a uma entrada em espécie feita pelo PEV para a Campanha, e como tal contabilizada.

14.º

Não existiu assim qualquer falta de transparência, antes pelo contrário: pelo facto do PEV pretender ser totalmente colaborante, transparente, rigoroso e escrupuloso na informação prestada, não querendo esconder qualquer despesa realizada que pudesse legitimamente ser imputada à campanha eleitoral em causa, é que decidiu incluir as despesas em causa nas contas apresentadas.

15.º

Contudo, no momento em que foram decididas fazer essas despesas, não seria possível antever a sua associação a posteriori à campanha em causa, por um lado, em relação às de janeiro de 2014, e por outro, em relação ao contrato anual dos outdoors, alvo de apenas uma fatura, onde se integra uma parte de despesas pertencentes à campanha e outra parte que não pode ser incluída nas mesmas.

16.º

Atente-se que as pretensas soluções que a ECFP apresenta como pretensas "alternativas" para o PEV ou a CDU não ter incorrido na pretensa infração ("abertura por cada um dos partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária especifica"; ou "abertura por ambos os partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária específica"; ou "abertura apenas por um dos partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária específica para a Campanha"), mostram-se igualmente de conformidade duvidosa com a letra da lei e potencialmente gerariam igualmente uma reação condenatória da ECFP.

17.º

O que não se pode aceitar é, como pretende a ECFP, que com esta atuação os arguidos "não comprovaram devidamente a despesa em questão, já que a real origem do valor utilizado e o concreto destino não poderão, desse modo, ser sindicados".

18.º

Esta conclusão da ECFP mostra-se, salvo o devido respeito, absolutamente ilógica e infundada, pois a demonstração da despesa, e a sindicância da real origem do valor e o destino não dependem do uso ou não da Conta bancária da Campanha mas sim da documentação que demonstra a despesa e das declarações feitas e contas apresentadas.

19.º

De resto, se a Coligação, por escrúpulo e respeito pela verdade e transparência, não tivesse declarado as referidas despesas e não as tivesse demonstrado documentalmente, a ECFP poderia nem das mesmas tomar conhecimento, situação, essa sim, com gravidade.

20.º

Não existiu, assim, qualquer violação dos deveres de transparência ou de colaboração ou impossibilidade de sindicar as contas, razão pela qual deverá a aludida infração não dar lugar a qualquer sanção.

II - Sobre as despesas insuficientemente comprovadas - listagem 38/2013

21.º

Vem a ECFP considerar insuficientemente demonstrada a razoabilidade do conjunto de despesas elencadas no auto, em virtude dos preços contratados serem divergentes dos que constam da listagem 38/2013, sem contudo concretizar nem especificar em que medida e em que termos ocorre essa divergência.

22.º

Mesmo que se considere que a listagem 38/2013 se encontraria atualizada, face aos preços de mercado praticados em 2014, não se pode perder de vista que a mesma lista é meramente indicativa, sendo que o próprio mercado é ele próprio volúvel, a livre concorrência é fluida inconstante e determinada por fatores incontroláveis, um dos quais é o decurso do tempo.

23.º

Verifica-se que, nuns casos, o valor se encontra acima do "Valor unitário ECFP'", noutros casos abaixo.

24.º

A listagem 38/2013 não pode ter o alcance jurídico de obrigar a coligação a fazer maior despesa com meios de propaganda, inflacionando-as, apenas porque essa maior despesa decorre dos parâmetros da listagem elaborada pelo menos dois anos antes, nos casos em que o preço de mercado se encontra mais baixo,

25.º

Nem obrigar a coligação a deixar de comprar os meios de que necessita porque não encontra, naquele momento, no mercado, e dentro dos prazos de entrega de que necessita ver cumpridos, o preço abaixo o limite da listagem da ECFP.

26.º

A campanha eleitoral decorre num dado período de tempo em que várias listas solicitam os mesmos bens e serviços ao mercado, o qual se mostra sempre agitado e alterado face ao normal processo e fluxo anual de oferta e procura, podendo ocorrer uma de duas coisas, consoante, por vezes, a semana (!): o aumento do preço dado o aumento súbito da procura, designadamente pela necessidade de fazer horas extra; a baixa de preço quando a encomenda ultrapassa as quantidades "normais" a que o prestador de serviço está habituado, levando a ganhos de escala.

27.º

Por isso mesmo, a listagem, que deveria ser aferida a períodos de campanha e não ao mercado em situação fora de campanha, mas ainda assim mais não pode ser do que indicativa!

28.º

A listagem, na verdade mostra-se bem pouco fiável, não só porque é pouco clara nos critérios que apresenta, tornando impossível a comparabilidade com a realidade das compras feitas pelos partidos, como dificilmente espelha as realidades de um país com regiões muito diferentes e onde se praticam preços muito diferentes (uma tipografia em Lisboa ou em Loures cobrará preços bem distintos de uma tipografia em Serpa ou Miranda do Douro).

29.º

Qual a valia de um critério como o de "I - Rendas e alugueres; C - Aluguer de estruturas metálicas para cartazes ou telas (preço por unidade): Formatos comuns, 8 x 3, entre 800 e 975 euros ATÉ 3 MESES" - sublinhado nosso? E se for só um mês será um terço desse valor? Pouco provável...

30.º

A ECFP parece entender que deve onerar o partido ou coligação com a obrigação de descrever uma miríade de situações distintas a fim de convencer a própria autora do critério porque se guia da razoabilidade de dada despesa, sob pena de incorrer numa coima elevada, por vezes por valores de despesa irrisórios.

31.º

Por outro lado, não é legítimo pretender coartar a atividade política eleitoral, impedindo-a de adquirir os meios necessários para realizar a campanha e divulgar as suas propostas - desígnio dos Partidos políticos nos termos da Constituição, como forma de realizar o pilar Democrático - apenas porque os preços encontrados no mercado, não batem certo com os da listagem, erigida assim, em pretensa norma legal!

32.º

A "falta de demonstração da razoabilidade" (com toda a carga de subjetividade que acarreta essa expressão não normativamente determinada), que nunca foi explicada de que se trata, impedindo os partidos de, num esforço adicional que pudessem tentar ter (e que não nos parece que a lei obrigue, para satisfação do critério draconiano, absoluto e desproporcionado) se adaptar, implicaria exatamente o quê?

33.º

Fazer uma consulta ao mercado antes da compra de qualquer bem - exigindo três (? ou mais?) orçamentos, por escrito, claro, e "bem descriminado" (seja lá o que isso for), obviamente, porque se não, a ECFP, "legitimamente", consideraria ainda "irrazoável" perante o seu elevadíssimo critério e acima de qualquer suspeita - seria (eventualmente acompanhada ainda de outras exigências que que entretanto lhe ocorra como indispensáveis para aferir da dita "razoabilidade") porventura impossível de cumprir - pois não está dependente do partido o envio de um orçamento justificado pelas flutuações de mercado pelo fornecedor de serviço - ficando assim em risco a exequibilidade da campanha.

34.º

Salvo o devido respeito, fazer semelhante exigência é absolutamente irrealista, desproporcional e totalmente revelador da incompreensão do que é a realidade diária de uma campanha eleitoral, feita ao minuto, num ambiente extremo de stress, com múltiplas tarefas para executar.

35.º

Finalmente, diga-se que esta decisão da ECFP assenta, quanto ao direito, numa suposta violação do artigo 15.º da Lei de financiamento, sendo que nem este nem o artigo 12.º da mesma lei para o qual remete a decisão condenatória, permitem extrair direta e expressamente uma qualquer previsão normativa onde esteja previsto tal conteúdo de consequência contraordenacional.

36.º

Tão pouco, o que também é significativo, esse normativo invocado na decisão da ECFP corresponde a uma irregularidade tipificada da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer consequência jurídica de apreciação das contas.

37.º

A discordância dos valores de mercado da dita lista de referência, apenas pode ser tomada como meramente indicativa, sendo insuficiente para dar como provada a prática de um ilícito contraordenacional.

38.º

A ECFP não logra alegar, demonstrar, concretizar, nem fazer prova, da ausência desses elementos, limitando-se a fazer afirmações gerais e abstratas que não permitem concretizar a infração ou a responsabilidade contraordenacional que depois pretende assacar.

IV - [sic] Das faturas com descritivo incompleto e não acompanhado de elementos complementares

39.º

A ECFP, como no ponto anterior, entendeu condenar o PEV em virtude da documentação apresentada para comprovativo da despesa se mostrar incompleta "pois que, designadamente, não foram referidos o número de recursos envolvidos, o período do serviço a que se reportam, não foi indicado qual o tipo de impressão das faixas, nem foram indicadas as suas dimensões" - precisão que não foi referida na "acusação" impedindo o PEV de corrigir atempadamente as omissões invocadas que, até este momento, apenas tinham sido feito genericamente, levando o mesmo a perguntar na defesa apresentada: "Num descritivo, por exemplo, de "faixas de tecido com a impressão "Defender o Povo e o País"; quant. 500; pr unitário 5,95; iva 23 %; total ilíquido 2.975,00(euro)" o que é que falta? O tipo de tecido? A sua trama? As cores da impressão ou a máquina em que foi feita?"

40.º

Ficamos agora, hoje, a saber, num mero exemplo que a ECFP, entende que o PEV estaria obrigado a identificar o número de recursos envolvidos, o período do serviço, o tipo de impressão das faixas, e as suas dimensões.

41.º

Aquilo que não podemos saber é se, caso o PEV tivesse logrado forçar o fornecedor dos serviços a colocar essa informação, porventura com recurso a uma ação judicial ou sob a ameaça de não voltar a adquirir serviços a essa entidade, se a ECFP exigiria ainda outros dados, uma vez que não existe norma legal que o defina, ficando no puro critério da mesma entidade que depois tem a competência para condenar administrativamente o partido, sem sequer se sentir previamente vinculada a prestar esses esclarecimentos.

42.º

De acordo com a ECFP, faltaria que as faturas dos materiais comprados contenham uma denominação passível de ser cotejada com a descrição constante da listagem da ECFP.

43.º

Mas a coligação não está obrigada a adquirir apenas os materiais que encaixem como uma luva naquela listagem, pois que a mesma é apenas "uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente, publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios" [sublinhado nosso].

44.º

Logo a listagem não é exaustiva, como não poderia ser, nem dela decorre que o Recorrente deva estar cingido aos meios de campanha que constam da listagem unilateral da ECFP, nem da norma decorre que o Recorrente deva adaptar ("cotejar") os descritivos dos fornecedores com os descritivos da listagem, mascarando a realidade.

45.º

Por outro lado, o n.º 6 do artigo 24.º da Lei de financiamento estabelece com total clareza que a lista a que alude o n.º 5 do mesmo preceito, a aqui contestada listagem 38/2013, "serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização".

46.º

Nestes termos a listagem nem é prova, nem é meio de prova, mas tão só "meio auxiliar nas ações de fiscalização".

47.º

Pelo que, a possível desconformidade com a listagem, mesmo atualizada, não é sequer uma constatação apta a gerar responsabilidade contraordenacional.

V - Das ajudas de custo pagas a pessoal

48.º

Relativamente a esta questão da decisão condenatória, a ECFP argumenta com deficiente discriminação de cada um dos atos de despesa com ajudas de custo e ausência do respetivo documento certificativo.

49.º

O Acórdão 574/2015 do Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou acerca da elegibilidade da despesa relativa às remunerações de funcionários destacados para campanhas eleitorais (no caso nos Açores em 2012) e fê-lo nos seguintes moldes:

«Nos Acórdãos n.os 563/2006, 19/2008 e 567/2008 e 167/2009, o Tribunal já se pronunciou sobre a elegibilidade de despesas com pessoal do PCP imputadas às contas da campanha eleitoral (na altura, respetivamente, da campanha para as eleições legislativas de 2005, presidenciais de 2006, autárquicas de 2005 e regionais de 2007). Em todos os referidos arestos, foi expresso o entendimento segundo o qual, "não estando demonstrado que o pessoal em causa não esteve a trabalhar na campanha eleitoral da CDU-PEV, [...] há que concluir pela inexistência da infração que, nesta parte, vinha imputada à candidatura".

Do critério seguido resulta, assim, que, em matéria de despesas com pessoal, não é a respetiva elegibilidade que se encontra na dependência da demonstração positiva de que o trabalho foi efetivamente prestado no âmbito da campanha eleitoral e remunerado pelos valores inscritos, mas a respetiva inelegibilidade que se encontra na dependência da demonstração positiva de que o trabalho não foi prestado no âmbito da campanha eleitoral ou, apesar de prestado, não foi remunerado pelos valores inscritos.

Daqui se segue que a incompletude e/ou a insuficiência do conteúdo descritivo do suporte que documenta a remuneração dos funcionários não determina automaticamente a inelegibilidade da despesa que lhe corresponde: conforme resulta dos Acórdãos acima referidos, tal inelegibilidade pressupõe a presença de elementos indicativos de que a atividade em causa não foi desenvolvida no âmbito da campanha eleitoral ou, tendo-o sido, não foi remunerado nos termos contabilizados na despesa.»

Face a esta jurisprudência, que se mantém, importa verificar, no presente caso, se: a documentação de suporte apresentada é suficiente para a comprovação de que as despesas em causa respeitam à campanha eleitoral e se encontram adequadamente refletidas nas respetivas contas, conforme prescrito no n.º 2 do artigo 19.º da Lei 19/2003; e se as mesmas despesas são ou não elegíveis enquanto despesas da campanha.

Quanto à documentação de suporte, a coligação apresentou uma nota de débito (n.º 192-A/2012) que fora enviada pelo PCP à CDU e na qual se comunicava que o Partido debitou a favor da coligação um "valor correspondente a salários e encargos a imputar às Eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores do funcionário Martinho José Batista" (por referência aos meses de maio a outubro de 2012), um extrato de conta no qual consta documentado o débito do valor referido na mencionada nota (no montante de 3.174,39), para além de outras notas de débito cuja descrição se desconhece.

Ou seja, perante um valor total de 8.136,78 euro registado como despesa relacionada com a cedência de funcionários, a coligação apenas apresentou documentação referente a um determinado funcionário (no valor total de 3.174,39). Por outro lado, não existe sequer qualquer documentação que confirme o recebimento de tal valor pelo dito funcionário (ou por qualquer outro), nem qualquer mapa de processamento de vencimentos ou documentação semelhante: Tal deficiência documental, porém, não é suficiente, por si só, para se concluir pela inelegibilidade das despesas em questão, nos mesmos termos que se explicaram no citado Acórdão 175/2014. E na ausência de outros elementos indicativos, também aqui não pode afastar-se a elegibilidade das despesas enquanto despesas de campanha.» [o sublinhado é nosso]

50.º

Da extensa e elucidativa citação do Acórdão do TC resultam quatro relevantes conclusões:

a) A hipotética inelegibilidade de uma despesa de campanha não decorre automática de diretamente de uma possível deficiência no suporte documental.

b) A inelegibilidade de uma despesa de campanha deve estar sujeita a prova positiva e não a prova negativa, exigindo-se assim que a inelegibilidade esteja sujeita a demonstração positiva.

c) A demonstração positiva da inelegibilidade de uma despesa compete à ECFP e não à coligação eleitoral.

d) A deficiência documental, porém, não é suficiente, por si só, para se concluir pela inelegibilidade das despesas em questão.

51.º

Já quanto ao "motivo subjacente" de cada uma das notas de débito, deve sublinhar-se que a própria ECFP, no seu relatório de 2018, já considerou esta despesa de campanha como elegível, apenas lhe assinalando, ora "inexistência" ora "insuficiência" documental, não se alcançando que outro motivo subjacente estará em mente que não seja o estrito motivo eleitoral e as específicas ações de campanha que estão sobejamente documentadas, seja em ações e meios seja no amplo acervo documental e informativo colocado ao dispor da ECFP.

52.º

Por último, sublinhe-se o valor irrisório total de cerca de 40,00(euro) envolvidos.

VI - Dos elementos subjetivos

53.º

Finalmente, diga-se esta decisão da ECFP assenta, quanto ao direito, numa suposta violação do artigo 15.º da Lei de financiamento, sendo que nem este nem o artigo 12.º da mesma lei para o qual remete permitem extrair direta e expressamente uma qualquer previsão normativa onde esteja previsto tal conteúdo de consequência contraordenacional.

54.º

Tão pouco, o que também é significativo, esse normativo invocado na decisão da ECFP corresponde a uma irregularidade tipificada da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer consequência jurídica de apreciação das contas.

55.º

Quanto à Culpa, a ECFP volta a revelar-se genérica, vaga, prendendo-se a formulações teóricas, abstratas e sem justificar as conclusões a que chega, designadamente quando afirma: "In casu, face à factualidade provada e elencada nos pontos 9. e 10. dos factos provados, que aqui se dá por reproduzida, verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual, quanto a todos os Arguidos" - mas como e porquê?

56.º

Isto é, a digníssima entidade administrativa, não se pode limitar a formulações genéricas retiradas de compêndios, tem que lograr aplicá-las ao Arguido em concreto, fundamentando a sua decisão, o que obviamente não faz.

57.º

Como igualmente não faz na afirmação seguinte: "Apurou-se que o Arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente" - mas apurou-se a partir de que factos provados concretos relativos ao Arguido PEV? - não esclarece nem justifica.

58.º

Fica assim, outro elemento fundamental da decisão maculado com o vício da nulidade por violação do artigo 58.º do RGCO.

59.º

Na parte da medida concreta da coima, a ECFP, conclui pela violação de um único dever de organização contabilística das contas de campanha, consagrado no artigo 12.º da Lei 19/2003, de 20 de junho, mas não explica que dever é esse, porque ambas as normas contém várias obrigações.

60.º

Efetivamente, a ECFP não cuidou de concretizar por referência ao Arguido ou de fundamentar e provar que a conduta do PEV foi subjetivamente culposa e preencheu o tipo de ilícito contraordenacional.

61.º

Ao Tribunal Constitucional pede-se que avalie objetivamente a decisão administrativa em causa, não sancionando um comportamento, salvo o devido respeito, ligeiro mas com consequências graves, de condenação com insuficiente fundamentação, provavelmente sentindo-se em dificuldades com a imputação aos dois partidos de factos respeitantes à coligação.

62.º

Resta concluir que o PEV não agiu com dolo em qualquer das suas modalidades, não lhe cabendo o ónus da sua demonstração negativa,

VII) Da aplicação em separado de duas coimas aos dois partidos integrantes da Coligação

63.º

A ECFP decidiu no processo de contraordenação supra identificado aplicar separada e individualizadamente a cada um dos partidos integrantes da coligação eleitoral CDU, ao PCP por um lado, e, identicamente, ao PEV, por outro lado, uma coima no valor de 13 (treze) SMN que vigoraram em 2008, pela prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003, de 20 de junho.

64.º

Com efeito, em vez de decidir a aplicação de uma coima à entidade CDU - que foi a entidade (ainda que de existência transitória, naquela altura é a entidade existente e atuante) que apresentou a candidatura e, consequentemente, apresentou as respetivas contas de campanha eleitoral, sendo solidariamente responsáveis os dois partidos integrantes da coligação CDU - a ECFP decidiu desdobrar/multiplicar as coimas por cada um dos partidos que integram a CDU, o que é manifestamente errado e ilegal.

65.º

Nos presentes autos, a ECFP fundamenta a decisão de aplicação de duas coimas - desdobrando a coima e aplicando aos partidos da CDU duas vezes a mesma coima pela alegada prática dos mesmos factos - do seguinte modo: a) a lei apenas prevê expressamente a punição de partidos, nada dizendo acerca das Coligações (embora, invocando vários acórdãos, conclua que "as ações e omissões imputáveis a estas são sancionáveis nos mesmos termos"); b) "uma coligação não constitui entidade distinta da dos partidos políticos que a integram" (artigo 11.º, n.º 3 da Lei Orgânica 2/2003); c) as coligações extinguem-se assim que seja tornado público o resultado das eleições (artigo 22.º, n.º 2 do DL 267/80; de 8 de Agosto).

66.º

Vindo a ECFP a concluir que "Deste modo a responsabilidade contraordenacional emergente de ilegalidades e irregularidades cometidas por urna Coligação eleitoral recairá sobre os Partidos Políticos que a integram".

67.º

Conhece-se, entende-se e acompanha-se o entendimento do Tribunal Constitucional (TC) segundo o qual a expressão "partidos políticos" que resulta da lei de financiamento deva compreender também a expressão "coligações eleitorais" na medida em que a omissão legal não poderia estabelecer a inimputabilidade de uma entidade concorrente a eleições e titular de uma campanha eleitoral apenas por se tratar de uma coligação eleitoral, cujo designativo literal não está contido na norma.

68.º

É nesse sentido, o da equiparação dos "partidos políticos" a "coligações eleitorais", e não o seu contrário, para efeitos da aplicação do artigo 31.º da lei de financiamento que deve ser entendido o Acórdão 669/2016 do TC que mais uma vez vem citado na decisão recorrida e ainda os demais acórdãos do TC que nunca mereceram reparo nesse atinente.

69.º

De resto, aplicando a sua própria jurisprudência, o mesmo TC, em nenhum momento do passado, desdobrou/multiplicou a coima a aplicar à CDU em duas coimas a aplicar a cada um dos partidos que integram a coligação, nem isso faria sentido à luz da única interpretação útil e viável do disposto no n.º 2 do artigo 31.º da lei de financiamento.

70.º

De facto, o que sempre esteve em causa na douta jurisprudência do TC foi a preocupação e necessidade em estender às coligações eleitorais o mesmo regime sancionatório que a lei manda aplicar aos partidos políticos que igualmente concorrem a atos eleitorais.

71.º

Sendo também verdade, como menciona a ECFP, que, em tese, "a responsabilidade contraordenacional emergente de ilegalidades e irregularidades cometidas por uma coligação eleitoral recairá sobre os Partidos políticos que a integram".

72.º

Sendo também certo que o disposto no n.º 3 do artigo 11.º da lei dos partidos políticos, também mencionado pela ECFP, ao imputar aos partidos integrantes a responsabilidade que possa recair sobre urna coligação, apenas pretende garantir a imputação de responsabilidades, e, sobretudo, mandar aplicar às coligações em si o mesmo regime dos partidos políticos, logo uma equiparação, tal como o TC vem preconizando.

73.º

Ora, tais deduções da lei e da douta jurisprudência do TC não admitem nem permitem que a ECFP possa aplicar tantas coimas quantos os partidos políticos que integram uma coligação eleitoral.

74.º

O que a lei manda e a douta jurisprudência do TC tem aplicado é a equiparação da expressão verbal "partidos" à expressão verbal "coligações".

75.º

E quando o TC estabelece que se deve entender "que as ações e omissões imputáveis a estas [as coligações] são sancionáveis nos mesmos termos [para os partidos políticos], o que faz é estabelecer uma clara regra de equiparação entre um partido concorrente a uma candidatura eleitoral e uma coligação igualmente concorrente a uma candidatura eleitoral, no sentido em que a responsabilidade contraordenacional deve atingir tanto partidos como coligações, ainda que a palavra coligações não esteja contida na norma.

76.º

Ou seja, se as coligações são sancionáveis "nos mesmos termos", são sancionáveis como se de partidos políticos se tratassem, ou seja, equipara-se uma coligação a um partido.

77.º

Contudo, o que a decisão recorrida da ECFP faz é inverter os termos e a finalidade da equiparação jurisprudencial de uma coligação a um partido, e não o seu contrário, subvertendo com isso a aplicação correta e incontestada do disposto no artigo 31.º da lei de financiamento.

78.º

Aliás foi a coligação CDU, e não cada um dos partidos integrantes de per si, que apresentou uma candidatura e foi a coligação e não cada um dos partidos que a integram que apresentou contas eleitorais, as mesmas que aqui são suscitadas para julgamento em sede de recurso.

79.º

Embora a Coligação seja, na prática, sempre formalmente e substancialmente distinta de cada um dos partidos que a integram, sendo que cada um dos mesmos não desaparece nem se dilui totalmente dentro da coligação, continuando a ter vida própria e opinião política própria para além da Coligação, o que é certo é que, no âmbito eleitoral, isto é, no âmbito da campanha eleitoral em concreto (e pré-campanha - em bom rigor, desde que a Coligação é formalizada e as listas de candidatos conjuntos são entregues no Tribunal), essa autonomia conhece uma limitação muito forte podendo falar-se mesmo num certo "apagamento" da individualidade do partido em função da Coligação que passa, naquele momento, a agir e a decidir, mormente no plano das contas e finanças da campanha eleitoral, com a sua orgânica própria e única constituída para aquela campanha (com uma coordenadora política, com mandatário próprio), que é distinta da de cada um dos partidos em causa fora de campanhas eleitorais para eleições legislativas.

80.º

Por isso mesmo os factos são os mesmos para os dois partidos nos dois PCO's, não sendo a ECFP capaz de individualizar, nem a nível da culpa, nem do benefício económico, etc. a situação particular de cada um dos dois partidos arguidos nem de como se posicionam em relação aos factos sancionados.

81.º

Quanto ao argumento de que a Coligação se extingue a seguir às eleições, a verdade é que nem tal extinção é forçosa por lei ("As coligações deixam de existir logo que for tornado público o resultado definitivo das eleições, mas podem transformar-se em coligações de partidos políticos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto - Artigo 22.º, n.º 2 do DL 267/80, de 8 de agosto - sublinhado nosso),

82.º

Como igualmente a lei admite a sua prorrogação ("As coligações têm a duração estabelecida no momento da sua constituição, a qual pode ser prorrogada ou antecipada." - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Orgânica 2/2003 - sublinhado nosso).

83.º

Não estamos a querer dizer que foi o que sucedeu no caso concreto, mas sim que tal como essa extinção da Coligação não é forçosa nem necessariamente imediata ao final do ato eleitoral, também se deve considerar que a sua existência perdura no tempo, para além da publicação dos resultados eleitorais, ainda que apenas para efeito de apresentação de contas da campanha eleitoral e das eventuais responsabilidades que daí advierem.

84.º

E, nesse caso, as responsabilidades devem recair sobre a coligação PCP-PEV (como legalmente é denominada, por força do artigo 11.º, n.º 3 da LO 2/2003) e não duplicada sobre o PCP e sobre o PEV.

85.º

Sem conceder no que atrás se alegou, refira-se ainda que as pessoas coletivas "são responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas junções", nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do RGCO.

86.º

Ora, não foi nenhum órgão do PEV nem, aliás, do PCP, que praticou os factos que a decisão da ECFP ora recorrida e impugnada imputa às contas da campanha eleitoral da CDU Açores de 2012, nem tão pouco os autos em momento algum identificam um qualquer órgão do PEV como agente ou autor da prática dos factos imputados, nem poderia fazê-lo.

87.º

Com efeito, embora a responsabilização contraordenacional das pessoas coletivas seja pacífica, e embora boa parte da doutrina e jurisprudência acompanhe uma interpretação extensiva ou abrangente desse artigo 7.º do RGCO e muito pouco exigente no tocante à relação (de trabalho, de detenção de capital social, gerência, administração ou liderança, de prestação de serviços ou de mandato) entre o agente concreto e a pessoa coletiva, nem mesmo essa parte da doutrina e jurisprudência dispensa ao menos a tentativa de explicação dessa relação, por ténue que seja.

88.º

Ora no caso da acusação ora impugnada, a digníssima entidade administrativa em causa, nem sequer simula tal tentativa: pura e simplesmente nada diz quanto a esta questão!

89.º

E sendo assim, viola flagrantemente o artigo 58.º, conjugado com o artigo 7.º, ambos do RGCO, sendo, salvo melhor entendimento, nula.

90.º

Mas mesmo que assim não se entenda, o que se admite por mero dever de ofício e sem nunca conceder, retomando a linha de raciocínio supra exposta, recorda-se que a coligação CDU tem órgãos de coordenação próprios, pública e notoriamente reconhecidos e identificados no registo junto do TC, e mandatário próprio, de resto identificado nos autos.

91.º

É precisamente nesse sentido, e porque assim deverá ser, como sempre sucedeu, que no citado Acórdão 669/2016, diga-se a título de exemplo, o TC decidiu como decidiu, ou seja, «f) Condenar os Partidos que compõem a CDU, Partido Comunista Português (PCP) e Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), pela prática da contraordenação prevista e punida no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na coima de (euro) 6.000,00 (seis mil euros);», e não cada um dos partidos da coligação, de per si, separada e individualizadamente, em igual montante, como pretende agora a ECFP.

92.º

Termos em que a decisão impugnada deverá ser, no mínimo, revogada neste segmento, por vício de violação de lei, atenta a interpretação e o seu resultado contrário à lei que consta da decisão impugnada.

93.º

Quanto à matéria dada como provada na Fundamentação de Facto da decisão que ora se impugna, desde logo se refira que a ECFP nem sequer se esforça em imputar os factos ao PEV, ainda que indiretamente ou de alguma outra forma.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado, e, em consequência ser:

e) [sic] declarada nula a decisão administrativa de condenação de 14 de abril de 2021 da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, relativamente às contas da campanha eleitoral para as eleições para o Parlamento Europeu de 25 de maio de 2014, arquivando-se os respetivos autos de contraordenação; ou, quando assim não se entenda,

f) aplicada uma única coima à entidade coligação eleitoral CDU que concorreu às referidas eleições, representada pelos partidos seus integrantes, PCP-PEV, substitutiva das duas coimas decididas aplicar separadamente a cada um dos partidos da mesma coligação concorrente.

Mais adianta o recorrente que não se opõem a que o Tribunal Constitucional possa decidir sem realização de audiência, caso assim entenda, disponibilizando-se contudo para a sua realização se vier a ser essa a douta opção tomada.».

O arguido PCP, por sua vez, apresentou alegações com o seguinte teor:

«I - Sobre os factos em 5.1. e 5.2. e 10. do auto - despesas pagas por partidos da coligação

1.º

Estamos em crer que a ECFP não terá inteiramente levado em linha de conta a explicação dada em sede de resposta ao relatório, nem ao auto de CO, nem verificado adequadamente a justeza dessa explicação e daí manter ainda esta imputação sancionatória.

2.º

As despesas incorridas antes da abertura da conta bancária da campanha, própria da CDU, e antes da necessariamente antecedente inscrição da CDU no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), para atribuição de NIPC/NIF próprio e distintivo, tiveram de ser pagas através de conta bancária já existente o que só poderia acontecer através de uma conta bancária dos partidos coligados.

3.º

Esses montantes pagos pelo PCP só poderiam mais adiante ser considerados adiantamentos de contribuições dos partidos coligados. É isso que as contas revelam, com absoluta transparência.

4.º

Nesse sentido foram entregues à ECFP declarações da mandatária que identificam tais pagamentos e a sua qualificação como despesas de campanha eleitoral. Foram ainda disponíveis à ECFP os extratos que demonstram o encontro de contas com os partidos coligados.

5.º

O legislador da lei de financiamento, mormente através da regra relativa a abertura de conta bancária própria, pretendeu estabelecer transparência pelo que não se alcança em que dimensão e em que concreto aspeto o procedimento adaptado pelo PCP no âmbito da coligação CDU fira ou belisque essa exigência de transparência.

6.º

Se o procedimento não põe em causa a razão de ser da norma não se atinge o fundamento da contraordenação proposta.

II - Sobre os factos em 7. e em 11. do auto - razoabilidade de despesas alegadamente divergentes do valor de mercado

7.º

O auto de contraordenação aponta dois tipos de suposta "insuficiente comprovação" de despesas, mas em ambos os casos por referência a alegados valores de mercado, desdobrando a matéria em duas imputações sancionatórias.

8.º

Um primeiro tipo de despesas surge por simples confronto com a listagem 38/2013 elaborada pela ECFP nos termos da lei.

9.º

O PCP reitera o que já antes afirmou em audição prévia, a que junta um olhar sobre a lei, assim:

1.º Os preços praticados e faturados são de todo razoáveis e adequados ao serviço prestado pelas empresas emitentes do documento contabilístico;

2.º Os preços praticados correspondem, sem margem para dúvidas, aos preços usualmente praticados pelo mercado;

3.º Os valores que possam não ser inteiramente coincidentes com a listagem 38/2013 correspondem a práticas comerciais correntes e comummente aceites no mercado a aplicadas a todos os consumidores ou adquirentes;

4.º A listagem 38/2013 é meramente "indicativa" não podendo admitir-se uma aplicação em ordem a considerá-la obrigatória ou vinculativa e nesse sentido não constitui só por si um elemento de prova de uma despesa que possa divergir dos preços de mercado;

5.º A listagem 38/2013 é legalmente "uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha. designadamente, publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios", logo está nela implícita a incompletude. [sublinhado nosso]...

10.º

Das alegações apresentadas pelo PCP, em nome da campanha da CDU a ECFP nada fundamentou quanto ao afastamento do entendimento e das alegações que por isso se registam.

III - Sobre os factos em 8. a 8.7. e em 12. do auto - razoabilidade de despesas alegadamente divergentes do valor de mercado

11.º

No seguo tipo de suposta "insuficiente comprovação" de despesas, vem a ECFP questionar a razoabilidade de despesas de campanha, sobre cuja qualidade não tem dúvidas, mas que alegadamente não podem ser cotejadas com a listagem 38/2013.

12.º

A suposta insuficiência da listagem indicativa decorre da lei que aponta para "principais meios de campanha" que de seguida enumera visto terem sido esses os meios de campanha que preocupavam em particular o legislador e não todos; "principais meios" não compreende naturalmente todos os meios disponíveis no mercado.

13.º

Decorre do que antecede que nem a ECFP pode aplicar coima ao PCP por ter utilizado meios de campanha cujo descritivo não figura na listagem, nem a ECFP pode impedir a CDU e os partidos integrantes de adquirir bens e serviços que não constem expressa ou literalmente nessa listagem. Também aqui o que conta é a oferta do mercado.

14.º

Finalmente sempre se assinale a contradição inexplicável com origem e evidência no auto de notícia onde aponta em 2.2. e agora também no auto impugnado, sete exemplos de faturas supostamente com descritivo incompleto, quando na verdade é a própria ECFP que verte para o texto do próprio auto todo um descritivo, completo, explicativo, e contendo todos os elementos próprios de um documento contabilístico completo.

15.º

Aquilo que verdadeiramente aqui a ECFP coloca na decisão de aplicação de coima é apenas e tão só o facto de, por não haver "preços de referência", os mesmos que a listagem 38/2013 ofereceria, mas não oferece, em razão desta ser por natureza incompleta, então imputa-se à CDU e agora ao PCP "descritivo incompleto" das faturas (o que não está verificado), para daí concluir "insuficiente comprovação" de despesas (mas que são todas de campanha), para de seguida apontar a impossibilidade de "aferir a razoabilidade do seu valor", e, com tal suspeição, apontar o caminho da construída violação de lei, e finalmente, aplicar uma coima. Rejeita-se esta construção com origem numa listagem sem "preços de referência" e o fim anunciado de uma contraordenação assente em mera suspeição.

16.º

Sem conceder enfatiza-se ainda que a hipotética inelegibilidade de uma despesa de campanha não decorre automática e diretamente de uma possível deficiência no suporte documental. E se não há inelegibilidade não haverá, neste caso, contraordenação.

17.º

Esta alegação que antecede vale ainda para o ponto seguinte sobre o pagamento de ajudas de custo.

IV - Sobre os factos em 9. e em 13. do auto pagamento de ajudas de custo

18.º

A decisão de aplicação de coima, neste ponto, apontava no auto de notícia, em primeiro lugar para "deficiente discriminação de cada um dos seguintes atos de despesa com ajudas de custo", conceito agora reduzido ao termo "detalhe".

19.º

E em segundo lugar para "ausência do respetivo documento certificativo do qual conste o motivo subjacente ao pagamento das ajudas de custo recebidas pelos destinatários", conceito também reduzido ao termo "detalhe".

20.º

Quanto ao primeiro aspeto deve referir-se, com perplexidade, que a "deficiente discriminação", ou "detalhe", apontada está bem patente nas mais de oito páginas de texto em que a ECFP descreve, ainda que em alguns casos com abreviações, precisamente o descritivo dito deficiente. Está lá tudo: datas, nomes, valores etc.

21.º

Quanto ao segundo aspeto não é possível entregar documento certificativo com motivo subjacente dado que em todos os casos se tratou de pagar refeições de pessoas destacadas para a campanha, e esse é precisamente o motivo justificativo, da própria ajuda de custo, modalidade legal de compensação por maior despesa que dispensa apresentação de recibos.

22.º

De resto o esclarecimento dado à ECFP mas que esta recusou perceber, apesar de o ter reproduzido noutra peça, é a todos os títulos justificativo e explicativo desta situação e por isso aqui vai transcrito para douta valoração superior:

«Quanto às ajudas de custo esclarece-se que entre a CDU e os contratados, funcionários e candidatos foram acordadas ajudas para compensar maior despesa dos próprios em virtude da deslocação para funções e tarefas anormalmente fora do comum e dos locais de trabalho e residência, no montante único base de 15,00 euros por cada dia. Este valor diário pode ter e teve reduções em função por exemplo da oferta da refeição ou refeições do dia em questão o que leva ao desconto de 4,00 euros por cada refeição. Deste modo, pode a ajuda de custa diária baixar de 15,00 euros para 11,00 euros se descontada uma refeição oferecida próprio, ou mesmo para 7, 00 euros se descontadas as duas refeições diárias»

23.º

Para além de não haver falta de "razoabilidade" no pagamento ou desconto de quatro euros por uma refeição [uma refeição em Portugal, em 2014, por inteiros quatro euros!], não se atinge verdadeiramente qual é o ponto em que a ECFP discorda do procedimento já que a lei, consabidamente, não discorda.

24.º

Na verdade, insiste-se, a resposta atrás transcrita explica tudo quanto a ECFP diz querer saber, sabendo a auditoria, refira-se a título de exemplo, que nesta campanha eleitoral houve uma caravana que percorreu o País, integrada por funcionários que naturalmente tiveram maiores despesas em refeições e que obviamente a campanha teve de suportar, à razão diária de quinze euros, tal como atrás explicado. Onde estará a falta de razoabilidade deste procedimento simplificado e menos oneroso será uma tarefa inconclusiva.

25.º

Sem conceder de novo se repete que a hipotética inelegibilidade de uma despesa de campanha não decorre automática e diretamente de uma possível deficiência no suporte documental. E se não há inelegibilidade não haverá, neste caso, contraordenação,

V - Sobre o elemento subjetivo do tipo e o dolo eventual

26.º

A decisão ora impugnada, em matéria do elemento subjetivo do tipo avança com as seguintes nove afirmações todas elas conclusivas e nenhuma delas descritiva ou explicativa:

i) No ponto 10 dos factos provados: "Ao agirem conforme descrito em 5. a 5.2. dos factos provados (...) os arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse a real origem do valor utilizado e o motivo da despesa de campanha eleitoral e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições".

ii) No ponto 11 dos factos provados: "Ao agirem conforme descrito em 7. dos factos provados (...) os arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse o real destino e motivo das despesas, sobreavaliando-as em conformidade, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições".

iii) No ponto 12 dos factos provados: "Ao agirem conforme descrito em 8. a 8.7. dos factos provados (...) os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores eram próximos dos valores de mercado (...), conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições".

iv) No ponto 13 dos factos provados: "Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados (...) os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que não demonstrasse a sua origem e motivo (...), conformando-se com essa possibilidade ao apresentar as contas nessas condições".

v) No seguinte ponto 14: "os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável tendo agido livre, voluntária e conscientemente".

vi) Mais adiante na parte da fundamentação (página 21/32): "A prova da factualidade elencada nos pontos 10. a 14. ([1]) dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação". [sublinhado nosso]

vii) E ainda na mesma passagem: "...sendo que os arguidos foram do mesmo notificados [do relatório] e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos não o fizeram ([2])". [sublinhado nosso]

viii) Mais adiante no texto da decisão (página 29/32): "in casu, face à factualidade provada e elencada nos pontos 10. a 13. dos factos provados, que aqui se dá por reproduzida, verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual".

ix) E ainda: "Apurou-se ainda que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente".

E mais nada foi escrito sobre a matéria do dolo ou do dolo eventual.

[1] Os pontos 10 a 14 do auto não são factos mas apenas conclusões.

[2] O PCP não se pronunciou? Como assim? E não retificou as contas? Como assim se está seguro e convicto de as ter apresentado nos termos legais e sem irregularidades? O eventual silêncio do arguido no nosso Estado de Direito é indicativo valorativo do dolo?

27.º

Com mediana compreensão resulta das nove conclusões apontadas que a ECFP nada demonstrou, nem nada apurou, nem nada comprovou em matéria de conduta do PCP e demais arguidos, que de resto esteve presente na campanha eleitoral por interposta coligação eleitoral CDU.

28.º

Como é que a ECFP sabe, se não exemplificou, não explicou, nem demonstrou, que os arguidos, todos eles, representaram "como possível que tal [conduta] não demonstrava a globalidade das receitas e despesas da campanha eleitoral a elas associadas, omitindo tal valoração" e de seguida "conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições"?

29.º

Como é que a ECFP sabe, se não exemplificou, não explicou, nem demonstrou, que os arguidos, todos eles, representaram "como possível que tal [conduta] não demonstrasse o real destino e motivo das despesas, subavaliando-as" e de seguida "conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições"?

30.º

Como é que a ECFP sabe, se não exemplificou, não explicou, nem demonstrou, que os arguidos, todos eles, sabiam "que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável"?

31.º

Como é que a ECFP sabe, se não exemplificou, não explicou, nem demonstrou, que os arguidos, todos eles agiram "livre, voluntária e conscientemente"?

32.º

Se mais nada houvesse a alegar, bastaria verificar que as nove conclusões atrás identificadas, todas extraídas da decisão recorrida,

i) São parcialmente repetitivas

ii) São elas mesmas simultaneamente conclusivas e conclusivamente explicativas umas das outras,

iii) Sendo que as alíneas i) a iv) e vi) e viii) são tautológicas (por um lado a ECFP conclui que é dolo porque é dolo, e, por outro lado, é dolo porque através da conclusão de dolo se verifica "a ocorrência de atuação dolosa").

33.º

Temos pois que os pontos 10 a 13. do auto, atrás transcritos nas alíneas i), ii), iii) e iv) que manifestamente são conclusões e claramente não são factos, são muito convenientemente transformados em "factos" na transcrição trazida para a alínea v) pois afirmar que "a prova da factualidade elencada nos pontos 10. a 13. dos factos provados" significa dizer que as conclusões do auto "nos pontos 10. a 13." são tidas como factos, e que, portanto a prova dos factos se extrai de conclusões sem factos que as sustentem, logo a prova de conclusões são conclusões.

34.º

Mais se extrai do auto que as ditas conclusões tidas como "provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação", o que significa dizer que as conclusões de conduta dolosa, logo o elemento subjetivo da alegada infração se extrai ele mesmo do elemento objetivo do tipo, sem mais.

35.º

A ECFP basta-se com a alegada comprovação, em simultâneo, quer do elemento objetivo do tipo quer do elemento subjetivo do tipo através dos mesmos alegados factos contabilísticos.

36.º

Com a agravante que para o elemento objetivo do tipo a ECFP apresenta os seus factos, mas já para o elemento subjetivo do tipo apresenta as suas meras conclusões, sem factos, tiradas sobre as mesmíssimas conclusões, cujas "regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação", sendo aqui a palavra-chave "antever", quiçá vislumbrar ou adivinhar, mas não comprovar que era o mínimo que se deveria exigir da verificação inequívoca do dito dolo eventual.

37.º

Para a ECFP serão provavelmente os alegadamente factos constitutivos do elemento objetivo que por sua vez também constituirão o elemento subjetivo do tipo contraordenacional e essa dedução extrapolada vai aqui impugnada pelo PCP, caso contrário cai por terra toda a dogmática jurídica a este propósito.

38.º

Finalmente, da transcrição da alínea vii) extrai a ECFP uma conduta omissiva dos arguidos, também do PCP, que podendo pronuncia-se sobre as irregularidades apontadas pela ECFP não o terão feito, conformando-se com as mesmas.

39.º

Esta dedução naufraga na medida em que os autos comprovam sem mais delongas que o PCP se pronunciou, mencionando inclusive o próprio auto a folhas 2/18 que os arguidos apresentaram defesa, logo, sempre se pronunciaram não se entendendo de todo em todo como é que tal suposta conduta omissiva, que afinal não o foi, pode contribuir para extrair conclusões em sede de dolo eventual.

40.º

Ainda da transcrição da alínea vii) extrai a ECFP outra conduta omissiva dos arguidos, também do PCP, que podendo retificar as contas não o terão feito, conformando-se com as contas antes apresentadas.

41.º

O PCP tem a convicção que no âmbito da CDU foram apresentadas as contas sem irregularidades e que, tal como resulta das presentes alegações, e antes da sua defesa, atuou em conformidade com a lei, pelo que de nenhum facto ou constatação pode a ECFP extrair a sua conclusão de que o PCP atuou com consciência de dolo eventual.

42.º

O PCP não agiu com dolo em qualquer das suas modalidades, não lhe cabendo o ónus da sua demonstração negativa,

43.º

Sendo contudo certo e seguro que a ECFP não o comprovou mas apenas o concluiu, embora de nenhum facto em concreto que haja exemplificado ou concretizado.

VI - Sobre o desdobramento ou multiplicação de coimas a aplicar aos partidos da coligação individualmente e não à coligação titular das contas de campanha

44.º

A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) já havia decidido no processo de contraordenação 65/2019, relativo às contas da campanha eleitoral de 2012 para a ALR dos Açores aplicar separada e individualizadamente a cada um dos partidos integrantes da coligação eleitoral CDU, ao PCP, por um lado, e, identicamente, ao PEV, por outro lado, uma coima de igual montante.

45.º

Nos presentes autos a ECFP comete o mesmo erro e aplica à CDU duas coimas, porque os partidos integrantes da coligação são dois, o mesmo de resto tendo já acontecido, embora de forma menos explícita, quanto às contas da campanha eleitoral para a Assembleia da República em 2015.

46.º

Contudo a entidade CDU que apresentou candidatura e apresentou contas de campanha eleitoral, é uma e não duas, e sendo solidariamente responsáveis os dois partidos integrantes da coligação CDU, a ECFP decidiu desdobrar/multiplicar as coimas por cada um dos partidos que integram a CDU, o que é manifestamente errado e ilegal.

47.º

Usa mais uma vez a mesmíssima argumentação jurídica que já havia usado nos anteriores autos, fazendo uso dos mesmíssimos três parágrafos, entre "No que tange ao agente da prática da contraordenação (...) e 140/2015" (1.º parágrafo) e entre "Deste modo, a responsabilidade (...) partidos políticos que a integram" (2.º parágrafo) e entre "Na verdade (...) partidos políticos que a integram" (3.º parágrafo).

48.º

Usa ainda a mesmíssima argumentação jurídica assente numa incorreta interpretação quer da lei quer dos mencionados acórdãos do TC.

49.º

Pelo que, usada a mesma interpretação jurídica, embora errada, desdobra a coima aplicando à CDU duas vezes a mesma coima pela alegada prática dos mesmos factos e pela mesma única entidade, tal e qual como se se pudesse obnubilar a CDU e configurar a alegada conduta como tendo dois agentes em separado e autónomos concorrendo também em separado e em coautoria para a mesma ilicitude.

50.º

Nesse sentido se impugna de novo veementemente a multiplicação de coimas a aplicar aos partidos da coligação com os mesmos fundamentos e termos em que isso já ocorreu no recurso interposto no âmbito dos autos do PCO 65/2019, entretanto já em tramitação no TC.

51.º

Conhece-se e acompanha-se o entendimento do Tribunal Constitucional (TC) segundo o qual a expressão "partidos políticos" que resulta da lei de financiamento deva compreender também a expressão "coligações eleitorais" na medida em que a omissão legal desta expressão literal não poderia estabelecer a inimputabilidade de uma entidade concorrente a eleições e titular de uma campanha eleitoral, apenas por se tratar de uma coligação eleitoral cujo designativo literal não está contido na norma.

52.º

É nesse sentido, o da equiparação dos "partidos políticos" a "coligações eleitorais", e não o seu contrário, para efeitos da aplicação do artigo 31.º da lei de financiamento que deve ser entendido, por exemplo, o Acórdão 669/2016 do TC e ainda os demais acórdãos do TC que nunca mereceram reparo nesse atinente, não se entendendo a razão de ser desta reviravolta promovida pela ECFP.

53.º

De resto, aplicando a sua própria jurisprudência, o mesmo TC, em nenhum momento do passado, desdobrou/multiplicou a coima a aplicar à CDU em duas coimas a aplicar a cada um dos partidos que integram a coligação, nem isso faria sentido à luz da única interpretação útil e viável do disposto no n.º 2 do artigo 31.º da lei de financiamento.

54.º

De facto o que sempre esteve em causa na douta jurisprudência do TC foi a preocupação e necessidade em estender às coligações eleitorais o mesmo regime sancionatório que a lei manda aplicar aos partidos políticos que igualmente concorrem a atos eleitorais.

55.º

Sendo também verdade, como menciona a ECFP, que, em tese, "a responsabilidade contraordenacional emergente de ilegalidades e irregularidades cometidas por uma coligação eleitoral recairá sobre os Partidos políticos que a integram".

56.º

Sendo também certo que o disposto no n.º 3 do artigo 11.º da lei dos partidos políticos, também mencionado pela ECFP, ao imputar aos partidos integrantes a responsabilidade que possa recair sobre uma coligação, apenas pretende garantir a imputação de responsabilidades, e, sobretudo, mandar aplicar às coligações em si, o mesmo regime dos partidos políticos, logo uma equiparação, tal como o TC vem preconizando.

57.º

Ora, tais deduções da lei e da douta jurisprudência do TC não admitem nem permitem que a ECFP possa aplicar tantas coimas quantos os partidos políticos que integram uma coligação eleitoral, porque o agente é um e não vários que tivessem concorrido para o mesmo fim.

58.º

O que a lei manda e a douta jurisprudência do TC tem aplicado é fazer a equiparação da expressão verbal "partidos" à expressão verbal "coligações"

59.º

E quando o TC estabelece que se deve entender "que as ações e omissões imputáveis a estas [as coligações] são sancionáveis nos mesmos termos [para os partidos políticos], o que faz é estabelecer uma clara regra de equiparação entre um partido concorrente a uma candidatura eleitoral e uma coligação igualmente concorrente a uma candidatura eleitoral, no sentido em que a responsabilidade contraordenacional deve atingir tanto partidos como coligações, ainda que a palavra coligações não esteja contida na norma.

60.º

Contudo, o que a decisão recorrida da ECFP faz é inverter os termos e a finalidade da equiparação jurisprudencial de uma coligação a um partido, e não o seu contrário, subvertendo com isso a aplicação correta e incontestada do disposto no artigo 31.º da lei de financiamento.

61.º

Aliás a coligação CDU, e não cada um dos partidos integrantes de per si, é que apresentou uma candidatura e foi a coligação e não cada um dos partidos que a integram que apresentou contas eleitorais, as mesmas que aqui são suscitadas para julgamento em sede de recurso.

62.º

A apresentação das contas da campanha da CDU coube a uma mandatária e não a duas e, consabidamente, as contas de campanha são elaboradas no âmbito da CDU.

63.º

Sem conceder no que atrás se alegou, refira-se ainda que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do RGCO as pessoas coletivas "são responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções". [sublinhado nosso]

64.º

Ora, não foi nenhum órgão do PCP que praticou os factos que a decisão da ECFP ora recorrida e impugnada imputa às contas da campanha eleitoral para o PE de 2014, nem tão pouco os autos em momento algum identificam um qualquer órgão do PCP como agente ou autor da prática dos factos imputados, nem poderia fazê-lo.

65.º

Sendo ainda certo que a coligação CDU tem órgãos de coordenação próprios, pública e notoriamente reconhecidos e identificados no registo junto do TC, e mandatária própria, de resto identificado nos autos.

66.º

É precisamente nesse sentido, e porque assim deverá ser, como sempre sucedeu, que, por exemplo, no Acórdão 669/2016, refira-se a título de exemplo, o TC decidiu como decidiu, ou seja, «f) Condenar os Partidos que compõem a CDU, Partido Comunista Português (PCP) e Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), pela prática da contraordenação prevista e punida no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na coima de (euro)6.000,00 (seis mil euros);», e não a cada um dos partidos da coligação, de per si, separada e individualizadamente, em igual montante, como pretende agora a ECFP.

67.º

Adiantou ainda no passado a ECFP, como argumento, que agora deixou cair, que a CDU se extinguiu assim que foi tomado público o resultado das eleições, para daí desejar concluir que já não poderia responsabilizar a CDU pelas suas próprias contas por inexistir a CDU,

68.º

mas erradamente, para os presentes efeitos, porque depois disso, das eleições e da suposta extinção, foram elaboradas contas, pela CDU e mais tarde apresentadas contas, pela CDU, e a ECFP notificou para se pronunciar a CDU e também o mandatário da CDU, sendo que até assinalou que poderia a CDU ter retificado a suas contas, as da CDU, tudo depois do anúncio dos resultados eleitorais da CDU,

69.º

sendo ainda verdade que o regime de substituição de mandatos, após o ato eleitoral, obedece à lista de candidatos da CDU, em suma, não se vislumbrando onde quer a ECFP chegar com tal argumento legal que na verdade tem outra ratio legis completamente diferente daquela que pretende justificar a multiplicação de coimas na mesma entidade eleitoral coligação.

70.º

Sucede ainda que a CDU é também uma coligação permanente e como tal inscrita no Tribunal Constitucional desde 1987 por Acórdão 403/87, de 29 de julho.

71.º

Termos em que a decisão impugnada deverá ser revogada neste segmento, por vício de violação de lei, atenta a interpretação e o seu resultado contrário à lei que consta da decisão impugnada.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado, e, em razão do julgamento a proferir,

a) Ser determinada a anulação total ou parcial da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 16 de abril de 2021, relativamente às contas da campanha eleitoral da CDU para o Parlamento Europeu realizadas em 25 de maio de 2014, com o arquivamento do procedimento de contraordenação;

ou, assim se não entendendo,

b) a aplicação de uma única coima, eventualmente reduzida nos termos do provimento sustentado pela impugnação supra, à entidade coligação eleitoral CDU que concorreu às eleições para o Parlamento Europeu em 2014, representada pelos partidos seus integrantes, substitutiva das duas coimas decididas aplicar separadamente a cada um dos partidos da mesma coligação concorrente.

Mais adianta o recorrente, que não se opõem a que o Tribunal Constitucional possa decidir sem realização de audiência, caso assim entenda, disponibilizando-se contudo para a sua realização se vier a ser essa a douta opção tomada.».

4 - Recebidos os requerimentos de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 17 de junho de 2021, sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

5 - O Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

6 - O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento aos recursos (cf. fls. 128-133/v.º). O recorrente PCP respondeu, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, reiterando, em síntese, a posição assumida no respetivo recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

Por outro lado, no referido Acórdão 421/2020 deixou-se claro, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que o entendimento da jurisprudência constitucional é no sentido de que apreciação a efetuar deverá ser feita à luz de critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que a lei do financiamento dos partidos pretende tutelar - e não por simples aplicação de critérios de natureza estritamente económico-financeira (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 979/96 e 563/2006).

B) Questões prévias

B.1. Da definitividade de decisão da ECFP, 30 de julho de 2020, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas

8 - O Ministério Público, no parecer a que alude o artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, sustentou, entre o mais, que, não tendo havido recurso da decisão da ECFP, de 30 de julho de 2020, que julgou prestadas as contas com irregularidades (cf. a decisão referida no n.º 1, supra), a matéria de facto que na mesma foi dada como provada terá de considerar-se como definitivamente fixada. No entender do Ministério Público, na falta de recurso, tal decisão tornou-se caso decidido quanto aos factos dela constantes e, como tal, é inatacável em sede de recurso para o Tribunal Constitucional. Assim, conclui o Ministério Público, este Tribunal deverá agora pronunciar-se sobre se as irregularidades em questão integram as contraordenações imputadas e sobre a adequação das coimas aplicadas no processo de contraordenação n.º 57/2020 através da decisão proferida em 14 de abril de 2021.

Sustenta ainda o Ministério Público que o entendimento de que a decisão que considerou prestadas as contas com irregularidades é autonomamente recorrível - e de que, consequentemente, não tendo sido interposto recurso da mesma, esta produz efeito de caso decidido - não parece ser compaginável nem com a letra, nem com o espírito da Lei. Segundo o Ministério Público, tal entendimento contende com a possibilidade, conferida às candidaturas, no artigo 44.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005, de se pronunciarem e prestarem os esclarecimentos que tiverem por convenientes, uma vez que parece decorrer desta norma que as irregularidades detetadas nas contas da campanha eleitoral podem ser reapreciadas e revertidas no âmbito da segunda fase do procedimento, em função do contraditório, da instrução e da prova que tiver sido produzida nessa fase. Por outro lado, acrescenta, da letra da lei não decorre a possibilidade de recurso daquela decisão da ECFP, uma vez que o artigo 46.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005 só prevê recurso para o Tribunal Constitucional das decisões da Entidade previstas no número anterior, onde estão contempladas apenas as decisões relativas a aplicação das sanções previstas na presente lei e na Lei 19/2003, de 20 de junho.

Apenas o recorrente PCP respondeu ao Parecer do Ministério Público, sem que, no entanto, tenha tomado posição sobre esta matéria.

Cumpre apreciar e decidir.

9 - O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar, no âmbito do novo regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, resultante das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, sobre a recorribilidade da decisão da ECFP respeitante à regularidade da prestação das contas dos partidos, bem como sobre o regime de subida do respetivo recurso.

Assim, no citado Acórdão 421/2020, o Tribunal Constitucional começou por tecer algumas considerações sobre este novo regime, tendo afirmado, no que ora particularmente releva, o seguinte (cf. o ponto 9):

«A alteração mais significativa [- introduzida pela Lei Orgânica 1/2018 -] a tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC).

No plano processual, porém, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo. Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.

Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.os 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).

De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).

Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).

Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP, como se disse.».

Seguidamente, apreciando o problema de saber se a decisão da ECFP que julga prestadas as contas com apuramento de irregularidades é ou não autonomamente recorrível para o Tribunal Constitucional, concluiu-se pela afirmativa (cf. os n.os 11 a 14 do referido Acórdão 421/2020), entendendo-se ainda que tal recurso deverá subir a final, após o recurso da decisão sancionatória, por ser esta a única solução «que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», uma vez que «só assim se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018» (cf. o n.º 15, idem).

Posteriormente, no Acórdão 240/2021, considerou-se igualmente que quer a decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades, quer a decisão daquela Entidade sobre as contraordenações em matéria dessas mesmas contas, são autonomamente recorríveis para o Tribunal Constitucional, tendo-se concluído ainda que o recurso da decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades sobe a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória. No que respeita à recorribilidade daquela primeira decisão, acrescentou-se o seguinte, neste aresto:

«No que especificamente respeita à decisão proferida na primeira fase do processo, essa recorribilidade parece decorrer, desde logo, do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «Recurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso, e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, quando estabelece que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.». Da letra deste artigo resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, vide o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser essa a ideia subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que afetem direitos e interesses legalmente protegidos.».

Este entendimento tem vindo a ser a reiterado pelo Tribunal Constitucional em diversos arestos posteriores (cf. os Acórdãos n.os 246/2021, 386/2021 e 261/2022).

Não obstante a posição do Ministério Público em sentido contrário, deve, na ausência de argumentos novos justificativos de uma reponderação, manter-se o referido entendimento com base nos fundamentos constantes da jurisprudência citada, segundo o qual, quer a decisão da ECFP que julga as contas prestadas com irregularidades, quer a decisão daquela Entidade sobre as contraordenações em matéria de tais contas são autonomamente recorríveis para o Tribunal Constitucional.

10 - Afirmada a recorribilidade da decisão da ECFP que julga prestadas as contas com apuramento de irregularidades, a questão que se coloca é a de saber se, não tendo sido interposto recurso de tal decisão, a mesma tem, em sede do subsequente processo de contraordenação, efeito de caso decidido quanto aos factos subjacentes às irregularidades nela apuradas.

A resposta deverá ser negativa.

Conforme referido, a decisão proferida na primeira fase do processo relativo à regularidade de legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais - neste caso, a decisão que julgou prestadas as contas com irregularidades - tem como objeto, apenas, a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais (cf. os artigos 25.º, 32.º, 35.º e 43.º da LEC). Nessa decisão a ECFP limita-se a sindicar o cumprimento da obrigação de prestação de contas e a existência ou não de irregularidades nas mesmas (cf. os artigos 32.º e 43.º da LEC). Ou seja, conforme se refere no citado Acórdão 421/2020, tal decisão «esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica».

Sendo esta decisão autonomamente recorrível, a sua não impugnação, não tem, contudo, uma projeção direta na fase subsequente - que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional, designadamente, como acontece no presente caso, dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas. Dito de outro modo, e no que ora releva, em sede do procedimento contraordenacional subsequente, a não impugnação daquela decisão que se pronunciou sobre a (ir)regularidade das contas apresentadas, não tem como consequência que a matéria de facto nela apurada se deva ter por definitivamente fixada para efeitos da aplicação de coimas, nos termos defendidos pelo Ministério Público.

Com efeito, encerrada aquela primeira fase do processo, caso entenda que as irregularidades apuradas configuram a prática de qualquer ilícito contraordenacional, a ECFP deverá iniciar uma segunda fase - mediante a instauração do competente procedimento contraordenacional, ao qual se aplicarão, para além das normas da LEC e da LFP, as normas do Regime Geral das Contraordenações (doravante, "RGCO"). Ou seja, e tal como aconteceu nos presentes autos, é levantado um auto de notícia, que obedece aos requisitos do artigo 243.º, n.º 1, do CPP (aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), no qual deverão constar, entre o mais, os factos que constituem a contraordenação imputada, de forma que o arguido possa, em relação aos mesmos, ser ouvido e exercer a sua defesa (cf. o artigo 50.º do RGCO e 32.º, n.º 10 da CRP). Por outro lado, efetuada a instrução do processo, a decisão condenatória que venha a ser proferida - que deve conter os elementos referidos no artigo 58.º do RGCO -, se vier a ser impugnada judicialmente, uma vez presente ao juiz, vale como acusação (cf. o artigo 62.º do RGCO).

Assim, no caso de impugnação da decisão proferida pela ECFP sobre a aplicação de coimas em matéria de contas dos partidos e de campanhas eleitorais, o Tribunal Constitucional, ao apreciar tal decisão em recurso de plena jurisdição, tem de analisar também a impugnação da matéria de facto nela dada como provada, não estando limitado na sua apreciação pela circunstância de não ter sido impugnada a decisão proferida por aquela Entidade, numa fase anterior, num procedimento destinado apenas à verificação da regularidade das contas apresentadas que, conforme referido, é destituído de efeitos sancionatórios.

Em suma, tendo o procedimento de natureza contraordenacional um objeto e uma finalidade diferentes do procedimento inicial da ECFP relativo à verificação da regularidade das contas, a decisão proferida neste último, mesmo que venha a tornar-se definitiva, atenta a sua não impugnação, não impede o Tribunal Constitucional de, em sede de recurso da decisão da ECFP em matéria contraordenacional, apreciar todas as questões que se mostrem relevantes para este último, inclusive a matéria de facto tida por pertinente.

Assim, a não interposição de recurso da decisão proferida na primeira fase do processo, apenas torna definitiva tal decisão no que respeita ao seu objeto específico - as irregularidades detetadas.

Note-se, aliás, que tais irregularidades poderão nem ter relevância contraordenacional. Mas, na hipótese afirmativa, o procedimento quanto às mesmas pressupõe a instauração de um processo de contraordenação, nos termos expostos, no âmbito do qual, quanto aos factos em que se funda o ilícito contraordenacional imputado, o arguido terá, conforme se disse, o direito de exercer plenamente sua defesa. Daí que a não impugnação da decisão proferida na primeira fase do processo não tenha qualquer efeito preclusivo no que respeita à possibilidade de, em sede do ulterior recurso da decisão que venha a aplicar uma coima, o arguido poder impugnar todos os factos que lhe são imputados, que não se poderão dar como definitivamente fixados por força daquela decisão sobre as irregularidades das contas, em que, repete-se, não estava em causa qualquer imputação para efeitos sancionatórios.

B.2. Da nulidade da decisão recorrida

11 - O PEV sustentou que a decisão recorrida é nula, por violação do artigo 58.º do RGCO (cf. os pontos 53.º a 62.º do recurso interposto), fazendo assentar a invocada nulidade, essencialmente, em duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, alega que, quanto ao direito, a decisão recorrida se baseia numa suposta violação do artigo 15.º da LFP, sendo que, nem este, nem o artigo 12.º da mesma Lei, para o qual o primeiro remete, permitem extrair, direta e expressamente, uma qualquer previsão normativa sobre tal conteúdo de consequência contraordenacional. Por outro lado, acrescenta, tão pouco esse normativo invocado na decisão da ECFP corresponde a uma irregularidade tipificada, da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer consequência jurídica de apreciação das contas. Isto é, o recorrente considera que o artigo 12.º da LFP (aplicável, in casu, por força do artigo 15.º do mesmo diploma legal) não permite extrair, direta e expressamente, uma qualquer previsão normativa respeitante à consequência contraordenacional, nem tão pouco corresponde a uma irregularidade tipificada, da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer consequência jurídica de apreciação das contas.

Não lhe assiste, contudo, razão.

No caso dos autos, o tipo contraordenacional imputado aos ora recorrentes resulta da interpretação conjugada das normas do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP com as normas do Capítulo III do mesmo diploma, onde se integra o artigo 15.º, que, por sua vez, determina a aplicação do disposto no artigo 12.º no que respeita ao regime a que devem obedecer as contas das campanhas eleitorais.

Conforme tem entendido o Tribunal Constitucional, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos é possível extrair a descrição dos comportamentos sancionados como contraordenação -

e a respetiva sanção - em termos objetivamente determináveis para os destinatários.

Nesse sentido, este Tribunal afirmou o seguinte no Acórdão 301/2011:

«Como se afirmou no Acórdão 198/2010, "Aquela [Lei 19/2003] é, fundamentalmente, uma atualização corretiva desta última [Lei 56/98]. Por isso, a quase totalidade das orientações anteriores que este Tribunal adotou nesta matéria mantêm, na íntegra, a sua atualidade. Assim, como já se assinalava no Acórdão 455/2006, relativo às contas de 2003 e estando ainda em vigor a Lei 56/98, quando esta «sucessivamente, no seu artigo 14.º, pune com coima e qualifica como contraordenação o incumprimento das obrigações impostas aos partidos na matéria em causa, claro é que tal contraordenação tanto pode resultar da infração do dito dever genérico, como da de qualquer dos deveres específicos que as suas normas impõem. Só que enquanto neste segundo caso estamos perante uma determinação precisa do tipo contraordenacional, de tal maneira que ele só é preenchido exatamente por um comportamento desconforme à conduta imposta, já no primeiro se depara com um tipo bastante mais aberto, cujo preenchimento é suscetível de se operar através de condutas múltiplas e diversas, ou de também diversificadas conjugações dessas condutas; ponto é que elas tenham a ver com o desrespeito de regras ou exigências decorrentes da própria lógica técnica da organização contabilística, de tal modo que a sua verificação ponha em causa, em maior ou menor medida, a fiabilidade da contabilidade partidária, ou seja, a possibilidade [...] de através dela se conhecer, de forma rigorosa, a situação financeira e patrimonial do partido e o cumprimento de certas suas obrigações legais na matéria [...]». Como então se acrescentou, «esta distinta natureza das normas que suportam a definição do comportamento contraordenacional divide as infrações identificadas pelo Ministério Público em dois grupos: o formado pelas violações de determinações concretas da lei [...] e aquele em que a inobservância se reporta a um dever genérico respeitante à organização contabilística [...]». Mas, como logo também se afirmou, estando embora em causa, «nesta segunda situação, aquilo que o Tribunal define no Acórdão 288/2005 como «um tipo bastante mais aberto», não deixa este de conter «[...] a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos [dos quais depende que] uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos [...]» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Coimbra, 2004, pp. 173/174)".».

Conforme resulta da citada jurisprudência, as apontadas normas tipificadoras não se revestem de ambiguidade, imprecisão ou vagueza na descrição dos comportamentos cuja violação constitui ilícito contraordenacional. Concretamente, no que respeita à factualidade descrita nos pontos 7 e 8. a 8.7 dos factos provados da decisão recorrida, a respeito da qual é especialmente colocado pelo recorrente o problema ora em apreciação, não se verifica a apontada indeterminabilidade dos comportamentos puníveis, designadamente no que respeita à razoabilidade das despesas face aos valores de mercado.

Resta, portanto, concluir que as normas em apreço não violam o princípio da tipicidade ou da legalidade, improcedendo o alegado no que respeita à invocada nulidade com base em tal fundamento.

12.1 - Em segundo lugar, o PEV invoca a nulidade da decisão recorrida por considerar que a mesma, no que respeita ao elemento subjetivo e, designadamente quanto à culpa, usa formulações teóricas e abstratas, sem justificar as conclusões a que chega, não logrando aplicar tais formulações genéricas ao arguido em concreto, não fundamentando a sua decisão. Segundo o recorrente, tal acontece, designadamente, quando se afirma na decisão recorrida que «face à factualidade provada e elencada nos pontos 9. e 10. dos factos provados, que aqui se dá por reproduzida, verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual, quanto a todos os Arguidos» ou ainda quando se afirma que se apurou «que o Arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente». Considera, por isso, o recorrente que a ECFP não cuidou de concretizar por referência ao arguido ou de fundamentar e provar que a sua conduta foi subjetivamente culposa e preencheu o tipo de ilícito contraordenacional, concluindo que estes elementos da decisão ficaram maculados com o vício de nulidade, por violação do artigo 58.º do RGCO. Sustenta igualmente o PEV (cf. os pontos 85.º a 89.º do recurso) que não foi nenhum órgão dos partidos coligados que praticou os factos que a decisão ora recorrida imputa às contas da campanha eleitoral da CDU, nem tão pouco os autos identificam um qualquer órgão do PEV como agente ou autor da prática dos factos imputados, nem poderia fazê-lo. Conclui, por isso, que a decisão impugnada não estabelece qualquer relação entre um agente concreto e a pessoa coletiva, nos termos exigidos pelo artigo 7.º do RGCO, sendo nula, por violação deste artigo, em conjugação com artigo 58.ºdo RGCO.

O PCP, por sua vez, embora não invoque expressamente qualquer nulidade da decisão recorrida, defende que o que se encontra descrito nos pontos 10. a 14. dos factos provados não são factos, mas meras conclusões, das quais resulta que a ECFP nada explicou, nem demonstrou no que respeita aos factos integradores do elemento subjetivo do tipo contraordenacional em questão (cf. os pontos 26.º a 43.º do requerimento de recurso), bem como à identificação de qualquer órgão do partido como autor dos factos imputados, nos termos exigidos pelo artigo 7.º, n.º 2, do RGCO (cf. os pontos 63.º a 65.º, ibidem).

12.2 - Improcede, no entanto, o alegado pelos recorrentes.

Estes fazem assentar a nulidade ora em apreciação, por um lado, numa alegada insuficiência de factos para concluir pelo preenchimento do tipo contraordenacional em causa, designadamente no que respeita à verificação do elemento subjetivo e quanto à identificação de um órgão ou agente dos partidos que tenha praticado os atos que lhes são imputados, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, e por outro lado, na falta de fundamentação de tal decisão.

Liminarmente, cumpre salientar que o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso, a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita à correção de determinada operação de subsunção jurídica de um conjunto de factos à norma tipificadora da infração. A eventual invalidade da decisão administrativa ora impugnada verifica-se se tal decisão não enunciar factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo subsuntivo. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, tendo de conter os elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que, em face da mesma, se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao arguido, de modo que este, tomando conhecimento da decisão, possa compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, esteja em condições de impugnar tais fundamentos.

No caso dos autos, é manifesto que não assiste razão aos recorrentes quando defendem que a decisão ora impugnada não contém os factos suficientes para decidir sobre a imputação da infração contraordenacional objeto dos presentes autos. Com efeito, conforme resulta da leitura de tal decisão, é manifesto que da mesma consta a descrição da matéria factual suficiente para julgar a causa. Na verdade, foram dados como provados factos atinentes ao tipo objetivo (cf., em especial, os pontos 4. a 9. dos factos provados na decisão recorrida) e ao tipo subjetivo do ilícito imputado (cf. ibidem, os pontos 10. a 14.), bem como factos relevantes para a graduação da medida das coimas a aplicar (cf. ibidem, os pontos 15. e 16.).

12.2.1 - Apreciemos, em particular, a alegada falta de identificação na decisão recorrida dos órgãos ou agentes dos arguidos que tenham praticado as condutas que lhes são imputadas, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO.

Em primeiro lugar, importa assinalar - como, de resto, o PEV não deixa de admitir (cf. o ponto 87.º do recurso) - que o artigo 7.º, n.º 2, do RGCO deve ser interpretado extensivamente, de modo a não limitar a responsabilização das pessoas coletivas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, mas a incluir os respetivos administradores e gerentes, funcionários ou trabalhadores, mandatários ou representantes, deste que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas.

Neste sentido, citando o parecer do Procurador-Geral Adjunto dado nos respetivos autos, afirma-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-10-2021 (P. 3682/20.3T9LRA.C1), disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:

«[T]ambém no Acórdão 566/2018 (proc. n.º 336/18) o Tribunal Constitucional concluiu não existirem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, reproduzindo-se, a respeito: Acresce que o termo "órgão", do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais - a uma realidade institucional ou estatutária [...]. Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de "órgão", consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem [...].

Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) - que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva -, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cf. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.

Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo "órgão" referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e, não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo)"».

A este respeito, pode ler-se no Acórdão 711/2013 deste Tribunal:

«[O] Tribunal já afirmou (Acórdão 198/2010) que os dirigentes partidários responsabilizáveis são aquelas pessoas que exerceram, no período em causa, "funções de direção no Partido, individualmente ou enquanto membros de um órgão colegial [...]". [...]. Por outro lado, acrescentou-se ainda, "importa considerar que só pode ser imputada responsabilidade contraordenacional aos dirigentes «que tenham participado pessoalmente» nas infrações verificadas relativamente às contas dos partidos. Assim, tal responsabilidade fica limitada aos dirigentes com responsabilidades no âmbito da elaboração, fiscalização e aprovação das contas dos partidos, pois só esses podem ter tido participação pessoal no incumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística, devendo, também aqui, recorrer-se aos estatutos de cada Partido para verificar a quem foram atribuídas competências nesse domínio". Com efeito, sobre estes dirigentes recai o dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística. Trata-se de um dever de garante, pelo que, como tal, compete a tais dirigentes, no exercício dos seus poderes, desenvolver, no interior das estruturas partidárias, fórmulas procedimentais e mecanismos de responsabilização interna, de modo a tornar mais difíceis as condições que comprometam o cumprimento das obrigações que oneram os partidos. Deste modo, os dirigentes em causa são contraordenacionalmente responsáveis, nos termos previstos na Lei 19/2003, não apenas nas hipóteses em que, por ações suas, tiverem originado diretamente o resultado antijurídico, mas, também, quando tiverem contribuído, por omissão, causal ou cocausal, para a produção de tal resultado."

Nesta matéria, porém, como se afirmou no Acórdão 301/11, "a própria lei estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, primariamente dependente de indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem tenha sido deferida a responsabilidade última pela fidedignidade das contas partidárias. Ou seja, aqueles a quem se imponha, em especial, o dever de garante acima referido. [...] Quanto às contas anuais, o n.º 1 do referido artigo 18.º da Lei Orgânica 2/2005 estatui que "anualmente, os partidos políticos apresentam ao Tribunal Constitucional [...] as respetivas contas, devendo, no ano anterior, comunicar à Entidade o seu responsável, quer seja pessoa singular ou órgão interno do partido" [...]. Ou seja, todos os anos, os partidos têm o dever de comunicar à ECFP quem são os responsáveis pela elaboração e entrega das contas. Em suma, os partidos devem, no quadro das competências estabelecidas pelos respetivos estatutos, identificar quem, em relação às contas anuais, assuma a responsabilidade que é conferida, no caso das campanhas eleitorais, com as necessárias adaptações, aos mandatários financeiros. Na ausência de indicação, impõe-se apurar, perante os estatutos partidários, qual ou quais sejam os órgãos ou dirigentes sujeitos, em especial, ao cumprimento do aludido dever de garante.». [sublinhado acrescentado].

Estas considerações, embora relativas a contraordenações respeitantes à elaboração e apresentação das contas anuais do Partido, são transponíveis para as situações em que, como no caso dos presentes autos, estejam em causa contas relativas a uma campanha eleitoral. Com efeito, no âmbito do controlo das contas das campanhas eleitorais, incumbe às candidaturas (neste caso, à candidatura em coligação integrada pelos ora recorrentes) constituir mandatário financeiro (cf. o artigo 21.º da LFP), sobre quem, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da LEC e 22.º, n.º 1, da LFP, recai a responsabilidade pela elaboração e apresentação das respetivas contas de campanha, competindo-lhe garantir o cumprimento das regras de organização contabilística, pelo que é também ao mesmo que são imputadas, pessoalmente, as eventuais infrações praticadas neste âmbito, uma vez que sobre ele impende um específico dever de garante. Ou seja, recai sobre o mandatário financeiro, como decorre do citado artigo 22.º, n.º 1, da LFP, o dever jurídico de evitar as irregularidades, tomando as adequadas providências para que estas não ocorram, implementando ainda os procedimentos e mecanismos internos a fim de prevenir que outros intervenientes possam condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneram a candidatura.

Assim, é a própria lei que estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, em primeira linha, mediante a indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem é deferida a responsabilidade de garantir o cumprimento das regras de organização contabilística.

Ora, no caso dos autos, conforme aliás os recorrentes reconhecem nos respetivos recursos (cf. os pontos 90.º do recurso interposto pelo PEV e 65.º do recurso interposto pelo PCP), essa indicação foi efetuada pelos partidos integrantes da coligação, quando foi constituída a mandatária financeira da campanha eleitoral, de acordo com o regime especial que regula esta matéria, nos termos anteriormente referidos.

Em face do exposto, resta concluir que, no caso, o artigo 7.º, n.º 2, do RGCO é compatível com a responsabilidade dos partidos coligados por atos praticados pela mandatária financeira da campanha eleitoral no exercício das suas funções de elaboração e apresentação das contas de campanha, ou por causa delas.

12.2.2 - Um outro aspeto a considerar prende-se com a não identificação, na decisão ora impugnada, da ou das concretas pessoas singulares cuja atuação ilegal é diretamente imputada aos arguidos, em virtude de tal atuação se ter verificado em nome e no interesse destes.

É certo que as pessoas coletivas representam um «real construído» e atuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes e que a existência de um nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física constitui um pressuposto essencial para imputação à pessoa coletiva, em cujo nome e interesse aquela atua. Assim sendo, só pode haver responsabilização se os elementos necessários ao estabelecimento desse nexo de imputação objetivo e subjetivo forem objeto de prova e de decisão. Isto mesmo é expressamente afirmado nos Acórdãos n.º 386/2021 e 25/2022 (contas de campanha da CDU). Nas decisões aí recorridas constava que as contas foram apresentadas pela coligação, mas, também, que esta constituíra determinada pessoa física como mandatária financeira, para além de que a factualidade referente ao dolo respeitava quer aos partidos coligados, quer à mandatária financeira. Nesses casos, perante uma argumentação semelhante dos recorrentes, a tarefa estava simplificada, na medida em que a decisão recorrida continha expressamente os factos demonstrativos do nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física: por essa via, sem necessidade de outras considerações, afirmou-se a responsabilização contraordenacional de todos os arguidos, afastando-se, por maioria de razão, qualquer vício, por omissão, da decisão recorrida, gerador de nulidade.

Mas não é menos certo, como este Tribunal já decidiu, no seu Acórdão 566/2018, que a natureza das atuações descritas no tipo objetivo pode não exigir a identificação das concretas pessoas singulares que intervieram na sua concretização sem, concomitantemente, impedir que a imputação do ilícito contraordenacional seja feita com toda a segurança à pessoa coletiva. Tal ocorrerá, designadamente nos casos em que as referidas atuações «exijam uma colaboração ativa de pessoas ao serviço da arguida que ocupem uma posição de liderança no exercício das respetivas funções, [tornando] evidente não só que a mesma arguida não podia deixar de conhecer os factos em causa, como com eles se identificava, em termos de tais factos corresponderem a uma sua atuação intencional. Assim, por via dos atos praticados por tais pessoas em posição de liderança na estrutura da arguida e no exercício das suas funções - atos esses conhecidos a partir dos respetivos resultados [...] - é a própria arguida que comete a infração» (cf. o ponto 13.). Ou seja, os atos ilícitos imputados à pessoa coletiva arguida, face ao tipo objetivo concretamente em causa, podem ser descritos na sua materialidade, não sendo necessário à viabilização da defesa da arguida a indicação de todas e cada uma das pessoas singulares que praticaram ou contribuíram causalmente para a prática de tais atos. Isto será assim sempre que o domínio da pessoa coletiva sobre a sua própria organização constitua uma condição necessária das próprias condutas proibidas dadas como provadas nos autos. Com efeito, verificado esse pressuposto, tal domínio constituirá também condição suficiente da imputação das mesmas condutas a si própria: por causa do citado domínio, a pessoa coletiva arguida não poderá deixar de as conhecer e de as querer como suas (cf. o Acórdão cit., ibidem).

Como se refere no mesmo Acórdão (ainda no ponto 13.):

«Este é um corolário da responsabilidade direta das pessoas coletivas consagrada no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO: as condutas daqueles que agem em nome e por conta da pessoa coletiva vinculando-a - ou seja, daquelas pessoas ao serviço da pessoa coletiva cujas funções implicam uma posição de liderança - constituem atos próprios da pessoa coletiva. Esta atua por via daquelas pessoas, de tal modo que as condutas de tais pessoas são tidas como condutas da própria pessoa coletiva. Daí que, para efeitos de responsabilidade, seja suficiente o conhecimento apenas daquelas condutas: a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contraordenação é dispensável, a partir do momento em que tal facto é próprio da pessoa coletiva. A responsabilidade desta não depende prévia ou concomitantemente da responsabilidade das pessoas singulares cujas condutas lhe são (direta e autonomamente) imputadas.

Assim, e como se concluiu no citado Parecer 11/2013 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (v. p. 28823): a responsabilidade autónoma da pessoa coletiva implica a "possibilidade de imputação da responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva desde que seja cometida uma infração tipificada como ilícita e que seja imputável a alguém que atue por conta ou em nome da pessoa jurídica (titulares dos seus órgãos, mandatários, representantes ou trabalhadores)". Acresce que, assentando o fundamento de tal responsabilidade na imputação de comportamentos de pessoas singulares funcionalmente ligadas à pessoa coletiva, aquelas não precisam de ser identificadas nem individualizadas (v. ibidem, a conclusão 5).

No caso vertente, verifica-se que a pessoa coletiva detém um domínio sobre a totalidade dos factos ilícitos que lhe são imputados, e que os mesmos se encontram devidamente descritos quanto aos aspetos relevantes para tal imputação na decisão administrativa condenatória, em especial quanto à necessidade da colaboração de pessoas singulares que ocupam uma posição de liderança e no respeitante aos resultados de tal colaboração materializados nas diversas modalidades de apoio aos GOA [Grupos Organizados de Adeptos]. Deste modo, a omissão nessa decisão da indicação das pessoas singulares que concretamente agiram em nome e por conta da pessoa coletiva não é impeditiva da imputação das condutas verificadas à própria pessoa coletiva e, por isso, também não é indispensável à garantia do respetivo direito de defesa, em especial, do seu direito ao contraditório.»

E mais adiante (no ponto 15.):

«Em suma, as atuações dadas como assentes na decisão administrativa condenatória são condição suficiente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva. Por isso, a omissão da indicação das pessoas singulares que concretamente intervieram nesses factos não impede o conhecimento dos mesmos, na parte relevante para efeitos de preenchimento do tipo contraordenacional - as diversas modalidades de apoio aos GOA -, por parte da pessoa coletiva ao serviço da qual as primeiras agiram. Por isso, nada há de estranho ou ilegítimo na circunstância de a decisão administrativa condenatória se limitar a descrever tais factos e a imputá-los, enquanto factos próprios, à pessoa coletiva ora recorrente, sem indicar as concretas pessoas singulares que, ao serviço desta última, praticaram os mesmos factos».

Neste mesmo sentido - de que a responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas, porque fundada numa imputação direta e autónoma, não exige a identificação, nem a individualização da pessoa singular executante da ação típica e ilícita - tem vindo a decidir a jurisprudência dominante dos tribunais superiores: v., por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-01-2021 (P. n.º 1874/19.7T8TVD.L1-5), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-10-2021, já citado, ou do Tribunal da Relação de Évora, de 26-10-2021 (P. 41/21.4T8ENT.E1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Afirma-se no primeiro daqueles arestos o seguinte:

«No caso, tendo alegado na impugnação da decisão administrativa que a mesma omitiu "a identificação ou menção dos concretos órgãos ou representantes da arguida que tivesse agido ou deixado de agir indevidamente, pois disso depende a responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva", a recorrente alega que a decisão recorrida é omissa quanto aos executores das obras.

Contudo, contrariamente ao Código Penal que exige no art. 11 um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o art. 7, do Regime Jurídico das contraordenações não faz referência a tal conexão, razão por [que] entendemos ser desnecessária a identificação concreta do agente infrator, respondendo a pessoa coletiva por facto e culpa própria.

[...O] Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 10/94, defende uma responsabilidade autónoma uma vez que a pessoa coletiva "é capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual ...entendemos que há responsabilidade autónoma das pessoas coletivas ou equiparadas, mau grado a incindibilidade da sua atuação «naturalística» através de outrem." A responsabilidade autónoma dos entes coletivos caracteriza-se por um modelo onde não é necessária a identificação dos indivíduos que praticaram o facto, sendo suficiente que se conheça que, efetivamente, foi um agente que atuou em nome e no interesse da pessoa coletiva, por causa do exercício das suas funções.

Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva).

Assim, no regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica, pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria».

E, no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, pode ler-se:

«A imputação da prática de um ilícito contraordenacional a uma pessoa coletiva não pressupõe [...] que se indague qual ou quais as pessoas singulares que em concreto levaram a cabo as condutas geradoras de responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva.

A referida imputação demandará apenas que se apurem condutas, por ação ou por omissão, que possam ser atribuídos à pessoa coletiva - e a atribuição à pessoa coletiva resulta da circunstância de se haver concluído que tais condutas são da responsabilidade da mesma e, portanto, que foram praticados pelos seus órgãos no exercício das respetivas funções, independentemente da individualização das pessoas concretas que integram tais órgãos - sendo certo que a referida entidade, conforme já referimos, é legalmente tratada como um centro autónomo de imputação de ilícitos contraordenacionais.

De facto, quanto ao modelo de imputação consagrado no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, perfilhamos o entendimento segundo o qual o mesmo prevê uma imputação autónoma ou direta da infração à pessoa coletiva, pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável àquela. E, assim sendo, as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações, não têm que ser indicadas na decisão condenatória proferida na fase administrativa do processo».

No caso sub iudicio, a mencionada circunstância de a lei estabelecer o mecanismo de identificação dos indivíduos a quem é deferida a responsabilidade de garantir o cumprimento das regras de organização contabilística (artigos 21.º e 22.º da LFP) - indicação essa que foi efetuada pelos partidos integrantes da coligação, quando foi constituída a mandatária financeira da campanha eleitoral (cf. os pontos 90.º do recurso interposto pelo PEV e 65.º do recurso interporto pelo PCP) - permite estabelecer, em termos paralelos aos referidos no Acórdão 566/2018, o nexo de imputação das condutas relativas à mandatária financeira - que atua em nome e no interesse dos partidos, enquanto membros da coligação - e, consequentemente, também quanto a estes. Assim, a omissão na decisão recorrida da indicação da pessoa singular que concretamente agiu em nome e por conta da pessoa coletiva não é impeditiva da imputação das condutas à própria pessoa coletiva e, por isso, também não obsta a que se efetue ou sindique o juízo subsuntivo, nem é indispensável à garantia do direito de defesa, em especial, do exercício do contraditório. Com efeito, não se pode dizer que por causa da omissão de indicação das pessoas singulares que praticaram os factos, as pessoas coletivas recorrentes tenham ficado impossibilitadas de conhecer e de contraditar esses mesmos factos; aliás, tais factos, no que se refere à concretização do tipo contraordenacional, foram descritos na decisão administrativa e dados como provados nos autos e, tendo em conta a dinâmica e o funcionamento dos partidos, designadamente, em contexto de campanha eleitoral, bem como o regime da elaboração e apresentação das contas de campanha, não podiam deixar de ser do seu conhecimento.

Em suma, a menção na decisão recorrida da imputação a uma pessoa física concreta pode ser dispensada se resultar dos elementos do caso que o facto ilícito foi praticado no quadro de atuação da pessoa coletiva. É o que aqui acontece, na medida em que, tendo em conta o referido regime legal, o ato gerador de responsabilidade foi necessariamente praticado por um representante dos partidos enquanto membros da coligação: a mandatária financeira que estes constituíram e indicaram, é a única pessoa singular que poderia elaborar e apresentar as contas em nome dos partidos, havendo, por isso, a certeza de que a infração foi cometida no seio da pessoa coletiva.

Nos Acórdãos deste Tribunal n.os 239/2021 e 27/2022, a decisão então recorrida referia-se apenas aos partidos, não havendo menção do mandatário financeiro. É certo que os recorrentes não suscitaram qualquer vício da decisão, mas não é menos verdade que o Tribunal confirmou a responsabilização contraordenacional dos partidos, sem problematizar e necessidade de abordar expressamente a questão (considerando-se pressuposto o entendimento anteriormente explanado, inexistindo, pois, qualquer contradição com a orientação acima afirmada).

Por sua vez, no Acórdão 240/2021, concluiu-se no sentido da exclusão da responsabilidade contraordenacional, por impossibilidade de imputação subjetiva da conduta à mandatária financeira e considerou-se que essa exclusão não poderia deixar de abranger, também, o partido (v. o ponto 23. de tal Acórdão). No entanto, esta decisão continua a ser coerente com o entendimento exposto, uma vez que foi necessário demonstrar e tornar explícita a falta de imputação à mandatária financeira e só por isso se afastou, também, a responsabilidade do partido. Essa conclusão não obsta a que, em outras circunstâncias, sem qualquer alegação e demonstração semelhante, a imputação ao mandatário financeiro se infira dos elementos dos autos.

Em face do exposto, improcede a arguida nulidade.

12.2.3 - Acresce ser também manifesto que a decisão impugnada se encontra fundamentada, quer no que respeita às razões pelas quais se consideraram provados os aludidos factos, quer no que respeita à subsunção dos mesmos às normas jurídicas tidas por relevantes. Tal decisão contém, por isso, todos os elementos exigidos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, designadamente os elementos a que se referem as alíneas b) e c) deste preceito.

13 - Por fim, importa salientar que a questão de saber se as provas existentes nos autos - designadamente as que são indicadas na motivação da decisão recorrida - serão suficientes para que se possa dar como provada a factualidade elencada na decisão recorrida, designadamente a respeitante ao elemento subjetivo, bem como se a factualidade dada como provada é subsumível ao tipo contraordenacional imputado aos arguidos, permitindo concluir que estes praticaram a contraordenação ora em análise, não se prendem já com qualquer vício da decisão. Tais problemas, subjacentes à impugnação dos recorrentes, dizem antes respeito à apreciação da prova e respetiva fundamentação, bem como à subsunção dos factos ao tipo contraordenacional imputado nos autos, e serão oportunamente analisados, não consubstanciando qualquer fundamento de nulidade da decisão recorrida.

C) Fundamentação de facto

C.1. Factos provados

14 - Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) são dois partidos políticos portugueses, constituídos, respetivamente, em 26 de dezembro de 1974 e em 15 de dezembro de 1982, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - Pelo Acórdão 1/2014, proferido em 7 de janeiro pelo Tribunal Constitucional, foi ordenada a anotação da Coligação Eleitoral denominada "CDU - Coligação Democrática Unitária" (CDU), constituída pelo PCP e pelo PEV, com a finalidade de concorrer às eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em 25 de maio de 2014.

3 - A CDU apresentou candidatura à eleição para o Parlamento Europeu, realizada a 25 de maio de 2014.

4 - A CDU apresentou, em 15 dezembro de 2014, as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 3.

5 - Nas contas apresentadas pela Coligação foram registadas as seguintes despesas de campanha que foram pagas através das contas gerais dos partidos coligados, sem que o valor respetivo tenha sido movimentado pela conta bancária da campanha, nos seguintes termos:

5.1 - Despesas de campanha, no valor total de (euro)18.297,09, pagas diretamente pelo PCP:

(ver documento original)

5.2 - Despesas de campanha, no valor total de (euro)5.794,69, pagas diretamente pelo PEV:

(ver documento original)

6 - As despesas indicadas em 5.1. e 5.2. foram registadas nas contas como adiantamento de contribuições.

7 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha, cujos preços são divergentes do valor de referência indicado na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

(ver documento original)

8 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha, tendo como documento de suporte as seguintes faturas, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:

8.1 - Fatura n.º 315/2014, emitida em 17/04/2014, por Crómia - Comunicação, Lda., no valor total de (euro)3.659,25, com o descritivo "Artigo: SBFXR901, Descrição: faixas em tecido com a impressão "DEFENDER O POVO E O PAÍS"; Quant.: 500,00; Pr. Unitário 5,95; IVA 23,00; Total Líquido 2.975,00";

8.2 - Fatura n.º 356/2014, emitida em 28/04/2014, por Crómia - Comunicação, Lda., no valor total de (euro)7.318,50, com o descritivo "Artigo: SBFXR901, Descrição: Faixas de rua em tecido com a impressão "Vota"; Quant: 1000,00; Pr. Unitário 5,95; IVA 23,00; Total Líquido 5.950,00";

8.3 - Fatura n.º FA 2014/62, emitida em 07/04/2014, por Aldeia da Luz - Serviços Iluminação, Áudio e Vídeo, Lda., no valor total de (euro)3.300,00, com o descritivo "Código 100: Designação: Aluguer de equipamento de Iluminação; Quant.: 0; Preço 0,00(euro); IVA 23,00 %; Desconto 0,0 % 0,0 %; Total Líquido 0,00(euro)"; "Código 101; Designação: Aluguer de equipamento de Som, Aluguer de equipamento de som e Luz - Campanha eleitoral - Europeias; Quant.: 1; Preço 2682,93(euro); IVA 23,00 %; Desconto 0,0 %; Total Líquido 2682,93(euro)";

8.4 - Fatura n.º **20140060, emitida em 14/05/2014, por Puro Audio II - Equipamentos Profissionais de Áudio, Iluminação, Vídeo, Unipessoal, Lda., no valor total de (euro)5.166,00, com o descritivo "Código Artigo (...) 999006: Designação: Aluguer de Som e Iluminação para "Comício Festa CDU" no Coliseu de Lisboa a 10 de maio de 2014; Qnt.: 1,0; Preço Unit. 4.200,00; IVA 23,00 %;

% Desc.; Total Ilíquido 4.200,00";

8.5 - Fatura n.º 14A/137, emitida em 29/05/2014, por ABSOLUTUS - Audiovisuais e Informática, Lda., no valor total de (euro)1.100,85, com o descritivo "Artigo: A0001P4, Descrição: Aluguer Som BOSE 4 colunas + Amplificação com Processador BOSE + Tripés + Cabos Coluna, Equipamento Áudio para iniciativa da Campanha Eleitoral para o Parlamento Europeu 2014; Quant.: 1; Un Un; Pr. Unitário 895,0000; Desc. 0,00; IVA 23,00; Valor 895,00";

8.6 - Fatura n.º 14A/136, emitida em 29/05/2014, por ABSOLUTUS - Audiovisuais e Informática, Lda., no valor total de (euro)6.765,00, com o descritivo "Artigo: Z1, Descrição: Aluguer de equipamento de Line Array EAW para Campanha composto por: 8 Tops JFL 210, 4 Subs p/ JFL,

2 Racks de Amplificação Lab. Gruppen com processador EAW, Cabos de Ligação, Tripés de coluna, Poles; Quant.: 1; Un UN; Pr. Unitário 5.000,0000; Desc. 0,00; IVA 23,00; Valor 5.000,00; Artigo: Z1, Descrição: Aluguer de estruturas 6 m altura para Line Array, Equipamento Audio para iniciativa da Campanha Eleitoral para o Parlamento Europeu 2014; Quant.: 1; Un UN; Pr. Unitário 500,0000; Desc. 0,00; IVA 23,00; Valor 500,00";

8.7 - Fatura n.º 14A/119, emitida em 13/05/2014, pela ABSOLUTUS - Audiovisuais e Informática, Lda., no valor total de (euro)5.252,10, com o descritivo "Artigo: A109, Descrição: Entrada, Aluguer LCD LED 84" - 4K resolução c/ suporte chão em truss com bases duplas - medida do chão à base do lcd a 1,70 m do chão, Extender e distribuição de sinal desde a zona de palco, Laterais de palco; Quant.: 2; Un UN; Pr. Unitário 500,0000; Desc. 0,00; IVA 23,00; Valor 1.000,00;" Artigo: AV003, Descrição: Aluguer Ledwall Outdoor SMD 10mm 4x3 m (4:3) 550 kg, Processador com múltiplas entradas, incluindo SDI; Quant.: 2; Un UN Un; Pr. Unitário 1.500,0000; Desc. 20,00; IVA 23,00; Valor 2.4000,00"; "Artigo: A0055R, Descrição: Regie de vídeo composta por: Aluguer Mesa Vídeo Pro Roland HD SDI com Multiview (4 entradas HD-SDI+4 entradas DVI/HDMI+2 cartões). Saída em HD-SDI, HDMI/DVI, VGA e Vídeo composto em simultâneo; Quant.: 1; Un UN; Pr. Unitário 250,0000; Desc. 10,00; IVA 23,00; Valor 225,00"; "Artigo: A0100, Descrição: Aluguer Intercom Wireless Altair, 4 Postos Wireless, 1 Posto Base, (tem 3 postos adicionais por cabo); Quant.: 1; Un UN; Pr. Unitário 195,0000; Desc. 00,00; IVA 23,00; Valor 195,00"; "Artigo: ASSIST, Descrição: Técnicos para montagem e desmontagem dos equipamentos, passagem dos cabos de vídeo e corrente para as V/câmaras, Extender e distribuição de sinal desde a zona de palco para a entrada; Quant.: 1; Un UN; Pr. Unitário 450,0000; Desc. 00,00; IVA 23,00; Valor 450,00".

9 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha referentes a ajudas de custo, cujos documentos de suporte apresentam o seguinte descritivo:

(ver documento original)

10 - Ao agir conforme descrito em 5. a 5.2. dos factos provados, registando nas contas despesas de campanha pagas diretamente pelos partidos integrantes da Coligação, sem que o valor das despesas tenha sido movimentado pela conta bancária especificamente constituída para a campanha, os arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse a real origem do valor utilizado e o motivo da despesa de campanha eleitoral e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

11 - Ao agir conforme descrito em 7. dos factos provados, registando despesas cujo valor é divergente do valor de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013 e não apresentando elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado, os arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse o real destino e motivo das despesas, sobreavaliando-as e subavaliando-as em conformidade, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

12 - Ao agir conforme descrito em 8. a 8.7. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que o conteúdo das faturas não permitisse detalhar cada uma das despesas e que, na ausência de elementos complementares de comparação de preços, não permitisse aferir se os respetivos valores eram próximos dos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

13 - Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados, registando despesas cujo descritivo dos documentos de suporte ("DOC. DESPESA") não contém o detalhe da despesa e o respetivo motivo, os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que não demonstrasse a sua origem e motivo, conformando-se com essa possibilidade, ao apresentar as contas nessas condições.

14 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

15 - A CDU, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor de (euro)787.248,35 e despesas no valor de (euro)787.248,35.

16 - A CDU recebeu uma subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 3. no valor de (euro)550.212,91.

17 - No dia 31 de março de 2014, a CDU procedeu à abertura da conta bancária da campanha relativa à candidatura à eleição para o Parlamento Europeu, realizada a 25 de maio de 2014.

C.2. Factos não provados

15 - Com relevância para a decisão, não se provou que:

1 - As despesas referentes a ajudas de custo enumeradas no ponto 9. dos factos provados foram pagas a funcionários do Partido destacados para a campanha eleitoral e a pessoal contratado.

C.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto

16 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos presentes autos e ao PA 6/PE/14/2019, que daqueles constitui apenso, bem como de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.

Concretizando, para prova da factualidade constante do ponto 1. dos factos provados, foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.

Para prova da factualidade constante do ponto 2. dos factos provados, foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional -

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140001.html.

Para prova da matéria factual indicada no ponto 3. dos factos provados, teve-se em atenção o teor de fls. 3 e 5 a 9 do PA 6/PE/14/2019.

No que diz respeito à matéria factual constante do ponto 4. dos factos provados, a sua prova resulta do teor de fls. 10 a 15 do PA 6/PE/14/2019.

A prova da factualidade constante do ponto 5. dos factos provados resultou do teor de fls. 2886 a 2889, 2902 a 2904, 2905 a 2906, 2907 a 2910, 2917 a 2921, 2922 a 2924, 2925 a 2928, 2929 a 2931, 2932 a 2933, 2934 a 2935, 2936 a 2940, 2941 a 2942, 2943 a 2944, 2945 a 2946, 2947 a 2949, 2950 a 2952, 2953 a 2954, 2955 a 2957 e 2958 a 2961, do Volume VI do Apenso 1 do PA6/PE/14/2019 e, no que respeita à que consta do ponto 5.1. dos factos provados, teve-se ainda em consideração o teor de fls. 44 do Volume 1 do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019 e de fls. 2890 a 2901 do Volume VI do referido Apenso.

Relativamente à factualidade constante do ponto 6. dos factos provados, a respetiva prova resultou do teor de fls. 2744 a 2747 do Volume VI do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019.

A prova da factualidade contida no ponto 7. dos factos provados emergiu do teor de fls. 385, 356, 357, 351, 348, 353, 68, 37, 32 e 215 do Volume I do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019.

Para prova da matéria factual indicada nos pontos 8. a 8.7. dos factos provados teve-se em consideração o teor de fls. 347, 343, 304, 196, 88, 89, 189 e 190 do Volume I do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019.

A prova da factualidade constante do ponto 9. dos factos provados resultou do teor de fls. 3033 a 3060, 3089 a 3105, 3111 a 3138 e 3158 a 3181 do Volume VI do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019.

No que respeita à factualidade elencada nos pontos 10. a 14. dos factos provados, o PEV argumentou, no que respeita à culpa, que a decisão recorrida é vaga, prendendo-se a formulações teóricas, abstratas e sem justificar as conclusões a que chega, não tendo também demonstrado a partir de que factos concretos apurou a consciência da ilicitude, não tendo cuidado de concretizar ou de fundamentar e provar que a conduta foi subjetivamente culposa e preencheu o tipo de ilícito contraordenacional (cf. os pontos 53.º a 62.º do respetivo recurso). O PCP, por sua vez, alegou que os pontos 10 a 14 dos factos dados como provados são conclusões e não factos, não se podendo, como se faz a decisão recorrida, a partir da prova do elemento objetivo, extrair a prova do elemento subjetivo do tipo, concluindo que os arguidos agiram com dolo eventual; sustenta ainda o PCP que não é correta a afirmação constante da decisão recorrida no sentido de que os arguidos foram notificados do Relatório da ECFP e que apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos não o fizeram, uma vez que o PCP se pronunciou sobre as contas, não podendo dessa alegada conduta omissiva extrair-se conclusões em sede de dolo eventual, sendo que, a não retificação das contas, na sequência dessa notificação, resulta de o PCP ter a convicção de que foram apresentadas as contas sem irregularidades e que atuou em conformidade com a lei, pelo que de nenhum facto ou constatação se pode extrair a conclusão de que atuou com consciência de dolo eventual (cf. os pontos 26.º a 43.º do recurso interposto pelo PCP).

Relativamente à «prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo."» (cf. o Acórdão 98/2016).

Com efeito, conforme se salientou ainda no Acórdão 386/2021, «o sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. Por outras palavras, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu dolosa ou negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, do contrário».

Assim, no caso dos autos, a prova da matéria constante dos referidos pontos 10. a 14. dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, permite inferir a sua verificação. Com efeito, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que os arguidos tinham conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 5. a 9. infringia tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. Na verdade, estas infrações constam de lei conhecida dos arguidos - estamos perante o incumprimento de deveres que decorrerem da LFP, em articulação com a LEC) - e sobre a qual existe jurisprudência consolidada deste Tribunal, na qual estas matérias têm sido amplamente abordadas (vide, por exemplo, os Acórdãos n.os 19/2008, 316/2010, 175/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016 e, mais recentemente, os Acórdãos n.os 756/2020, 757/2020 e 758/2020). Assim, ponderando ainda a experiência dos partidos ora recorrentes - que, à data da apresentação das contas tinham já longos anos de existência, tornando inverosímil que não estivessem cientes das obrigações contabilísticas em apreço -, a conclusão que se impõe é a de que os agentes da candidatura representaram as exigências daí decorrentes no âmbito da organização das contas da campanha, tendo-se, no entanto, abstido de implementar os procedimentos necessários a assegurar a respetiva observância e conformado com o resultado desvalioso.

Por outro lado, é certo que ambos os partidos foram notificados do Relatório da ECFP de fls. 47 a 75 do PA 6/PE/14/2019, apenso aos presentes autos, e no qual se encontravam assinaladas as referidas situações (cf. fls. 45 a 46/v.º do PA 6/PE/14/2019) e que, embora lhes tenha sido conferido prazo para, na sequência dessa notificação, se pronunciarem quanto a tal relatório e/ou retificarem as contas, os mesmos não o fizeram. Com efeito, não está aqui em causa a pronúncia dos partidos, na sequência da notificação para apresentarem a sua defesa no âmbito dos autos de contraordenação (cf. fls. 46 a 55 dos presentes autos), mas sim a pronúncia, durante o processo administrativo de apresentação de contas, num momento em que as referidas contas poderiam ser retificadas no que respeita às irregularidades apuradas. Refira-se, por outro lado, que, contrariamente ao referido pelos recorrentes, a inferência no que respeita à sua atuação dolosa e à consciência da ilicitude não se extrai, pura e simplesmente, do aludido comportamento omissivo, mas de todo o circunstancialismo acima mencionado, que permite concluir que os arguidos não poderiam deixar de ter conhecimento das irregularidades existentes nas contas apresentadas e que, ao apresentarem as contas nessas condições, se conformaram com tal possibilidade, sabendo que a conduta em causa era proibida e contraordenacionalmente sancionável, conclusão essa que não é afastada pela circunstância de, quer na defesa apresentada em sede de procedimento contraordenacional, quer no presente recurso, os arguidos defenderem que agiram na convicção de terem apresentado as contas sem irregularidades e que, por isso, não atuaram com dolo.

Por fim, quanto à imputação dos aludidos factos aos partidos, enquanto entes coletivos, é certo que as pessoas coletivas atuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes e que a existência de um nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física constitui um pressuposto essencial para imputação à pessoa coletiva, em cujo nome e interesse aquela atua.

No entanto, conforme referido (cf. os n.os 12.2., 12.2.1. e 12.2.2., supra), no caso das contas relativas a campanhas eleitorais, a identificação do responsável pela elaboração e apresentação das contas é efetuada pelas candidaturas (neste caso, pela Coligação e, consequentemente, pelos partidos que a integram, nos termos explicitados, competindo ao mandatário financeiro designado garantir, nos termos dos artigos 18.º, n.º 2 da LEC e 22.º, n.º 1, da LFP, o cumprimento das regras de organização contabilística, sendo-lhe também imputadas, pessoalmente, as infrações praticadas na elaboração e apresentação das contas. Por outro lado, a própria candidatura - e, no caso das Coligações, os Partidos que as integram - está igualmente sujeita ao cumprimento dos deveres decorrentes do capítulo III da LFP, relativo ao financiamento das campanhas eleitorais, tendo o dever de garantir que a candidatura apresentada se dote de uma organização e de uma estrutura que se mostrem aptas para o cumprimento das exigências decorrentes da lei em matéria de financiamento eleitoral.

Foi o que aconteceu no presente caso, em que, conforme os recorrentes reconhecem, foi constituída e indicada à ECFP uma mandatária financeira relativamente às contas da campanha (cf. fls. 7 e 8 do PA 6/PE/14/2019), que, nos atos de elaboração e apresentação das contas atuou em nome e no interesse dos partidos integrantes da Coligação, sendo certo que, contrariamente ao sustentado nos recursos ora em análise, ficou assim estabelecido o nexo de imputação relativamente aos recorrentes. Ora, a mandatária financeira, como decorre do referido artigo 22.º, n.º 1, da LFP, tinha o dever jurídico de evitar as irregularidades, tomando as adequadas providências para que estas não ocorressem, implementando, ainda, os procedimentos e mecanismos internos, a fim de prevenir que outros intervenientes pudessem condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneravam a candidatura. Com efeito, como o Tribunal já tem afirmado em situações equivalentes (designadamente, no Acórdão 417/2007), está sempre em causa o cumprimento de regras específicas relativas à candidatura a um ato eleitoral que os respetivos mandatários financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer, pelo que o incumprimento dos deveres que para a mesma decorrem, na ausência de motivos justificativos, que não foram demonstrados, é-lhe imputado a título de dolo.

Relativamente à prova da factualidade constante no ponto 15. dos factos provados, a mesma resultou do teor de fls. 11 e 12 do PA 6/PE/14/2019, apenso aos presentes autos.

A prova da matéria indicada no ponto 16. dos factos provados adveio do teor de fls. 2 do referido PA 6/PE/14/2019.

Relativamente ao descrito no ponto 17. dos factos provados, teve-se em atenção o documento de fls. 9 do PA 6/PE/14/2019, junto pela CDU, de que constam os dados da conta da campanha, incluindo a data da sua abertura.

No que respeita ao ponto 1. dos factos não provados, o PCP, no respetivo recurso, alegou que os valores em causa respeitam a ajudas de custo relativas a refeições de pessoas destacadas para a campanha, reiterando a posição que havia sido assumida pela CDU perante a ECFP, em sede de processo de verificação da regularidade das contas, de que as ajudas de custo respeitam a um valor diário acordado com "contratados, funcionários e candidatos", pago a funcionários "para compensar maior despesa dos próprios em virtude da deslocação para funções e tarefas anormalmente fora do comum e dos locais de trabalho e residência" (cf., em especial, os pontos 21 e 22 do requerimento de recurso), entendimento este que está também subjacente à posição assumida pelo PEV (cf. os pontos 48 a 51 do respetivo requerimento de recurso). Conforme se referiu, a prova da factualidade constante do ponto 9. dos factos provados resultou do teor de fls. 3033 a 3060, 3089 a 3105, 3111 a 3138 e 3158 a 3181 do Volume VI do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019. Em tais "documentos de despesa", emitidos internamente pela CDU, com indicação dos respetivos valores, é referido o nome da pessoa a quem esses valores foram pagos. No entanto, da documentação existente nos autos não é possível concluir que os valores em causa foram pagos a funcionários e/ou a pessoal contratado para a campanha. Com efeito, conforme se salienta no Relatório da ECFP (cf. o ponto 11 do Relatório, a fls. 72 a 73 do PA 6/PE/14/2019), foram apresentadas despesas com pessoal, respeitantes a pessoal contratado pela CDU e a funcionários cedidos pelo PCP, afetos à campanha no período de 1 a 25 de maio de 2014, num total de 106 funcionários. As despesas relativas a "salários, ajudas de custo e encargos" respeitantes a tais funcionários encontram-se suportadas por notas de débito emitidas por diversos organismos internos do PCP (Direções Regionais, Juventude Comunista e Contabilidade Central), identificam os funcionários envolvidos - cf. fls. 2985 a 3006), não sendo possível estabelecer qualquer correspondência entre a identificação de tais funcionários e a das pessoas cujos nomes estão indicados nos "documentos de despesa" elencados no ponto 9. dos factos provados. Igualmente, no que respeita aos funcionários contratados pela CDU (identificados nas cópias dos contratos de trabalho juntos a fls. 138 a 141 do Anexo II ao PA 6/PE/14/2019, bem como nos documentos juntos a fls. 2973 a 2989 do Volume VI do Apenso 1 do PA 6/PE/14/2019), também não existe correspondência com as pessoas identificadas dos referidos "documentos de despesa". Daí que, na falta de outros elementos, não se possa ter como demonstrado que os valores de ajudas de custo identificados no ponto 9. dos factos provados tenham sido pagos a funcionários (do PCP) destacados para a campanha ou a pessoas contratadas pela CDU.

D) Fundamentação de direito

D.1. Preenchimento do tipo contraordenacional

17 - A decisão recorrida condenou os ora recorrentes pela prática da contraordenação prevista e punida nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LFP.

Tendo em atenção os recursos apresentados pelo PCP e pelo PEV, as questões que importa apreciar reportam-se, em síntese, às seguintes matérias:

(i) Despesas de campanha pagas diretamente pelo PEV e pelo PCP e não através da conta bancária da campanha (cf. os pontos 2.º a 20.º do recurso do PEV e 1.º a 6.º do recurso do PCP);

(ii) Despesas divergentes do valor de mercado, em face dos valores de referência constantes da Listagem 38/2013 (cf. os pontos 21.º a 38.º do recurso do PEV e 7.º a 10.º do recurso do PCP);

(iii) Despesas cujo documento de suporte (fatura) apresenta um descritivo incompleto, não tendo sido acompanhado de elementos complementares de comparação de preços (cf. os pontos 39.º a 47.º do recurso do PEV e 11.º a 17.º do recurso do PCP);

(iv) Despesas com ajudas de custo (cf. os pontos 48.º a 52.º do recurso do PEV e 18.º a 25.º do recurso do PCP);

(v) Falta do elemento subjetivo (cf. os pontos 53.º a 62.º do recurso do PEV e 26.º a 43.º do recurso do PCP);

(vi) Ilegalidade da aplicação em separado de duas coimas aos dois partidos integrantes da CDU (cf. os pontos 63.º a 92.º do recurso do PEV e 44.º a 71.º do recurso do PCP).

18 - Tendo em atenção as objeções dos recorrentes no que respeita ao preenchimento do tipo contraordenacional em causa, importa, antes de mais, analisar o quadro normativo aplicável.

O artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», estabelece, no n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS». Por sua vez, o n.º 2 deste artigo dispõe que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS». Estando em causa, no caso dos autos, factos ocorridos antes de 2018, há que atentar no disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, nos termos do qual o valor a considerar é o do salário mínimo nacional (SMN) de 2008 ((euro)426,00), enquanto o valor do IAS não o ultrapassasse (o que só sucedeu em 2018 - cf. a Portaria 21/2018, de 18 de janeiro).

Relativamente ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, há que ter em atenção o disposto no artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei, que estabelece que aquelas «constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º». De acordo com o n.º 1 deste artigo 12.º da LFP, «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». Existe, assim, nas campanhas eleitorais um dever genérico de organização contabilística, de forma a que a contabilidade reflita as suas receitas e despesas. Tal dever genérico é concretizado no n.º 3 do referido artigo 12.º, onde se encontram enumerados os requisitos especiais deste regime contabilístico próprio, em que se salienta a exigência de discriminação das receitas e das despesas, nos termos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 3 deste artigo 12.º Com especial relevância para o caso dos autos, importa ainda realçar que as despesas respeitantes a ajudas de custo deverão ser discriminadas nos termos da alínea c), subalínea i), respeitante a despesas com o pessoal.

No que respeita, especificamente, à discriminação das despesas de campanha eleitoral, estabelece ainda o n.º 2 do artigo 19.º da LFP que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa». Conforme o Tribunal Constitucional tem reiterado na sua jurisprudência, o cumprimento do dever imposto pela segunda parte deste preceito impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Assim, nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os aludidos efeitos, tem entendido o Tribunal que tal configura uma violação do dever imposto pelos referidos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.

Essa exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (aplicável às contas da campanha ora em análise) e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Como resulta do teor do referido artigo 31.º da FFP, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação consiste na prestação de contas de campanha eleitoral sem discriminação ou sem a devida comprovação das respetivas receitas e despesas. Não está, pois, em causa qualquer violação dos deveres legais de organização contabilística a que obedecem as contas das campanhas eleitorais, mas apenas e tão só a violação de tais deveres que se traduza na ausência de discriminação e/ou de devida comprovação da receita ou despesa em causa (cf., neste sentido o Acórdão 754/2020).

Com efeito, conforme tem afirmado o Tribunal Constitucional, em jurisprudência reiterada, não existe uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima (cf., o Acórdão 417/2007; v., neste mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos n.os 77/2011, 139/2012 e 177/2014). Consequentemente, nem todas as ilegalidades e irregularidades previamente detetadas na fiscalização às contas da campanha eleitoral implicam responsabilidade contraordenacional (cf. ainda, os recentes Acórdãos n.os 238/2021, 239/2021, 240/2021, 320/2021, 386/2021, 27/2022 e 126/2022).

Finalmente, no que respeita ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 31.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades que dogmaticamente lhe estão associadas, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual.

Tendo em atenção este enquadramento geral, importa apreciar as situações relativamente às quais a decisão recorrida encontrou irregularidades suscetíveis de integrar o tipo contraordenacional em causa.

19 - Pagamento de despesas de campanha diretamente pelo PCP e pelo PEV

Provou-se que nas contas ora em análise, apresentadas pela CDU, foram registadas despesas de campanha pagas diretamente pelos partidos coligados - os ora recorrentes, PCP e PEV -, através das suas contas bancárias gerais, sem que o respetivo valor tenha sido movimentado pela conta bancária da campanha (cf. os pontos 5. a 5.2 dos factos provados).

Entendeu-se na decisão recorrida que tal conduta constitui violação do artigo 15.º, n.os 1 e 3, da LFP, preenchendo o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º da LFP. Considerou a decisão recorrida que o artigo 15.º, n.os 1 e 3, da LFP impõe a obrigatoriedade de todas as receitas e despesas de campanha serem movimentadas pela conta bancária especificamente constituída para o efeito e que o facto de as despesas terem sido registadas nas contas como adiantamento de contribuições não afasta tal violação, uma vez que também estas, face aos mesmos preceitos legais, teriam de ser movimentadas pela aludida conta bancária. Acrescentou-se ainda em tal decisão que, mesmo podendo estar impedidos de proceder ao pagamento das despesas através de conta bancária aberta pela CDU, os arguidos, para dar cumprimento às exigências decorrente das referidas normas legais, poderiam ter optado por solução diferente da adotada, designadamente por via da abertura, por cada um dos partidos, de uma conta bancária específica ou, ainda, por via da abertura, apenas por um dos partidos, de uma conta bancária específica para a campanha, o que não sucedeu.

O recorrente PEV sustenta que não existiu qualquer violação dos deveres de transparência ou de colaboração ou impossibilidade de sindicar as contas, não havendo razão para a aplicação de qualquer sanção, invocado, em síntese o seguinte (cf. os pontos 2.º a 20.º do respetivo recurso):

- As despesas em causa da responsabilidade do PEV são referentes a uma mesma situação, ocorrida entre os dias 13 e 15 de janeiro de 2014, com exceção da relativa ao dia 1 de fevereiro de 2014;

- Quanto às primeiras, quando foram realizadas, entendeu-se não corresponderem a despesas da campanha, uma vez que a iniciativa, a 5 meses das eleições, tinha outros objetivos em função da agenda política nacional e do PEV; contudo, como acabou por se tomar decisões relativas igualmente às eleições europeias, entendeu-se, colocando o valor da transparência total das contas e não omissão de qualquer facto nas mesmas acima do risco de vir a ser considerada a prática de uma contraordenação, incluí-las nas contas da campanha;

- À data da referida iniciativa, a conta bancária da campanha ainda não se encontrava aberta;

- Quanto à despesa efetuada em 1 de fevereiro de 2014, com a Mestres Publicidade, respeitante a impressão de imagem em vinil em estruturas publicitárias do PEV alusivas às Europeias 2014, o PEV tinha um contrato anual, que vinha já do ano anterior, com essa empresa, segundo o qual a mesma se obriga a colocar novos painéis, com uma frequência trimestral, cabendo ao PEV apenas fornecer o novo painel a colocar na próxima data de renovação da imagem do outdoor; o valor faturado (16.211,89(euro)) é global e não especificamente para aquela nova imagem, razão pela qual o PEV tinha que pagar a fatura que lhe dizia respeito a si, não podendo imputar a totalidade da fatura às contas da campanha; a emissão da fatura é da responsabilidade do credor não estando na disponibilidade do devedor alterá-la ou exigir a sua alteração; imputar a fatura às contas da campanha seria cometer outra ilegalidade, mais grave; assim, entendeu-se que a dita imagem em vinil para outdoor seria correspondente a uma entrada em espécie feita pelo PEV para a Campanha, e como tal contabilizada;

- Não existiu assim qualquer falta de transparência, antes pelo contrário: pelo facto de o PEV pretender ser totalmente colaborante, transparente, rigoroso e escrupuloso na informação prestada, não querendo esconder qualquer despesa realizada, que pudesse legitimamente ser imputada à campanha eleitoral em causa, é que decidiu incluir as despesas em causa nas contas apresentadas;

- No momento em que foram decididas fazer essas despesas, não seria possível antever a sua associação a posteriori à campanha em causa, por um lado, em relação às de janeiro de 2014, e por outro, em relação ao contrato anual dos outdoors, alvo de apenas uma fatura, onde se integra uma parte de despesas pertencentes à campanha e outra parte que não pode ser incluída nas mesmas.

O recorrente PCP, por sua vez, sustenta igualmente que os factos em causa não configuram contraordenação, pelas seguintes razões (cf. os pontos 1.º a 6.º do requerimento de recurso):

- As despesas incorridas antes da abertura da conta bancária da campanha, própria da CDU, e antes da necessariamente antecedente inscrição da CDU no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), para atribuição de NIPC/NIF próprio e distintivo, tiveram de ser pagas através de conta bancária já existente, o que só poderia acontecer através de uma conta bancária dos partidos coligados;

- Esses montantes pagos pelo PCP só poderiam mais adiante ser considerados adiantamentos de contribuições dos partidos coligados, sendo isso que as contas revelam, com absoluta transparência;

- Foram entregues à ECFP declarações da mandatária que identificam tais pagamentos e a sua qualificação como despesas de campanha eleitoral e foram ainda disponíveis à ECFP os extratos que demonstram o encontro de contas com os partidos coligados;

- O legislador da lei de financiamento, mormente através da regra relativa a abertura de conta bancária própria, pretendeu estabelecer transparência, pelo que não se alcança em que dimensão e em que concreto aspeto o procedimento adaptado pelo PCP no âmbito da coligação CDU fira ou belisque essa exigência de transparência.

Cumpre apreciar.

20 - Conforme referido, o artigo 15.º, n.º 1, da LFP estabelece que as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respetiva campanha. Por sua vez, o n.º 3 deste artigo determina que às referidas contas «correspondem contas bancárias especificamente constituídas para o efeito, onde são depositadas as respetivas receitas e movimentadas todas as despesas relativas à campanha». Decorre deste normativo, no que especialmente interessa no caso dos autos, que existe um dever de pagar todas as despesas de campanha através da conta bancária expressamente constituída para o efeito. É o que resulta claramente da sua parte final, em que se refere que são movimentadas através dessa conta "todas as despesas relativas à campanha".

Por outro lado, o incumprimento desse dever constitui contraordenação punível nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 31.º do mesmo diploma, na parte em que, no que ora releva, este pune os partidos que não comprovem "devidamente" as receitas e despesas da campanha eleitoral. Ou seja, a relevância contraordenacional da violação do disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LFP no âmbito do tipo legal previsto no referido artigo 31.º prende-se apenas com a comprovação devida - isto é, nos termos legalmente prescritos - das receitas e despesas da campanha eleitoral.

Conforme tem afirmado o Tribunal Constitucional, do ponto de vista da ratio subjacente ao tipo objetivo de ilícito contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, «a relação que se crê poder estabelecer-se entre o dever legal de abertura de uma conta bancária especificamente constituída para as contas da campanha, onde sejam "depositadas as respetivas receitas e movimentadas todas as despesas" à mesma respeitantes, e a exigência de comprovação devida de umas e de outras é apenas a de que todos os fluxos financeiros realizados no âmbito da campanha se tornem integralmente comprováveis através de extratos bancários» relativos a contas abertas com tal finalidade (cf., o Acórdãos n.º 177/2014, e ainda, no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 43/2015 e 140/2015).

Por essa razão, tem este Tribunal entendido que «a violação do próprio dever de abertura de conta bancária específica para as atividades da campanha eleitoral obsta a que o pagamento das despesas da campanha ocorra através de conta bancária e se torne nesses termos comprovável, constituindo por isso contraordenação sancionável nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 31.º do mesmo diploma, na parte em que aí se sancionam os mandatários e os partidos políticos que não comprovem "devidamente" - isto é, através dos elementos legalmente prescritos - as despesas da campanha eleitoral» (cf., os Acórdão 316/2010 e 177/2014).

No que respeita às despesas pagas através de conta do próprio partido e não por via da conta da campanha, mesmo nos casos em que esta não se encontre ainda aberta, o Tribunal Constitucional tem entendido que os valores em causa deverão ser tratados e inscritos nas contas como "Contribuição do Partido" (mesmo que a título de adiantamento por conta da subvenção para a campanha) e como tal devidamente certificadas pelo órgão competente do partido para o efeito (cf., neste sentido, o Acórdão 574/2015).

Contudo, nas situações em que há pagamento de despesas através de conta do próprio partido e não por via da conta da campanha, o Tribunal Constitucional tem igualmente afirmado que a possibilidade de reconduzir tal modus operandi à figura das contribuições dos partidos para a campanha eleitoral pressupõe que o montante em causa tenha sido transferido da conta bancária do Partido para a conta bancária da candidatura, a título de contribuição partidária (ou de reforço da contribuição), permitindo assim prover a candidatura com os fundos necessários para que esta pudesse realizar pagamentos naquele valor a partir da conta bancária da campanha, procedimento esse que possibilita o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 15.º da Lei 19/2003, que obriga a que "todas as despesas relativas à campanha" sejam movimentadas "pelas contas bancárias especificamente constituídas para o efeito" (cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 19/2008, 175/2014 e 140/2015).

Por outro lado, conforme se salienta no Acórdão 140/2015 (em que se apreciou uma situação em que a CDU invocou que à data em que o pagamento de despesas através de conta bancária partidária não se encontrava ainda aberta a conta bancária especificamente afeta à campanha eleitoral, tendo sido essa circunstância que determinou que as despesas em causa tivessem sido processadas através das contas partidárias e tal processamento contabilizado como contribuição partidária), perante o quadro legal descrito, «incumbe aos partidos e coligações planear a respetiva atuação e operacionalizar os respetivos procedimentos de modo a permitir a observância do dever que, nos termos da referida norma, obriga a que "todas as despesas relativas à campanha" sejam movimentadas através das "contas bancárias especificamente constituídas para o efeito"».

21 - No caso dos autos, conforme resulta dos factos provados, houve um conjunto de despesas de campanha que foram pagas diretamente pelo PCP (as despesas enumeradas no ponto 5.1 dos factos provados) e pelo PEV (as enumeradas no ponto 5.2, ibidem), através das suas contas gerais, não tendo sido movimentadas através da conta bancária da campanha.

Os recorrentes consideram, no entanto, que tal conduta, no caso, não deverá ser contraordenacionalmente punível, pelo que importa apreciar as razões em que fazem assentar tal entendimento.

No que respeita à argumentação apresentada pelo PCP, cumpre salientar, desde logo, que resulta dos factos provados (cf. os pontos 5.1. e 17.), que há um conjunto de despesas, pagas através da conta geral daquele partido, que foram realizadas após a abertura de conta bancária da campanha (aberta no em 31 de março de 2014). Relativamente a tais despesas é manifesto que improcede qualquer argumentação do recorrente no que respeita à necessidade de as mesmas serem pagas pela conta do partido. Na verdade, conforme exposto (cf. o n.º 20, supra), ainda que as mesmas tenham sido registadas como adiantamento de contribuições (cf. o ponto 6. dos factos provados), decorre da exigência prevista no artigo 15.º, n.º 3, da LFP, que as quantias respeitantes às despesas em causa deveriam ter sido transferidas da conta bancária do partido para a conta bancária da candidatura, a título de contribuição partidária (ou de reforço da contribuição), permitindo assim prover a candidatura com os fundos necessários para que esta pudesse realizar os pagamentos em questão a partir da conta bancária da campanha (v., neste sentido, os já citados Acórdãos n.os 19/2008, 175/2014 e 140/2015).

Não tendo sido adotado este procedimento, é manifesto que houve incumprimento do disposto naquele normativo e, consequentemente, preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º da LFP, uma vez que, conforme já explicado, este preceito sanciona a falta de devida comprovação das despesas da campanha eleitoral, isto é, a não comprovação das despesas através dos elementos legalmente prescritos (o que, no caso, não aconteceu, face à falta de pagamento das despesas através da conta bancária da campanha).

No que respeita às despesas pagas em datas anteriores à da abertura de conta da campanha (isto é, anteriores a 31 de março de 2014), é certo que a inexistência de conta bancária da campanha impedia a adoção do referido procedimento. Contudo, conforme entendeu já o Tribunal Constitucional em situação semelhante, cabe aos partidos e coligações planear a respetiva atuação e operacionalizar os respetivos procedimentos de modo a permitir a observância do dever previsto no artigo 15.º, n.º 3, da LFP (cf. o Acórdão 140/2015) e, no caso de se pretender que o pagamento das despesas em causa sejam registadas como contribuição partidária, proceder nos termos já referidos de forma a cumprir o referido normativo, isto é, transferir os montantes em questão da conta bancária do partido para a conta bancária da candidatura, a título de contribuição partidária (ou de reforço da contribuição), provendo a candidatura com os fundos necessários para que esta pudesse pagar as despesas a partir da conta bancária da Campanha. Não tendo tal acontecido, é de concluir, também no que respeita ao pagamento das despesas efetuadas antes da abertura de conta da candidatura, que o seu pagamento através da conta geral do PCP preenche o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º da LFP, nos termos já referidos.

Refere o PCP que as despesas incorridas antes da abertura da conta bancária da campanha, própria da CDU, e antes da necessariamente antecedente inscrição da CDU no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), para atribuição de NIPC/NIF próprio e distintivo, tiveram de ser pagas através de conta bancária já existente, o que só poderia acontecer através de uma conta bancária dos partidos coligados. As despesas pagas pela conta bancária do partido foram efetuadas, uma delas, em 10 de janeiro de 2014, respeitante a "1x Inscrição de entidade não sujeita a registo comercial (art. 23.º, n.º 3.2 do RERN)" e as restantes a partir de 28 de fevereiro de 2014, inclusive (cf. o ponto 5.1. dos factos provados). Ora, sendo certo que o Acórdão 1/2014 do Tribunal Constitucional, nos termos do qual foi ordenada a anotação da Coligação Eleitoral denominada "CDU - Coligação Democrática Unitária", foi proferido em 7 de janeiro de 2014, não se vislumbra, nem foi invocada, qualquer razão impeditiva para que, em 28 de fevereiro seguinte, ainda não estivesse aberta a conta bancária da campanha, titulada pela referida Coligação. Já no que respeita à referida despesa de 10 de janeiro de 2014, também não se vislumbra, do alegado pelo PCP, as razões justificativas para o procedimento adotado, nem aquelas que impediram a regularização da situação nos termos preconizados no Acórdão 140/2015 (planear a respetiva atuação e operacionalizar os procedimentos necessários à observância do dever estatuído no artigo 15.º, n.º 3, da LFP).

No que respeita às despesas pagas através da conta bancária do PEV e que foram igualmente registadas nas contas como adiantamento de contribuições (cf. os pontos 5.2. e 6. dos factos provados), é também inequívoco que, quanto às mesmas, não foi observado dever previsto no artigo 15.º, n.º 3, da LFP, nos termos já referidos.

Quanto às despesas efetuadas entre 13 de janeiro e 14 de março de 2014, relativas a alojamento, estacionamento, combustíveis e estacionamento, depreende-se da argumentação apresentada pelo PEV que tais despesas (pelo menos as efetuadas entre 13 e 15 de janeiro de 2014) foram realizadas no âmbito de uma iniciativa do PEV, que teria outros objetivos em função da agenda política nacional e do partido, mas em que também acabaram por ser tomadas decisões relativas às eleições europeias, se entendeu incluir as despesas em causa nas contas da campanha.

Ora, atento o estabelecido no artigo 19.º, n.º 1, da LFP, segundo o qual se consideram «despesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo», deveria o recorrente ter antecipado - porque a despesas em causa ocorreram nos seis meses anteriores ao do ato eleitoral - que a iniciativa em causa tivesse "intuito ou benefício eleitoral" (como efetivamente o teve, segundo reconhece o próprio recorrente), tanto mais que à data da realização das mencionadas despesas já havia sido ordenada, pelo Acórdão 1/2014 do Tribunal Constitucional, a anotação da Coligação Eleitoral denominada "CDU - Coligação Democrática Unitária". Valem, por isso, em relação a essas despesas as considerações tecidas sobre as despesas pagas pelo PCP em momento anterior ao da abertura de conta da campanha: também aqui é de entender que cabe aos partidos e coligações planear a respetiva atuação e operacionalizar os respetivos procedimentos de modo a permitir a observância do dever previsto no artigo 15.º, n.º 3, da LFP, sendo necessário, para que as despesas em causa possam ser registadas como contribuição partidária, transferir os montantes em questão da conta bancária do partido para a conta bancária da candidatura, a título de contribuição partidária (ou de reforço da contribuição), provendo a candidatura com os fundos necessários para que esta pudesse pagar as despesas a partir da conta bancária da Campanha (cf. os já referidos Acórdãos n.os 19/2008, 175/2014 e 140/2015). Não tendo tal acontecido, e não obstante a explicação apresentada pelo PEV, é de concluir que o pagamento destas despesas através da conta geral do PEV preenche o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º da LFP, nos termos já referidos.

Idêntica conclusão deve ser retirada no que respeita ao pagamento da despesa efetuada em 1 de fevereiro de 2014, com a Mestres Publicidade, respeitante a impressão de imagem em vinil em estruturas publicitárias do PEV alusivas às Europeias 2014. Com efeito, pretendendo o PEV imputar à campanha apenas parte do valor da fatura em questão (o correspondente à imagem em vinil para outdoor), poderia esse valor parcial ser pago através da conta bancária da campanha, sendo o remanescente (da responsabilidade do PEV), pago pela conta do partido. Acresce, por outro lado, que embora a emissão da fatura seja da responsabilidade do fornecedor dos bens e serviços a que a mesma respeita, a verdade é que, conforme já referido, cabe à Coligação (ou, neste caso, ao PEV, enquanto partido integrante da mesma), enquanto adquirente dos bens e serviços em questão, providenciar e diligenciar junto dos fornecedores pela emissão das faturas de forma a identificar os bens e serviços destinados à campanha ou, em alternativa, em momento posterior, seja através de apresentação de documentação própria (memorandos, solicitação de orçamentos, etc.), seja através de documentação e/ou informação obtida junto dos fornecedores, complementar à informação constante dos descritivos das faturas, para os aludidos fins.

Em suma, o pagamento do valor da fatura respeitante a despesas imputadas à campanha através da conta própria do PEV constituiu violação no artigo 15.º, n.º 3, da LFP, estando também, neste caso, preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º da LFP, pelas razões já referidas.

É de concluir, por conseguinte, tal como na decisão impugnada, que se mostra preenchido, nesta parte, o elemento objetivo da contraordenação imputada aos recorrentes, improcedendo as razões por estes invocadas.

22 - Impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade da valorização de algumas despesas

22.1 - Provou-se que, nas contas apresentadas, foram registadas despesas de campanha cujos preços são divergentes dos valores de referência indicados na Listagem 38/2013, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços (cf. o ponto 7. dos factos provados) e ainda que foram registadas despesas de campanha, documentadas por faturas sem que tenham sido exibidos elementos complementares de comparação de preços (cf. ibidem, os pontos 8. a 8.7.). Relativamente às referidas despesas, entendeu-se, na decisão recorrida, que a documentação apresentada não permitia concluir sobre a sua razoabilidade face ao valor de mercado, concluindo-se pela violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP, e pelo preenchimento do elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da referida Lei.

Conforme referido (cf. o n.º 18, supra), o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1 da LFP consiste na prestação de contas de campanha eleitoral sem discriminação ou sem a devida comprovação das respetivas receitas e despesas. A exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas, verificando, designadamente, se respeitam a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, em caso afirmativo, se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, quanto aos bens e serviços não incluídos em tal Listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Com efeito, de forma a estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha, o artigo 24.º, n.º 5, da LFP determina que, «até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a [ECFP], após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios», acrescentando o n.º 6 do mesmo artigo que tal lista «é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização». Conforme decorre do n.º 1 do referido artigo 24.º, a fiscalização aqui em causa diz respeito às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Tal lista de referência é ilidível, conforme resulta da sua natureza "indicativa", reiterada também pelos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC. Porém, em caso de desvio quanto aos valores nela previstos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado. Por outras palavras, ocorrendo desvios em relação a uma dada despesa, devem ser apresentados elementos complementares idóneos a comprovar que aquela concreta despesa, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável. Este é um dever que terá de ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, e que está incluído no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.

22.2 - Antes de analisar cada uma destas situações à luz do referido enquadramento normativo, importa ainda ter presente a jurisprudência mais recente deste Tribunal quanto aos tipos das "patologias" relacionadas com os documentos que titulem despesas, no âmbito a apresentação das contas a que se reportam aqueles normativos (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 755/2020, 756/2020, 757/2020 e 758/2020).

Com relevância para o presente caso, podem ser configuradas, em abstrato, as seguintes hipóteses:

a) Despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. Trata-se, neste caso, de faturas incompletas. Estas faturas devem ser consideradas irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;

b) Despesas tituladas por faturas, com o descritivo completo, relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo nela estabelecidos. Trata-se de faturas que deverão ser consideradas regulares;

c) Despesas relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos. Tais faturas são consideradas irregulares, salvo se os responsáveis pela apresentação das contas tiverem demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio ou este não for significativo;

d) Despesas relativas a bens e serviços não incluídos na listagem indicativa, cujas faturas discriminem clara e precisamente o que foi pago. Neste caso, cabe à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Na ausência de tal demonstração, essas faturas deverão ser consideradas regulares. Relativamente a estas faturas, a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a referida listagem, por referência às eleições em análise. Na ausência de tal atualização, não deverá recair sobre os responsáveis pela apresentação das contas o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa.

Tecidas estas considerações, importa agora analisar o caso concreto.

22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.

As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.

Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Importa ainda referir que improcede a argumentação em sentido contrário, apresentada pelos recorrentes PEV (cf. os pontos 21.º a 38.º das respetivas alegações de recurso) e PCP

(cf. os pontos 7.º a 10.º das suas alegações). Com efeito, conforme mencionado (cf. o n.º 22, supra), a Listagem 38/2013 estabelece os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha. Tal lista de referência é ilidível, atenta a natureza "indicativa" dos valores dela constantes (cf. os artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC). Nos casos em que as despesas realizadas se situem fora do intervalo de valores previstos em tal listagem, o responsável pela apresentação das contas deverá juntar a documentação complementar no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado, de forma a demonstrar que aquela despesa em concreto, nas condições específicas do mercado em que foi realizada ou pela sua especificidade, se afigura como razoável. Conforme tem entendido reiteradamente o Tribunal Constitucional, na sua jurisprudência, este é um dever que terá ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, e que está incluído no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP. Daí que não procedam os argumentos do recorrente a respeito a desatualização da Listagem 38/2013 ou da sua desadequação em relação a determinadas condições de mercado: tendo a referida Listagem uma natureza meramente indicativa, tal permite que, nesses casos, sejam juntos elementos complementares de comparação de preços, de modo a justificar o desvio, o que não foi feito.

Por outro lado, não está em causa, contrariamente ao que sugere o recorrente PEV, «obrigar a coligação a fazer maior despesa com meios de propaganda, inflacionando-as, apenas porque essa maior despesa decorre dos parâmetros da listagem elaborada pelo menos dois anos antes, nos casos em que o preço de mercado se encontra mais baixo» ou «obrigar a coligação a deixar de comprar os meios de que necessita porque não encontra, naquele momento, no mercado, e dentro dos prazos de entrega de que necessita ver cumpridos, o preço abaixo o limite da listagem da ECFP». Diferentemente, o que se exige ao responsável pelas contas é que, quanto aos valores de despesa que se situem fora dos intervalos previstos na referida Listagem, apresente os elementos complementares tendo em vista justificar esse desvio, que permitam aferir da razoabilidade dessa despesa face ao valor do mercado, e não que os valores de despesa sejam inflacionados de modo a corresponderem aos que constam de tal Listagem ou que deixem de ser adquiridos os bens ou serviços cujo valor seja superior ao indicado nessa mesma Listagem.

Não procedem também os argumentos do recorrente PEV no sentido desta exigência não se coadunar com a realidade de uma campanha eleitoral. Com efeito, no presente caso, e no que respeita às despesas tituladas pelas faturas identificadas no ponto 7. dos factos provados, nada foi alegado em concreto, nem se vislumbra que, no conjunto de todas as despesas da campanha eleitoral, se revele de difícil cumprimento a mencionada exigência de, quanto às despesas situadas fora dos intervalos da referida Listagem, fazer as necessárias consultas de mercado, obtendo elementos complementares de comparação de preços, para, aquando da apresentação das contas, justificar os eventuais desvios.

Em face do exposto, carece igualmente de razão o recorrente PCP nos argumentos invocados a respeito da razoabilidade dos valores das despesas em questão - uma vez que não está em causa um juízo concreto sobre a razoabilidade das despesas em causa, mas a falta de junção de elementos complementares de comparação de preços que permitam à ECFP aferir dessa razoabilidade - ou sobre a natureza indicativa ou o caráter incompleto da Listagem 38/2013 (cf. os pontos 9.º e 10.º do respetivo requerimento de recurso). Com efeito, a natureza indicativa de tal listagem e o caráter ilidível dos valores nela previstos permitem, conforme se referiu, que sejam apresentados elementos complementares no sentido de demonstrar a razoabilidade de cada despesa em concreto, face aos valores de mercado (o que possibilita igualmente ao interessado demonstrar uma eventual desatualização ou desajuste dos valores previstos nessa Listagem, justificando, assim, qualquer desvio face a tais valores). Simplesmente, no caso dos autos, não foram apresentados quaisquer elementos complementares que permitam aferir da razoabilidade das despesas em questão.

Daí que, havendo desvio entre os valores das faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados, cabia aos recorrentes apresentar elementos complementares idóneos a comprovar que o valor das despesas a que se reportam tais faturas, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável.

Assim, embora os recorrentes tenham alegado um conjunto de fatores que, na sua perspetiva, poderão justificar tal desvio, a verdade é que não juntaram, com as contas apresentadas, qualquer elemento documental complementar, idóneo a comprovar as razões desse desvio. Tal conduta, porque impede a ECFP de aferir da razoabilidade das aludidas despesas, constitui uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Assim, é de concluir, no que respeita aos factos ora em análise, que se mostra preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, nos termos expostos.

22.4 - Provou-se ainda que das contas apresentadas consta um conjunto de faturas, melhor descritas nos pontos 8. a 8.7. dos factos provados, cujo descritivo é incompleto e que, face à ausência de elementos complementares de comparação de preços, tais documentos não permitem aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado.

Com efeito, nas faturas em causa não está especificado o tipo de impressão das faixas, nem as respetivas dimensões (cf. as faturas identificadas nos pontos 8.1. e 8.2 dos factos provados), há falta de informação sobre o número de recursos envolvidos e/ou o período a que respeita o aluguer de equipamentos (cf. as faturas identificadas nos pontos 8.3 a 8.7, dos factos provados). Ora, estas insuficiências, bem como a falta de elementos complementares que permitam suprir tal incompletude, impede o confronto dos valores das despesas em causa com os valores constantes da Listagem 38/2013.

Conforme referido, o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é a falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência os preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas apresentadas, sejam juntos documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas e que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo, de modo a tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontram adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade, o que, tratando-se de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, implica determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.

Importa clarificar, a este respeito, que, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, compete aos responsáveis pela apresentação das contas - neste caso, aos ora recorrentes -, fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Ou seja, conforme é salientado na decisão recorrida, cabe à Coligação, enquanto adquirente dos bens e serviços em questão e principal destinatária das determinações jurídicas decorrentes da Listagem 38/2013, providenciar e diligenciar junto dos fornecedores pela indicação, nas faturas em que figure como cliente, de uma denominação passível de ser cotejada com a descrição constante na listagem indicativa do valor dos principais meios de campanha e de propaganda política. Caso as faturas emitidas se apresentem incompletas, cabe à Coligação integrada pelos ora recorrentes (e ao seu responsável financeiro), em momento posterior, seja através de apresentação de documentação própria (memorandos, solicitação de orçamentos, etc.), seja através de documentação e/ou informação obtida junto dos fornecedores, completar a informação constante dos descritivos das faturas, para os aludidos fins.

Em suma, como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos. Esta omissão viola o dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, ambos da LFP (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão 757/2020).

Por outro lado, tal exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, sendo esse o caso, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos. No tocante a bens e serviços não incluídos em tal Listagem, está em causa verificar se o respetivo custo registado é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Ora, o problema em causa nas faturas enumeradas nos pontos 8.1. a 8.7. dos factos provados prende-se com o facto de as mesmas não permitirem identificar, de forma cabal, a natureza, qualidade e/ou quantidade daquilo que se pagou, sendo, por isso, faturas incompletas. Conforme referido (cf. a alínea a) do n.º 22.2, supra), estas faturas devem ser consideraras irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.

Saliente-se, por outro lado, que a argumentação apresentada pelos recorrentes não é apta a infirmar estas conclusões. Com efeito, no que respeita às dúvidas levantadas pelo PEV a respeito dos elementos em falta no descritivo das faturas (cf. os pontos 39.º a 41.º do requerimento de recurso) resulta claro que apenas em duas dessas faturas está em causa a impressão de faixas

(cf. as faturas indicadas nos pontos 8.1. e 8.2. dos factos provados), sendo evidente que, para aferir da razoabilidade dos valores da despesa em questão, constitui um fator relevante as respetivas dimensões, bem como o tipo de impressão efetuada (a exemplo, aliás, do que resulta dos preços de referência respeitantes à produção de propaganda constantes do ponto III da Listagem 38/2013). Por outro lado, é também patente, quanto a algumas das faturas respeitantes a aluguer de equipamentos (as faturas indicadas nos pontos 8.3. e 8.5. a 8.7. dos factos provados) que não consta a duração do aluguer e que, quanto a outra (a fatura indicada no ponto 8.4. dos factos provados), não consta o descritivo completo dos equipamentos a que respeita o aluguer.

São, pois, manifestas as razões em que assenta a insuficiência do descritivo das faturas em causa, bem como da pertinência dos elementos em falta para aferir da razoabilidade dos valores pagos e/ou cotejar tais valores com os constantes da Listagem 38/2013, improcedendo, assim, a argumentação dos recorrentes em sentido contrário.

Tal não significa, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, que a Coligação esteja obrigada a adquirir apenas os materiais previstos em tal Listagem, uma vez que esta não é exaustiva

(cf. os pontos 42.º a 44.º do recurso do PEV e 13.º do recurso do PCP) ou que os valores constantes da referida Listagem constituam "prova" ou "meio de prova" (cf. os pontos 45.º a 47.º do recurso do PEV). Simplesmente, incumbe às candidaturas o dever de apresentar as contas da campanha de forma clara, fidedigna e autossuficiente, de tal forma que a documentação que a suporte não deixe dúvidas quanto ao valor, natureza, elegibilidade e razoabilidade dos valores apresentados. Por isso, subsistindo dúvidas resultantes da deficiente organização contabilística (seja a nível de registo contabilístico, seja por omissão ou insuficiência de suporte documental), fica verificada a violação do dever geral de organização contabilística constante dos artigos 12.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1 da LFP.

Assim, a estrutura desta infração não assenta na existência de uma dúvida sobre um facto; o que está em causa é o facto, indubitável e verificado, nos termos já explicitados, que resulta da circunstância de a documentação de suporte apresentada ser insuficiente para permitir aferir da razoabilidade do montante das despesas apresentadas face aos preços de referência constantes da Listagem 38/2013 ou face aos preços praticados no mercado.

Pelo exposto, conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos objetivos típicos da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes em sentido contrário.

23 - Deficiências no suporte documental de despesas com ajudas de custo

23.1 - Nas contas de campanha apresentadas pela CDU existem despesas com ajudas de custo (cf. as despesas identificadas no ponto 9. dos factos provados), relativamente às quais se entendeu, na decisão recorrida, que a respetiva documentação de suporte ("documentos de despesa" elaborados internamente pela candidatura), não contém o detalhe da despesa e o respetivo motivo subjacente, não sendo suficiente para demonstrar que correspondem a despesas relativas à campanha eleitoral e que se encontram adequadamente refletidas nas respetivas contas. Segundo aquela decisão, os documentos apresentados, apesar de pressuporem uma atividade geradora de custos acrescidos, não contêm qualquer elemento que permita identificar, designadamente, os serviços prestados, nem mapas de controlo de horas, deslocação a que respeitam e/ou ação de campanha no âmbito da qual terá sido realizada, razão pela qual se concluiu pela violação do disposto no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), subalínea i), aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, ambos da LPF, bem como do n.º 2 do artigo 19.º da mesma Lei. Face a tais deficiências do descritivo, em sede de suporte documental das mencionadas despesas com ajudas de custo, entendeu-se que as mesmas não estão devidamente detalhadas, justificadas e discriminadas, razão por que se concluiu pela verificação do elemento objetivo do tipo previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Os recorrentes contestam este entendimento.

O PCP (cf. os pontos 18.º a 25.º do requerimento de recurso) sustenta que, contrariamente ao decidido pela ECFP, não existe "deficiente discriminação" das despesas em causa, como resulta da própria decisão recorrida (cf. o ponto 9. dos factos nela dados como provados), na qual se descreve, ainda que em alguns casos com abreviações, o motivo da despesa, com datas, nomes, valores etc. Alega ainda que, no que respeita ao segundo fundamento da aplicação da coima - a ausência do respetivo documento certificativo do qual conste o motivo subjacente ao pagamento das ajudas de custo recebidas pelos destinatários -, não é possível entregar documento certificativo com motivo subjacente, dado que em todos os casos se tratou de pagar refeições de pessoas destacadas para a campanha e esse é precisamente o motivo justificativo da própria ajuda de custo, modalidade legal de compensação por maior despesa que dispensa apresentação de recibos. Mais refere que tal esclarecimento já foi prestado à ECFP, nos seguintes termos: «Quanto às ajudas de custo esclarece-se que entre a CDU e os contratados, funcionários e candidatos foram acordadas ajudas para compensar maior despesa dos próprios em virtude da deslocação para funções e tarefas anormalmente fora do comum e dos locais de trabalho e residência, no montante único base de 15,00 euros por cada dia. Este valor diário pode ter e teve reduções em função por exemplo da oferta da refeição ou refeições do dia em questão o que leva ao desconto de 4,00 euros por cada refeição. Deste modo, pode a ajuda de custa diária baixar de 15,00 euros para 11,00 euros se descontada uma refeição oferecida próprio, ou mesmo para 7,00 euros se descontadas as duas refeições diárias». Refere ainda não haver falta de razoabilidade no pagamento dos valores em causa ou no desconto de 4 euros por refeição e, uma vez que a resposta transcrita explica tudo o que a ECFP pretende saber, não se compreende em que ponto aquela discorda do procedimento adotado. Esclarece ainda que nesta campanha eleitoral houve uma caravana que percorreu o País, integrada por funcionários, que naturalmente tiveram maiores despesas em refeições que a campanha teve de suportar, à razão diária de quinze euros, tal como explicado. Conclui, por fim, que a hipotética inelegibilidade de uma despesa de campanha não decorre automática e diretamente de uma possível deficiência no suporte documental e que, não havendo inelegibilidade, não haverá, neste caso, contraordenação.

O PEV, por sua vez, sustenta que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 574/2015, já se pronunciou acerca da elegibilidade da despesa relativa a remunerações de funcionários destacados para campanhas eleitorais, resultando de tal aresto que: a) a hipotética inelegibilidade de uma despesa de campanha não decorre automática e diretamente de uma possível deficiência no suporte documental; b) a inelegibilidade de uma despesa de campanha deve estar sujeita a prova positiva e não a prova negativa; c) a demonstração positiva da inelegibilidade de uma despesa compete à ECFP e não à coligação eleitoral; d) a deficiência documental, porém, não é suficiente, por si só, para se concluir pela inelegibilidade das despesas em questão. Sublinha ainda este recorrente que, quanto ao "motivo subjacente" a cada uma das notas de débito, a própria ECFP, no seu relatório de 2018, já considerou esta despesa de campanha como elegível, apenas lhe assinalando, ora a "inexistência", ora a "insuficiência" documental, não se alcançando que outro motivo subjacente estará em mente que não seja o estrito motivo eleitoral e as específicas ações de campanha que estão sobejamente documentadas, seja em ações e meios, seja no amplo acervo documental e informativo colocado ao dispor da ECFP (cf. os pontos 48.º a 52.º do recurso interposto pelo PEV).

Não lhes assiste, contudo, razão.

23.2 - Resulta do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da LFP, que são consideradas despesas elegíveis «as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo». Não obstante, tais despesas carecem de ser documentadas mediante a «junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa» (cf. o n.º 2 do referido artigo 19.º).

O Tribunal Constitucional foi já, por diversas vezes, chamado a apreciar a regularidade da despesa com o pagamento de salários a funcionários de um partido, deslocados na campanha eleitoral. No que respeita à elegibilidade de tais despesas, o Tribunal considerou que «não estando demonstrado que o pessoal em causa não esteve a trabalhar na campanha eleitoral [...], há que concluir pela inexistência da infração que, nesta parte, vinha imputada à candidatura» (cf. os Acórdãos n.os 563/2006, 19/2008, 567/2008, 167/2009 e 217/09). Conforme se salientou no Acórdão 177/2014, o critério seguido em tais arestos foi o de que «em matéria de despesas com pessoal, não é a respetiva elegibilidade que se encontra na dependência da demonstração positiva de que o trabalho foi efetivamente prestado no âmbito da campanha eleitoral, mas a respetiva inelegibilidade que se encontra na dependência da demonstração positiva de que o trabalho não foi prestado no âmbito da campanha eleitoral».

Já no que respeita a despesas com ajudas de custo pagas a funcionários cedidos pelo partido, considerou o Tribunal que tal pagamento, «na medida em que pressupõe uma atividade geradora de custos acrescidos, apenas poderá ser comprovado através de documentos cujo descritivo permita identificar a deslocação a que respeita a compensação atribuída e/ou a ação de campanha no âmbito da qual tal deslocação terá sido realizada» (cf. o Acórdão 177/2014, cujo entendimento foi reiterado no Acórdão 140/2015), tendo-se concluído nesta jurisprudência que, na falta de apresentação de documentos com tais características, se verificava um incumprimento do disposto no artigo 19.º, n.º 2, da LFP e, por consequência, a «realização do ilícito objetivo tipificado no n.º 1 do artigo 31.º da mesma Lei, na modalidade de insuficiente comprovação das despesas realizadas».

Mais recentemente, porém, no Acórdão 754/2020, o Tribunal afastou-se da sua jurisprudência anterior, tendo entendido que, para considerar comprovado o motivo da despesa, basta a circunstância de se estar perante ajudas de custo pagas a funcionários do partido, comprovadamente afetos à campanha, e reportadas ao período em que esta decorreu.

Neste acórdão, o Tribunal começou por salientar que do descritivo das notas de débito respeitantes ao pagamento das ajudas de custo constava a data e o número de dias em causa, sendo possível deduzir que o período a que se reportavam era anterior à data das eleições, constando no descritivo que a sua emissão é referente às ajudas de custo no âmbito da campanha. Considerou o Tribunal que tinham sido apresentadas igualmente, nas contas então em análise, as notas de débito relativas aos salários dos mesmos funcionários, não tendo sido colocada em causa, pela ECFP, a sua afetação à campanha, sendo por isso facilmente dedutível que estes se encontravam em exclusivo a trabalhar na mesma. Assim, estando provado que os trabalhadores a quem foram pagas as aludidas ajudas de custo eram funcionários do partido cedidos à campanha, considerou o Tribunal que as respetivas notas de débito, com o nome, a data, os dias e o valor/dia, a que se reportavam as respetivas despesas com as ajudas de custo, eram suficientes para cumprir com o exigido pelo disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 15.º e no n.º 2 do artigo 19.º, todos da LFP, tendo sido afastada a prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Este entendimento veio a ser posteriormente reiterado no Acórdão 386/2021. Neste aresto, o Tribunal apreciou um conjunto de notas de débito respeitantes a ajudas de custo pagas a pessoal cedido pelo PCP, no sentido de saber se o respetivo descritivo era suficientemente completo e claro para certificar cada ato de despesa, nos termos exigidos pelo artigo 19.º da LFP. Depois de realçar que nos descritivos de tais notas de débito se refere que a sua emissão diz respeito a ajudas de custo no âmbito das eleições legislativas, durante um determinado período, cujas datas são congruentes com o número de dias nelas mencionado e com a data da sua emissão, salientou ainda o Tribunal que tudo apontava no sentido de que o período a que se reportavam era anterior à data das eleições, estando também confirmado que os trabalhadores identificados eram funcionários do Partido, constando também das notas de débito relativas a salários de pessoal, cuja afetação à campanha não havia sido questionada. Concluiu, por isso, o Tribunal que a junção, nestas circunstâncias, de notas de débito com o nome, a data, os dias e o valor/dia a que se reportavam as respetivas despesas com ajudas de custo era suficiente para que se considerasse cumprido o dever previsto no artigo 19.º, n.º 2, da LFP, «não comprometendo, assim, a atividade de fiscalização da ECFP, nem deixando espaço para dúvidas quanto à transparência e fiabilidade das contas (porque comprovado o motivo da despesa sem que a Entidade tenha aduzido qualquer argumento demonstrador da irrazoabilidade do montante pago a título de ajudas de custo)».

23.3 - No caso dos autos, conforme referido, foi devido às deficiências apontadas ao descritivo dos documentos de suporte das despesas com ajudas de custo - pela falta de elementos que permitam identificar, designadamente, os serviços prestados, nem mapas de controlo de horas, deslocação a que respeitam e/ou ação de campanha em que a despesa foi realizada - que a ECFP considerou que tais despesas não estão suficientemente detalhadas, justificadas e discriminadas, tendo concluído pelo preenchimento do elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Assim, não está aqui em causa, no que respeita às referidas despesas com ajudas de custo, qualquer questão relacionada com a sua inelegibilidade enquanto despesas de campanha, ao contrário que pressupõem os recorrentes.

No entanto, conforme tem entendido o Tribunal Constitucional, resulta do regime jurídico do financiamento das campanhas eleitorais que toda a despesa elegível - isto é, de que não haja razões para duvidar ter sido efetuada pela candidatura, «com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo» (cf. artigo 19.º, n.º 1, da LFP) - carece de ser documentada, realizando-se tal documentação através da «junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa» (cf. artigo 19.º, n.º 2, ibidem).

Por isso, «a ausência ou insuficiência da documentação para esse efeito disponibilizada constitui em si mesma - isto é, independentemente do modo como afete o estabelecimento da elegibilidade da despesa em causa - o incumprimento de um dever expressamente imposto pela Lei 19/2003, mais concretamente daquele que resulta do disposto no n.º 2 do respetivo artigo 19.º» (cf. o Acórdão 177/2014).

Verifica-se que constam dos "documentos de despesa" enumerados no ponto 9. dos factos provados, apresentados como documentos de suporte no que respeita ao pagamento das mencionadas ajudas de custo, as datas de emissão e, inclusive, em alguns casos, as datas a que se referem os valores pagos, bem como o montante e o motivo de tal pagamento: o valor diário de (euro)15,00, ao qual, em alguns casos, é subtraído o valor de (euro)4,00 ou de (euro)8,00 (o que é consentâneo com a explicação adiantada pelo recorrente PCP, segundo a qual, nos casos em que tenham sido fornecidas refeições, foi descontado o valor de (euro)4,00 por cada refeição fornecida). No que respeita à ação de campanha a que se reporta o pagamento em questão, na maior parte dos casos, consta apenas a referência a "Caravana 2014" ou a "Caravana CDU-PE 2014" (cf. os primeiros 89 "documentos de despesa" enumerados no ponto 9. dos factos provados), sendo que noutros casos os documentos são completamente omissos a esse respeito (cf. os seguintes 55 documentos, ibidem), existindo ainda um conjunto de documentos em que é feita menção à ação de campanha a que se reportam (cf. os últimos 47 documentos elencados no ponto 9. dos factos provados). É certo, por outro lado, que as datas dos documentos em questão (entre 25-04-2014 e 24-05-2014), permitem supor que se trata de despesas «com intuito ou benefício eleitoral», porque efetuadas nos «seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo» (cf. o artigo 19.º, n.º 1, da LFP).

No entanto, mesmo que se ponderasse, em consonância com a mais recente jurisprudência do Tribunal (cf. os referidos Acórdãos n.os 754/2020 e 386/2021), atribuir relevância a tais elementos para efeitos de cumprimento do dever previsto no artigo 19.º, n.º 2, da LFP, a verdade é que, contrariamente ao que se verificava nos casos analisados em tais arestos, não resulta dos autos que os valores de ajudas de custo em análise tenham sido pagos a funcionários do PCP destacados para a campanha ou a pessoal contratado. Com efeito, embora constem dos documentos de despesa os nomes das pessoas a quem foram pagos tais valores (ainda que, em alguns casos, com referência apenas ao nome próprio), não existem elementos que permitam concluir que as referidas ajudas de custo foram pagas a funcionários do Partido que tenham sido cedidos à campanha, uma vez que, no presente caso, não existe coincidência entre as pessoas identificadas nos mencionados "documentos de despesa", que suportam o pagamento das ajudas de custo, e as identificadas nas notas de débito relativas aos salários pagos a funcionários cedidos pelo PCP ou a pessoal contratado pela campanha (cf. o ponto 1. dos factos não provados e respetiva motivação).

Assim, face à falta deste elemento - determinante para o entendimento seguido pelo Tribunal nos Acórdãos n.os 754/2020 e 386/2021 - não é possível, sem outros elementos, designadamente, os referidos na decisão recorrida, dar por cumprido o exigido pelo disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 15.º e no n.º 2 do artigo 19.º, todos da LFP. Consequentemente, é de concluir, a este respeito, nos termos expostos, pelo preenchimento do tipo objetivo do ilícito contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da mesma LFP.

25 - [sic] A factualidade dada como provada nos pontos 5. a 9. dos factos provados impõe a conclusão, pelas razões expostas, que se mostram preenchidos os pressupostos do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes em sentido contrário.

No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige, conforme referido, que tenha existido atuação dolosa do agente. No caso, a decisão sancionatória ora recorrida imputou os factos aos partidos recorrentes a título de dolo, na modalidade de dolo eventual. Afirma-se ainda, em tal decisão, que os arguidos tiveram consciência da ilicitude dos factos.

A este respeito, os recorrentes alegam, em síntese, que a decisão recorrida não contém factos que fundamentem a atuação a título de dolo, estando, por isso, ferida de nulidade, por falta de um elemento essencial, e, ainda, que não agiram dolosamente, mas, sim, na convicção de cumprimento escrupuloso da lei (cf., em especial, os pontos 55.º a 62.º do recurso interposto pelo PEV e os pontos 26.º a 43.º do recurso interposto pelo PCP).

Mas sem razão.

Com efeito, resulta da factualidade descrita nos pontos 10. a 14. dos factos provados que teve lugar uma atuação dolosa dos arguidos, na modalidade de dolo eventual (modalidade menos grave do dolo, que consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, mas conformando-se com tal possibilidade). Essa atuação dos arguidos encontra-se suficientemente sustentada em factos, não existindo, assim, qualquer vício. Com efeito, na decisão recorrida e na matéria de facto ora dada como provada, concretiza-se que os arguidos, ao agirem da forma anteriormente narrada, representaram como possível o resultado da sua conduta (que ali se descreve por referência a cada irregularidade em causa nos autos) e se conformaram com essa possibilidade, apresentando as contas nas condições relatadas.

Por outro lado, pelas razões acima apontadas na motivação da decisão da matéria de facto - conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum; não retificação das contas mesmo após o conhecimento, através da notificação do relatório da ECFP, das situações em análise; apreciação e julgamento das irregularidades em causa por vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional; e experiência dos partidos -, é de entender que ficou provada a atuação dolosa por parte de todos os arguidos (cf. os pontos 10. a 13. da matéria provada).

Quanto à consciência da ilicitude, no ponto 14. dos factos provados refere-se expressamente que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, tendo-se justificado, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões pelas quais se deu como provado esta matéria.

Em face do exposto, conclui-se que a conduta dos arguidos integra os elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação prevista e sancionada no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

D.2. Das consequências jurídicas da contraordenação

26 - O PEV e o PCP manifestam a sua discordância quanto à decisão recorrida, alegando que esta, em vez de decidir a aplicação de uma coima à CDU - que foi a entidade que apresentou a candidatura e, consequentemente, apresentou as respetivas contas de campanha eleitoral, sendo solidariamente responsáveis os dois partidos integrantes daquela coligação - a ECFP decidiu desdobrar/multiplicar as coimas por cada um dos partidos que a integraram, o que é manifestamente errado e ilegal. Concluem, por isso, que a condenação, a existir, deverá ser dos partidos que compõem a referida coligação, numa única coima, e não de cada um dos partidos da coligação, de per si, separada e individualizadamente, em igual montante (cf. os pontos 63.º a 92.º das alegações de recurso do PEV e 44.º a 71.º das alegações de recurso do PCP).

Esta matéria foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 386/2021, relativo às contas respeitantes à campanha para as eleições legislativas de 2015, em que os partidos ora recorrentes colocaram questões semelhantes. Em tal acórdão afirmou-se o seguinte:

«O Tribunal Constitucional tem vindo a pronunciar-se sobre a responsabilidade contraordenacional de condutas em matéria de financiamento de campanha eleitoral desenvolvida por uma coligação de partidos. Por exemplo, pode ler-se no Acórdão 669/2016 (reproduzindo jurisprudência anterior) que «(...) apesar de o artigo 31.º, n.º 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho, "apenas prever expressamente a punição de Partidos, nada dizendo acerca das Coligações, deve entender-se que as ações e omissões imputáveis a estas são sancionáveis nos mesmos termos", o que significa que a responsabilidade pelas ilegalidades e irregularidades cometidas pela [Coligação], no âmbito da campanha, recairá sobre os partidos políticos que a integram [...] (Acórdãos n.os 417/2007, 87/2010, 316/2010, 177/2014 e 140/2015)».

Com efeito, apenas este entendimento se coaduna com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto, nos termos do qual «uma coligação não constitui entidade distinta da dos partidos políticos que a integram».

Acresce que as coligações constituídas nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 22.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei 14/79, de 16 maio), salvo situações em que na sua constituição se preveja um período superior de duração ou em que ocorra uma prorrogação deste, extinguem-se assim que seja tornado público o resultado das eleições

(cf. n.º 2 do mesmo artigo).

Do exposto resulta que a responsabilidade contraordenacional pelas irregularidades cometidas pela Coligação CDU - Coligação Democrática Unitária, no âmbito da prestação de contas respeitantes à campanha para as eleições legislativas de 2015, recai sobre os partidos políticos que a integram, no caso, sobre o PCP e o PEV, pelo que não podia a ECFP, ao contrário do que sustentam os recorrentes Partidos, aplicar uma coima à Coligação.

Questão relacionada com esta, mas, de certa forma, diferente é a de saber se foi correta a aplicação de uma coima a cada um dos Partidos ou se, ao invés, se impunha a aplicação de uma só coima aos dois Partidos, em regime de «responsabilidade solidária».

Argumentam os recorrentes que a jurisprudência do Tribunal Constitucional que equipara as «coligações eleitorais» aos «partidos políticos» visa tão-só evitar, por via do sancionamento destes, que a ausência daquelas da letra da norma sancionatória conduza a uma situação de impunidade, não querendo, todavia, significar o desdobramento da coima destinada, em tese, à Coligação em duas coimas, a aplicar a cada um dos partidos coligados.

Ora, se em arestos anteriores não resulta expressamente definida qual a solução adotada, pelo menos, no recente Acórdão 758/2020, em que estava em causa uma situação idêntica à dos autos, é manifesto que o Tribunal manteve, sem problematização, a aplicação (decidida pela ECFP) de uma coima a cada um dos Partidos integrantes da Coligação.

Por outro lado, afigura-se-nos que essa é a única solução consentânea com a forma de execução dos factos e de participação dos Partidos, que, no caso, como decorre da matéria de facto provada, corresponde à coautoria. Com efeito, estamos perante uma realização conjunta dos factos, que cada um dos Partidos dominava ou podia dominar em colaboração com o outro (não sendo - sublinha-se - imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os atos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado), com consciência da cooperação na ação comum e, por isso, qualquer dos coautores responde pela totalidade da realização típica. Como estabelece o n.º 1 do artigo 16.º do RGCO (que regula a comparticipação), «[s]e vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contraordenação [...]».

Esta fundamentação, que veio a ser recentemente reafirmada no Acórdão 25/2022, é inteiramente aplicável ao caso dos presentes autos, pelo que, não havendo novas razões ou argumentos que motivem a sua reponderação, deve ser aqui reiterada, concluindo-se, com base na mesma, que não assiste razão aos recorrentes quanto a esta matéria.

Finalmente, tendo em atenção a moldura abstrata aplicável - entre 10 e 200 vezes o SMN de 2008 (cf. artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP) -, bem como os critérios de determinação da medida concreta da coima previstos no artigo 18.º do RGCO, é de entender que a ponderação efetuada na decisão recorrida, que fixou as coimas em valores próximos dos respetivos limites mínimos, se afigura correta, sendo por isso de manter as sanções concretamente aplicadas.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes os recursos interpostos pelo PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS e pelo PARTIDO ECOLOGISTA "OS VERDES" da decisão de 14 de abril de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, consequentemente, condenar:

a) O PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, enquanto partido integrante da CDU - COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA, numa coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;

b) O PARTIDO ECOLOGISTA "OS VERDES", enquanto partido integrante da CDU - COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICA UNITÁRIA, numa coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Atesto o voto de conformidade do Senhor Conselheiro Teles Pereira, que não assina por não estar presente, e o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Lino Ribeiro (com exceção dos pontos 4 e 10, pelas razões constantes das declarações de voto juntas no Acórdão 421/2020), Afonso Patrão, Mariana Canotilho, Maria Benedita Urbano e Ascensão Ramos, que intervieram por meios telemáticos. - Pedro Machete.

Lisboa, 28 de junho de 2022. - Pedro Machete - Assunção Raimundo - Joana Fernandes Costa - Gonçalo Almeida Ribeiro - José João Abrantes - João Pedro Caupers.

315668863

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5056184.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

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