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Acórdão 757/2020, de 4 de Fevereiro

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Sumário

Julga parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e pelo Mandatário Financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que julgou prestadas com irregularidades as contas da campanha eleitoral respeitante à eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015

Texto do documento

Acórdão 757/2020

Sumário: Julga parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e pelo Mandatário Financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que julgou prestadas com irregularidades as contas da campanha eleitoral respeitante à eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015.

Processo 161/2020

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Na sequência da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), de 12 de junho de 2018, que julgou prestadas, com as irregularidades que ali se discriminam, as contas de campanha, respeitantes às eleições para a Assembleia da República, realizadas em 4 de outubro de 2015, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e o Mandatário Financeiro, Domingos António Caeiro Bulhão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PCTP/MRPP (Processo 18/2018), por decisão proferida em 14 de novembro de 2019, a ECFP aplicou ao Partido uma coima no valor de (euro)5.538,00, equivalente a 13 (treze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante "LFP").

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra Domingos António Caeiro Bulhão, enquanto Mandatário Financeiro da Campanha (Proc. n.º 19/2018), por decisão proferida em 14 de novembro de 2019, a ECFP aplicou uma coima no valor de (euro)1.278,00, equivalente a 3 (três) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

2 - Notificados desta decisão, o PCTP/MRPP e Domingos António Caeiro Bulhão apresentaram recurso de contraordenação das respetivas decisões sancionatórias.

3 - Recebidos os requerimentos de recurso das decisões de aplicação de coimas, a ECFP sustentou as decisões recorridas e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

4 - O Tribunal Constitucional admitiu os recursos e os processos foram com vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

5 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito dos recursos das decisões sancionatórias da ECFP, pronunciando-se pela improcedência dos recursos, e os recorrentes apresentaram resposta, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

6 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas, doravante "LEC"), introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, v. Acórdão 421/20.

III - Questão Prévia - requerimento de prova

Relativamente ao requerimento de prova do PCTP/MRPP, designadamente testemunhal, considerando que os elementos documentais juntos aos autos são suficientes e aptos a proferir a decisão sobre a matéria factual que com as mesmas se pretendia provar, como resulta da factualidade dada como provada, não se considera existir qualquer utilidade na sua realização, pelo que se indefere. Com efeito, importa ainda notar que a imputação efetuada na decisão recorrida respeita à insuficiência da documentação fornecida pela campanha, a qual, não permitindo saber o que se pagou, inviabiliza o controlo da razoabilidade dos preços, como adiante se desenvolve na decisão de direito.

IV - Do Recurso da decisão da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha

7 - Dos factos

A. Factos Provados

Com relevo para a decisão provou-se que:

1 - O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) é um partido político português, constituído em 18 de fevereiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - O PCTP/MRPP apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3 - O PCTP/MRPP constituiu Domingos António Caeiro Bulhão como mandatário financeiro das contas de campanha.

4 - O PCTP/MRPP apresentou, em 18 de julho de 2016, junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.

5 - Nas contas apresentadas foram registadas despesas de campanha, com o seguinte documento de suporte (fatura):

5.1 - Fatura n.º FT M/930, emitida em 02/10/2015, pelo fornecedor "Limitless Media, Unipessoal, Lda.", no valor total de (euro)17.500,00, com o descritivo "Serviços prestados durante o período de Campanha Eleitoral; Concepção da Campanha; Comunicação Impressa; Estruturas, Cartazes e Telas";

5.2 - Fatura n.º 3586, emitida em 02/10/2015, pelo fornecedor de "DoWhile - Sistemas de Informação Lda.", no valor de (euro)15.073,65, com o descritivo "Serviços de multimédia, audiovisuais e informática, no âmbito da campanha para as eleições legislativas, Outubro 2015";

5.3 - Fatura n.º 14 A/42119, emitida em 29/09/2015, pelo fornecedor "Tipografia Lobão, Lda.", no valor de (euro)1.137,75, com o descritivo: Quantidade 20000, "Tríptico Eleições 2015/Formato A3 (aberto)/Papel|OR 80g/ Acabamento com duas dobras; Quant 80, Faixas para Muppis, 60 Lisboa, 20 Setúbal";

5.4 - Fatura n.º 14 A/42090, emitida em 24/09/2015, pelo fornecedor "Tipografia Lobão, Lda.", no valor de (euro)1.114,38, com o descritivo Quant 20000, "Díptico Braga - Eleições 2015, Quant 12, Mupis Braga Eleições 2015";

5.5 - Fatura n.º 14 A/42091, emitida em 24/09/2015, pelo fornecedor "Tipografia Lobão, Lda.", no valor de (euro)1.084,86, com descritivo Quant. 26, "Mupis Comício/AR 2015; Quant. 200, Cartazes Comício AR 2015 formato 70x50cm/ 4/0 cores; Quant. 50 Mupis Comício AR 2015";

5.6 - Fatura n.º 1/017199, emitida em 18/09/2015, pelo fornecedor "CENTRAL DE BANDEIRAS, LDA.", no valor de (euro)2.097,46, com o descritivo "PENDÕES VOTA PCTP IMPRESSO EM TEXTIL, DISPLAY - MANGA NO TOPO 100X270 Quant. 4, preço unit. 70,00; PENDÃO PCTP IMP. TEXTIL DISPLAY 56X100, Quant. 1, preço unit. 30,00; BAND. PCTP C/ TUBO PVC 160X112 Quant. 4, preço unit. 60,00; FAIXAS VARIOS DIZERES C/ ILHOSES Quant. 6, preço unit. 160,00; FAIXA PCTP C/ILHOSES 500X130 Quant. 1, preço unit. 185,00; PANO VERMELHO 590X150 Quant. 1, preço unit. 100,00";

5.7 - Fatura n.º 1500/000097, emitida em 01/10/2015, pelo fornecedor "Narrativa Dinâmica, Com. Visual, Unipessoal, Lda.", no valor de (euro)1.586,70, com o descritivo "Materiais Promocionais para campanha 70% PCTP/MRPP A.R. 2015; Materiais Promocionais Extras: (Carta Aberta à Juventude, » Diptico Braga, » Mupi Braga - Adaptação, » Mupi Porto - Adaptação, » Mupi - Setubal - Adaptação,» Mupi Comicio, » Mupi Nacional - Adaptação, » Outdoor Braga - Adaptação, » Outdoor Nacional - Adapt";

6 - Ao agirem conforme o descrito em 5.1, 5.2, 5.4 e 5.7, os Arguidos representaram como possível que o conteúdo de tais faturas não permitisse identificar os serviços efetivamente pagos, conformando-se com essa possibilidade.

7 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e sancionável no plano contraordenacional, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

8 - O PCTP/MRPP, nas contas referidas em 3., registou despesas no valor total de (euro)68.449,81 e receitas no valor de (euro)58.152,6.

9 - O PCTP/MRPP não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas no ponto 2.

10 - O Arguido Domingos António Caeiro Bulhão vive com a esposa, exercendo a atividade profissional de vendedor de automóveis, pela qual aufere o vencimento base de (euro)600,00.

11 - No mês de julho de 2019, o Arguido Domingos António Caeiro Bulhão auferiu o vencimento líquido de (euro)857,55.

B. Factos Não Provados

Com relevo para a decisão, não se provou que o descritivo de suporte das faturas referidas em 5.3, 5.5 e 5.6 não permite esclarecer aquilo que efetivamente se pagou.

C. Motivação

A prova da factualidade dada como provada nos pontos 1. a 12. resultou da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos.

Concretizando, relativamente à factualidade elencada no ponto 1., foi considerado o teor da publicação existente no sítio da Internet do Tribunal Constitucional, da qual a mesma se extrai; a factualidade do ponto 2., 3. e 4. adveio do teor de fls. 3 a 9, 13 a 28 e 5 do processo administrativo relativo à apreciação das contas aqui em apreço (PA-9/AR/15/2018), apenso aos presentes autos.

No que respeita à matéria de facto provada elencada nos pontos 5. a 5.7., a mesma resultou do teor das faturas juntas aos presentes autos a fls. 23 a 29, de cuja análise a mesma se extrai. A alteração da factualidade do ponto 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 resultou da análise das faturas juntas aos autos a fls. 27 e 28, as quais continham mais informação relativa aos produtos e serviços adquiridos - designadamente a quantidade adquirida - e não foi formalmente comunicada ao Arguido, por lhe ser favorável.

A factualidade do ponto 6. resulta da análise do descritivo de cada uma das faturas, donde se concluiu que somente o descritivo das mencionadas em 5.1, 5.2, 5.4 e 5.7 se revela insuficiente, pois não permite esclarecer o que efetivamente se pagou.

Concretizando, a fatura de (euro)17.500,00, emitida pelo fornecedor Limitless Media, Unipessoal, Lda., faz referência a Conceção da campanha, Comunicação Impressa e Estruturas, Cartazes e Telas mas não esclarece, relativamente à conceção de campanha, quantas pessoas estiveram envolvidas na prestação dos serviços e qual a duração, ainda que aproximada, do trabalho, nem relativamente à Comunicação impressa e às estruturas, cartazes e telas, informa de que são feitos os cartazes, qual o tipo de impressão e quais as respetivas dimensões, não permitindo, assim, minimamente, saber o que se pagou.

De igual forma, a fatura referida em 5.2 limita-se a referir Serviços de multimédia, audiovisuais e informática, no âmbito da campanha para as eleições legislativas, Outubro 2015. Na falta de informação relativa ao número de filmes produzidos ou realizados e às respetivas durações, não é possível avaliar o que foi realmente pago, razão pela qual a fatura é incompleta.

No que respeita às faturas referidas em 5.4 e 5.7, sem conhecer as dimensões e os materiais utilizados e respetivas características, como a gramagem, fica-se sem saber o que realmente se pagou.

Contrariamente, das faturas constantes de 5.3, 5.5 e 5.6, parece perceber-se o que foi pago. Note-se que os cartazes, trípticos e pendões se encontram previstos na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 125, de 2 de julho, e que as faturas indicam o número, as dimensões, os materiais utilizados e o preço unitário de cada estrutura e serviço, mostrando-se esta informação suficiente para aferir da razoabilidade do preço.

A prova da factualidade constante nos pontos 7. e 8. dos factos provados extrai-se da matéria dada como provada - que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação; tanto mais quanto do relatório da ECFP de fls. 33 a 63 do processo administrativo apenso constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e respetivo Mandatário Financeiro foram do mesmo notificados; e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas ou facultarem documentação adicional ou esclarecimentos suplementares, não o fizeram.

Note-se que no requerimento de recurso o PCTP/MRPP protestou juntar documentos relacionados com as faturas, encomendas e orçamentos; porém, não o fez.

A factualidade constante do ponto 9. dos factos provados resultou do cálculo aritmético das parcelas constantes da demonstração de resultados de fls. 15 do processo administrativo, apenso aos presentes autos.

A prova da matéria indicada no ponto 10. dos factos provados adveio do teor de fls. 15 do PA 9/AR/15/2018, apenso aos presentes autos.

A factualidade dos pontos 11. e 12. resulta da análise do teor da defesa apresentada pelo arguido, assim como do recibo de remunerações junto aos autos pelo arguido.

A factualidade não provada resultou da análise dos documentos referidos em 5.3, 5.5 e 5.6.

8 - Do Direito

8.1 - Da responsabilidade contraordenacional do PCTP/MRPP

A decisão recorrida condenou o PCTP/MRPP pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, com fundamento em sete faturas apresentadas pelo PCTP/MRPP, relativamente às quais, segundo a ECFP, «não foi possível concluir sobre a razoabilidade do montante das despesas registadas nas mencionadas faturas face aos valores de mercado, já que, por um lado, o descritivo das faturas se apresenta insuficiente e, consequentemente, inviabiliza a possibilidade de cotejar tais valores com os indicados na listagem de referência n.º 38/2013, de 2 de julho, e, por outro lado, ainda que assim não fosse, existem despesas cujos bens e/ou serviços não têm referência na referida Listagem e não foram juntos com a prestação de contas outros elementos que permitam concluir que os preços praticados correspondem aos preços de mercado naquele período temporal».

Parecem ser dois os problemas detetados nas faturas: (i) insuficiência ou falta de clareza do descritivo e (ii) o facto de estarem em causa produtos ou serviços que não constam da Listagem 38/2013 e não ter sido feita prova de que os preços praticados correspondem aos preços de mercado naquele período temporal.

Ora, desde logo, importa afastar qualquer responsabilidade relativa ao segundo grupo. Com efeito, como o Tribunal já disse, por exemplo no Processo 311/2019, no caso de bens ou serviços que não constam da Listagem indicativa prevista no artigo 9.º, n.º 2, da LEC, é à ECFP que cabe, através de consultas de mercado, determinar esses preços para fazer o controlo da razoabilidade e aferir se determinado bem ou serviço foi adquirido a um preço inferior ou superior ao preço de mercado.

Analisemos então o problema da insuficiência das facturas, não sem antes analisar o que dizem o Partido e o Mandatário Financeiro nos respetivos recursos.

O PCTP/MRPP sustentou que «do libelo acusatório não resulta clara qual a contraordenação cometida e como lhe é imputada a título de dolo»; e que, «uma eventual falta de clareza nas faturas [...] não lhe pode ser assacada» pois «não pode ser responsabilizado pela forma como os fornecedores emitem as faturas»; por fim, afirmou ainda que «nas faturas é indicado o produto fornecido, a quantidade e o valor unitário», dados que, no seu entender, permitem a comparação aos preços de mercado em 2005 e aos indicados na Listagem 38/2013, que entende estar desatualizada. Em todo o caso, sustenta que o montante da coima é excessivo, pois respondeu a todas as informações e colaboração pedidos, para além de não ter agido com qualquer espécie de dolo.

Por sua vez, o Recorrente Domingos Bulhão invoca que os preços praticados pelos fornecedores em causa correspondem aos preços de mercado e que é à ECFP que compete fazer prova de que assim não é, designadamente de que havia "alternativa de mercado" que permitia preços mais favoráveis.

Sublinha ainda que está em causa uma pequena organização política, sem representação parlamentar, e, quanto à sua situação pessoal, que vive exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho, auferindo rendimentos modestos.

Vejamos.

Em primeiro lugar, importa referir que da decisão administrativa resulta claro quais os factos imputados, bem como o direito aplicado, sendo, por isso, improcedente a alegada falta de clareza de tal decisão.

Outra questão é a de saber se tal decisão é de confirmar ou não.

Começando pelo primeiro problema identificado, o da insuficiência da documentação de suporte da despesa, importa apreciar se efetivamente foi cometida a contraordenação pela qual foram condenados pela ECFP.

O Tribunal tem sucessivamente reiterado que o cumprimento do dever imposto pela segunda parte do n.º 2 do artigo 19.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade.

Situações em que o descritivo do documento de suporte se mostrou insuficiente ou pouco claro para os efeitos acabados de referir - por conter uma discriminação vaga e imprecisa de cada um dos elementos implicados no serviço globalmente prestado - foram consideradas violação do dever de comprovação, através de documentos de suporte suficientemente concludentes e completos, das despesas da campanha eleitoral, imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2 da LFP (Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016).

Corresponde igualmente a jurisprudência uniforme e reiterada que tal violação é relevante no plano contraordenacional, nos termos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º do mesmo diploma legal, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.

Ora, conforme resulta da factualidade provada, quatro das sete faturas indicadas na decisão recorrida - pontos 5.1, 5.2, 5.4 e 5.7 - apresentam um descritivo que não permite identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou.

O PCTP/MRPP entende que a responsabilidade pela insuficiência do suporte documental não lhe pode ser assacada porque não pode ser responsabilizado pela forma como os seus fornecedores emitem as faturas. Ora, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, o que é certo é que compete ao Partido fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa.

Por último, quanto ao alegado pelo recorrente Domingos Bulhão relativamente à razoabilidade das despesas efetuadas e à questão de saber a quem compete provar tal razoabilidade, considerando que já se afastou a responsabilidade relativa a esta imputação, nada há a adiantar.

Para além do preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 31.º da LFP, a responsabilidade contraordenacional que vem imputada pressupõe uma atuação dolosa, podendo esta ocorrer em qualquer uma das três modalidades em que o dolo é legalmente admitido: dolo direto, necessário ou eventual.

A este respeito, provou-se que os Arguidos, ao atuarem da forma descrita, representaram como possível que a documentação que apresentaram para justificar as despesas referidas nos pontos 5.1, 5.2, 5.4 e 5.7 não detalhasse cada uma das despesas, impossibilitando a verificação da razoabilidade dos preços, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

Estão, assim, verificados, na modalidade correspondente ao dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo do ilícito.

Finalmente, os recorrentes defendem que as coimas aplicadas pela ECFP são excessivas, devendo ser reduzidas.

9 - Medida concreta das coimas

Consideradas as conclusões alcançadas quanto à inexistência de três das sete situações que integravam a segunda irregularidade, o Tribunal considera adequado reduzir as coimas aplicadas pela ECFP:

Do PCTP/MRPP, de 5.538,00, equivalente a 13 (treze) SMN de 2008, para o mínimo legal de 10 (dez) SMN de 2008, no montante de (euro)4.260,00;

Do Mandatário Financeiro, de (euro)1.278,00, equivalente a 3 (três) SMN de 2008, para 1 (um) SMN de 2008, no montante de (euro)426,00.

V - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

1 - Julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e, consequentemente, reduzir a coima aplicada pela ECFP pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º e 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, que agora se fixa em 10 (dez) SMN de 2008, no montante de (euro)4.260,00;

2 - Julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Mandatário Financeiro, Domingos António Caeiro Bulhão, e, consequentemente, reduzir a coima aplicada pela ECFP pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º e 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, que agora se fixa em 1 (um) SMN de 2008, no montante de (euro)426,00.

O relator atesta o voto de conformidade ao presente acórdão do Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e dos Conselheiros José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros e Lino Ribeiro. João Pedro Caupers.

Lisboa, 17 de dezembro de 2020. - João Pedro Caupers - Pedro Machete - Gonçalo Almeida Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho - José João Abrantes - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo.

313932035

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4409692.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2015-04-10 - Lei Orgânica 5/2015 - Assembleia da República

    Atribui ao Tribunal Constitucional competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares, procedendo à sexta alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), e à quinta alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais)

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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