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Acórdão 240/2021, de 21 de Maio

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Sumário

Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2015 dos deputados à Assembleia da República, julgar improcedente o recurso interposto pelo Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC) da decisão proferida pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) em 8 de junho de 2018; julgar procedente o recurso interposto pela mandatária financeira da candidatura da decisão proferida pela ECFP em 7 de julho de 2020 e, em consequência, absolver a arguida e o arguido PPV/CDC da prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais

Texto do documento

Acórdão 240/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2015 dos deputados à Assembleia da República, julgar improcedente o recurso interposto pelo Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC) da decisão proferida pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) em 8 de junho de 2018; julgar procedente o recurso interposto pela mandatária financeira da candidatura da decisão proferida pela ECFP em 7 de julho de 2020 e, em consequência, absolver a arguida e o arguido PPV/CDC da prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Processo 895/20

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 8 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC), do qual Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro foi mandatária financeira [artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

Foram as seguintes as irregularidades discriminadas:

a) Publicação do anúncio de identificação do mandatário financeiro após o prazo legal, em violação do artigo 21.º, n.º 4, da LFP;

b) Incumprimento do dever de pagamento de despesas de campanha através da conta bancária especificamente constituída para o efeito, em violação do artigo 15.º, n.º 3, da LFP.

2 - O PPV/CDC interpôs recurso desta decisão, nos termos dos artigos 23.º da LEC e 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC») - cuja análise preliminar a ECFP relegou para momento posterior invocando a jurisprudência constitucional no sentido de determinar a subida de tais recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória -, arguindo vícios na notificação da decisão recorrida, questionando a «tempestividade» da decisão e invocando a sanação da irregularidade referida em a) supra, reveladora da falta de intenção da sua prática, a qual não é, assim, censurável, nem pode ser sancionada contraordenacionalmente, bem como a inexistência de dolo quanto à irregularidade mencionada em b) com a consequente falta de preenchimento do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional.

3 - Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PPV/CDC e contra a mandatária financeira do Partido pela prática da irregularidade referida em b) supra.

4 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PPV-CDC (Processo 14/2018), por decisão de 7 de julho de 2020, a ECFP aplicou a sanção de admoestação, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, por referência à irregularidade referida em b) supra.

5 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro, enquanto mandatária financeira do Partido (Processo 15/2018), por decisão de 7 de julho de 2020, a ECFP aplicou a sanção de admoestação, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, por referência à irregularidade referida em b) supra.

6 - Notificados ambos os arguidos destas decisões sancionatórias, apenas Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro interpôs recurso, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, alegando, em síntese, que agiu com mera negligência, pelo que, sendo a contraordenação que lhe é imputada apenas sancionada a título de dolo, deve ser absolvida.

7 - Recebido o requerimento deste recurso, a ECFP sustentou as duas decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

8 - O Tribunal Constitucional admitiu os recursos interpostos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

9 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito dos recursos.

10 - Notificados de tal parecer, os arguidos nada disseram.

II - Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

11 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei - 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) -, ainda não havia sido apurada a responsabilidade contraordenacional do PPV/CDC e respetiva mandatária financeira, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

A referida Lei Orgânica introduziu profundas alterações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas contas.

Na síntese do Acórdão 421/2020:

«A alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC).

No plano processual, porém, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo. Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.

Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.os 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).

De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).

Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).

Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP [...].»

Foi o que sucedeu nos presentes autos, tendo sido proferidas pela ECFP, ao longo das fases referidas, duas decisões: (i) decisão que julgou as contas da companha eleitoral em causa prestadas com irregularidades e (ii) decisão sobre as contraordenações em matéria dessas mesmas contas, que condenou o PPV/CDC e a mandatária financeira, aplicando-lhes a sanção de admoestação.

Afigura-se-nos que, nos termos do novo regime, qualquer destas decisões - mesmo a primeira - é autonomamente recorrível para o Tribunal Constitucional.

No que especificamente respeita à decisão proferida na primeira fase do processo, essa recorribilidade parece decorrer, desde logo, do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «Recurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso, e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, quando estabelece que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.». Da letra deste artigo resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, vide o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser essa a ideia subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que afetem direitos e interesses legalmente protegidos.

Afirmada a recorribilidade da decisão - de resto, de harmonia com o entendimento plasmado no sobredito Acórdão 421/2020 -, o respetivo recurso subirá a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória (como se sustenta naquele Acórdão, esta é «a única [solução] que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», pois só assim «se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018.»).

B. Do mérito dos recursos

B.1. Do recurso da decisão da ECFP, de 8 de junho de 2018, sobre a prestação de contas da campanha eleitoral (interposto pelo PPV/CDC)

12 - Notificação da decisão

Sustenta o recorrente que a notificação da decisão impugnada, não contendo a indicação do prazo para recurso, limitou o seu direito de defesa, por omitir um elemento essencial ao seu exercício, vício que afeta a própria decisão, ferindo-a de nulidade, por violação do princípio do contraditório.

Ora, mesmo que a omissão no ato de notificação da decisão administrativa do prazo para recurso configure, em abstrato, um vício gerador de nulidade (que sempre seria do iter do processo e não da decisão em si) arguível em sede de recurso da decisão, certo é que o Partido logrou recorrer da decisão tempestivamente, tendo o recurso sido admitido, pelo que o seu direito de defesa em nada ficou prejudicado.

Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, improcede este fundamento do recurso.

13 - «Tempestividade» da decisão

Refere, ainda, o recorrente que «haverá que apurar a tempestividade da presente decisão, atendendo aos diplomas legais mencionados na mesma notificação e à data da apresentação das contas da campanha». Pese embora não se compreenda bem o alcance desta afirmação (não constitui verdadeira invocação de um vício do processo ou da decisão, nem fundamento de discordância da decisão recorrida), sempre se dirá que a norma que o recorrente indica para a sustentar - o artigo 43.º da LEC, sobretudo, o seu n.º 2 - é transcrita numa redação que não se aplica aos presentes autos (por ser anterior às alterações introduzidas pela Lei 1/2018, de 19 de abril - cf. o ponto 11 supra), designadamente, no que respeita ao prazo previsto naquele n.º 2 - cujo cumprimento o recorrente aqui questiona.

Em face do exposto, nada há a apreciar ou determinar a este propósito.

14 - Publicação do anúncio de identificação do mandatário financeiro após o prazo legal

O recorrente não contesta que a publicação do anúncio de mandatário financeiro em jornal de circulação nacional apenas foi feita no dia 8 de outubro de 2015, ou seja, fora do prazo previsto no n.º 4 do artigo 21.º da LFP (30 dias após o termo do prazo de entrega de listas ou candidatura a qualquer ato eleitoral), que terminava em 23 de setembro de 2015 (sobre a publicação do anúncio de identificação do mandatário financeiro após o prazo legal enquanto violadora do referido artigo 21.º, n.º 4, vide os Acórdãos n.os 175/2014 e 346/2012).

Argumenta, porém, que o fez sem intenção ou consciência de que cometia uma infração - como revela a circunstância de ter providenciado pela publicação assim que tomou conhecimento da sua obrigação -, pelo que a sua conduta não é censurável, a título de dolo ou negligência, e, como tal, não pode fundamentar a aplicação de uma coima pela prática de uma contraordenação.

Por aqui se vê que o recorrente confunde dois planos - a verificação de uma irregularidade na prestação das contas da campanha e a responsabilização contraordenacional pela prática dessa irregularidade -, os quais têm subjacentes juízos e imputações diferentes.

Ora, a decisão em apreço, que se insere no primeiro plano, é meramente declarativa e não sancionatória, pelo que os argumentos invocados, não respeitando ao juízo relativo à regularidade das contas, mas, sim, a critérios de imputação subjetiva apenas aplicáveis em sede de responsabilidade contraordenacional - a qual não foi sequer afirmada por referência a esta específica irregularidade -, não relevam neste domínio. Efetivamente, não está em causa, neste âmbito, uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.

Em face do exposto, confirma-se a verificação da irregularidade por violação do artigo 21.º, n.º 4, da LFP.

15 - Incumprimento do dever de pagamento de despesas de campanha através da conta bancária especificamente constituída para o efeito

No recurso o PPV/CDC invoca, em sua defesa, para além da circunstância de se estar perante um episódio pontual e um valor diminuto, a inexistência de dolo quanto à irregularidade consubstanciada no incumprimento do dever de pagamento de despesas de campanha através da conta bancária especificamente constituída para o efeito - que se deveu meramente a inexperiência da mandatária financeira e à sua situação pessoal à data -, com a consequente falta de preenchimento do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional.

Também neste caso o recorrente não nega a existência da referida irregularidade (violadora do dever previsto no artigo 15.º, n.º 3, da LFP), antes se insurge contra a sua imputação a título de dolo e o preenchimento do correspondente tipo subjetivo de ilícito contraordenacional. Ora, como se disse, uma vez que a decisão em apreço é meramente declarativa e não sancionatória, tais considerações não assumem relevância neste plano, porquanto não respeitam ao juízo relativo à regularidade das contas, mas, sim, à responsabilidade contraordenacional, matéria unicamente apreciada na decisão proferida pela ECFP em 7 de julho de 2020. Não está aqui em causa - repete-se - uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.

Mostra-se, então, verificada a irregularidade em apreço.

16 - Nestes termos, concluindo-se pela verificação das irregularidades apontadas - a qual, de resto, não é refutada -, improcede o recurso interposto pelo PPV/CDC.

B.2. Do recurso da decisão da ECFP, de 7 de junho de 2020, sobre as contraordenações em matéria de contas de campanha (interposto pela Mandatária Financeira)

Fundamentação de facto

17 - Factos provados

Com relevância, provou-se que:

1 - O Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) é um partido político português, constituído em 1 de julho de 2009, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - O Partido apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3 - O partido constituiu Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro como mandatária financeira das contas da campanha eleitoral mencionada em 2.

4 - O Partido utilizou, como conta bancária de campanha, a conta 99100066618, do Banco Montepio Geral.

5 - O Partido apresentou, em 18 de julho de 2016, junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à referida campanha, que complementou e retificou em 17 de outubro de 2017.

6 - Nas contas apresentadas foi registada a despesa da campanha paga a Sérgio Ferreira Cales da Silva, no valor de (euro)57,20, referente a deslocação à SIC para entrevista, ocorrida em 18 de setembro de 2015, tendo o pagamento sido efetuado através de conta diferente da identificada em 5.

7 - O PPV/CDC, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de (euro)1.085,00 e despesas no valor total de (euro)1.297,09.

8 - O PPV/CDC não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas em 2.

9 - A arguida assumiu funções no Partido na sequência de doença que em junho de 2014 acometeu o marido, impedindo-o de continuar a exercer a sua atividade partidária, e da qual este veio a falecer em agosto de 2015.

10 - A doença e morte do marido causaram tristeza, desolação e ansiedade à arguida, a qual tem, desde então, recebido acompanhamento psicológico.

18 - Factos não provados

Com interesse para a decisão, não se provou que:

1 - Ao agirem conforme descrito em 6., registando nas contas apresentadas a despesa de campanha paga através de conta diferente da conta bancária da campanha, sem que o valor em causa tivesse saído desta conta, o Partido e a mandatária financeira representaram como possível que tal não demonstrasse a real origem do valor utilizado, bem como o destino e motivo da despesa da campanha eleitoral e conformaram-se com essa possibilidade.

2 - O Partido e a mandatária financeira sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável.

19 - Motivação da matéria de facto

Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal teve, desde logo, em consideração factos notórios, isto é, do conhecimento geral (porque divulgados no sítio público do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt). No mais, a convicção do Tribunal formou-se com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos Processos de Contraordenação n.º 14/2018 (em que é arguido o Partido) e n.º 15/2018 (em que é arguida a sua mandatária financeira) e ao PA 17/AR/15/2018), como infra se explicitará.

Para prova da factualidade referida em 1. foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, do qual a mesma se extrai.

O facto mencionado em 2. resulta do teor do PA 17/AR/15/2018, constituindo o pressuposto da prestação de contas, e os vertidos em 3. e 4. constam, respetivamente, dos documentos de fls. 13 e 14 do mesmo PA.

A prova da factualidade narrada em 5. retira-se do teor de fls. 21 a 63 e 87 a 92 do PA 17/AR/15/2018.

Para prova da factualidade descrita em 6. o Tribunal baseou-se na análise conjugada do teor dos documentos de fls. 14, 29, 38 a 43, 62, 63 e 96 do PA 17/AR/15/2018, sendo certo que os arguidos também não a contestam.

A prova dos factos ínsitos em 7. e 8. decorre do teor dos documentos juntos a fls. 90 e 91 do PA 17/AR/15/2018.

Para prova do circunstancialismo relatado em 9. e 10. o Tribunal teve em consideração o auto de inquirição da testemunha Mara Emília Guerreiro de Avillez Melo e Castro, irmã da arguida, a qual corroborou, no essencial, o que vem sido alegado a este respeito pelos recorrentes, revelando, por força da convivência no contexto dessa relação de parentesco, conhecimento direto e plausível sobre os factos, o qual foi já valorado positivamente pela ECFP (cf. fls. 52 a 54 do Processo 15/2018).

Atentemos, agora, no factualismo não provado, cuja matéria constitui o cerne da impugnação. Falamos dos factos que a ECFP deu como provados para concluir que os arguidos atuaram com dolo eventual.

A convicção da ECFP baseou-se na conjugação da matéria objetiva dada como provada com as regras de experiência comum, reforçada pela circunstância de os arguidos, depois de terem tomado conhecimento da irregularidade em causa através do Relatório da ECFP sobre as contas e de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, nada terem feito. No caso particular da arguida, considerou-se que os factos provados sobre a sua situação pessoal não afastavam a conclusão de que esta estava ciente do ato praticado e do seu desvalor.

A impugnação centra-se, no essencial, na invocação da ausência de prova capaz de sustentar a atuação dolosa por parte da mandatária financeira do Partido. Começa esta por alegar que a decisão sancionatória não identifica factos que permitam afirmar a existência de dolo, limitando-se a extraí-lo da materialidade da conduta, o que equivale a dizer que o agente que pratica os factos age sempre com dolo, procedimento que viola o princípio da presunção de inocência. Seguidamente, critica a decisão por ter recorrido à dinâmica do processo de apreciação das contas, em concreto, à circunstância de a arguida, apesar de devidamente esclarecida pela ECFP, através do seu Relatório, da ilicitude das suas ações, nada ter feito para as corrigir, para dar como provado o dolo, na medida em que se serviu de acontecimentos posteriores para formar um juízo sobre a imputação subjetiva de factos que se consumaram integralmente no momento em que foram praticados. E termina censurando a desconsideração pela decisão sancionatória dos factos aí dados como provados sobre a situação pessoal da arguida, que, no seu entendimento, contextualizam de forma determinante a sua atuação, permitindo, caso não se tivesse partido do dolo como uma inevitabilidade comportamental, pelo menos, admitir como muito provável que a arguida foi simplesmente negligente.

Sobre a «prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo."» (Acórdão 98/2016).

Com efeito, o sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta.

Por outras palavras, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu dolosa ou negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, do contrário.

No sentido de que uma presunção ilidível de dolo ou de negligência não viola a presunção de inocência, pode ver-se a jurisprudência do TEDH citada por Paulo Pinto de Albuquerque in «Comentário do Código de Processo Penal», UCE, 2007, anotação ao artigo 127.º, pág. 339. Se é assim no âmbito criminal, pelo menos, por identidade de razão também deve sê-lo em matéria de contraordenações.

Volvendo ao nosso caso, em teoria, não estava vedado à ECFP afirmar um facto desconhecido - o dolo - com base em factos conhecidos - a materialidade da infração - recorrendo a um juízo de normalidade, alicerçado em regras da experiência comum, desde que razoável e fundamentado nos demais elementos disponíveis nos autos.

Dito isto, afigura-se-nos que a ECFP nesse exercício, por um lado, valorizou indevidamente certos elementos e, por outro, desconsiderou erradamente outros, como a seguir passaremos a demonstrar.

Cabem na primeira situação os elementos relativos à dinâmica do processo de apreciação das contas, mais concretamente, a circunstância de os arguidos, apesar de esclarecidos, através do Relatório da ECFP, da ilicitude das suas ações, nada terem dito ou corrigido. Com efeito, no nosso específico caso, esta inércia não assume relevância pelas razões que se passam a explicar. No caso, era, em abstrato, possível a correção da irregularidade em causa, designadamente, através de um acerto entre a conta bancária da campanha e a conta bancária de onde proveio o dinheiro usado para pagar a despesa referida no ponto 6. dos factos provados (debitando da primeira e creditando na segunda o respetivo montante). Porém, tal operação apenas poderia ter sido feita até ao encerramento da conta bancária da campanha, o que, segundo jurisprudência constitucional consolidada, deve acontecer aquando do encerramento da conta de campanha. Ora, no momento em que os arguidos foram notificados do Relatório da ECFP (datado de 14 de setembro de 2017) e, por essa via, alertados para a irregularidade em questão (e a necessidade da sua retificação), já a conta bancária da campanha havia sido encerrada (como consta de fls. 79-80 do PA 17/AR/15/2018, tal conta foi encerrada em 7 de março de 2017), não sendo, portanto, possível proceder ao referido acerto. Daí que, neste caso particular, não se possam extrair consequências - nomeadamente, para efeitos de formação da convicção quanto ao sentido subjetivo da ação - da postura dos arguidos após a notificação do sobredito Relatório.

Por sua vez, como se disse, estão em causa presunções naturais, judiciais ou de experiência, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que, pelo menos, origine a dúvida sobre a sua exatidão no caso concreto.

Prosseguimos, assim, para a segunda situação a que se aludiu, considerando-se que a ECFP descurou os dados existentes no processo sobre a situação pessoal da arguida ao tempo da prática dos factos e, em geral, ao longo do exercício das suas funções enquanto mandatária financeira do Partido, os quais, a nosso ver, contextualizam o seu comportamento e, como tal, são decisivos para a formulação de um juízo de imputação subjetiva.

A este respeito provou-se que a arguida assumiu funções no Partido na sequência de doença que em junho de 2014 acometeu o marido, impedindo-o de continuar a exercer a sua atividade partidária, e da qual este veio a falecer em agosto de 2015 (cf. o ponto 9. dos factos provados) e que a doença e morte do marido lhe causaram tristeza, desolação e ansiedade, tendo vindo, desde então, a receber acompanhamento psicológico (cf. o ponto 10. dos factos provados). Ora, as circunstâncias em que a arguida iniciou funções no Partido e, em particular, geriu as receitas e despesas da campanha e elaborou e apresentou as respetivas contas não podem deixar de ser ponderadas a seu favor aquando da apreciação da sua perceção dos factos e do seu desvalor. A sua inexperiência, por um lado, e o seu estado emocional, por outro, tornam plausível - e até provável - que a arguida ignorasse - e nem sequer representasse como possível - que a conduta descrita em 6. impediria a demonstração da real origem do valor utilizado, bem como o destino e o motivo da despesa, tanto mais que esta era de montante diminuto, respeitava a uma mera deslocação pontual e foi paga pouco tempo depois da morte do marido, ou seja, numa fase de grande sofrimento e perturbação. Este circunstancialismo permite concluir, segundo critérios de razoabilidade, que a arguida agiu em erro sobre o significado e alcance da sua conduta, desconhecendo os resultados da sua atuação ou, no mínimo, cria dúvidas fundadas sobre a representação desses resultados como possíveis (e, logicamente, sobre a conformação com os mesmos, àquela associada), as quais não podem ser valoradas contra a arguida.

Pelas mesmas razões, naufraga a prova do conhecimento do carácter proibido e sancionável da conduta.

Uma vez que o Partido, enquanto ente coletivo, atua através de pessoas físicas e, neste caso particular, através da sua mandatária financeira, a ausência de dolo afirmada quanto a esta não pode deixar de aproveitar àquele.

Fundamentação de direito

20 - Em causa estão as contas da campanha para as eleições legislativas de 4 de outubro de 2015 apresentadas pelo PPV/CDC.

O capítulo III da LFP contém as normas aplicáveis em sede de financiamento das campanhas eleitorais. Por sua vez, os artigos 30.º a 32.º do seu capítulo IV preveem as coimas a que estão sujeitos os infratores das regras respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais.

Porém, como se afirmou no Acórdão 417/07 - e se repetiu, designadamente, nos Acórdãos n.os 77/2011, 139/2012, 177/2014 e 43/2015 -, não se verifica uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da LFP impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, pelo que nem todas as ilegalidades e irregularidades previamente detetadas na fiscalização às contas da campanha eleitoral implicam responsabilidade contraordenacional.

Na síntese do Acórdão 43/2015, o Tribunal, com base nessa constatação, procedeu à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais, nos seguintes termos:

a) recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, da mesma lei;

b) incumprimento, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, desta lei;

c) incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4, da citada lei;

d) ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;

e) incumprimento do dever de entrega, por partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores, de contas discriminadas da campanha eleitoral, nos termos previstos no artigo 27.º da LFP - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da mesma lei.

E, a partir desta sistematização, no Acórdão 405/2009, identificou-se, no conjunto das infrações respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais tipificadas na LFP, duas categorias (para além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral): uma, composta por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - as correspondentes à obtenção de receitas ou realização de despesas ilícitas, previstas no artigo 30.º do citado diploma; e outra, integrada pelas infrações relativas à organização das contas da campanha - as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha, a que se refere o artigo 31.º da mesma lei. Como ali se elucida, as primeiras reportam-se à «inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato» (cf. os artigos 16.º, n.º 4 - anterior n.º 3 -, até «60 IAS por doador», 19.º, n.º 3, e 20.º da LFP); as segundas respeitam à «desconsideração do regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados» (cf. o artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, e os artigos 16.º, n.os 2 e 4, última parte, e 19.º, n.º 2, da LFP)

Para o que ao caso importa, dispõe este artigo 31.º que os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS (n.º 1) e que os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS [uma vez que estamos perante factos ocorridos antes de 2018, há que atentar no disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, nos termos do qual o valor a considerar é o do salário mínimo nacional (SMN) de 2008 ((euro)426,00), enquanto o valor do IAS não o ultrapassasse (o que só sucedeu em 2018 - cf. a Portaria 21/2018, de 18 de janeiro)].

Como resulta do teor da norma, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação consiste na prestação de contas de campanha eleitoral sem discriminação ou sem a devida comprovação das respetivas receitas e despesas. Assim, não está em causa qualquer violação dos deveres legais de organização contabilística a que obedecem as contas das campanhas eleitorais, mas apenas e tão só a violação de tais deveres que se traduza na ausência de discriminação e/ou de devida comprovação da receita ou despesa em causa (vide Acórdão 754/2020).

E, de acordo com o n.º 1 do artigo 22.º da LFP, os mandatários financeiros são responsáveis pela elaboração e apresentação das respetivas contas de campanha, competindo-lhes garantir o cumprimento das regras de organização contabilística, pelo que é também aos mesmos que são imputadas, pessoalmente, as infrações praticadas na elaboração e apresentação das contas.

Relativamente ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 31.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades que dogmaticamente lhe estão associadas, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual.

21 - No caso vertente, está assente que a arguida foi a mandatária financeira do PPV/CDC para a campanha eleitoral referida em 2.

Mais se provou, sob o ponto 6., que nas contas apresentadas foi registada a despesa da campanha paga a Sérgio Ferreira Cales da Silva, no valor de (euro)57,20, referente a deslocação à SIC para entrevista, ocorrida em 18 de setembro de 2015, tendo o pagamento sido efetuado através de conta diferente da conta bancária da campanha (identificada em 5.).

Tal conduta traduz-se numa violação do dever previsto no artigo 15.º, n.º 3, da LFP - segundo o qual às contas das campanhas eleitorais correspondem contas bancárias especificamente constituídas para o efeito, onde são depositadas as respetivas receitas e movimentadas todas as despesas relativas à campanha -, que impossibilita a comprovação da despesa em causa, por impedir que a real origem do valor utilizado e o concreto destino e motivo da despesa sejam sindicados, integrando, assim, o tipo objetivo de ilícito da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º da LFP.

22 - No que toca ao tipo subjetivo da contraordenação, a decisão sancionatória imputa os factos a título de dolo, sob a modalidade de dolo eventual.

A impugnação restringe-se à parte em que se considerou preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. Com efeito, a recorrente não nega a existência da irregularidade que sustentou a decisão da ECFP de aplicação da sanção de admoestação, antes se insurge contra a sua aplicação a título de dolo.

De harmonia com o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações, doravante, «RGCO»), só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Assim, na ausência de uma norma específica de sentido contrário, os tipos de ilícito estruturados a partir da violação dos deveres impostos em matéria de financiamento das campanhas eleitorais e de apresentação das respetivas contas encontram-se sujeitos à incidência da regra geral constante do referido artigo 8.º, n.º 1.

No nosso caso, não se provou que, ao agirem conforme descrito em 6., registando nas contas apresentadas a despesa de campanha paga através de conta diferente da conta bancária da campanha, sem que o valor em causa tivesse saído desta conta, o Partido e a mandatária financeira representaram como possível que tal não demonstrasse a real origem do valor utilizado, bem como o destino e motivo da despesa da campanha eleitoral e se conformaram com essa possibilidade, nem que o Partido e a mandatária financeira sabiam que a referida conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável (cf. os pontos 1. e 2. do factualismo não provado). Desta prova negativa retira-se que os arguidos ignoravam que tal conduta comprometia a fiabilidade das contas, pelo que agiram em erro sobre o significado e os efeitos da mesma e, consequentemente, sobre o seu carácter proibido e sancionável.

De acordo com o disposto no n.º 2 do citado artigo 8.º, o erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo, ficando, nos termos do n.º 3, ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.

Por seu turno, o artigo 9.º do RGCO, sob a epígrafe «Erro sobre a ilicitude», determina que age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável (n.º 1) e, se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada (n.º 3).

Tendo em conta que da matéria não provada resulta que os arguidos não conheciam rigorosamente a necessidade e obrigação de a concreta despesa em causa ser paga através da conta bancária especificamente constituída para a campanha eleitoral (isto por referência ao momento em que a despesa foi paga) ou, pelo menos, de retificarem a situação através de um acerto de contas (aqui por reporte ao último momento em que o poderiam ter feito, ou seja, como se viu, até ao encerramento da conta bancária da campanha; com efeito, só viriam a ser alertados para a situação posteriormente, aquando da notificação do Relatório da ECFP em que a mesma é sinalizada) - o que equivale a dizer que os mesmos, no período temporal relevante, ignoravam a ilegalidade do incumprimento dessa obrigação -, estamos perante um erro sobre a proibição, pois o conhecimento impreciso impede uma verificação das condições de liberdade de motivação pelo direito. Trata-se de uma situação que se coloca logicamente antes da direta falta da consciência da ilicitude, na medida em que o agente, nesta situação, não tem acesso a todos os elementos razoavelmente indispensáveis à formação da sua consciência jurídica. Consequentemente, não está em causa a censura da deficiente formação da consciência jurídica do agente, mas sim um eventual incumprimento de um dever de diligência na apreensão de todos os elementos objetivos necessários à formação dessa consciência.

Tem, portanto, aplicação nos autos o disposto no artigo 8.º, n.º 2, do RGCO, ficando, assim, excluído o dolo e, desse modo, a responsabilidade contraordenacional. Com efeito, uma vez que o artigo 31.º da LFP não prevê a negligência, conclui-se que a conduta imputada não preenche o tipo subjetivo de ilícito da correspondente contraordenação.

23 - A conclusão a que se chegou no sentido da exclusão da responsabilidade contraordenacional por impossibilidade de imputação subjetiva da conduta não pode deixar de abranger, também, o PPV/CDC, não obstante este não ter interposto recurso da decisão sancionatória.

É ponto assente que as pessoas coletivas representam um «real construído» e atuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes.

A responsabilidade da pessoa coletiva pressupõe sempre que o titular de um seu órgão ou o seu representante atuou por ela com culpa, pois a culpa da pessoa coletiva resulta da culpa da pessoa física que atuou em seu nome e no seu interesse.

A existência de um nexo de imputação do ato ilícito a uma pessoa física constitui um pressuposto essencial para imputação à pessoa coletiva, em cujo nome e interesse aquela atua.

Assim sendo, só pode haver responsabilização se os elementos necessários ao estabelecimento desse nexo de imputação objetivo e subjetivo forem objeto de prova e de decisão.

Ora, no nosso caso, tal nexo de imputação (subjetiva) não foi estabelecido quanto à mandatária financeira e, consequentemente, também o não foi quanto ao Partido.

Assim sendo, a matéria de facto provada não permite a responsabilização contraordenacional de ambos os arguidos, impondo-se, por conseguinte, a sua absolvição.

III - Decisão

Por tudo quanto foi exposto:

a) Julga-se improcedente o recurso interposto pelo PPV/CDC da decisão proferida pela ECFP em 8 de junho de 2018;

b) Julga-se procedente o recurso interposto por Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro da decisão proferida pela ECFP em 7 de julho de 2020 e, em consequência, absolve-se a arguida e o arguido PPV/CDC da prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.

Lisboa, 21 de abril de 2021. - João Pedro Caupers - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes.

314244785

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4528193.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2018-01-29 - Lei 1/2018 - Assembleia da República

    Permite a notificação eletrónica de advogados e defensores oficiosos, procedendo à trigésima alteração do Código de Processo Penal

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-13 - Decreto-Lei 10-A/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

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    Altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19

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